O IMPOSTO PARA A IGREJA NA ALEMANHA (“KIRCHENSTEUER”)

Muitos imigrantes não acham muito católico terem de pagar imposto para a Igreja

António Justo

Na Alemanha, Áustria e Suíça, os membros das comunidades religiosas pagam um imposto para financiarem as despesas e encargos das suas confissões religiosas. Estas assumem na Alemanha tarefas sociais de assistência social e caritativa em hospitais, lares de terceira idade, jardins infantis, assistência a estrangeiros, desfavorecidos sociais, etc.

Na Alemanha, um casal com um rendimento de 3.000 € por mês (classe de impostos III/2) está isento do imposto para a Igreja. Apenas cerca de um terço dos fiéis católicos estão sujeitos ao pagamento do referido imposto.

O levantamento do imposto da igreja ou da religião tem como base o imposto sobre o rendimento ou o imposto sobre o salário e é cobrado pelas autoridades fiscais dos respectivos estados federados. Historicamente tem também uma componente de compensação aos bens que a Igreja perdeu aquando da secularização. Além disso uma certa coabitação de estado e igreja têm concorrido para o maior desenvolvimento da Alemanha. A mentalidade dos alemães dá grande relevância ao bom funcionamento da sociedade não tendo problema em contribuir para o bom funcionamento das instituições, enquanto a mentalidade latina aponta mais para os direitos individuais.

Em 2012, o Tribunal Administrativo Federal alemão decretou que não é possível deixar de pagar o imposto para a igreja e ao mesmo tempo permanecer na comunidade religiosa.

Um ponto muito criticável da sentença do tribunal está em não fazer distinção entre a “comunidade de fé Igreja Católica na Alemanha” e a “sociedade de utilidade pública Igreja Católica na Alemanha”. De facto, o que determina a qualidade de cristão é o baptismo e não a pertença a uma corporação de utilidade pública. A Alemanha ao determinar que é o país (Alemanha) e o estatuto associativo que determinam, a categoria de católico, protestante, judeu, etc. atribui-lhe um estatuto com encargos económicos que de si não deveriam ser automaticamente vinculativos para a exclusão da confissão religiosa.

Teologicamente e sob o ponto de vista católico global, as instituições cristãs na Alemanha cometem o pecado de simonia (Actos dos Apóstolos 8,5-24) ao condicionarem a pertença à comunidade religiosa com o levantamento de imposto (a católicos, protestantes, judeus, etc.). Simonia é a compra ou venta do espiritual com bens materiais. Vem do facto de Simão Mago querer comprar o poder de fazer milagres, que terá observado nos apóstolos.

O dever de pagar imposto, que fica entre 8 e 10% do imposto que se paga para o Estado, acaba só ao abandonar a igreja. O estado entrega à respectiva instituição religiosa os correspondentes impostos levantados aos fiéis. Por direito consensual eclesial, a desvinculação da repartição dos impostos não deveria implicar a saída da Igreja. Por estas e por outras abandonam, anualmente, mais de 100.000 pessoas a Igreja. Em 2013, a Igreja Católica recebeu cerca de 5,5 mil milhões de euros de impostos dos seus fiéis e a Igreja Evangélica cerca de 4,8 mil milhões de euros.

Inscrição de cristãos estrangeiros na “Loja do cidadão”

O imigrante ao registar-se na repartição de registo (Anmeldeamt) da cidade (“loja do cidadão”) vê-se confrontado com a pergunta, do funcionário público, sobre a confissão religiosa a que pertence.

O funcionário não deveria perguntar, se o cidadão imigrante pertence a esta ou àquela religião mas sim se pertence a esta ou àquela instituição religiosa alemã! A resposta “sou católico ou baptizado” não deveria incluir a sua inscrição automática na sociedade católica de utilidade pública alemã. Nos países de proveniência dos estrangeiros não há a prática de se cobrar impostos para fins de culto. O imigrante que queira ficar isento do imposto pode responder que não pertence a “nenhuma „ confissão, isto é, “Konfessionslos”. O problema surgirá posteriormente no caso de vir a precisar de um certificado para efeitos de casamento religioso.

Muitos cristãos estrangeiros querem apoiar a igreja mas a título voluntário de oferta; alguns preferiam patrocinar a igreja da sua terra com alguma oferta e não a alemã por constatar que a sua igreja natal é bastante pobre. Também vêem a possibilidade de frequentar o serviço religioso e apoiá-lo com ofertas. A saída da igreja alemã não pode significar o abandono da Igreja a nível mundial.

Vozes críticas vêem na cobrança dos impostos pela repartição de finanças uma demasiada ligação entre estado e confissões religiosas. Também criticam a dedução fiscal ilimitada das confissões religiosas, dos partidos e dos sindicatos como uma subvenção indirecta do estado.

Há grupos cristãos na Alemanha que criticam o levantamento dos impostos por parte do estado, vendo nisso também um certo comprometimento entre estado e igreja e consequente compromisso nas injustiças ligadas ao sistema de impostos; além disso o dinheiro fomenta o demasiado poder da burocracia eclesiástica sobre a igreja não se verificando grande motivação de muitos funcionários da igreja no empenho pessoal.

A Conferência dos Bispos da Alemanha estabeleceu que os católicos que façam declaração na repartição de finanças de não pagarem imposto para a Igreja (abandono da Igreja), são excluídos dos sacramentos da Igreja e impedidos de assumir cargos eclesiásticos (em vigor a partir de Setembro de 2012).

Neste caso, se se entender o “abandono da Igreja” com a declaração de recusa a pagamento de imposto para a Igreja, seria latente o pecado de simonia. Como teólogo católico, reconhecendo muito embora o alto e qualificado serviço que a instituição católica e protestante prestam à sociedade alemã e aos mais desfavorecidos também em muitas nações, sou de opinião que a prática de impostos vigentes na Alemanha, com o automatismo de exclusão que representa, não encontra fundamento na dogmática da igreja nem no direito canónico. Mais ainda,tal prática atenta contra a doutrina da Igreja e motiva muitos cristãos a abandonarem a Igreja para não pagarem o referido imposto. Mesmo uma ponderação cuidada entre o imenso bem que as bênçãos do dinheiro acarretam e o mal espiritual individual que podem originar teria como consequência cristã a opção pelo bem espiritual individual. Uma solução compatível seria a continuação do levantamento do imposto mas sem consequências religiosas para quem declarasse não pagar o imposto.

