COMBATENTES  DO ESTADO ISLÂMICO PERDEM A CIDADANIA ALEMÃ

Retornados do EI um Perigo para as Sociedades acolhedoras

António Justo

O Governo alemão decidiu (3.04.2019) que os jihadistas combatentes de maioridade e com dupla nacionalidade, que voltam da guerra muçulmana, perderão a nacionalidade alemã (1) .

Como argumentação para a lei diz-se que ao participarem em operações de combate numa milícia terrorista no estrangeiro, demonstraram com isso ter virado as costas à Alemanha e à sua orientação de valores.

Em 2013 foram da Alemanha para a região do Estado Islâmico (EI) 1.050 islamistas. Destes já se encontra um terço deles na Alemanha e 200 dos 1.050 morreram lá em combates. Entretanto as autoridades alemãs já trouxeram para a Alemanha várias crianças dos combatentes que lá se encontram presos.

Os governos têm atuado de forma negligente para com o povo porque já desde 2003 foi fundado o Estado Islâmico e só agora se reage; além disso foi permitida a campanha de distribuição do Corão pelos simpatizantes do EI (Salafistas) nas zonas pedonais alemãs em 2011.

A justiça alemã vê-se quase na impossibilidade de julgar os retornados da guerra dado todos negarem em tribunal terem participado em combates e não ser fácil provar crimes.

Os Estados europeus têm, por vezes, seguido uma política de autonegação, até ao possibilitar a criação de lugares de refúgio para os inimigos desta sociedade e da sua Constituição. A sociedade alemã deve muito aos seus serviços secretos e à sua polícia que tem evitado atentados. Muitos dos retornados estão fanatizados e indoutrinados de tal modo que continuam a ser um perigo para a sociedade acolhedora. O Estado com o legítimo argumento da defesa dos cidadãos cada vez restringe mais os seus direitos e legitima o seu controlo.

Pelo que pude observar ao longo de muitos anos e até como tradutor em questões de asilo em tribunal, pude verificar que a Alemanha é um país muito tolerante em relação aos refugiados e especialmente aos muçulmanos.

Devido aos complexos da guerra e a programas culturais públicos de educação do povo, conseguiu-se na Alemanha um espírito muito aberto em relação aos estrangeiros refugiados. Quanto à demasiada compreensão pelos Guetos muçulmanos talvez isso se deva também devido a um certo espírito germânico de que quando se instala num país forma os seus agrupamentos nacionais.

Na Alemanha as organizações muçulmanas têm muito poder e muitos muçulmanos encontram-se integrados como deputados em quase todos os partidos. Os salafistas, grupo muçulmano que apoia o terrorismo, encontra-se muito espalhado na Alemanha.

A Alemanha tem de ter um serviço secreto e policial forte atendendo à liberdade que socialmente permite. De facto,  se na Alemanha houvesse mais ataques muçulmanos do que os que tem havido, a população poderia reagir e fortalecer grupos anti-islâmicos. Também por isso a criminalidade acentuada é um pouco embrulhada na opinião pública com outras considerações que a tornam menos agressiva.

António da Cunha Duarte Justo

Pegadas do Tempo,

(1) O governo chegou finalmente a acordo: “Os jihadistas com dupla nacionalidade podem ser privados dos seus passaportes alemães sob certas condições. O acordo da Grande Coligação foi alvo de muitas críticas – mesmo no seio das suas próprias fileiras”: https://www.tagesschau.de/inland/passentzug-terrorkaempfer-103.html?fbclid=IwAR2qOJb5kETeI8AEHbITj-L38TceqcMjPYi62i4IYhXDqyfQ0f5wc2f1rXQ O Ministro Federal da Justiça Barley anunciou uma lei rápida para retirar os passaportes dos combatentes IS alemães. Dobrindt, líder do grupo estadual da CSU, havia acusado o Ministério da Justiça de atrasar o projeto. https://www.br.de/nachrichten/deutschland-welt/barley-is-kaempfer,RJZq76G . O governo federal concorda em tirar a cidadania para os combatentes do IS com cidadania dupla! https://www.br.de/nachrichten/deutschland-welt/bundesregierung-beim-passentzug-fuer-is-kaempfer-einig,RJfzHYa

 

Tagesschau: https://www.tagesschau.de/thema/is-r%C3%BCckkehrer/

 

ALEMANHA FEDERALISTA CONTRA FRANÇA CENTRALISTA NA REFORMA DA UNIÃO EUROPEIA?

O Coração europeu bate nas Capitais dos Países membros e não em Bruxelas

Por António Justo

O debate Pró-Europa, conduzido pelo presidente Francês Mácron, começa a ganhar perfil em tempos pré-eleitorais para o parlamento europeu (26 de Maio). De um lado a França centralista com Mácron e do outro a Alemanha federalista com Annegret Kramp-Karrenbauer (AKK) que desce ao concreto. Por seu lado, o Ministro Federal das Finanças, Olaf Scholz, ficou-se pelo geral dizendo: “Emmanuel Mácron deu um sinal decisivo para a coesão na Europa. Acho que ele tem razão: não é o cepticismo, mas a confiança que deve determinar as nossas acções.”

