China-Índia-Irão ao lado da Rússia e do outro lado os EUA com a NATO
O Ocidente, com os USA a encabeçá-lo, julgava, com a queda da União Soviética (1991), ter-se chegado ao fim da história cuja meta seria um mundo unipolar com os USA a comandá-lo. A reacção desastrosa de Putin veio demonstrar que tinham deitado os foguetes antes da festa! Tudo leva a crer que o resultado da Nova Guerra Fria fará surgir um bloco alternativo. As sanções económicas castigam especialmente os países sancionadores e dobradamente as suas populações que irão ver o sarilho em que foram metidas. Na Alemanha, políticos destacados, como Sigmar Gabriel, já se pronunciam a favor de horários de trabalho semanais mais longos. No jornal “Bild am Sonntag”, Gabriel anuncia que a Alemanha tem de se preparar durante dez anos “nos quais se tornará mais extenuante”, doutro modo não poderá manter a prosperidade (1)! Também associações empresariais e economistas defendem a introdução da semana das 42 horas e a idade de reforma para os 70 anos!
A afirmação do Rublo perante o Dólar americano (2) também indica que a hegemonia do dólar sobre as outras moedas se aproxima do fim! A Rússia e a China desligaram-se do sistema financeiro liderado pelo Dólar que tinha substituído o Ouro. Com o Dólar facilitavam-se as trocas internacionais e, por outro lado, os USA eram subsidiados por um mundo sujeito ao dólar!
O bloqueio económico à Rússia quis ignorar a dependência da Europa (o nosso bem-estar) das matérias primas baratas e deste modo a política das sanções económicas colocou em “fora de jogo” o próprio Ocidente, o verdadeiramente sancionado, porque obrigou a Rússia a controlar capitais e a determinar que o gás russo fosse comprado em rublos e tornado mais acessível a outras partes do globo. Tudo isto está a provocar um alinhamento geopolítico da Rússia com países asiáticos e com alguns africanos, proporcionando aos povos do Sul Global procurar nova orientação (3). O bloco ocidental (NATO) que antes vivia bem dos serviços prestados pelo sul global terá de se contentar com uma concorrência (entre pobres e ricos) mais limitada ao seu bloco, uma vez que a Ásia e a Rússia seguirão um outro caminho talvez mais solidário entre eles. Teremos China-Índia-Irão ao lado da Rússia contra a Hegemonia pretendida pela NATO.
Os USA queriam que a história acabasse neles, mas veem surgir um recomeço da História na Rússia e na China que parece iniciar a história de um mundo bipartido. A aproximação dos povos entre si não será fácil devido ao desequilíbrio na relação de poder entre eles. Em 2015, os EUA tinham um total de 4.855 bases militares no mundo (4). A maioria das instalações situava-se no território dos Estados Unidos, 114 situavam-se em territórios estrangeiros dos EUA. 587 bases estavam localizadas no estrangeiro, 181 das quais na Alemanha (5).
Não chega difundir a democracia e os direitos humanos com a espada na bainha pelo facto de sermos “melhores”; é preciso criar uma solidariedade a nível de populações como aquela que reina entre a elites que nos conduzem. Temos que criar condições para que os povos se democratizem por dentro sem a desestabilização de povos nem submissão seja a que poder for. Temos que aprender a desenvolver-nos mais lentamente e para isso a caminhar mais devagar com o mundo todo criando sinergias entre povos e continentes sem que uns explorem os outros desumanamente.
O caminho que seguimos não é bom. Primeiro expropriaram-se os senhorios e agora expropria-se o cidadão que reduzido a contribuinte já não de um Estado, mas de forças globais anónimas é mantido na serventia.
Uma oligarquia financeira mundial que tem 90 por cento da riqueza global nas suas mãos fortalece-se cada vez mais. Serve-se do poderio militar para conseguir o monopólio e controlo já não de terras, mas dos Estados, com troicas e aliados. Em 2019 os 10% mais ricos da população de 57 países inquiridos em conjunto detinham cerca de 84% de 146 triliões de euros, o total dos activos financeiros líquidos. O 1% mais rico da população possuía quase 44% da riqueza, com uma média de activos financeiros líquidos por pessoa superior a 1,2 milhões de euros (6).
Agora que os parceiros da NATO se encontram num empasse histórico estão a perder a ocasião de dar um passo qualitativo da filosofia oligárquica financeira para uma filosofia social participada e solidária, numa estratégia comum onde a perspectiva de empenho de uns e outros fosse o bem-comum. A competição a haver seria: quem serve melhor o bem comum e não, quem tira mais proveito das situações e quem domina o outro! Uma nova matriz pressuporia uma nova reestruturação do pensamento e uma nova filosofia político-social. Para isso teríamos de abandonar definitivamente a estratégia de colonizar com ideologias subsidiárias das oligarquias liberais económicas.