A frequência da paróquia ou “missão católica” não só tem vantagens espirituais como vantagens de exercício e formação social, ajudando o imigrante na inserção na sociedade e criando a possibilidade, também para crianças, de se exercitarem em grupos, assumir responsabilidades com tarefas perante a comunidade, criação de novas amizades e terem direito a determinadas festas para elas. A espiritualidade é um bem que contribui para o desenvolvimento de uma personalidade autónoma. Independentemente da crença de uma pessoa deve ter-se em conta os ritos de integração social muito necessários para uma criança e também uma das oportunidades para a pessoa de se realizar como sujeito social.

O problema da sobrecarga económica através do imposto é nulo ou insignificante para a grande maioria dos fiéis; quem paga bastante são as firmas grandes ou quem ganha muito acima do normal.

Quanto se paga para a Igreja

No link http://www.steuer-forum-kirche.de/kist2014.html#_Toc378331673 pode ter informações exactas sobre o Imposto da Igreja, donde traduzi algumas informações que se seguem.

Exemplo 1
Um empregado com um salário mensal bruto de 3.500 €, casado com dois filhos (classe III/2) pagou no ano 2014 mensalmente 328,83 € de imposto para as finanças e 5,14 € de Kirchensteuer (imposto para a Igreja). De notar que a quantia paga para a Igreja pode ainda ser reduzida, no ajustamento de impostos, ao ordenado bruto a ser sujeito a impostos.

Exemplo 2 – Quem paga e quanto paga de imposto para a Igreja
Salário mensal brutto Solteiro

 

Salário mensal brutto SolteiroClasse de impostos I CasadoClasse de impostos III Casado1 FilhoClasse de impostos III/1 Casado2 FilhosClasse de impostos III/2

2.000 €

18,84 €

2,36 €

0,0 €

0,0 €

3.000 €

41,31 €

19,85 €

7,79 €

0,0 €

3.500 €

53,91 €

29,59 €

16,43 €

5,14 €

4.000 €

67,42 €

39,78 €

26,02 €

13,10 €

Sem contar o desconto de despesas especiais nos termos do § 10 par. 1, n°. 4 EStG. Aqui ainda há outros encargos que se podem fazer valer no ajustamento de impostos e que reduzem os impostos a pagar.
Também pessoas com salário mínimo, ou que o não atinjam, estão isentas de pagar imposto para a Igreja.
Dos 16 estados federados alemães, há 8 estados que determinam o pagamento de um mínimo de 1,8 euros ou de 3,6 euros por ano. Os restantes 8 estados não exige nenhum mínimo.
A tradição do imposto começou propriamente no século XIX e em 1919 foi incluída na Constituição (Weimer).
António da Cunha Duarte Justo
Teólogo
www.antonio-justo.eu

IDEIAS – FACTOS – REFLEXÕES

Punhos cerrados, Pobreza na Alemanha, Real Madrid e a Cruz, Aloquetes do Amor, Rotação, Democracia, A quem serve o sistema

António Justo

A ROTAÇÃO DO ENGANO PARCIAL NO TEMPO TOTAL

O governar, mais que ao andar, assemelha-se ao marchar: “esquerda”- “direita”… à direita rodar…

Imagine-se o que seria do andar se pretendesse marchar só com a direita ou só com a esquerda. A resposta seria fácil de imaginar.

Talvez, por estas e por outras, dizia Abraham Lincoln: “Pode-se enganar uma parte do povo, e todo o povo por algum tempo. Mas não se pode enganar todo o povo o tempo todo.”

Moral da história: entrem todos nos partidos para que não se cansem tanto a gritar e sintam mais a satisfação do marchar; aqueles que pensam que só a esquerda ou a direita caminha perguntem-se a razão de terem dois pés. Quando a caminhada é íngreme não seria mal uma coligação amistosa dos dois!

DEMOCRACIA DO POVO OU DITADURA DO MERCADO?

Segundo uma investigação, levada a efeito na Alemanha pelo instituto infratest dimap, 60% dos alemães são da opinião que não há uma verdadeira democracia devido à influência da economia na política, devido ao facto de a economia ter mais influência no Governo do que o cidadão eleitor.
Por estas e por outras, a União Europeia encontra-se com dores de parto na Grécia e noutros países da zona euro.

Um aspecto positivo e calmante das eleições gregas está no facto de se verificar, que em casos extremos, o povo pode provocar, por momentos, um susto no sector da economia e da política, de modo a torná-la mais reflectida e moderada. Isto se a cultura mercantilista e utilitarista não conseguir entretanto lavar o cérebro a todos os cidadãos.

Tudo isto não facilita a decisão do cidadão: ter a possibilidade de escolha entre a cólera e a peste.
Só uma ruptura com hábitos e ideologias conseguirá superar a situação para se entrar numa mudança já não de alternativa mas de inclusão; encarar, de frente, o bem e o mal que se encontra no próprio sistema e em sistemas alternativos e elaborar uma nova prática social. Sem sofrimento não há evolução, ele é a outra parte da felicidade… Assim haveria a possibilidade de superar o dilema. Naturalmente, isto faz parte do sonho, mas sem ele a humanidade não sorriria.

A possibilidade de escolha consciente encontra-se só na capacidade da sociedade para se mudar e regenerar a si mesma; não a nível de instituições ou posições políticas mas num processo social e intelectual que as surpreende sempre e de novo, porque encerradas numa visão partidária em estratégia de afirmação polarizante perante o outro e perante o povo. Por isso será imensamente necessário estar-se atento às críticas e advertências de pessoas não totalmente integradas num sistema. Na dúvida e por outro lado na esperança se encontra a mistura do combustível que provoca o desenvolvimento. Partidos e políticos encontram-se atrás do desenvolvimento, discutem ainda os problemas e suas soluções na própria perspectiva; numa perspectiva que só vê o que procuram (em determinada perspectiva de determinados corifeus da economia e do saber).

Por isso o espírito democrático se encontra em erosão. A luta seria de realizar-se a nível de conceitos económicos e sociais equacionados em programas concretos e não numa luta por interesses coloridos, que evita apresentar o âmago do que se trata em política e economia. Um outro critério do agir político deveria prever até que ponto os programas deixam ressaltar e fomentar democracia e em que medida o progresso serve o Homem e a democracia. Concretizando: é urgente passar da discussão ideológica para a discussão cultural e económica. É verdade que povo quer festinhas e quem se ocupa de temas sérios não tem grande chance, isto sabem-no bem os políticos e por isso actuam, muitas vezes oportunisticamente e orientam a discussão para temas de discurso controversos mas inofensivos para entreter jornalistas e com eles a massa. As rupturas imprescindíveis e sucessivas a nível sociológico possibilitam o desenvolvimento porque resultam do desenvolvimento da consciência popular e não de interesses institucionais (os lucros). Quanto às possíveis roturas eleitorais pouca evolução permitem porque quando um governo dá um passo em frente à esquerda e um passo atrás à direita o outro dá um passo afrente à direita e outro atrás à esquerda. Assim a política, em vez de ser organizada em termos de conceito integral é-o em termos de pegadas, de modo a nunca satisfazer todo o povo racional. Entretanto, oque aconteceu na Grécia significa uma mais valia para a democracia (apesar da discussão de perspectiva partidária), demonstrando que, afinal de contas, o povo, quando acorda, é quem ordena. Já vimos isso em Portugal! A realidade porém ensina que o povo só ordena nas pausas da História. Depois surge o governo e interesses cruzados que ordenam o rebanho na sua direcção…

PUNHOS CERRADOS

Nestes tempos tristes de políticas e comentários azedos que se encontram por todo o lado na opinião pública e em especial em relação ao governo grego e ao governo alemão com a correspondente demonização injusta de pessoas, gostaria de deixar esta frase de Indira Gandhi: “Não podemos apertar as mãos se temos os punhos cerrados”!