O plano de ação para a EU, já exibido por Emmanuel Mácron em diferentes ocasiões e apresentado, por último, na sua carta aos cidadãos da Europa, “Por um Renascimento europeu” (1) publicada a 4 de Março 2019, já recebeu resposta concreta alemã no Welt am Sonntag 11.03.2019, pela voz de Annegret Kramp-Karrenbauer (AKK), a chefe da CDU e próxima Chanceler in spe.

Mácron propôs uma europeização dos sistemas sociais, uma Força Sanitária Europeia, um Salário Mínimo para toda a EU, um Serviço Europeu de Asilo, um Conselho Europeu de Segurança, um Conselho Europeu de Segurança Interna, um Banco Europeu do Clima para financiar as alterações climáticas, uma Polícia de Fronteira Comum e a fundação de uma Agência Europeia para a Democracia e um Conselho Europeu de Inovação. Pretende também que se aumentem as despesas militares, reduza as emissões de CO2 a zero até 2050, 50% menos pesticidas até 2025. Esta iniciativa, por muitos aspectos positivos que possua, não contradiz o medo da criação de uma EU dos burocratas com um Estado-mega!

AKK, com uma só cartada, distancia-se, de Mácron, a nível europeu, e afirma-se como aspirante fiável a chanceler perante o público alemão. AKK refelcte as coordenadas da política alemã ao avisar: “Se tivermos agora a coragem de falar concretamente de alterações aos Tratados europeus, nem a “elite de Bruxelas”, nem a “elite ocidental”, nem a elite supostamente “pró-europeia” devem permanecer encerradas entre si. Só conseguiremos a legitimidade democrática para a nossa nova Europa se envolvermos todos no processo” (2). Até pela forma de discurso se nota a diferença do caracter alemão mais formiga (nórdico) perante o caracter mais cigarra (3) dos latinos (Sul)!

A AKK, no Welt am Sonntag, rejeitou, em parte, tal propósito argumentando que “o centralismo europeu, o etatismo europeu, a comunitarização das dívidas, a europeização dos sistemas sociais e o salário mínimo seriam o caminho errado”. Ao contrário de Mácron, quer ver uma Europa construída em duas colunas tratadas com igualdade, ou seja, cimentadas com o “método da colaboração intergovernamental” (entre governos e instituições da EU) e o “método comunitário”.

A AKK, no Welt am Sonntag, rejeitou, em parte, tal propósito argumentando que “o centralismo europeu, o etatismo europeu, a comunitarização das dívidas, a europeização dos sistemas sociais e o salário mínimo seriam o caminho errado”.

Considera prioritário “assegurar as bases do nosso bem-estar” prevendo para isso a criação de “um mercado interno para bancos e ao mesmo tempo construir um sistema de subsidiariedade, autorresponsabilidade e responsabilidade vinculativa dos parceiros”; exige a segurança das fronteiras exteriores da Europa e o Serviço de Protecção das Fronteiras (Frontex) “ser rapidamente convertido numa polícia operacional de fronteiras.” Quando ao serviço Europeu de Asilo, defende que os requerentes a entrar na Europa, já à entrada nas fronteiras Schengen, será necessário verificar se se trata de uma pretensão de asilo, de um estatuto de refugiado ou de qualquer outro motivo existente. A chefe da CDU exige também um registo electrónico de entradas e saídas e o desenvolvimento do Sistema de Informação Schengen. “Cada Estado-Membro deve dar o seu contributo para a luta contra as causas, a protecção das fronteiras e o acolhimento”.  Doutro modo corresponderia à desautorização da soberania e dos Estados.

Quanto à ideia de Mácron de haver uma Preferência Europeia em matéria de concorrência (“Punir ou proibir empresas que prejudiquem nossos interesses estratégicos e valores fundamentais, tais como padrões ambientais, proteção de dados e pagamentos de impostos apropriados”) haverá concordância entre os dois Estados, porque, neste assunto, os interesses da Alemanha e da França cobrem-se em relação ao concorrente China; esta preferência iria prejudicar os Estados membros com menor produtividade industrial e comercial.

 

A Alemanha também veria com melhores olhos que no conselho de segurança mundial houvesse um assento europeu em vez dos lugares franceses e britânicos. Talvez na proposta francesa de se criar um Conselho Europeu de Segurança Interna e um Conselho Europeu de Segurança haja espaço para outras conversações. Certamente a Alemanha não aceitaria ficar sob a dependência atómica francesa e por outro lado pôr a sua economia à disposição sem contrapartidas. (Em política as ideias são bonitas mas quem pode pode!)

AKK mostra-se moderna e conservadora, o que a torna mais aceitável no meio conservador da CDU e da Europa (A sua posição certamente que agrada aos britânicos que se sentirão motivados a um segundo referendo que os mantenha na União Europeia).

Uma proposta que parece demasiadamente centralista e até antidemocrática é a sugestão de Mácron, de se criar uma Agência Europeia de Proteção da Democracia; para isso deve ser criada uma burocracia que envie peritos controladores a cada Estado-Membro da UE para proteger as eleições da manipulação interna e externa (de facto, esta poderia ser usada como máquina de censura da Internet, etc.). Uma tal instituição poderia também ser usada para assegurar a predominância das forças do poder político estabelecido (De notar já a impaciência da classe política e seus submissos, em relação à liberdade de expressão atual na Internet).

