PÁSCOA É TEMPO DE MUDANÇA – RESSURREIÇÃO LIBERTA DO MEDO
António Justo
Morte e ressurreição fazem do Cristianismo uma impertinência, uma afronta. Unir a morte à ressurreição torna-se numa exigência a cada pessoa, um apelo à mudança radical de vida (metanóia) para a responsabilidade. “Fazei jejum e estai atentos” apela a Boa Nova. A compreensão do acontecimento pascal pressupõe o à-vontade com a vida, uma relação aberta com a morte, uma recusa ao medo.
A razão foi crucificada pelos poderosos. A história repete-se ininterruptamente. Quem se encontra do lado dos vencedores tem dificuldade em compreender o povo crucificado, os que perdem. Reprimimos o perder porque este faz parte de nós e está presente nas nossas fraquezas não assumidas: medo da velhice, medo de perder o emprego, medo da separação, de adoecer, da pobreza, das catástrofes climáticas, da má figura, etc. Por medo, se desprezam os velhos, os fracos e doentes e se evitam os pobres. A nossa vaidade e superficialidade leva-nos a viver na escravidão, a viver fora de nós, a desmiolar-nos da nossa dignidade e dela abdicarmos para os vendilhões se mascararem com ela e nos venderem a ilusão.
Os Media vivem da mensagem “tende medo”, “sêde ovelhas”. Antigamente também a religião ganhava pontos com o medo do inferno; hoje o negócio com o medo passou para os Media e para a política que, com diversos medos, alienam o povo de si mesmo, da sua ipseidade e do Estado.
Páscoa, morte-ressurreição significa encarar o medo de frente e vencê-lo. Assumir o próprio ser investindo na diferença. Afinal nós só temos medo de perder o que outros nos roubaram! A Páscoa ajuda-nos a dar conta disso! “Fazei jejum e estai atentos”!
Ressurreição, libertação significa dizer sim à vida, lutar contra a banalidade do factual, contra o politicamente correcto (o medo de não ser como os figurinos querem!). Morte e ressurreição acontecem aqui e agora. O amor não conhece o medo. Porque temos medo de despir os vestidos da desonra que nos vestiram?
Martin Heidegger dizia “ O ter medo é o estar-no-mundo como tal”. Ao considerarmo-nos como “ser e tempo” reduzimos a perspectiva da nossa existência, reduzimos a vida a espaço e tempo. O medo torna as coisas e as pessoas insignificantes, deixa-nos abandonados a nós mesmos, ao anonimato da gota no oceano.
A TV fomenta o medo é histérica tornando-se na escrava dos políticos e da economia ajudando os políticos a impor programas antipopulares e anestesiando o povo para aguentarem a injustiça e o roubo da sua dignidade . Um provérbio alemão afirma: “diz-me de que tens medo e eu digo-te o partido que eleges”. A opinião é o dogma da (des)informação!
A ciência e a técnica prometem acabar com medos existenciais. O medo porém permanece constante. O desconhecido e o incerto metem medo e a autoridade confunde respeito com medo. Se hoje temos mais medo é porque temos mais que perder, é porque queremos ter e não ser.
Somos emigrantes da vida,sempre a caminho… Vivemos de esperanças ilusórias no mercado das vaidades, tudo à margem da Esperança, por isso, esta é defraudada na espera. E quem espera desespera! “Deixai os mortos enterrar os seus mortos”. Vós estais vivos. A Páscoa é mistério de Vida. Ressurreição é libertação dos medos e dos entorpecimentos da vida. O fundamento do cristianismo é fé, esperança e amor, tudo na dinâmica e perspectiva da trindade, o outro lado do medo, no mistério do ser.
Na ressurreição, os cristãos crêem que com a morte a vida continua duma outra forma. Por isso a Páscoa é a festa mais importante da cristandade. A morte faz parte do dia a dia da vida.
Não podemos continuar a deixar o céu para os pardais e o povo para as elites. No mistério não há garantias nem receitas. O programa é soltar-se da violência de pressões exteriores e interiores. O perfeccionismo, a hiperactividade, o desejo de glória provêm do medo da morte. Não à subjugação ao medo! Não aos bonzinhos do poder! Só assim poderemos acordar para o amanhecer do novo dia.
Sexta-feira Santa e Domingo de Páscoa formam um só dia. Deus surge na manhã de cada um de nós. A manhã brilha, torna-se dia na criação; no interior da humanidade deixa de escurecer! As preocupações juntam-se no fumo do incenso e ao sair do turíbulo, dissipam-se e cantam “Lumen Christi”, aleluia. Nesse dia grande, sente-se o pensar da natureza ao passar do vento na copa das árvores, ouve-se a sua voz no chilrar dos passarinhos e um sol de primavera se levanta baixinho no coração do Homem a aquecer a natureza.
No Domingo de Ramos o povo glorifica e aplaude o Mestre de Nazaré que entra em Jerusalém e arruma com os vendilhões da capital e do templo, arruma com os comerciantes e traficantes da vida humana. Estes, hoje como ontem, não suportam ser desmascarados perante o povo. A vingança dos poderosos conduz sempre ao calvário dos simples. Em todas as instituições, do Estado à religião, vivem os parasitas da vida e do povo, os cães de guarda da instituição! A viúva, a pecadora, o povo, Jesus, morrem fora dos muros dos ministérios e do templo. Para estes a ressurreição para os dignitários (cães de guarda) a opressão.
O teólogo Alfred Loisy também afirma:”Jesus anunciou o Reino de Deus e quem veio foi a Igreja” e eu continuaria: os políticos anunciaram a democracia e quem veio foram os partidos!
Todos somos testemunhas duma história de morte e ressurreição, do bem e do mal na comunidade de santos e pecadores. Cada um traz em si a vela divina acesa da fé e da esperança, resta apenas soprar as cinzas que a cobrem. Depois a lei será: ama e faz o que queres!
António da Cunha Duarte Justo