A QUEM SERVE O SISTEMA?

A vida não tem emenda mas serve toda a gente. Uns vivem de palavras, outros do dinheiro e ainda outros do trabalho mal pago ou do maldizer.

Os gerentes de bancos e similares têm vencimentos e privilégios tao elevados, que perdem a capacidade de distinguir entre honestidade e corrupção (exemplo Victor Constâncio vice-presidente do BCE teve um vencimento de 325 mil euros em 2014, não contando com as ajudas de custo, subsídios e abonos); também consta que a presidência da república portuguesa é mais cara que monarquias (não só por ter de continuar a manter muitos presidentes da república com privilégios injustificáveis num sistema transparente)! Uma coisa que desde o 25 de Abril me questiono: porque é que os partidos que se dizem do lado do povo, quando ocupam lugares de posição não dão testemunho de fidelidade à ideologia renunciando consequentemente a ordenados altíssimos que os desautorizam porque colocados ao lado dos capitalistas que criticaram (pior ainda, os lugares que ocupam devem-nos por vezes à crítica que fizeram aos que viviam demasiado bem à custa do povo).
Naturalmente! O cidadão, se tiver vergonha, não diz nada porque foi ele quem os lá colocou e, para ajudar a lógica, em grande parte em nome do socialismo que com palavras pretende defender o povo e com obras e regalias faz tudo por não ser povo e acompanhar os grandes.

Quanto à Grécia como à Troika são casos perdidos devido à corrupção em que navegam e aos interesses que têm servido! Se a Grécia vivesse de palavras não teria pobres! Bastava-lhe aquecer-se ao calor das declarações do seu governo e ao crédito das palavras de seus apoiantes no estrangeiro! Gatunos e rapinados formamos, todos juntos, o sistema que nos serve e escraviza. Tudo anda consolado, uns com o dinheiro, outros com o trabalho e ainda outros com a crítica que fazem. Afinal não há razão para revoluções porque delas só se aproveitam alguns e, na realidade, todos somos ricos quando não de dinheiro pelo menos das razões que temos! Resta a pobreza de espírito! A Europa mais pobre precisa de um Marsahl Plan e a sociedade uma nova mentalidade.

ALOQUETES DO AMOR

A respeito do dia dos namorados (14 de Fevereiro)! Neste dia, em muitos países, os namorados e apaixonados querem perpetuar-se e para tal costumam colocar “aloquetes (cadeados) de amor” nas grades das pontes. Esta prática romântica traz os seus inconvenientes! Só em Paris encontram-se 700.000 aloquetes dependurados enquanto as chaves se encontram lançadas no seio do rio Sena.

700.000 aloquetes dão muitas toneladas de metal e constituem uma atracção também para ladrões do metal. Em Paris, como em tudo, há gente a favor e gente contra os cadeados. Moscovo encontrou uma solução para não estragar as grades das pontes: mandou fazer árvores de metal onde os namorados podem colocar os seus aloquetes de amor.

Quanto a mim não tenho nada contra os aloquetes de amor, o que me preocupa é não encontrar remédio contra a ferrugem!

OPINIÃO

Victor Hugo dizia:”Quem não é senhor do próprio pensamento, não é senhor das próprias acções.”

Jeanne Roland afirmava: “O fraco treme diante da opinião pública, o louco afronta-a, o sábio julga-a, o homem hábil dirige-a”.

Eu diria: “A opinião é livre se regada pelos sentimentos mas só o sol do pensamento a fará crescer. Reconheço opiniões boas mas não faltam as melhores. Ao definir só alargo a cerca do meu jardim.” in Poesia António Justo, http://canais.sol.pt/blogs/ajusto/default.aspx

O REAL MADRID TIROU A CRUZ DO SEU SÍGNO

Devido a um contrato com o Banco Nacional de Abu Dhabi, o Real Madrid tirou a cruz do seu símbolo para não ofender os muçulmanos! Por este andar o Deus dinheiro e Alá serão os que permanecerão e o medo será a diretriz do agir.

O processo da descristianização encontra-se em pleno progresso através de interesses ideológicos, estratégias de mercado e justificação de um mundo lobo. Bruxelas tem os seus interesses e a influência árabe é usada com alibi para se tomarem medidas contra tradições cristãs. Nestas coisas não se emprega a lei da reciprocidade. A civilização ocidental, fruto da amálgama de judaísmo, filosofia grega, administração romana e ética cristã, encontra-se num processo de autoagressão ao atacar o Cristianismo que lhe dava coesão. A UE por consideração com os muçulmanos e os ateus não quer cruzes nas escolas. Em Portugal a esquerda baniu-as das escolas por decreto.

Na Alemanha isso torna-se mais uma questão de direito dos pais decidirem em cada escola. Em Portugal, os movimentos anticatolicismo, activos desde as invasões francesas, encostaram-se ao Estado tendo nele grande influência, continuando o povo a ser mantido à margem, e dependente do que os grandes decidem. Por isso bastou uma ordem ministerial para impor uma medida sem ser discutida pelo povo.

POBREZA DE GENTE COM TRABALHO NA ALEMANHA

Na Alemanha, segundo as estatísticas, relativas a 2013, há 3,1 milhões de empregados com um ordenado abaixo do limiar da pobreza. Os 3,1 milhões tinham um ordenado mensal inferior a 979 €. Isto significa uma subida de 25% em relação a 2008.