Conclusão

A Alemanha, desde o princípio do Euro exigia reformas competitivas aos países do Sul (o que não aconteceu). Os países do Sul, por sua vez, exigem fundos de redistribuição a seu favor, orçamento da área do euro, um mecanismo de estabilização do investimento, um instrumento de aplicação da reforma, um seguro de desemprego europeu.

Nas posições de Mácron e AKK debate-se o centralismo latino europeu contra a tradição federalista alemã e democrática anglo-saxónica. Para os alemães não chega a expressão de ladainhas como” solidariedade” e “comunidade de valores”. Os alemães sabem que primeiro está a jaculatória da economia e só depois vem a resposta da ideologia e que esta corresponde mais ao “ora pro nobis” do povo, para consolação cordial! Sem compromissos responsáveis económicos não se constrói futuro sustentável para a EU. De facto, todo o desenvolvimento quer ser conquistado para passar depois a ser adquirido; uma vez adquirido torna-se património, mas este é sempre o resultado de uma política económica inteligente, o que não quer dizer sempre justa.

A Alemanha está consciente do que contribui para que estados como a Grécia consumam mais do que produzem, conhece a desmesurada Itália com bancos com créditos podres e sem garantia de confiança, e está ciente do que faz pelos refugiados rebocados por bandos para a Espanha, para depois serem recebidos na Alemanha (Destas coisas porém não se fala muito em público senão o povo ainda se tornaria mais rebelde, ou seja, mais populista!). As soluções não podem ser esperadas só da Alemanha, mas da conexão das economias nacionais ao nível da produção e sem que se deixe a cultura europeia à disposição do marxismo anticultural, como tem estado a acontecer: nem tanto ao mar nem tanto à terra! Os alemães têm medo que não se cumpram as regras do endividamento das nações e como consideram a Europa como uma espécie de pátria substituta da sua pátria perdida, querem tudo ajustado a uma Europa sem nacionalismos, mas sob a batuta da economia, isto é, uma Europa no mundo, mas mais forte que fraca!

As ideias europeias de AKK são de grande interesse, apesar de virem da chefe da CDU e não da chanceler; isto é considerado por muitos quase um abuso diplomático (mostra porém a inteligência dos conservadores alemães na tática de passagem de poderes da Chanceler Merkel para a sua sucessora in pectore). Ao contrário da chanceler Merkel, AKK, ao exigir que o Parlamento da EU apenas se reúna em Bruxelas e ao deixar de lado os interesses franceses das sessões parlamentares em Strasbourg e ao não ligar sequer à proposta de Mácron de ser fundada uma Agência Europeia para a Democracia e ao contrariar o fortalecimento da economia europeia pela solidariedade (transfer de bens) querido por Macron opondo-lhe o “princípio da subsidiariedade e da  autorresponsabilidade dos estados-nação” quer uma Europa nova mas que não perca o cunho do  made in gemany.

Annegret Kramp-Karrenbauer (AKK), chefe da CDU vai ocupando o espaço da Chanceler Ângela Merkel embora a chanceler continue a ter muita aceitação na população: 67% dos alemães são contra a renúncia ao cargo de chanceler; querem que Merkel continue no cargo até ao outono de 2021. A chanceler quer por seu lado que AKK vá ocupando espaço no partido e na opinião pública e por isso concede à amiga muito espaço para autoafirmação. A hora de AKK decide-se depois das eleições de maio em Bremen ou nas de Outono no Leste da Alemanha; tudo depende da reacção do parceiro de coligação SPD.

AKK, com a sua tomada de posição, chamou os bois ao rego e demonstra que a construção da nova Europa não pode ser deixada ao sabor de meras fantasias ou ideologias, tendo de ser construída no equilíbrio e no juntar de forças e esforços dos povos do Norte e dos do Sul no respeito pela velha Europa. Numa palavra: quer uma europa do Sul mas que não perca o Norte!

© António da Cunha Duarte Justo

“Pegadas do Tempo”,

(1)  https://www.elysee.fr/emmanuel-macron/2019/03/04/por-um-renascimento-europeu.pt

(2) https://www.welt.de/politik/deutschland/article190037115/AKK-antwortet-Macron-Europa-richtig-machen.html

(3) A comparação da cigarra e a formiga refere-se às elites dos países e não ao povo.

GUTERRES E A SOLIDARIEDADE COM MUÇULMANOS – DOIS PESOS E DUAS MEDIADAS

 

Será o medo da violência criador de respeito político?

António Justo

Guterres foi à mesquita de Nova Iorque, na sexta-feira passada, mostrar solidariedade com muçulmanos, o que demonstra um gesto nobre e louvável. O que chama, porém, a atenção é a diferente atitude da política oficial no que toca ao trato do islamismo e do cristianismo.

