BENTO XVI ABRE-SE AO JORNALISMO CONTEMPORÂNEO
“Luz do Mundo – O Papa, a Igreja e os Sinais dos Tempos”
António Justo
O livro, “Luz do Mundo – O Papa, a Igreja e os Sinais dos Tempos”, resulta duma entrevista efectuada de 26 a 31 de Julho, onde Bento XVI em Castel Gandolfo respondia, uma hora por dia, às perguntas directas e pessoais do jornalista Peter Seewald.
Bento XVI dá assim continuidade aos livros-entrevista “O sal da terra” e “Deus e o mundo”, resultantes das entrevistas que o outrora comunista Peter Seeweald fizera ao então ainda Cardeal Razinger.
Esta nova forma de abertura ao jornalismo contemporâneo possibilita a leitura a um público mais abrangente que o das encíclicas.
No livro “Luz do Mundo”, o chefe supremo de 1.200 mil milhões de católicos, toma posição no respeitante aos problemas da Igreja e da sociedade, falando, sem subterfúgios, sobre si, o seu pontificado, a alegria do cristianismo, os abusos na Igreja, o ecumenismo, a sida, mesquitas e burca, o modernismo, o progresso, a droga, a sexualidade, Pio XII, a mulher, o celibato, etc. Ao ler-se o livro acompanha-se um Papa sublime e humilde, que, no centro da vida, quer dar vida à fé e trazer fé à vida.
Dá prazer ler os escritos lúcidos dum homem sábio, fiel a Deus e à humanidade, que, neste momento crucial da História humana, constata que “é absolutamente inevitável um exame de consciência global.” Não chega guiar-se pelo ponto de vista “ da factibilidade e do sucesso.” Para evitarmos certos aspectos destrutivos do progresso “devemos reflectir sobre os critérios a adoptar a fim de que o progresso seja verdadeiramente progresso”. A sociedade ocidental encontra-se numa encruzilhada que conduz ou a um secularismo que não tem nada para contrapor aos grandes problemas da humanidade ou a uma nova questionação sobre Deus. Reconhece que “muitas coisas devem ser repensadas e expressas de um modo novo.”
O anúncio do Evangelho não pode ser consensual: “Se o consenso fosse total, teria de me interrogar seriamente sobre se estaria a anunciar realmente o Evangelho todo”. Reconhece porém que não se tem apresentado suficientemente o potencial libertador e o sentido da fé em Deus. “O cristianismo dá alegria, alarga os horizontes.”
Nota-se que Bento sofre pelo facto dos Media e dos críticos da Igreja condicionarem a modernidade da Igreja às questões que têm a ver com os sexos.
Torna-se nefasto e desastroso para a Europa e para o mundo o caso do modernismo europeu reduzir a imagem da Igreja católica ao seu trato do sexo e condicionar a sua aceitação à sua maneira de encarar a sexualidade. Uma Europa que deve a sua configuração ao Cristianismo e um mundo que tem no catolicismo o seu primeiro modelo implementador de globalização, não revelam carácter ao rebelarem-se como filhos pródigos renitentes na sua primeira fase de abandono e repulsa.
Estes filhos pródigos apoderaram-se de grande parte dos média, das políticas e das administrações, controlando grande parte da opinião públicada e dos centros do poder e tratando a Igreja como sua rival. Os preconceitos mediáticos e a desinformação tornam cada vez mais necessária a abordagem directa dos textos papais.
Contesta o relativismo propagado afirmando que “o homem tem de procurar a verdade; ele é capaz da verdade. É evidente que a verdade necessita de critérios de verificação e de falsificação”. E mostra o seu desconsolo sentindo-se “decepcionado sobretudo por existir no mundo ocidental esse desgosto com a Igreja, pelo fato do secularismo continuar tornando-se autónomo, pelo desenvolvimento de formas nas quais os homens são afastados cada vez mais da fé, pela tendência geral da nossa época de continuar sendo oposta à Igreja”.
Lamenta a cegueira do mundo ocidental onde muitas pessoas não distinguem entre o bem e o mal; reconhece na Europa forças destrutivas e manifesta esperanças nas pessoas fora da Europa. Questiona uma sociedade em que as sondagens se tornam “o critério do verdadeiro e do justo.” Para a Igreja “a estatística não é a medida da moral”.
Preocupa-o a nova intolerância propagada por um laicismo activista que em nome da tolerância se aproveita para afastar símbolos religiosos dos espaços públicos e assim safar o cristianismo da Europa. “A verdadeira ameaça frente à qual nos encontramos é que a tolerância seja abolida em nome da própria tolerância… Existem regras ensaiadas de pensamento que são impostas a todos e que são depois anunciadas como uma espécie de tolerância negativa…. há uma religião negativa abstracta que se transforma em critério tirânico e que todos devemos seguir… Ninguém é obrigado a ser cristão. Mas ninguém deve ser tão pouco obrigado a viver a «nova religião» determinada como única e obrigatória para toda a humanidade… O que importa é que procuremos viver e pensar o cristianismo de tal modo que ele absorva o moderno que é bom e está certo e, ao mesmo tempo, se separe e diferencie do que é uma contra-religião.”
