DONATIVO DE MILHÕES NA DEMOCRACIA DE MERCADO

O partido AfD, na Alemanha, recebeu um donativo em espécie de 3,35 milhões de euros de Gerhard Dingler, da Áustria. O dinheiro será utilizado para colocar 6.395 cartazes em toda a Alemanha pelo AfD, independentemente da sua campanha eleitoral oficial.

Quando lhe perguntaram por que razão estava a confiar tanto dinheiro ao partido AfD (extrema direita), Dingler disse que havia o risco de o futuro governo alemão fornecer mísseis de cruzeiro Taurus à Ucrânia e que queria evitar que isso acontecesse. Este facto foi relatado pela WDR alemã e pela ORF austríaca.

Não chega berrar contra os bilionários e por trás dos bastidores fazer o seu negócio em benefício próprio com eles, como era praxe de costume, mas não pública. Agora que Trump se revela contra o etablishment político há mais temporal na sociedade, principalmente por parte daqueles que se tinham estabelecido nos mirantes do poder que lhes assegurava a vantagem. O discurso político aceso a que agora assistimos é, de uma maneira geral, o costumado alarido popular, que movido apenas pelos sentimentos, se deixa arrastar para um dos partidos das duas elites que disputam entre si o poder!

A democracia encontra-se desprotegida enquanto o cidadão não notar que o rei vai nu e não exigirem dos governantes que protejam o bem comum e a própria nação; até lá, todo o alarido não vai muito além de música de acompanhamento.

Só a vitória de Trump tornou Elon Musk 21 mil milhões de dólares mais rico! Por outro lado, Trump põe em questão os atuais vendilhões do templo que reagem desesperados.

Para cúmulo do escândalo também é um facto que duas famílias na Alemanha têm mais dinheiro do que a metade mais pobre de toda a população.

A sociedade encontra-se em pleno tumulto interior e a democracia também: não por este ou por aquele motivo, mas porque  foi desfalcada sobretudo por aqueles que foram eleitos para defenderem os interesses do povo e do país e passaram a defender interesses sobretudo ideológicos e partidários.

E agora, para cúmulo da hipocrisia, até os media se mostram surpreendidos embora se limitem a administrar a miséria popular. De facto, já sabiam nos 10 anos anteriores a 2014 que o que estava em causa era sobretudo as riquezas da Ucrânia e os interesses geopolíticos rivais e não mostraram interesse em apresentar isso aos espectadores e pelo contrário impediram da tribuna pública quem não fosse cúmplice com eles!

Hoje como antes fazem uso da mesma tática de difamar e criar preconceitos, sem argumentar,  porque querem fazer passar a sua versão como sendo a verdadeira (informação pós-fática usada hoje regularmente pelos nossos meios de comunicação relativamente à Ucrânia e em parte a Trump); o mesmo fizeram políticos e meios de comunicação social afectos aos governos, seguindo irresponsavelmente orientações de agendas superintendentes, no caso das medidas Covid 19. Criaram uma chaga aberta nas populações: uma situação vergonhosa para estados ditos democráticos e, para cúmulo da questão, os políticos ainda não pediram desculpa por terem desmontado a Constituição e pelos abusos cometidos.

Não chega para os políticos o saberem que as populações têm memória curta e se ocupam do que lhes põem na manjedoura da informação. A continuação de tais táticas destrói sistematicamente a democracia e depois ainda os partidos do arco do poder têm o desplante de se armarem em defensores dela pelo facto de o povo, com dores de estômago, barafustar contra tudo e contra todos! Não é o grito que destrói a democracia. Se não houver uma mudança radical na atitude e na mentalidade da elite política, económica e cultural, continuamos a marcar passo e a contribuir para a queda da qualidade de vida e da civilização europeia.

O templo da Democracia encontra-se profanado pelos vendilhões do poder e da ideologia: os lugres santos da sociedade foram transformados em lugares de mercado. Não será fácil sair do niilismo relativista querido e propagado porque, onde tudo é feira, tudo se torna parceiro de mercado.

 

António da Cunha Duarte Justo

Pegadas do Tempo

Desconexão entre os Partidos de Esquerda e a Vontade popular

Política Partidária Tóxica na Alemanha

A Alemanha enfrenta uma crescente crise social e política, impulsionada pela criminalidade associada a refugiados islâmicos, pela insatisfação popular com as políticas de refugiados, pela guerra na Ucrânia e pela polarização partidária. A Alemanha encontra-se na mudança apontando para o poente da razão, da lógica, da arte e da vida que criou e com ela também a Europa que perdeu a noção do centro da sua gravidade geográfica e a bússola cultural que lhe deu o ser… 

Neste artigo procuro examinar alguns fatores que contribuem para esse cenário, incluindo ataques violentos, a resposta política inadequada e o impacto na sociedade alemã.