O chefe da ONU nunca fez nem fará tal gesto quando muçulmanos atacaram ou atacam cristãos orantes em igrejas cristãs. “A santidade de todos os locais de oração e a segurança de todos os fiéis” que Guterres justamente apregoa não merece a sua presença quando se trata de ataques a Igrejas cristãs. Isto por mais que muçulmanos ataquem cristãos como tem sido o caso dos ataques a cristãos reunidos em Igrejas no Egipto, África e até em França!

Também não se veem autoridades muçulmanas suprarregionais manifestarem a sua solidariedade com os cristãos nem tão-pouco políticos em geral (estes, quando muito dirigem-se às famílias dos assassinados). Dá a impressão que fogem do cristianismo como o diabo da cruz. São usados descaradamente dois pesos e duas medidas. Dá nas vistas, mas os políticos sabem-se protegidos pelo escudo do politicamente correcto que leva o povo a não notar.

Guterres não mostra solidariedade com os cristãos porque isso não faz parte da agenda da ONU. Além do mais, muitos na ONU parecem ter um pouco de inveja de esta não se ter tornado ainda, uma espécie de “instituição católica”, a sua rival intestina!

O católico Guterres compromete-se unilateralmente com o islão como é próprio, em geral, da esquerda, o que faz surgir um natural sentimento de imparcialidade, injustiça e desonestidade, a quem está atento ao que acontece a nível mundial.

António da Cunha Duarte Justo
Pegadas do tempo

UMA ÉTICA MUNDIAL PARA A CULTURA DA PAZ – Mudança do paradigma institucional para o individual

Pensar e agir em Contexto de Globalização implica fomentar um Humanismo plural

Por António Justo

Na qualidade de professor de ética na Alemanha, onde tinha alunos cristãos, ateus, hindus e muçulmanos, vi-me confrontado a ter de distinguir melhor entre Moral e Ética na disciplina que lecionava, devido às diferentes “morais” de proveniência dos alunos e à óbvia necessidade de adquirirem um mínimo de valores éticos comuns para os habilitar para um adequado relacionamento intercultural no dia-a-dia e obterem a suficiente compreensão para respeitarem as diferentes morais e crenças. Pelo que observamos a nível mundial, as culturas encontram-se com problemas irresolvidos e a civilização ocidental passa um momento axial da sua História (ou sua negação), o que a leva a uma crise de sentido do Homem e da civilização.

Urge construir uma sociedade com pessoas de boa vontade, dispostas a criar uma comunidade e um mundo de todos para todos e para isso é óbvio apostar-se na juventude como os melhores obreiros do novo mundo, uma geração comprometida com o desenvolvimento social e humano.

A Dignidade humana e consequente respeito pela pessoa é o valor primeiro a ter de ser reconhecido e integrado, como princípio ético, em todas as culturas e Estados; toda a discriminação vem da desconsideração de tal princípio ético. Dado as diferentes instituições humanas se regerem quase só pela negociação de interesses entre elas (e de corporações dentro delas) , é necessário que pessoas e grupos (em cada Estado e outras  instituições) lutem para que a nova perspectiva ética, (que parte do interesse  da pessoa e não tanto, como até agora, do interesse das instituições), seja concretizada nas instituições (a dignidade humana como seu constitutivo e primeiro objectivo)  e também através delas. Só assim se poderá chegar a uma prática comum do “não faças aquilo que não queres que seja feito a ti”.

Observa-se um esforço crescente no sentido de se estabelecer uma ética global (Direito ético) sobre a moral própria (Direito moral) de civilizações, religiões, culturas e nações. O intento revela-se de muita urgência para se poder chegar a um mínimo de consenso na relação dos povos entre si, para que se estabeleça um código de valores ou princípios éticos comuns que venham a influenciar a feitura das leis dos diferentes Estados. Este esforço não deve cair na tentação de aplanar culturas e morais por uma rasoura só racional e de pretensões materialistas hegemónicas escondidas a pretexto da racionalidade.

O direito ético (nível de reflexão) é diferente do direito moral (leis morais culturais, decálogo). Os princípios éticos (gerais e abstractos) estão para a constituição do país, como esta está para as leis e tribunais no trato directo da conduta concreta (moral) do cidadão (1). A ética seria a filosofia crítica da moral e a moral seria a ética aferida e aplicada na vida concreta (diferentes regiões e culturas). Neste âmbito os mitos de diferentes culturas e suas narrativas encobrem em si verdades universais comuns a ser exploradas.

 

O surgir de compromissos globais

Hans Küng, com o “Global Ethic Project”(2), activou fortemente a discussão mundial sobre a necessidade de um consenso básico de valores, atitudes e padrões para um Ética Global. No seu programa “Projeto Ética Global”, publicado em 1990, formulou três convicções básicas: “Não há sobrevivência sem uma ética global. Não há paz mundial sem paz religiosa. Não há paz religiosa sem diálogo religioso (Não há diálogo entre religiões sem pesquisa básica nas religiões.)”.

O Parlamento das Religiões Mundiais reunido em Chicago adoptou a Declaração (3) a favor de uma ética global, a 4 de setembro de 1993. 200 representantes de todas as religiões assinaram a declaração. Concordaram com elementos centrais de uma ética comum, assumindo o princípio da humanidade como regra de ouro e as directrizes: não violência, justiça, veracidade, parceria e direitos iguais para homens e mulheres.