Multinacionais globais e os sistemas bancários cada vez assuem mais funções supervisoras próprias do Estado; a nível individual, o Cartão de crédito quase já assume a função controladora do cidadão e, por este andar, chegará a substituir o passaporte! O sistema financeiro assume o lugar do crédito público. (Antes sobressaíam as torres das Igrejas hoje sobressaem as torres bancárias.) Um Estado que não seja mais forte que a oligarquia perde a sua funcionalidade e impossibilita uma independência equilibrada e com ela a missão de servir o povo e o país.
As oligarquias financeiras, embora invisíveis, governam o mundo e através dos seus bancos internacionais disciplinam os países endividados de tal modo que a própria produção não pode conter as dívidas e assim se eterniza a dependência dos juros a pagar e coloca o cidadão numa situação de assalariado da finança internacional e os governos na mera posição de gerentes. (de lembrar que os países ricos pagam à oligarquia internacional uma taxa de juro muito mais reduzida do que os países precários). A política bancária estabiliza a subordinação comum e impede assim qualquer mudança política séria nas sociedades. Os políticos, por sua vez, através dos governos financiam as grandes empresas endividadas (ligadas à alta finança internacional) com o dinheiro público (impostos dos seus cidadãos); deste modo o sistema oligárquico é implementado devido à miscigenação de economia e política sempre à custa do bem-comum. Com o truque das dívidas e inflação adia-se o desenvolvimento da história dos países; com magias rectóricas da política de informação, que assume um caracter narrativo, a narrativa pósfactual…
Também não é suficiente que as democracias liberais e o capitalismo consigam alimentar o povo mais precário com subsídios porque a injustiça continua a ser sistémica e se não estiverem atentos o sistema chinês, este até poderá ganhar a dianteira em termos de concorrência económica e até social, a nível material. A promiscuidade do grande capital com a classe política governante tem possibilitado nessa união oligarca o endividar do povo e colocar nações ao seu serviço (O caso de Sócrates em Portugal poderia ser o exemplo de uma relação à vista entre finanças e política como geradora de oligarcas). O exemplo da China em que o Estado controla a nação e as finanças através dos seus 80 milhões de comunistas afirma-se como verdadeiro concorrente do sistema ocidental se este não moderar o capitalismo e não mudar radicalmente a atitude dos governantes em relação ao bem-comum.
O problema a resolver seria: quem controla quem? Nem o sistema chinês com o seu controlo financeiro e social através dos burocratas comunistas, nem o sistema ocidental de controlo financeiro e diplomático pela força militar (NATO) dão resposta às necessidades humanas, na sua qualidade de pessoas e de sociedade. Ambos sistemas são selectivos e alienadores da pessoa e da comunidade, reduzindo-as a mero instrumento ou a mero meio para atingir um fim, quando o ser humano é, ao mesmo tempo, meio e fim, numa relação pessoa-comunidade e, como tal, não redutível apenas à qualidade de cidadão-sociedade! Há que inverter as categorias de poder e de servir para se criar uma nova matriz político-económica que integre os interesses concorrentes no sentido de servir todo o povo, independentemente do lugar geográfico ou ideológico onde ele se encontre!
Doutro modo, o autoritarismo hegemónico continuará a servir-se da guerra fria para continuar a dividir o mundo em vez de assumir a função de o unir.
O plano de um governo mundial (globalismo global) é, também ele, fruto de ideias oligarcas centralistas (imperialismo total) e de uma atitude anti pessoa, antirregião, sem respeito por culturas nem por biótopos regionais que, dentro dos seus organismos, criariam equilíbrio social, económico e financeiro (um sistema democrático mais orientado pela base ou bem-comum e não servidor do corporativismo liberal vigente que fomenta oligarquias do lucro e de poder).
O cidadão de hoje deserdado da terra e do campo perdeu a capacidade de autossustento e encontra-se em perigo de ser desenraizado também da família, dado, tanto a política como a economia, o conceber apenas como cliente ao serviço de uma globalização que tem por fim prolongar o “colonialismo”!
“A República de Roma enriqueceu a sua oligarquia ao retirar a riqueza das regiões que conquistou, deixando-as empobrecidas. Esta continua a ser a estratégia extractiva do colonialismo europeu subsequente e, mais recentemente, da globalização neoliberal centrada nos EUA. O objectivo foi sempre o de “libertar” as oligarquias de constrangimentos na sua procura de si próprias (7)”.