Há factos reais de hábitos desagradáveis e de criminalidade a que as populações (alemães e também estrangeiras)  não estavam habituadas no seu dia a dia da vida social e lhes cria um sentimento de insegurança e de desprotecção por parte do Estado (tudo isto se agravou grandemente depois da política de  portas abertas da Alemanha aos refugiados iniciada em 2015: por isso alcunham Merkel de primeira “chanceler verde“ e também por ter determinado a extinção das centrais atómicas de energia!).

Os últimos ataques violentos obrigaram os partidos, na atual campanha eleitoral, a não ignorar o tema da imigração de refugiados.

O ataque com faca em Aschaffenburg (26.01.2025), de que resultou na morte de uma criança e um adulto.

O ataque ao Mercado de Natal em Magdeburgo (20.12.2024), com três mortos e 299 feridos, incluindo 68 em estado grave. O assassino tinha uma presença significativa nas redes sociais, com 43.000 seguidores e 121.000 tweets publicados.

Os dados estatísticos sobre crimes com armas brancas são alarmantes: apenas na Renânia do Norte-Vestfália, em 2023, houve 15 mortes e em toda a Alemanha 8.951 casos de lesões corporais graves.

A incapacidade dos partidos governamentais de lidar com as questões do choque de culturas tem desorientado a sociedade que em reflexo de autodefesa tem fortalecido a extrema-direita, representada pelo partido AfD, que agora conta com cerca de 20% de apoio; este é um fenómeno comum em toda a EU porque o cartel partidário e ideológico tem sido posto acima dos interesses das populações e dos estados.

Na Alemanha segundo investigações, dois terços da população é pela limitação dos refugiados.

Aumenta o medo e o sentimento anti-estrangeiro entre a população. A vida noturna tornou-se particularmente perigosa para as mulheres, refletindo uma sensação generalizada de insegurança. Exigiu-se demasiado das populações locais que viram os seus hábitos serem suplantados pelos islâmicos. A desorientação e desassossego das populações deve-se ao arrogante desmantelamento sistemático da própria identidade e consciência; desmantelamento este implementado pela esquerda woke que tem muita influência e poder em pontos fulcrais da sociedade e dos governos (em coligação e no parlamento impõem ou bloqueiam medidas razoáveis; a nível social conseguiram até fazer tabu da palavra identidade).

A maioria dos alemães exige reformas na política de refugiados, mas os partidos de esquerda (Verdes e SPD) têm bloqueado mudanças na política de refugiados e por último a necessária colaboração com a CDU na elaboração da lei da limitação de refugiados, e por outro lado acusam-na de alinhamento com a extrema-direita (AfD). Esta posição dos Verdes e SPD é percepcionada como arrogante (por ter levado a CDU à situação de colaborar com a AfD constituída como tabu), por não respeitar a vontade das maiorias e se sentir senhora da democracia.

A recusa dos Verdes e do SPD em cooperar com a CDU na elaboração de leis para limitar a imigração provoca uma polarização partidária muito grave. A iniciativa de Merz clarificou que a esquerda é unânime em não querer resolver as preocupações da população. No parlamento constatou-se uma desconexão entre os partidos de esquerda e a vontade popular. Harald Martenstein comenta em Welt am Sonntag: “Se o SPD e os Verdes não gostam do povo, não seria correcto se procurassem outro povo, no espírito de Bert Brecht?”. 

Penso, porém, que os partidos do arco do poder mesmo depois das eleições continuarão a ser os mais fortes por terem também o apoio dos meios de comunicação; mesmo no caso da constituição de um governo minoritário os actores do arco serão servidos.

A deputada do Partido Verde, Katrin Göring-Eckardt, minimizou a conexão entre refugiados e problemas cotidianos, gerando críticas. Parece desconhecer o próprio povo e a situação em que a Alemanha se encontra.

A tática dos Verdes e do SPD de manter leis ineficazes e oferecer respostas superficiais. De facto, quando se encontram no governo condicionam os parceiros a   deixarem as leis em “estado de coma” e prestam serviço de lábios em eventos de atentados.