Uma ética concebida à margem da espiritualidade não assume um caracter de sustentabilidade porque não se encontra ligada a um princípio superior e, na consequência, uma ética artificialmente racional traz em si o cunho da transitoriedade. Um princípio resultante de eleição democrática está sempre dependente de interesses geralmente não justificados pela natureza e o caracter espiritual fica perdido entre a luta de interesses corporativos no meio da polis. Também o argumento de que há ateus não é suficiente para se optar por uma ética meramente racional. Daí a importância do respeito da moral de caracter religioso-cultural nas diferentes regiões.

Também aqui seria de aplicar, a nível global, o princípio da civilização cristã: a Deus o que é de Deus (ao povo o que é do povo) e a César o que é de César. Este princípio implicaria o estabelecimento de uma cultura de paz que reconhece a complementaridade de culturas, instituições e pessoas, o que tornaria como consequente a instituição de uma ética global vinculativa para todos os povos (missão secular) e o outro princípio, ao povo o que é do povo (a Deus o que é de Deus), implicaria, também a nível de supraestruturas, o respeito e reconhecimento da sua cultura e religião. Estas enchem com vida a Ética.

 

Para compreender a discussão entre conservadores e progressistas

Para se compreender o valor e a necessidade do estabelecimento de um código ético universal é relevante partir-se da distinção entre ética e moral (4).

Na linguagem cotidiana costuma-se usar ética e moral (moralidade) quase com o mesmo significado. Com o desenvolvimento da globalização e de novas possibilidades científicas (manipulação do gene, inseminações artificiais, etc.) a política precisa de uma moral propriamente secularizada (ética) em termos gerais; isto possibilita um maior discernimento necessário numa sociedade cada vez mais intercultural e de expressão científica. Enquanto a moral consta de um sistema de normas tendentes a levar a um comportamento moral e a acções concretas, a ética é a ciência (filosofia moral) deles e tem como objeto o esclarecimento e análise crítica da moralidade na base de princípios éticos fundamentais: não julga mas classifica de ético ou não ético, enquanto a moral julga. A ética passa a ter um caracter mais científico (político) e a moralidade um caracter mais religioso (cultural).

Uma coisa é o direito constitucional – os valores da sociedade como critérios objectivos de orientação – (por exemplo a Constituição Nacional a nível político, e a nível religioso o Papa em contexto universal que garante uma visão católica unitária) e outra coisa são as leis (uma espécie de pastoral) que a interpretam e aplicam num aferimento com a realidade concreta.

As leis são como que o compromisso entre os princípios gerais (constituição, dogmática, etc.) e o comportamento do povo; por isso a lei chega, por vezes, a ser inconstitucional (caso do aborto) e tacitamente aplicada em razão do contexto social. (Neste caso, a constituição estatal por razões de ética proíbe o matar, mas cede quanto à moral). A ética, sem perder de vista a realidade geral das diferenças a ser integradas, permite, por outro lado, paulatinamente uma mudança cultural…

O assumir de uma ética universal corresponde a adoptar como que uma doutrina comum por que se teriam de orientar as Constituições dos países; como acontece com a dogmática e a pastoral a nível de Igreja.

Assim a supraestrutura (p.ex. Estado) ao assumir, a nível internacional, compromissos de caracter ético (credo), portanto constitucional, terá de o aplicar concretamente, na legislação (ministério da justiça e tribunais). Hoje já é visível o efeito da aceitação do princípio ético da dignidade humana, dos direitos humanos e da não descriminação e os efeitos tornam-se, por vezes, inesperados porque tocam com toda a matriz social.  O estabelecimento de uma ética universal tem consequências na feitura das leis nacionais; estas terão de ser aferidas aos princípios éticos acordados (a Igreja católica, como única organização orgânica de caracter global tem aqui um significado especial; por outro lado ao aplicar no concreto o princípio ético da dignidade humana e dos direitos humanos, que ela mesmo difundiu, terá de rever certas posições).

O acordo de uma ética global seria uma maneira indirecta de estabelecer também na civilização muçulmana a igualdade entre Homem e Mulher (a moral islâmica mudar-se-ia a partir de dentro). De notar já as consequências que o princípio ético da dignidade humana e da não discriminação provoca na legislação concreta dos países da Europa. A não discriminação da pessoa provoca mudanças profundas no conceito de família e no trato jurídico.

No cristianismo torna-se fácil compreender a distinção entre “convicções éticas e convicções morais” porque o cristão adulto deve estar na disposição de distinguir entre a atitude certa para com a vida e a atitude errónea tomada irreflectidamente e na compreensão de que a decisão foi tomada de maneira imponderada e em dependência psicológica ou moral. Neste caso embora a atitude não tenha sido objectivamente certa (isto é, tenho sido eticamente má) moralmente foi boa porque agiu segundo a própria convicção.

Por isso, segundo o catolicismo, é preciso ser-se mesmo adulto para se poder cometer um “pecado mortal” porque este se define como “uma falta contra a razão, contra a verdade livre e contra a consciência reta que fere a natureza do homem e ofende a solidariedade humana” : para isso é preciso juntar-se os três critérios ao mesmo tempo: a gravidade da matéria, o pleno conhecimento e pleno consentimento. Doutro modo faz algo mal mas sem culpa (consciência errónea). Também a obediência a uma lei civil pode basear-se em princípios (obediência cega) que não correspondam à ética.