Se, depois da guerra na Ucrânia, as potências não se reconciliarem para construírem uma nova ordem mundial mais justa e humana, mal do sul europeu e do Sul Global (8).
António da Cunha Duarte Justo
Pegadas do Tempo, https://antonio-justo.eu/?p=7753
(1) Actualmente, a política e as empresas estão a discutir várias ideias para contrariar o peso da falta de mão-de-obra e as consequências da guerra da Ucrânia. O Presidente da Federação das Indústrias Alemãs (BDI), Siegfried Russwurm, e o Director do Instituto da Economia Alemã (IW), Michael Hüther, tinham defendido uma semana de 42 horas. Outros economistas apelam ao aumento da idade da reforma para os 70 anos. https://www.spiegel.de/politik/deutschland/spd-sigmar-gabriel-spricht-sich-fuer-eine-laengere-wochenarbeitszeit-aus-a-ebda6d0c-abb8-49f0-ab11-85dbdefcb2fb?fbclid=IwAR0ardFKHRFtnexZyHE2fl-yVjREVjgrJNp3U8TP1l3mvJ7dCAjiwoaydKg
(2) Putin defende o Rublo: https://antonio-justo.eu/?p=7264
(5) Crítica à Base Aérea dos EUA na Alemanha: https://antonio-justo.eu/?p=7663
(6) https://de.wikipedia.org/wiki/Verm%C3%B6gensverteilung
(7) https://geopol.pt/2022/07/21/o-fim-da-civilizacao-ocidental/?fbclid=IwAR0rmt9vf-I7DVXCfZmZ9amrCaUbP0rgeqKx4YYD-bAN9madn4PEOZrdxX8 “A oligarquia e a dívida são as características que definem as economias ocidentais.”
(8)A preocupação por manter a continuação do sistema imperial herdado dos gregos e dos romanos encontra-se muito clara na declaração da Cimeira da NATO em Madrid: NATO em Madrid. https://antonio-justo.eu/?p=7672
ALGUNS TEXTOS sobre a Ucrânia
O erro de Putin foi querer ter travar o avanço da NATO através da invasão! Por outro lado deu maior expressão aos motivos da guerra civil ucraniana que desde 2014 já tinha vitimado 13.000 civis e 4.000 soldados numa Ucrânia que não passava de cavalo troiano das duas potências em conflito e também ela nas mãos de oligarcas: Ucrania Cavalo troiano da NATO e da Coligação russa: https://www.gentedeopiniao.com.br/opiniao/ucrania-e-o-cavalo-troiano-dos-usa-e-da-russia-surpresas-em-democracia
Chegou a hora de Putin: https://triplov.com/chegou-a-hora-de-putin/
A maior Victória dos EUA foi criar a Separação entre a Alemanha /Europa e a Rússia: https://beiranews.pt/2022/04/02/ponto-de-vista-por-antonio-justo-221/
Símbolos de subjugação e decadência: https://antonio-justo.eu/?p=7435
Já em 2014 indico do que se trata na Ucrânia no artigo: “Ucrânia entre imperialismo russo e ocidental” (2014): https://www.triplov.com/letras/Antonio-Justo/2014/ucrania.htm
Embaixadas ucranianas agências de propaganda: https://www.gentedeopiniao.com.br/opiniao/embaixadas-ucranianas-transformadas-em-agencias-de-propaganda-discordia-entre-berlim-e-kiev-os-oligarcas-da-ucrania
Causas do Conflito: https://antonio-justo.eu/?p=7410&fbclid=IwAR0c1RHilCBv1vjjRb0iUrN1TtpOUB54-J1qC5xdCHhSTORyHyLk8js4rJw
À custa da Ucrânia: https://jornalpovodeportugal.eu/2022/04/03/com-a-escusa-da-ucrania-os-eua-ganharam-a-guerra-do-gas-e-conseguiram-desnortear-a-europa/
A Ucrânia está em guerra e desta guerra vai resultar uma divisão do mundo em mundo de tendência socialista e mundo de tendência capitalista: https://bomdia.eu/a-ucrania-esta-em-guerra/
Nem Guerra nem Paz – Negócio e Hipocrisia: https://antonio-justo.eu/?p=7116
O POVO FALA DE POLÍTICA E OS POLÍTICOS FALAM DE NEGÓCIOS: http://abdic.org.br/index.php/675-o-povo-fala-de-politica-e-os-politicos-falam-de-negocios
A Alemanha rendeu-se atraiçoando assim a Europa: https://macua.blogs.com/moambique_para_todos/2022/05/a-alemanha-decidiu-render-se-entregando-armas-pesadas-%C3%A0-ucr%C3%A2nia.html
O BATALHÃO AZOV EM MARIUPOL RENDEU-SE: http://www.uaisites.adm.br/iclas/ler.php?CdNotici=1024&Pagina=Opiniao
Alguns textos em: http://www.uaisites.adm.br/iclas/todas.php?Pagina=Opiniao
Putin, pode ter os defeitos que tiver mas ocupará um lugar relevante na História por ter provocado o início de mudança de matrizes a nível de política mundial!