O projecto da UE encontra-se em crise porque tem favorecido em demasia os capitalistas à custa da generalidade popular. Infelizmente a UE é, como o mundo, um carrocel que viaja em diferentes tempos e diferentes velocidades, causando enleamentos e choques. E o problema também vem do facto de quem arrecada ou ganha mais não parecer predisposto a diminuir os seus ingressos!
António da Cunha Duarte Justo
Jornalista
www.antonio-justo.eu

O UIVAR DOS LOBOS EM TORNO DA ACRÓPOLE

Na Esperança do Zé do Telhado

António Justo

Independentemente de interesses nacionalistas e de posições partidárias em relação à economia da UE, Bruxelas deveria criar um imposto de solidariedade em benefício dos países de economia fraca, tal como fez e faz a Alemanha em benefício da antiga Alemanha de leste, que se encontrava em situação pior que a Grécia; só o investimento produtivo poderá diminuir as diferenças. O que a Alemanha unida não conseguiu fazer, dentro dela em 25 anos, não o conseguirá a UE em relação aos países da margem em 50 anos. Enquanto os povos de toda a Europa não notarem que a guerra dos especuladores financeiros em conivência com os Governos é contra os povos serão estes explorados em favor das instituições.

Na discussão, em torno da Grécia e das suas dívidas, são notórios os timbres das vozes da noite; tudo fala com opinião segura, como se fosse tão fácil governar um Estado como seria governar uma casa.

A UE tornar-se-ia credível se executasse uma política em favor dos povos e não só a favor das instituições. A nível de nações seria necessário um governo de salvação nacional onde os interesses partidários e as ideologias fossem postos de lado para se encontrarem soluções orientadas apenas pelo bem-comum. Enquanto uma opinião pública coitadinha reagir como reage as personalidades representantes das instituições continuarão a justificar a política de cúpulas de Bruxelas e a justificar grupos marginais que apostam em políticas de “Zé do Telhado”. Actualmente não é possível uma discussão objectiva porque cada pessoa investe demasiado capital na sua opinião.O aspecto positivo de que a Grécia se pode gloriar é ter chamado a atenção para a política unilateral da troika, uma política contra o povo e a favor das instituições.

Quanto à Grécia a Alemanha tem de aceitar um compromisso podre porque se a Grécia saísse do Euro a Alemanha perderia os 60 mil milhões de Euros que lhe emprestou. Portugal emprestou 1,1 mil milhões de euros. De recordar que o perdão de metade da dívida grega em 2012 (de 100 mil milhões de euros), então nas mãos de privados, prejudicou bancos portugueses: o BCP e o BPI perderam então 590 milhões de euros. Por outro lado, os problemas das instituições bancárias são saldados com o dinheiro do contribuinte.

O problema do Euro vem das diferentes economias e diferente produtividade entre os diferentes países e regiões e da diferente distribuição das empresas produtivas. Um mesmo euro forte para todas as economias discrimina as economias mais fracas. Por isso, como alguns ecónomos defendem, os países com pouca competitividade deveriam ter ao mesmo tempo o euro e a moeda nacional (euro, dracma, etc.); deste modo, estes poderiam dar resposta às diferentes economias e concorrer com os países fortes porque teriam a moeda interna com que regulariam o mercado interno de maneira aferida ao país; deste modo quem quisesse consumir produtos importados teria de pagar muito mais e os países mais fortes teriam mais dificuldade em exportar porque os seus produtos seriam mais caros

Falta uma discussão séria com propostas de programas realistas e construtivos para se conseguir uma UE menos injusta. Falta a vontade política para tal; disso e dos programas económicos é que valeria a pena falar. Por vezes tem-se a impressão que um sistema financeiro falhado procura adiar a sua queda lambendo as feridas de uns e outros. De resto, quanto mais se ergue a garganta ao céu para lamentar a situação, mais a injustiça pode agir desapercebidamente!
António da Cunha Duarte Justo
www.antonio-Justo

Passo a apresentar dados que, ao lado de outros, poderão ajudar a rejuvenescer opiniões. “A Grécia já tem condições muito melhores do que Portugal ou a Irlanda – prazos mais dilatados, melhores juros, carência no pagamento desses juros. O resultado é que enquanto nós, com uma dívida proporcionalmente muito mais baixa (127% do PIB contra 180%), pagamos o equivalente a 5% do PIB em juros, a Grécia pagará entre 2,5% e 3,6%. Ou seja, a dívida grega é maior mas pesa-lhes menos. E isso é que conta. Mais: não somos só nós que, proporcionalmente, suportamos uma carga de juros superior à dos gregos, os italianos e os irlandeses também estão na mesma situação.” José Manuel Fernandes