Como se vê, a Ética tem com objecto de exame a razão, os argumentos racionais e compreensíveis. Isso torna a ética um assunto de lógica porque se age no sentido do bem com argumentos racionais. A moral tem uma conotação mais religiosa (vem de cima) por fundamentar as suas acções num fundamento a priori que é Deus. Por outro lado, a consciência cristã, ao ter a referência a Deus, não desliga a razão pelo que Deus passa a representar um argumento objetivo. Obediência a Deus corresponde à obediência à razão/consciência. Não chega seguir-se o argumento de autoridade, seja ele o dogma, a Constituição do Estado ou uma instituição religiosa. Facto é que nem a instituição religiosa nem o Estado podem justificar isenção de erro. Tanto o cristão como o não cristão que possui uma atitude moral bem pensada, justificada e reflectida e age segundo ela, procede moral e eticamente bem porque pode justificar o seu comportamento. Daqui a necessidade de treinar a pessoa para não se tornarem escravos morais nem da lei nem da autoridade.

Com tudo isto não se dissipa, porém, uma outra questão em relação à razão ética. O facto de eu poder apresentar logicamente a minha posição ética não quer dizer que posições opostas à minha lógica deixam de ser éticas; isto leva a justificar-se a ética também como estudo da moral.

 

Concluindo: elaborar uma ética baseada num humanismo plural

É natural que, numa sociedade cada vez mais pluralista, o Estado não queira permitir que uma religião ou mundivisão determine o que é bem ou mal na polis.  O Direito tem que organizar juridicamente essas relações. Cada vez serão mais naturais as comissões de ética e não de moral (5)!

A declaração dos direitos humanos em 1948 está agora a provocar grandes mudanças em vários ramos do Direito. A cidadania (a consciência dos direitos humanos) é a palavra de ordem da contemporaneidade..

É interessante verificar-se como a convenção dos refugiados ( imigração) leva a novas interpretações das leis em casos concretos, e como estas interpretações se tornam, por sua vez, em fonte de direito para novos julgamentos.

No caso concreto de uma possível acção criminal cometida por um afegão na Alemanha, este pode contar com uma pena menor, dado o juiz ter de considerar na sua sentença, os direitos humanos do acusado e, nesse sentido, ter de interpretar a lei, no contexto histórico, sociológico e valores morais religiosos, culturais e a formação individual do arguido. O juiz terá de sentenciar, pelo mesmo crime, uma pena mais leve a ele do que a um cidadão alemão. Isto legitimaria, a termos, numa sociedade aberta, diferentes tratos entre os diferentes grupos de uma mesma sociedade. A subjectivação da justiça contribui por outro lado para o fomento de ressentimentos e sentimentos de injustiça da Justiça. Neste sentido passaria a haver uma discriminação positiva das minorias.

Temos todos de nos dar as mãos e reconhecer a complementaridade. Sem esforço nem espiritualidade não haverá ética que perdure. Razão e fé (crença) terão de andar de mãos dadas.

O cristianismo, ao iniciar a crença num Deus único universal para todos, criou o fundamento para a aceitação de uma ética global ancorando a cidadania (dignidade humana) já não numa lei, raça ou Estado, mas na natureza humana onde toda a pessoa independentemente de crença ou religião, tem filiação divina comum. Deste modo deu-se origem a um humanismo plural. Com as iniciativas pela criação de um código ético universal encontra-se já em via uma mudança do paradigma institucional para o individual. O protótipo de toda a pessoa é Jesus Cristo.

© António da Cunha Duarte Justo

Teólogo e Pedagogo

In “Pegadas do Tempo”

MORAL SEXUAL DA IGREJA ESTRANHA À VIDA

Mais Fé e menos Moral – Abolir o Dever celibatário

António Justo

Os Presidentes das Conferências Episcopais encontram-se com o Papa Francisco de 21 a 24 de fevereiro 2019 em Roma, para debaterem o tema “proteção dos menores” e prevenção de abusos sexuais. Este é um tema quente e que exige medidas imediatas.

Depois do regresso dos bispos a casa, passar-se-á ao descongestionamento de reformas importantes na Igreja. Uma consequência imediata será a não tolerância perante o prevaricador, mais responsabilidade dos bispos e mais transparência e justiça para com as vítimas. Esta será também mais uma oportunidade para os conservadores na Igreja passarem a dar mais importância à exortação apostólica Amoris Laetitia (1) do Papa Francisco.

Embora os abusos sexuais não tenham a ver com o celibato, a multiplicidade de casos de abusos também em instituições católicas não pode deixar a instituição eclesial indiferente (2). Isto embora muitos se aproveitem do assunto para as suas campanhas anti-Igreja.

No processo preparatório da reunião, pessoas notáveis da comunidade católica aproveitaram para apelar à conferência episcopal alemã para intervir no sentido de abolir o dever celibatário dos padres e admitir mulheres ao sacerdócio, qualificando a moral sexual da Igreja como estranha à vida.