O chanceler Scholz anunciou uma “viragem do tempo”, mas o foco tem sido no aumento do militarismo, em vez de abordar questões sociais urgentes.

A conjuntura atual revela tudo inseguro. Há uma parte irónica e contraditória na política alemã.

O dia 1º de maio, feriado nacional instituído pelos nazistas, é mantido apesar da lógica de Verdes e SPD de rejeitar colaborar com um partido que associam indevidamente ao regime nazista tal como não se pode associar a esquerda ao estalinismo.

O movimento “Avós contra a Direita” reflete a polarização extrema no debate político quando propriamente defende a expatriação da direita; esquerda e direita perdem a razão ao protestarem de maneira tão extrema a ponto  de se negarem radicalmente uma à outra: seria o caso de inverter o ditado e dizer: Casa onde há demasiado pão, todos ralham e ninguém tem razão!

A Alemanha enfrenta uma crise multifacetada, marcada por violência, insegurança e polarização política que exacerba as divisões sociais. Para restaurar a confiança pública, é essencial que as lideranças políticas adotem uma abordagem mais colaborativa e pragmática, priorizando a segurança, a saúde e o bem-estar dos cidadãos.

António da Cunha Duarte Justo

Pegadas do Tempo

REPASSANDO O ASSUNTO DE MALAS-MALITAS E MALEITAS

A Comunicação Social(ista) está a entreter o Povo com o deputado Miguel Arruda, que era PS e agora é do Chega , e que é cleptomaníaco com o transtorno mental, para cometer furtos de malas.
No entanto essa Comunicação não dá nenhumas notícias dos mais de 33 deputados, a braços com a Justiça.
Alguns exemplos :
1) Sérgio Rocha de Ávila, deputado do PS pelos Açores, é Arguido por gestão danosa e participação económica em negócio, na SATA, no desaparecimento de 200 milhões de euros. 2) Pedro Fraria que o PS recusou levantar a imunidade parlamentar a este deputado socialista que foi constituido Arguido por 5 crimes de corrupção na Camara de Felgueiras.
3) José Rui Cruz, deputado e ex-líder do PS de Viseu, constituído Arguido por fraude na obtenção de subsídios em proveito próprio.
4) Ricardo Rodrigues do PS foi filmado a furtar um gravador de jornalistas da Sábado que o entrevistavam, no Parlamento.
Estes são corruptos PS que enxovalharam a Assembleia da República !!
Mas há mais em Tribunal :
5) um primeiro-ministro do PS
6) 11 ministros
7) 13 secretários de Estado
133 autarcas na maioria do PS em Tribunal.
Todos constituídos Arguidos nos últimos 6 anos e a maioria por crimes de corrupção, peculato e recebimento indevido de vantagem (dinheiro)
Estes Processos arrastam-se com Recursos atrás de Recursos nos Tribunais.
No entanto a Comunicação Social(ista) não dá nunca nenhuma notícia sobre estes Processos !!
Porquê ??
Será porque não convém ao PS ??

Quebrada a Barreira do Cartel dos Partidos do Arco do Poder na Alemanha

Na Alemanha, os partidos tradicionais vêm mantendo uma “barreira de fogo” contra a AfD (extrema direita, com 20% de apoio, defensora de uma política migratória radical) à semelhança do que acontece em Portugal com o CHEGA. No entanto, o líder da CDU, Friedrich Merz, quebrou esse tabu ao aceitar o apoio da AfD no Bundestag para endurecer a política de refugiados.  Em 29/01, a sua proposta foi aprovada com os votos da AfD, derrotando a esquerda, que vê o tradicional isolamento da extrema direita ser minado. Agora com o plano de 5 pontos da CDU em vigor, é de esperar uma histeria mediática. Também houve uma discussão acesa antes da votação. A resposta da AfD ao argumento da firewall é: “A chamada ‘Barreira de Fogo’ contra a AfD é uma alavanca para desligar a vontade dos eleitores.

A esquerda, que historicamente defende o internacionalismo contra o patriotismo cultural, reage com preocupação e assustada por ver minado o cartel de partidos que a favorecia. Para ela, a tática que sempre garantiu alianças da esquerda socialista (nalguns países da EU) agora pode passar a ser usada pela direita, unificando conservadores moderados e radicais. O clamor é grande porque isso permite a aprovação de propostas sem necessidade de negociações entre progressistas e conservadores. (Hoje no Parlamento alemão consagrou-se uma política de tática, um pouco à semelhança do que fez a esquerda em Portugal no governo da Geringonça).