Muito obrigado, estimado Justo, por está excelente análise global que vou agora partilhar.
Muito agradecido,
Procuro olhar para o mundo e ver e ouvir o que ele me diz!
Naturalmente a visão é sempre prespectivista numa realidade a-perspectiva.
Eu é que agradeço mais uma vez pelo deu esforço por resistente. Queria colocar-lhe uma dúvida:
Será que a Ucrânia representava alguma ameaça à integridade territorial da Rússia?
E mesmo a OTAN que perigo representa para uma potência nuclear como a Rússia?
Pelo que pude observar do que aconteceu depois da queda da União Soviética, a OTAN não cumpriu a promessa feita de não alargar a sua zona militar aos países da velha União Soviética. De facto, o que se passou entre a Federação Russa e os USA/OTAN na Ucrânia assemelha-se às relações que havia na Guerra do Peloponeso (431–404 a.C.), travada, por razões estratégicas e de domínio dos mercados entre a Liga do Peloponeso (liderada por Esparta) e a Liga de Delos (liderada por Atenas). O conflito esconde interesses económicos e estratégico de um bloco (USA) em relação ao outro (Rússia). Esta é uma questão geoestratégica. A Ucrânia é apenas motivo para os dois imperialismos se debaterem!
O meu aspecto de “resistente” tem apenas a ver com a manipulação a que são submetidos os povos da OTAN e da Federação Russa. Naturalmente identificando-me mais com a Europa procuro apontar para os erros que ela está a fazer! Disto quase ninguém fala e por isso quase tudo pensa da mesma maneira!
Penso que o problema factual é tanto a Rússia como a OTAN serem duas potências nucleares em conflito!
A Ucrânia não representava nenhuma ameaça à integridade territorial da Rússia até à altura em que ela (por influência dos USA (OTAN) abdicou parlamentarmente do seu estatuto de neutralidade!
A OTAN representa tanto um perigo para a potência nuclear Federação russa como a potência nuclear Federação russa significa um perigo para OTAN.
A Guerra do Peloponeso durou 27 anos e terminou com a vitória de Esparta. A guerra na Ucrânia não durará muito mas será continuada na Guerra Fria; nela só haverá derrotados, especialmente o povo do ocidente (as elites continuarão a ganhar quer de um lado quer do outro!); o novo bloco concorrente que surgirá terá a ganhar dado os pobres do bloco sul não terem tanto a perder como os ricos do norte (Ocidente). Isto até que na História surjam outras situações de concorrência!
Os russos, iranianos, chineses, africanos BRICs e afins estão preocupados em sobreviver, enquanto os cidadãos de EUA e União Europeia vivem folgadamente.
Ainda não vi os africanos e os brasileiros emigrarem para qualquer outro BRIC, vêm para a União Europeia e vão para os EUA, são o melhor barométrico de que o Ocidente no futuro vai continuar infinitamente melhor.
José Luís Caldeira Fernandes , é verdade! Um facto a considerar será também o caso de o Sul global começar a aparecer reclamando também para ele um lugar na história e isso implicará maior restrição para o Ocidente!
António Cunha Duarte Justo, que reclamem e obtenham, o que é que aquilo a que chama “Ocidente” tem que ver com isso?
Sim! O Ocidente ou civilização ocidental que chegou a dominar a grandíssima parte do globo tem, a partir da segunda guerra mundial, sido cada vez mais reduzido e actualmente, após ter feito o apelo na ONU aos países a alinharem nas sanções contra a Rússia como prova da sua proocidentalidade verificou que na ONU tem apenas 21% dos países membros a apoiá-lo, o que corresponde a 15% da população mundial. O mais trágico penso encontrar-se numa Europa que embora forte cada vez se deixa mais envolver em interesses apenas americanos tendo, na sua servidão aos USA, abandonado a inicial ideia de Gorbatchev na construção de uma “casa comum”, inicialmente também querida por Putin.
Muito obrigado, Duarte. Fiquei mais esclarecido.