Segundo uma investigação da Conferência Episcopal Alemã (3), na Alemanha terá havido 3.677 vítimas de violência sexual entre 1946 e 2014, em que estariam envolvidos 1.670 padres.

Violência sexual e narcisismo

Violência sexual é um tema que abrange todas as instituições da sociedade civil e religiosa.  Em geral, pessoas pedófilas ou abusadoras sexuais não abusam por carência, mas por terem uma perturbação psicológica narcisista patológica. O seu distúrbio do narcisismo expressa-se no uso de pessoas como coisas. Naturalmente a maior parte dos narcisistas não são abusadores sexuais.

Um narcisista pode ser atraído para uma posição alta na sociedade ou de grande exposição social. A obtenção de prazer através de abuso é uma energia doentia e criminosa. Também há pessoas que procuram obter prazer devido a uma sexualidade infantil porque são incapazes de relação com um parceiro e pensam assim encontrar um refúgio. Também haverá casos em que a ocasião faz o ladrão!

Abusadores sexuais tratam as pessoas como coisas para usufruírem de prazer delas sem estabelecem laços pessoais. Usam da sedução para atraírem mulheres e da dependência dos menores pois estes são demasiado frágeis e subalternos. Na literatura psicológica também se afirma de Playboys terem também esta tendência vendo na mulher apenas um objeto de prazer.

 

O clericalismo não responde às necessidades de hoje

Quem ainda não notou que, na Europa o ponto de referência social está a passar da instituição para o indivíduo e que isso implica uma mudança bastante radical na legislação, perde tempo e energia em queixumes que deveriam ser empregues em preparar-se e antecipar-se à corrente como faz o lavrador no campo, apressando-se a abrir regos que orientem a água, para que esta não se perca.

O papa já advertiu que “Não podemos lidar apenas com aborto, casamentos homossexuais, contracepção” e além do mais, “Os ensinamentos da Igreja – dogmáticos e morais – não são todos iguais.” Em texto claro significa isto que nem tudo o que é verdadeiro e correcto é igualmente importante.

O Vaticano com os seus bispos precisa de ultrapassar um clericalismo demasiado empenhado em salvar a imagem da Igreja e, por isso mesmo, perde a vista dela. Na Europa, pretende-se que a vida do clérigo esteja mais integrada na comunidade cristã. Mais que soluções para a vida, o que esta precisa é de respostas.

A autoridade já não deve vir do cargo nem apoiar-se no medo de prejudicar a instituição. Em muitas comunidades essa atitude já não é aceitável (observa-se mais o perigo de isolamento do padre no âmbito da liturgia) e a credibilidade do padre encontra-se hoje sob observação do que diz e do que vive. A instituição tem de se adaptar ao povo porque o povo já não se adapta a ela (o que não significa seguir-se o mainstream, nem tão-pouco uma acomodação irresponsável ao cotidiano, mas sim estar atento aos sinais dos tempos e responder-lhes (4, 5, 6, 7, 8, 9). Embora no sector político se observe cada vez mais centralismo e controlo, a Igreja não deve abandonar o seu lugar que é o do povo, dando testemunho do Cristo abandonado que se encontra nele.

Deus ama-nos na criação, e esta é a realidade que somos e de que dispomos, não podendo ignorar nem desprezar a natureza. Abstrair-se do mundo e abandonar o planeta a si mesmo não ajuda ninguém! A pessoa já nasce com princípios éticos, mas estes, perante os instintos, precisam de cultivo.

A jerarquia está habituada a reagir somente a pressões embora fossem possíveis reformas abrangentes na igreja sem que para isso fosse necessário distanciar-se da doutrina católica. A tradição é um elemento muito importante na Igreja católica, mas não a ponto de impedir a criatividade pentecostal.

Não há que ter medo de perder a identidade desde que salvaguardada na comunhão de vida com Jesus Cristo. No sentido do Papa Francisco, somos servidores da alegria e não senhores da fé. Também, como Igreja peregrina (ecclesia sempre renovanda), o organigrama do catolicismo e a sua consciência democrática (corpo místico) permanecem salvaguardados como matriz de uma comunidade universal de Irmãos, mesmo que haja transformações substanciais na constituição da pastoral.

A Instituição eclesial tem, também ela, de consciencializar-se da responsabilidade que assume no anúncio do Evangelho, ao dizer que não podemos seguir Cristo se não o fizermos na Igreja e com a Igreja!

A instituição clerical precisa de coragem para descentralizar (dar mais poder de decisão às conferencias episcopais regionais sem com isto ter medo de pôr em causa a catolicidade; em nome da perfeição não pode reduzir-se a uma espécie de convento universal, arriscando-se a ver cada vez mais reduzida a cristandade.  A missão da Igreja não é só de caracter religioso; S. Paulo tinha razão nas suas iniciativas pastorais!

É verdade que a igreja tem a responsabilidade de dar testemunho e salvaguardar o espírito comunitário; para isso, na pastoral pode salvaguardar o dever da responsabilidade docente e pastoral, não tanto na qualidade do ofício de juiz ad extra, mas no consenso da vivência comunitária em que o membro participa da soberania.