Defende-se que a política migratória continue humana, mas com proteção reforçada para os residentes locais. A CDU mantém esse discurso, mas argumenta que, diante do aumento de ataques cometidos principalmente por sírios e afegãos, é preciso agir para impedir que criminosos permaneçam no país e reincidam em delitos. A CDU com esta iniciativa no Bundestag tenciona também reforçar as fronteiras da Alemanha, intento este difícil de concretizar atendendo às directrizes da União Europeia.

O debate político-partidário não deve ser baseado em táticas “barreira de fogo” (firewalls) que apenas protegem os interesses interpartidários, deve sim ser fundamentado numa estratégia objetiva e não meramente partidária para poder servir melhor o país. Porque é que o desenvolvimento da Alemanha é repetidamente bloqueado por jogos de poder ideológicos? Uma análise do estado da democracia na UE e exemplos internacionais ilustram o perigo de tais divisões.

Os deputados do Bundestag deveriam poder tomar decisões livres de constrangimentos tácticos partidários, para que as leis se tornem mais objectivas e sirvam melhor o bem comum. Em vez disso, a Alemanha continua presa numa teia de manobras político-partidárias, perdendo assim oportunidades futuras. A agitação emocional em todos os campos, muitas vezes por motivos oportunistas, está a manchar a antiga reputação do país.

Após 49 anos de participação ativa na Alemanha, estou chocado com o desenvolvimento irracional do discurso público – marcado por demasiada tática e muito pouca razão. Isto faz-me compreender como é que os movimentos extremistas conseguiram ganhar força na história. A democracia parlamentar debate-se consigo própria, enquanto a população é forçada a desempenhar o papel de espetador e se sente frequentemente desiludida pelos meios de comunicação social públicos.

A melhor tática para disciplinar um partido de extrema esquerda e de extrema direita é deixá-lo participar na governação, como se observou, em parte com o partido dos Verdes.

Querem uma barreira de proteção contra a extrema-direita, para a esquerda poder continuar a viver num nevoeiro de interesses.

Democracia significa trabalhar em conjunto, independentemente das clientelas de esquerda e de direita! A “Barreira de Fogo” tem vindo a dividir cada vez mais a sociedade e a prejudicar a democracia.

A viragem da Chanceler Merkel para a esquerda no que respeita à política de migração e de energia está a ser seguida pela viragem do candidato a chanceler da CDU, Merz, para a direita

 

António da Cunha Duarte Justo

Pegadas do Tempo

O Ritual das Cinzas – Um Conto sobre Memória e Hipocrisia

No frio cinzento da manhã, o vento cortava os campos vastos de Auschwitz-Birkenau. As folhas mortas sussurravam ao serem arrastadas pelo chão, lembrando ecos das vozes um dia ali silenciadas. Era 27 de janeiro, o 80º aniversário da libertação do campo. Os preparativos estavam em curso, e os políticos, com suas comitivas elegantes, começavam a ocupar as cadeiras dispostas em frente ao portão marcado com a infame inscrição “Arbeit macht frei” (“O trabalho liberta”).

Na alameda ao fundo, dois homens caminhavam demoradamente. O primeiro, um sobrevivente octogenário de Auschwitz, chamado Samuel, carregava o peso da memória nos frágeis ombros. O segundo, seu neto David, um jornalista jovem e céptico, estava ali mais por insistência do avô do que por convicção. A troca de gerações entre eles era evidente: Samuel era um guardião do passado, enquanto David era um questionador do presente.

– “Vês isso, David?” – disse Samuel, apontando para o palco central onde líderes mundiais ajustavam gravatas e sorrisos. – “Chamam a isto homenagem. Olha para eles. Cabeças inclinadas, frases ensaiadas, discursos sobre ‘nunca mais’. E depois voltam para a sua rotina de reuniões e diferentes guerras.”

David, ciente da indignação do avô, respondeu olhando para o ar:

– “Mas não é importante relembrar? Estas cerimónias não servem para evitar que o mundo esqueça?”

Samuel parou, encarando o neto com olhos que carregavam a profundidade de oito décadas.

– “Relembrar não é o problema. Problema é o que fazemos com essa lembrança. A memória sem acção é como uma vela acesa ao vento: bonita, mas inútil. Olha para o palco. Quem falta lá?”

David hesitou, mas depois de esticar o olhar respondeu:

– “Os russos…”

Samuel anuiu.