Segue o artigo
Estou farto do choradinho dos desgraçadinhos dos gregos
• Por José Manuel Fernandes – 14/2/2015, 19:39
Os problemas da Grécia não começam agora no Syriza nem acabarão com o Syriza. São problemas antigos, entranhados, que fazem do país um corpo cada vez mais estranho numa união monetária como o euro.
Escolho algumas frases quase ao acaso. Frases de uma espécie de “discurso único” sobre a Grécia em que esta é sempre apresentada como vítima. Vive-se “uma grave crise humana”, escreve-se na carta que 32 personalidades enviaram ao primeiro-ministro. E, claro, não há razão para qualquer “discurso punitivo”, a Grécia não tem culpa de nada. A chanceler Merkel, como sentenciou Mário Soares, é que a “responsável principal pela desgraça da Grécia “. Tudo por causa de “uma política destruidora”, explicou de seguida o professor Louçã, como agora é apresentado. E, também, por causa do “delírio especulativo” que criou “uma pilha de dívida”, algo que se aplica certamente a um país onde 80% da dívida é hoje detida pelos seus parceiros europeus, país que também paga as menores taxas de juro e até beneficia de um período de carência. Claro que tudo isto coincide e reforça o que Alexis Tsipras diz que sempre que tem um microfone pela frente: “devastaram o Estado” e “criaram uma enorme crise humanitária”. Quem o ouve diria que fala do Darfour.
Este discurso é cansativo e unilateral. Pode parecer muito piedoso, mas acabará por não ajudar a Grécia no longo prazo. E obscurece o tema que devíamos estar a debater: pode uma zona monetária com uma moeda como o euro fazer conviver no seu interior, sem constantes sobressaltos, crises e tensões, países tão diferentes como a Grécia e a Holanda, ou Portugal e a Finlândia?
É por isso que é importante contrariar este “discurso único” e, sobretudo, desmontar muitos dos mitos que o alimentam.
1. O primeiro mito é que a Grécia de hoje é a herdeira da Grécia da Antiguidade, a Grécia que devemos a nossa civilização e que inspirou a nossa democracia.
Esta ideia só muito parcialmente é verdadeira. A cultura grega clássica nasceu e cresceu numa região muito mais vasta do que a da Grécia actual. Basta pensar que, se de facto Sócrates, Platão ou Tucídides eram atenienses, Heródoto, o primeiro dos historiadores, era de Halicarnasso (hoje Bodrum, na Turquia); Arquimedes, o matemático, era de Siracusa, na Sícilia; Tales de Mileto, o primeiro filósofo ocidental de que se tem notícia, era de Mileto, hoje na Turquia; Heráclito, o “pai da dialéctica, era de Éfeso, igualmente na Turquia; Aristóteles era de Estagira, que fica hoje na Grécia mas que na época pertencia à Macedónia; Euclides, o “pai da geometria”, era de Alexandria, no Egipto; Pitágoras, o do célebre teorema, se nasceu na ilha grega de Samos, desenvolveu a sua escola em Crotona, uma povoação no sul de Itália; e por aí adiante.
Por outro lado, se pensarmos nas famosas sete maravilhas do mundo antigo, cinco deles pertencem indiscutivelmente ao mundo grego, mas dessas só duas, a Estátua de Zeus em Olimpo e o Colosso de Rodes, ficavam no que é a actual Grécia. Duas estavam no que é hoje a Turquia – o Templo de Ártemis em Éfeso e o Mausoléu de Halicarnasso – e a último no Egipto, o Farol de Alexandria.
A Grécia moderna tem menos de dois séculos, pois antes o seu território estava sob domínio otomano. Quando o país foi criado, havia uma tão radical ausência de ligação ao passado que foi preciso inventar uma família real. O nosso D. Pedro IV chegou a ser convidado para ser o primeiro rei da nova Grécia independente, mas como recusou o trono acabou por ser entregue a Oto da Baviera, filho de Luís I. Estávamos em 1832 e ele tinha apenas 18 anos.
A Grécia que hoje conhecemos nasceu assim por vontade das grandes potências europeias – Reino Unido, França e Rússia –, que a criaram na Conferência de Londres. Tudo para, algumas décadas passadas, voltar a perder a soberania, já que o país declarou bancarrota em 1983 (três anos depois de Portugal) e foi obrigado a ficar sob a tutela dos credores. Uma Comissão Financeira Internacional instalou-se em Atenas e passou a controlar directamente o orçamento de Estado. Era a troika desses tempos, mas com menos cerimónia e menos piedade: 10% da população acabou por emigrar.
A história lá prosseguiu, com momentos de glória e de tragédia, mais uma bancarrota em 1932, mas sempre com um traço distintivo, bem definido pelo historiador grego Nicolas Bloudanis: “na Grécia o Estado só funciona de forma intermitente”. Pior: “de cada vez que o Estado funcionou menos mal, tratava-se de um Estado autoritário onde as liberdades políticas e civis estavam limitadas. (…) Na memória colectiva grega o Estado é um Estado autoritário de que convém desconfiar”.
Foi este país que em 1974 saiu, tal como nós, de uma ditadura, mas que, ao contrário de nós, beneficiou desde o primeiro momento de uma espécie de “via rápida” para a adesão à então CEE. Alguns líderes dessa época, como o presidente francês Giscard d’Estaing, achavam que a Europa não seria Europa sem uma Grécia que viam como genuína herdeira da Grécia da Antiguidade Clássica. Foi ilusão que durou pouco tempo: fazendo jus à sua real natureza de país entre o balcânico e o levantino, a Grécia logo tratou de se opor à entrada de Portugal e Espanha, ameaçando com um veto que só foi ultrapassado quando Bruxelas enviou ainda mais dinheiro para Atenas. Um país solidário, portanto.
2. O segundo mito é que, se é verdade que os gregos cometeram erros e falsificaram as contas, toda a culpa da situação actual é dos alemães e das suas “políticas punitivas”.
Não, não e não. Os gregos não cometeram apenas alguns erros que, com paciência e pedagogia, certamente ultrapassariam. Os gregos sempre actuaram de acordo com uma cultura política que pouco ou nada tem a ver com a da Europa Ocidental e, se algum erro maior fez a Europa, esse erro foi permitir a sua adesão à moeda única, fechando os olhos a todas as evidências e ao mais elementar bom-senso.
De facto não deve haver em nenhum outro país do euro hábitos políticos tão clientelares e nepotistas como os da Grécia. Durante décadas os dois principais partidos, o PASOK e Nova Democracia – que são também os dois principais responsáveis pela situação a que o país chegou -, como que pertenciam a duas famílias, os Caramanlis e os Papandreou. Mas não eram apenas os partidos que se estruturavam em torno de grandes famílias, o país também os seguia de acordo com o mesmo tipo de tradição. Como descrevia na época o mesmo Nicolas Bloudanis, na Grécia “não se votava por ideologia” – até porque verdadeiramente esses dois partidos pouco se diferenciam ideologicamente –, votava-se em função dos benefícios materiais (e dos empregos) que podiam ser distribuídos. O que nem sequer é demasiado estranho, pois se apesar de tudo os gregos não foram totalmente absorvidos pelos otomanos isso deveu-se à sua fidelidade a duas velhas tradições culturais: a rouspheti, ou dispensa recíproca de favores e de protecções, e a mesa, ou rede de contactos e conhecimentos. O terreno era pois propício ao suborno e à cunha.
A vitória do Syriza pode ter a virtude de quebrar, pelo menos em parte, estas lógicas ancestrais, lógicas que se entrelaçam com a corrupção e a fuga aos impostos. Mas, em contrapartida pode fazer regredir o pouco que, apesar de tudo, tinha evoluído na abertura da economia. Basta recordar que, antes do resgate, a Grécia mantinha centenas de empresas nacionalizadas na década de 1980, quando na Europa já se privatizava, o que fazia com que o Estado empregasse directamente 45% da população activa. O poder dos políticos gregos sempre se baseou muito na distribuição de sinecuras e convivia bem com sindicatos poderosos que tinham garantido que, nalgumas empresas do Estado, se chegassem a pagar-se 18, 20 ou mesmo 22 ordenados por ano. O número de funcionários públicos também era imenso: o dobro da média europeia em proporção da população. Para além disso, eram pagos acima da média: um relatório da OCDE anterior ao resgate indica-nos que um terço do total do dinheiro pago em salários em toda a economia grega era só para pagar aos funcionários públicos.