Apela à defesa da fé como catalisadora do mal num mundo secularista agressivo. Este quer o ser humano inteiramente disponível ao seu domínio e à sua ideologia reduzindo-o a indivíduo e a coisa sem dignidade divina. “Porém, a presença divina revela-se sempre no Homem.”
Para Bento XVI razão e fé não são contraditórias; vê na fé um serviço crítico e um limite razoável da razão. Doutro modo, o Homem, ao fazer-se a medida de todas as coisas, reduz e desumaniza a criação. O Homem sem Deus, destrói-se a si mesmo e a criação, sem se sentir responsável perante ninguém.
No que respeita ao sacerdócio da mulher, Bento XVI diz que o facto dos apóstolos terem sido homens levou esta prática a ser assumida pela Igreja como norma, sentindo-se ele, assim, condicionado pelo direito. Ao argumentar com a norma consuetudinária deixa o campo aberto à discussão teológica. De facto o NT também diz:”…o que ligares na terra será ligado no céu…” Bento também testemunha que “o significado das mulheres – de Maria a Mónica até Madre Teresa de Calcutá – é tão proeminente que, de muitas maneiras, as mulheres definem o rosto da Igreja mais do que os homens.”
Quanto ao uso do preservativo o “grande Mestre” aponta para a possibilidade da casuística: um método da Tradição que faculta, em casos de conflito entre princípios morais, a possibilidade de optar pelo princípio maior (neste caso a defesa do corpo e da vida é mais relevante que a proibição do uso do preservativo para impedir a natalidade). A Igreja não se pode encostar aos adaptados que têm apenas respostas fáceis e ideologia para oferecer. Ela é acontecimento, milhares dos seus membros entregam-se abnegadamente na ajuda aos infectados pela SIDA. Bento XVI atesta que “onde quer que alguém queira obter preservativos, eles existem. Só que isso, por si só, não resolve o assunto. É preciso fazer muito mais”. “A mera fixação no preservativo significa uma banalização da sexualidade, e é precisamente esse o motivo perigoso pelo qual tantas pessoas já não encontram na sexualidade a expressão do seu amor, mas antes e apenas uma espécie de droga que administram a si próprias”… O uso do preservativo é legítimo “em casos pontuais, justificados… o preservativo pode ser um primeiro passo na direcção de uma sexualidade vivida de outro modo, mais humana.” Solicita a” humanização da sexualidade”.
Quanto à homossexualidade, ensina: os homossexuais “merecem respeito” e “não devem ser rejeitados por causa disso”.
Relativamente à possibilidade de renunciar ao papado responde “Se o papa chega a reconhecer com clareza que física, psíquica e mentalmente já não pode suportar o peso do seu ofício, tem o direito e, em certas circunstâncias, também o dever de renunciar.”
Segundo ele, também as feridas da Igreja “têm para nós uma força purificadora e, no final, podem ser elementos positivos“. De facto, na Igreja como na natureza encontra-se a contradição, não fosse ela vida.
A droga “destrói os jovens, destrói as famílias, leva à violência e ameaça o futuro de nações inteiras”.
A humanidade alcançou os limites do seu crescimento. A solução cristã, para sair da crise e para resolver os problemas do ambiente e da humanidade, não vem de iniciativas da economia de mercado mas da metanóia, da mudança da consciência individual. Bento, o Cristianismo, aposta na pessoa e crê na sua capacidade de mudança através do aprofundamento da consciência individual numa perspectiva de fé.
O Papa sublinha a esperança cristã e a necessidade de colocar Deus em primeiro lugar para que a Igreja seja a luz de todo o mundo.
A Igreja, como organismo vivo é processo e não uma instituição que se deixe regular apenas por leis externas. O Papa não pode nem deve dar resposta imediata a tudo. Ele é como a Constituição dum país. Da Constituição não se podem esperar respostas muito específicas. Para isso estão as leis, para isso há a pastoral que tentará dar respostas adequadas a situações específicas, “in loco”, tal como as leis do Estado fazem, tendo como inspiração o espírito da Lei Fundamental.
Em caso de conflito de consciência o Cristão está chamado a orientar-se pela própria consciência, como advogava já S. Tomás de Aquino. É também um princípio cristão que o amor está por cima da lei.
Resta aos cristãos e ao mundo “encontrar palavras e modos novos para permitir ao homem destruir o muro do som do finito.”
António da Cunha Duarte Justo
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