– “Foi o Exército Vermelho que nos libertou. Aqueles soldados soviéticos, muitos deles pouco mais velhos do que tu, enfrentaram as balas para poderem abrir os portões deste inferno. E hoje, não foram convidados, porquê? Porque agora são nossos ‘inimigos’.” Ele fez aspas com os dedos no ar. “Até a gratidão, parece ser vítima da política.”

David ficou em silêncio. Era verdade. A ausência russa no evento era um elefante invisível no meio da cerimónia. Depois de alguns instantes, perguntou:

– “Mas, avô, a Rússia de hoje não é a mesma de 1945. Há razões políticas…”

Samuel interrompeu-o, afirmando mais a sua voz.

– “Razões políticas… Sempre há razões, David. Foram as razões políticas que fizeram o mundo ignorar o genocídio enquanto ele acontecia. Foram as razões políticas que tornaram as pessoas cegas enquanto os seus vizinhos desapareciam. Foram razoes políticas que nos colocaram no estado em que agora nos encontramos.  Razões não justificam a ingratidão.”

Enquanto os dois caminhavam já mais perto do palco, o som acomodado das vozes oficiais preenchia o ar frio. O rei britânico Charles III fazia uma pausa dramática no seu discurso, enquanto o chanceler alemão Olaf Scholz olhava solenemente para o horizonte. Samuel e David pararam ao lado de outros sobreviventes, muitos deles tão frágeis como ele, sentados em cadeiras de rodas ou apoiados em bengalas. Cada um carregava memórias como se fossem cicatrizes invisíveis do tempo.

– “Olha para eles, David. Estão aqui para discursar, mas esquecem que Auschwitz não foi apenas um crime alemão. Foi um crime humano. E hoje, com os seus jogos de poder, continuam a alimentar a ideia de que os culpados são sempre os outros. A cumplicidade entre governantes e governados torna-se suficiente para justificar a culpabilidade dos outros. Deste modo é mais fácil dormir à noite.”

David sentiu um desconforto crescente. As palavras do avô penetravam como um espinho na sua consciência. Olhou demoradamente à sua volta. Sobreviventes com lágrimas discretas, jovens em silêncio respeitoso, mas também câmaras, flashes e discursos cuidadosamente preparados.

– “Mas o que podemos fazer? Não podemos mudar a política global, avô.”

Samuel suspirou profundamente.

– “Eu não espero que mudes o mundo. Só espero que vejas para além do teatro. Auschwitz não é um lugar para dividir, mas para unir. E o que eles fazem aqui é usá-lo como palco para os seus próprios interesses divisionistas e ao não convidarem o russo abusam do evento para colocarem a culpa só nele.”

No palco, o presidente francês Emmanuel Macron começou a falar sobre o crescimento do antissemitismo na Europa. As suas palavras, embora corretas, soavam como ecos frios vindos da distância. Samuel virou-se para o neto e murmurou:

– “Eles falam de antissemitismo, mas permanecem calados enquanto novos ódios crescem. Judeus, refugiados… as vítimas mudam, mas a indiferença permanece. Que aprendemos, afinal?”

David, pela primeira vez, sentiu o peso do que o avô queria dizer. A memória de Auschwitz não era apenas sobre o passado. Era um espelho cruel do presente. Ele olhou para Samuel e disse:

– “Então o que fazemos, avô? Como mudamos isso?”

Samuel sorriu, um sorriso amarelo, mas cheio de significado.

– “Lembra-te, David. Mas lembra-te de verdade. Não deixes que a memória seja apenas um ritual vazio. Questiona, fala, escreve. E nunca deixes que a política decida quem merece ser lembrado.”

No final do evento, enquanto os líderes mundiais trocavam cortesias, cumprimentos e flashes continuavam a piscar, Samuel e David caminharam em silêncio até ao portão de saída. Lá, Samuel parou e olhou para trás, para o campo que um dia fora a sua prisão, e disse ao neto:

– “A verdadeira homenagem não está no palco, David. Está aqui. Nos fantasmas que nunca sairão deste lugar. Certifica-te de que eles não sejam esquecidos – por ninguém. Que a chama  da memória e do sentimento brilhe pelo mundo!”

E, com isso, eles deixaram Auschwitz, levando consigo não apenas memórias, mas a responsabilidade de lutar contra a indiferença – esteja ela onde estiver.

António da Cunha Duarte Justo

Pegadas do Tempo