Se este era o quadro geral, todos nos recordamos da história dos 45 jardineiros que tratavam dos quatro arbustos de um dos hospitais públicos de Atenas. Ou do Instituto para a Protecção do Lago Kopais, um lago que está seco desde 1930. Ou de as filhas dos funcionários públicos falecidos enquanto estas ainda eram menores receberem uma pensão vitalícia.
E se o Estado gastava desta forma, e tinha mais funcionários do que qualquer outro, não foi preciso chegar a austeridade para não funcionar minimamente. Ainda hoje, por exemplo, entidades como a Transparency Internacional combatem situações como as que eram prática corrente nos hospitais, onde só com subornos se conseguia uma consulta a tempo e horas, e só com subornos muito maiores se chegava à mesa de operações. Era esse o sistema instituído e todos sabiam como ele funcionava.
Enquanto isto, não se pagavam impostos. Mais uma vez é famosa a história de os serviços tributários utilizarem helicópteros para localizarem as casas com piscinas para poderem cobrar a respectiva contribuição, mas é menos conhecido o facto de não existir na Grécia um registo cadastral minimamente funcional que permitisse, por exemplo, calcular um imposto equivalente ao IMI. Foi para tornear esse problema que esse imposto começou a ser cobrado com a conta da electricidade, uma decisão tomada no tempo da troika e que levou ao incumprimento e ao corte da luz a centenas de milhares de gregos.
Um Estado clientelar e gigante, uma economia dependente e corporativa, um sistema político nepotista e uma sociedade civil habituada á corrupção e à dependência: não é possível imaginar terreno mais fértil para, quando o dinheiro barato da moeda única começou a chegar, se terem cometido todos os excessos. Todos os nossos problemas, que eram e são muitos, são uma brincadeira de crianças ao lado dos gregos.
3. O terceiro mito é que foi o resgate que estrangulou a Grécia, fez crescer a sua dívida, uma dívida que agora é impagável.
Não há dúvida que quando a troika chegou a Atenas cometeu muitos erros de abordagem, alguns dos quais até corrigiria depois na Irlanda e em Portugal. Houve medidas de uma imensa brutalidade – basta recordar que enquanto em Portugal se preservou e até se actualizaram as pensões mais baixas, na Grécia nem prestações na casa dos 300 euros escaparam.
Mas essa é só uma parte da história. A outra é que nunca, desde a primeira hora, o governo grego, os políticos gregos, fizeram um real esforço para reformarem o seu país. Começavam sempre por dizer que “não é possível”, “não vai funcionar”, acabavam por ceder depois de culparem a Alemanha, e a seguir arrastavam os pés. No princípio chegou a acontecer ter havido um acordo para reduzir os salários dos funcionários públicos, uma condição imposta para a Grécia conseguir os primeiros empréstimos, a lei ter saído e depois, nas costas do ministro das Finanças, vários membros do Governo terem criado criaram novos suplementos remuneratórios que repunham os vencimentos anteriores. Muitas leis exigidas nos acordos também foram rapidamente aprovadas no parlamento para depois ficarem meses ou anos à espera dos decretos regulamentares. Para ver a ineficiência com que o programa foi aplicado basta lembrar que com dois resgates, mais quase dois anos de troika do que nós e um sector público muito maior do que o nosso, as receitas das privatizações gregas nem chegam a ser metade das conseguidas no nosso país.
Não surpreende assim que a espiral recessiva que tantos previram para o nosso país e que não se materializou, tenha na Grécia provocado uma queda de 25% do PIB. Mesmo assim é necessário colocar de novo as coisas em prespectiva: apesar dessa queda, o PIB per capita, em paridade de poder de compra, dos gregos é neste momento sensivelmente igual ao dos portugueses. O nosso salário mínimo também é menor do que o grego, e muito menor ficará se o Syriza levar por diante as suas intenções.
Tudo isto mostra que, se por lá a “catástrofe” é assim tão grande, não é por falta de riqueza, é pela conjugação de muitas destes factores de que tenho vindo a falar e que convenientemente são sempre esquecidos. Mais: na última reunião do Eurogrupo os ministros das Finanças da Eslováquia, da Eslovénia ou de Malta lembraram que mesmo sendo nos seus países, na altura, menor o PIB per capita, eles mesmo assim emprestaram dinheiro aos gregos. Já alguns ministros de antigos países do Leste recordaram a Varoufakis que aquilo que tinham emprestado correspondia ao que gastavam em subsídios de desemprego.
Resta o argumento final: a dívida não é sustentável, pelo que a Grécia precisa ainda de mais ajuda (mais dinheiro) da Europa. Mais uma vez estamos perante uma “verdade mediática” que lida mal com a realidade dos factos. Primeiro, porque nenhum outro país do grupo dos que foram resgatados beneficiou até hoje de um perdão de dívida como a Grécia já teve. Foi em 2012, representou cerca de metade da dívida que estava então em mãos de privados e tirou do deve e haver da Grécia 100 mil milhões de euros, uma quantia que, se fossemos nós os beneficiados, nos aliviaria de muitas das nossas aflições. Nessa operação dois bancos portugueses, o BCP e o BPI, perderam 590 milhões de euros, dinheiro que fez muita falta ao financiamento da nossa economia.
Mas o ponto principal nem sequer é esse. A Grécia já tem condições muito melhores do que Portugal ou a Irlanda – prazos mais dilatados, melhores juros, carência no pagamento desses juros. O resultado é que enquanto nós, com uma dívida proporcionalmente muito mais baixa (127% do PIB contra 180%), pagamos o equivalente a 5% do PIB em juros, a Grécia pagará entre 2,5% e 3,6%. Ou seja, a dívida grega é maior mas pesa-lhes menos. E isso é que conta. Mais: não somos só nós que, proporcionalmente, suportamos uma carga de juros superior à dos gregos, os italianos e os irlandeses também estão na mesma situação.
4. O quarto e último mito é que, liberta (de novo) de parte da dívida, a Grécia voltaria a crescer, a ser próspera e, por isso, pagaria mais facilmente o remanescente dos empréstimos.
Não há nenhum político que não goste de ter dinheiro para gastar e distribuir. Não é preciso ter “consciência social”, basta querer ser reeleito. Por isso a simples ideia de que haveria mais dinheiro no orçamento porque passaria a haver menos dinheiro para pagar juros é muito tentadora. Já é muito menos evidente que isso induzisse um crescimento económico sustentável e é fácil ver porquê. Primeiro, temos a experiência do passado: dinheiro barato e abundante foi o que a Grécia teve até à crise de 2008, mas isso não deixou a sua economia mais forte e mais competitiva, bem pelo contrário. Depois, temos a evidência das reformas que ficaram pela metade, o que significa que a Grécia está muito longe de estar em condições para concorrer num mundo globalizado permanecendo, ao mesmo tempo, no colete-de-forças de uma moeda única. Finalmente, há o programa do Syriza, o possível retrocesso em algumas dessas reformas e o regresso a um passado próprio de uma economia fechada, protegida e ineficiente.
Um bom exemplo daquilo de que falamos é o que se passa no Porto do Pireu. Um terço foi privatizado e é hoje gerido por uma companhia chinesa. É eficiente, é um modelo de organização, tem cada vez mais movimento e faz cada vez mais negócio. Os outros dois terços continuam nas mãos do Estado – e dos sindicatos – e continuam a perder clientes e movimento, sendo um espaço sujo e por vezes degradado. Neste momento ninguém ainda percebeu se este pedaço do porto do Pireu vai acabar por ser privatizado, como estava previsto e parece ser vontade do ministro das Finanças, ou se tudo fica como está, como quer o ministro da Marinha.
A vitória do Syriza talvez mude alguma coisa na cultura de nepotismo que sempre dominou a política grega, pode ser que até consiga combater a corrupção com mais eficácia e até ser mais diligente no combate à evasão fiscal. Mas essa vitória não mudou a natureza da Grécia nem os seus hábitos culturais: só a perspectiva de que ia ganhar levou milhões de gregos a deixarem da pagar impostos, abrindo num só mês um buraco de 1,6 mil milhões de euros, buraco que tornou ainda mais difícil a vida ao Governo que depois elegeram.
É por estas e por outras – e por tudo o que distancia a Grécia de ser um país capaz de cumprir com as regras de uma união monetária – que não vejo forma de esta não voltar ao dracma, mas cedo ou mais tarde. Sendo que nestas coisas mais cedo costuma ser melhor do que mais tarde.