Quando o clérigo dialoga com o cristão, a nível de confissão ou de direcção espiritual, o seu caracter de juiz recua para dar lugar à misericórdia, compaixão, e assim embarcar com ele e ajudar a pessoa a reconhecer os seus actos e, se necessário, a deixar caminhos errados. Neste embarcar do sacerdote com o irmão, realiza-se uma caminhada em conjunto o que leva a uma outra consciência ou percepção dos caminhantes; assim dá-se uma constatação conjunta sem a necessidade de se recorrer a incriminações.

No caminho e a caminho, o sacerdote e o fiel encontram-se na mesma caminhada e, numa estação concludente do caminhar, a decisão é conjunta e possivelmente unânime. O que vale para a relação de sacerdote e leigo deveria óbvia na relação sacerdote e jerarquia.

A sobrecarga dos sacerdotes com meros afazeres administrativos pode levá-los a um alheamento de uma espiritualidade vivida.

Jesus Cristo é o caminho, a verdade e a vida não podendo ser aprisionado na roupagem (teologia e certas doutrinas) que a teologia lhe tenha colocado num determinado percurso do caminho histórico.

A teologia tem de procurar caminhos para uma maior referenciação da espiritualidade cristã ao espaço e ao tempo em que se vive.

Depois de a teologia ter realizado a grande missão de formação da Europa urge agora preocupar-se por concretizar hoje aquilo que no século XV e XVI se anunciava como novo e ainda se encontra por realizar. Neste sentido veja-se o artigo “Um rosto feminino molda o mundo novo – Teresa de Ávila” (10).

JC pode estar vivo em cada pessoa e comunidade num estilo de vida próprio sem questionar a universalidade da Igreja que se mantem através do credo, da liturgia, dos sacramentos e do episcopado.

O Papa é o garante da constitucionalidade da Igreja e certamente pode garanti-la, mas, mesmo assim, torna-se urgente que inicie uma reforma da moral sexual, do celibato e do sacerdócio das mulheres.

É certo que o celibato não provoca, por si, pedofilia nem violência sexual, mas isto também não é argumento para não se começar com reformas. Neste sentido é de esperar iniciativas ousadas dos bispos e das igrejas locais. Na polis, a maturidade sexual, embora se viva num período de oblações sexuais, depende de cada pessoa. Hoje não é plausível conectar-se o dever do celibato ao sacerdócio. Efetivamente a sequela Christi e o reino de Deus têm um lugar privilegiado nas ordens e congregações religiosas, não deixando de ser programa também para o clero secular e no dia-a-dia de cada cristão.

A sexualidade não tem apenas a ver com o sexo; o “eros” possibilita, também ao celibatário, a vivacidade criadora e a convicção.

A questão da moral sexual na igreja deve-se também ao facto de a experiência de homens e mulheres casados não ser envolvida no processo de formação da opinião eclesiástica. Uma moral sexual elaborada por homens celibatários torna-se necessariamente estranha à vida.

A proibição do sexo fora do casamento conduz a uma atitude inevitavelmente hipócrita que muitos terão de levar para o casamento. A Igreja tem razão que o sexo não é nenhum bem de consumo tendo o seu lugar numa relação responsável; mas entre pessoas responsáveis uma coisa não exclui a outra. Num tempo em que a realidade se distancia do ideal, a Igreja tem de se preocupar por ser credível, verossímil para poder manter-se também como interlocutora. Além disso não há falta de conteúdos que a Igreja pode trazer para a sociedade.

Na discussão de ideias sobre sexualidade e possíveis impedimento à vida, tem-se o princípio orientador que é o Evangelho e a soberania da consciência. O espírito católico cristão encontra-se, em relaç1bo às instituições políticas onde elas têm muito a dar para lá chegar; ela considera a consciência individual como soberana até em relação à Igreja e a qualquer outra instância, o que certamente não legitima ninguém a armar-se em juiz dos outros! Ao contrário do mundo político e ideológico que frequentemente vive do falar mal do adversário, na Igreja deveriam ser aceites, como complementares, ideias aparentemente contrárias; a riqueza da diversidade de antropologias e de regiões poderia expressar-se em estilos diferentes de vida de uns bispados para os outros; também na Igreja há múltiplas espiritualidades. Mais que normas morais muito restritas torna-se urgente dedicar-se mais empenho na formação das consciências.

Os textos oficiais de ensino católico, nalguns aspectos, andam atrás do acontecimento. É de esperar, que num futuro próximo, o espírito de sua Santidade o Papa Francisco encontrará eco.

Torna-se escandalosa e contraditória a falta de sacerdotes numa comunidade cristã que nem sequer produz sacerdotes que administrem os sacramentos nela; o recurso à importação de padres da África e da América Latina é intolerável se tivermos também em consideração o isolamento (e desaferimento) em que se encontram muitos sacerdotes, por serem transplantados de culturas totalmente diferentes das nossas. Um clericalismo burocrático teima ainda em obrigar padres a terem de administrar várias paróquias impossibilitando-lhe o enraizamento na vida cristã delas.

© António da Cunha Duarte Justo

Teólogo e Pedagogo

Pegadas do Tempo