A Isca eleitoral “Aeroporto Humberto Delgado” proposta pelo PS lisboeta

Mais Ideologia para um Portugal já intoxicado dela

António Justo

António Costa, com a sua Câmara de Lisboa, quer mudar o nome do Aeroporto da Portela para “Aeroporto Humberto Delgado”, tendo já feito, para isso, a proposta ao governo, como noticiou o DN no passado dia 11.02. Isto não passa de uma tática de arranjar combustível barato para a campanha eleitoral do PS, à custa do aeroporto da Portela (ou Povo de Portugal): um aceno aos comunistas e mais uma promessa sem grandes custos mas que ajuda apenas os dançarinos do poder.

Antes de se proceder à iniciativa de dar um nome a um espaço público, seria importante analisar a proposta e verificar se os proponentes são acreditáveis. Para o serem, neste caso, o proponente teria de, com a mesma ligeireza, poder propor a mudança de ponte 25 de Abril para o seu velho nome “Ponte Salazar”. Não deixaria de mostrar uma mentalidade patriarcalista mas revelaria independência e credibilidade. Um exame crítico sobre o assunto tornar-se-ia numa comida difícil para os políticos partidários.

Uma pessoa torna-se credível quando aplica a mesma medida e critérios no próprio agir para lá da sua filiação partidária. Esta não é a ideia nem a prática partidária e por isso mesmo se verifica cada vez mais gente arredia à política. O agir do político deveria servir em benefício do país no todo e não do partido. “Com papas e bolos se enganam os tolos” terá reconhecido o povo num raro momento de lucidez!

Tenha-se todo o respeito por Humberto Delgado, mas poupem-nos de mais esta vassalagem à esquerda. Cabeças cheias de ideologia já não têm lugar para o que interessa a Portugal; usam-no como estendal da sua ideologia. Assim se cria a História à feição do oportuno e dos oportunistas.

Costa e a sua Câmara fazem uma proposta, já à partida sem perspectivas de êxito, mas que é suficiente para contentar o povo recruta que se contenta com promessas e conversa fiada. Querem continuar a entreter a opinião pública com assuntos sentimentais sem interesse que substituem a elaboração de programas económicos e socias para um governo sério.

Contam com a desinformação do povo e com uma cultura da lamentação que além de lágrimas e barulho só traz benefício visível para os eleitos. O povo sente-se bem, no ser enganado, porque vai atrás de promessas deste ou daquele partido sem lhe exigir um programa de governo em que se encontram discriminados investimentos, despesa e entradas com um orçamento de Estado equilibrado. Quem quer governar irresponsavelmente fomenta um povo masoquista.

António da Cunha Duarte Justo

www.antonio-justo.eu

Rússia entre Império e Nação

Para a Compreensão do Conflito Este-Oeste e da Ucrânia
A Rússia descobre a sua nova missão para a Europa

António Justo
A alma russa está ferida. Sente-se traumatizada devido ao desmoronamento do império czarista, seguido da queda da União Soviética e defrontando-se agora com o medo da concorrência e influência europeia (sua prosperidade, direitos civis, decadência moral e o interesse da política dos EUA em desestabilizá-la), bem como com a latente instabilidade que fermenta nos seus povos turcos, muçulmanos e outros.

Neste contexto, não é de estranhar um Putin viril, autoritário e decidido. Vladimir Putin fala claro, revela encarnar os interesses e intenções da Rússia negligenciando a realidade histórica da primeira e segunda guerra mundial no século XX ao afirmar que “a queda da União Soviética foi a maior catástrofe do século XX”. Deste modo distancia-se da interpretação histórica de perspectiva europeia e revela-se como verdadeiro czar.

A queda da União Soviética em 1989/90 deixou um vácuo de soberania na sua qualidade de potência mundial. Depois da anexação da Crimeia, a reputação de Putin subiu na Rússia para 86%. Putin quer a criação de uma união euroasiática sob orientação da Rússia, o que poderia tornar-se numa potência superior à UE. A anexação da Crimeia obedece à logica do poder que se serve de estratégias a longo plano.

A Rússia não seguirá o caminho democrático do Ocidente, por razões históricas e de interesses estratégicos. Aprendeu bem a lição do que o Ocidente provocou com a defesa de uma certa ideologia democrática propagada na “Primavera Árabe” e na política falhada do Ocidente no Norte de África e em especial no Iraque, Líbia, Afeganistão e Síria.

Factores de Identidade: Antes o Comunismo agora o Conservadorismo

Putin é o gladiador da luta entre culturas; ele quer ostentar a Rússia como baluarte da tradição. A Rússia, Estado multi-étnico, encontra-se dividida entre os pró-ocidente e os pro-eslavos. Estes vêem no ocidente o perigo de destruição da alma russa (Dostojewski e Tolstoi). Dostojewski, nos “Irmãos Karamazov”, profetiza a queda do espírito europeu, resumindo o espírito russo no seu aforismo: “Nós somos revolucionários (…) através do conservadorismo”.

A civilização russa mantinha-se antes unida pelo comunismo, agora deve uni-la o conservadorismo intelectual e moral. Enquanto na UE o Estado secular e as ideologias atacam o cristianismo, na Rússia vê-se isso como um estado decadente da UE e contracenando-se a esta o fortalecimento dos laços de união entre Estado e Ortodoxia/religião, contra o pluralismo e o individualismo democrático.

A estratégia de Putin é unir o antigo mundo da União Soviética, através do conservadorismo (anti-modernismo), contando para isso com o trunfo da ortodoxia e do islão. Defende o conservadorismo cultural russo para ganhar perfil, como defensor da tradição conservadora, perante o mundo ocidental. Para ele a tradição conservadora “é o fundamento espiritual e moral da civilização de cada nação“. A defesa da família e de valores tradicionais são fundamentos inalienáveis.

Também o leste e sul da Ucrânia são o símbolo da luta pelos valores conservadores (pro russos) enquanto o resto da Ucrânia defende os valores liberais pro ocidente. Com esta estratégia Putin pretende arranjar apoiantes nos países muçulmanos e na África. A sua campanha conservadora consegue também apoiantes em toda a Ucrânia e deste modo uma maior divisão da Ucrânia no sentido russo.

Num mundo de luta entre conservadores e progressistas, Putin distancia-se do liberalismo ocidental. A Rússia descobre a sua nova missão para a Europa.

O Ocidente (EUA) não respeita outras ordens de Paz

Encontramo-nos numa guerra económica e pós-colonial de interesses geopolíticos entre o Ocidente e o oriente. Em nome das liberdades individuais destroem-se as sociais, em nome da democracia atacam-se outros sistemas civilizacionais. Obama ao apelidar a Rússia de “potência regional” humilha Putin e interpreta erroneamente o espírito de um grande povo.

A estratégia nacionalista de Putin não pode ser contraposta com uma política de exclusão. A Europa tem que viver com Putin e trabalhar, a longo prazo, no sentido de uma maior união e de política comum com a Rússia (no aspecto cultural, económico e geoestratégico).

A ordem de paz europeia não pode ser arquitectada sem uma ordem de paz russa, pelo que o princípio defendido por Merkel da “livre autodeterminação dos povos”, por muito humano que seja, contradiz a paz russa, a paz chinesa e a paz árabe. Por outro lado, a segurança não pode ser o único critério para um bloco se manter e pisar a liberdade e os direitos humanos com os pés.

Por trás de cada ordem de paz encontra-se uma estratégia e uma hegemonia. A União Soviética viveu durante várias gerações no caos sob o braço forte do comunismo. Não será agora uma união aduaneira nem o conservadorismo o suficiente para reverter a História. As potências não demonstram boa vontade nem responsabilidade histórica global quando instigam guerra-civis para conseguirem os seus objectivos. A Rússia é importante, também culturalmente, para a União Europeia.

A China, devido ao regime político e ao problema dos diferentes povos que alberga é, também ela, contra a autodeterminação nacional. A China, como não está preparada para exercer a chefia do mundo, junta-se à Rússia. A China e a Rússia são conjuntos de povos com grandes regiões em situação social medieval, e onde não houve um processo de lutas e de colonizações internas, como no caso da Europa e dos Estados unidos. Por isso as suas estratégias de desenvolvimento são necessariamente diferentes (durante um espaço de tempo histórico) para manterem a paz dentro dos seus territórios. A UE e os EUA são extemporâneos e, por isso, desestabilizadores daqueles povos, exigindo deles que se tornem estados modernos à imagem das democracias ocidentais. De facto fomentam a instabilidade e a hegemonia económica sobre estes estados. O problema da política da UE e dos EUA está em fazerem as suas conversações com as elites e não ligar à sociedade civil.

O povo fala de política e os políticos falam de negócios

A economia russa não consegue concorrer com o ocidente.

A Alemanha está muito comprometida com a Rússia; 39% do gás natural que consome vem da Rússia e muitas infraestruturas (pipelines, etc.) encontram-se, nas mãos de russos, na Alemanha.

A UE já tomou provisões construindo um terminal (LNG) em Rotterdam para os navios que transportam gás líquido da noruega, Catar e Nigéria. Segundo a revista Spiegel 14/2014 já há 22 instalações que se fazem concorrência umas às outras, podendo cobrir já hoje dois terços das necessidades de gás ( gás de xisto, gás do mar cáspio como visão de futuro para fugir à Rússia). A Alemanha já produz biogás que corresponde a 20% do gás importado da Rússia. Em 2013 a Alemanha teve, com a Rússia, um volume de negócios de 66 mil milhões de euros estando dependentes deste negócio 300.000 mil postos de trabalho na Alemanha. Por isso as sanções são também contra a própria economia.

Segundo a repartição de estatísticas Rosstat, os preços de produtos alimentares encareceram na Rússia 20%, em 2014. O Rubel desvalorizou 70% num ano e a inflação atingiu os 11% em 2014.Oxalá Putin não cometa o mesmo erro que a União Soviética cometeu com o comunismo. A história pode adiar-se, mas não indefinidamente.
Uma Rússia fraca torna-se mais perigosa para a Uniao Europeia e para a NATO do que um povo russo forte.
A guerra da Ucrânia já matou desde Abril 5.400 pessoas. Uns lutam pela liberdade democrática, outros pela estabilidade futura de blocos e por isso a guerra flui na rua… A Ucrânia, símbolo da europa central que procura refúgio numa das uniões ocidentais, encontra-se geograficamente na Europa mas socialmente dividida e entre as intenções russas de construir um bloco de união aduaneira e a NATO/EU com políticas não aferidas. A Polónia e outros países limítrofes da Rússia advogam uma política da confrontação em relação à Rússia enquanto a Alemanha, França e outros países da UE preferem cooperar em parte com a Rússia. Bruxelas quer assinar um Acordo de Associação com a Moldávia também ela dividida entre ocidente e oriente. Tudo isto leva a compreender que na Ucrânia estão em jogo os mais variados interesses que a levam a não ser um país normal.


Numa UE dividida, a Alemanha procura usar de todo o seu peso para mediar e impedir a escalação do conflito Rússia-Ucrânia. A Chanceler é contrária à intenção de os EUA fornecerem armas à Ucrânia, prefere uma solução diplomática. O plano de paz de Merkel e de Hollande antecipa uma zona desmilitarizada de 50 a 70Km entre os partidos de conflito e maior autonomia para a Zona Leste da Ucrânia. As negociações dão-se, intencionalmente e de forma paralela à Conferência de Segurança de Munique para sinalizar a importância de uma solução não conflitual. Merkel dirigiu-se a Obama para conseguir mediar um plano sólido que uma Europa dividida não conseguiriam dado alguns estados da UE estarem interessados em seguir mais a política americana.

Já chega. Esperemos que o plano de Merkel, aquele que mais contempla os interesses da EU, da Rússia e da Ucrânia, seja um marco importante a caminho da união dos povos e da realização dos direitos humanos numa perspectiva global
António da Cunha Duarte Justo
Jornalista
www.antonio-justo.eu