Aplicação da Prática Alemã seria oportuna para os Países carentes do Sul


Transferência de 2 triliões de Euros como Contributo de Solidariedade para a antiga Alemanha de Leste

António Justo
Para se ter a ideia do atraso da DDR (antiga Alemanha oriental) em relação à Alemanha ocidental (BRD), basta ter presente que, depois da união das duas alemanhas, a Alemanha oriental recebeu, segundo o investigador Klaus Schröder, nos últimos 25 anos, dois trilhões (triliões) de euros. Apesar disso ainda não atingiu o nível de vida da antiga Alemanha ocidental (BRD).

Todo o cidadão da antiga Alemanha ocidental é obrigado a pagar um suplemento de imposto que é transferido para a parte oriental; apesar da contínua transferência de milhares de milhões de euros por ano, a parte oriental da Alemanha ainda se encontra atrasada a nível de ordenados e reformas, em relação à Alemanha ocidental.

A solução para o equilíbrio das economias dos países do norte e do sul da União Europeia teria de passar por um imposto de solidariedade dos países ricos para os países pobres, tal como acontece dentro da Alemanha. Assim se construiria uma EU com base na solidariedade e numa união responsável. A EU, para chegar a uma união de facto terá de superar os muros internos nacionalistas e económicos. Uma análise da sociedade alemã e da maneira como soluciona os seus problemas nacionais poderia servir para um discurso mais realista em sociedades com problemas económicos e sociais.

Queda do Muro de Berlim e do Comunismo soviético há 25 Anos

Para o sindicalista e Nobel da Paz, Lech Walesa, as primeiras fendas nos muros do comunismo soviético “deram-se nos estaleiros de Gdansk” e “sem o movimento de liberdade da Polónia não teria havido a queda do muro de Berlim, há 25 anos.

O sindicato Solidarnosc (Solidariedade), em mesa redonda com o governo (apoiado pela Igreja), conseguiu em 1980 um pacto de “renúncia à violência” (HNA 5.05.2014).

No início de Abril de 1989 foram acordadas, entre o governo da polónia e o movimento Solidarnosc, eleições, meio livres, que reservavam 35% dos lugres no parlamento resultantes de eleições livres (oposição) e 65% para os partidos do governo. As eleições (4.06.1989) provocaram um colapso imprevisto pelo sistema na sociedade polaca: 160 dos 161 mandatos no parlamento foram ganhos pela oposição em torno da Solidarnosc, bem como 92 das 100 possíveis lugares no Senado.

A 27 de Junho de 1989, a Hungria começou a desmontar arame farpado da fronteira, declarando o fim da ditadura comunista. A 19 de Agosto de 1989 a Hungria deixa cidadãos da DDR (Alemanha socialista) passar a fronteira para a Austria.

Michael Gorbatchev (1985, Secretário Geral do partido comunista da união soviética) queria evitar o colapso económico do comunismo da União Soviética e impedir o seu contínuo atraso em relação ao Ocidente, e, nesse sentido, permitiu uma certa flexibilidade na liberdade de opinião (Glasnost) e democratização dos estados (Perestroika), o que autorizava reformas dentro do Estados da União Soviética. Gorbatschow declara o fim de alerta para os Estados e assegura em Berlim (40 aniversário da DDR a 7.10.1989) aos jornalistas: ” Perigos só vêm para aqueles que não reagem à vida … Quem chega atrasado será punido pela vida“ (HNA).

O Muro de Berlim caiu a 9. Novembro de 1989. A partir daí os cidadãos têm liberdade de passar a fronteira. A reunificação da Alemanha deu-se a 3 de outubro de 1990.
Em 25 de dezembro de 1991, com a renúncia de Gorbatchev dissolve-se a União Soviética, surgindo dela doze repúblicas restantes como países pós-soviéticos independentes. A Federação Russa é agora a continuadora da antiga União Soviética.

António da Cunha Duarte Justo
www.antonio-justo.eu

 

 

A Revolução comunista em Portugal e a Contra-revolução partidária

O 25 de Abril é um Marco histórico que introduz uma Matriz de Pensamento de Esquerda

António Justo

O 25 de Abril é passível de muitas interpretações. Tal como afirma Josep Sánchez Cervelló, o objectivo do 25 de Abril (FMA) era a descolonização e a instauração de um regime socialista em Portugal.

Na madrugada do 25 de Abril de 74, Portugal sonhou e a 25 de Novembro de 75 acordou para uma discussão entre forças radicais e moderadas que impediu uma futura guerra civil entre as forças armadas divididas.

Fernando Rosas diz que a revolução portuguesa «foi a última revolução de esquerda da Europa do século xx». O mesmo povo que possibilitou o início da revolução impediu-a depois.

Do que observei, nos primeiros tempos da revolução poderia afirmar, que o que se passava nas ruas era a expressão de um povo dominado que saia à rua para cantar a liberdade.

Liberdade e libertinagem eram atitudes não claras tanto nos revolucionários como no povo que os aclamava. A festa foi mesmo boa e à maneira portuguesa; mas a liberdade e a desordem eram tão grandes que já assustavam os países vizinhos, numa época de caos e de inovação onde imperava a esquerda e a extrema-esquerda (Fase dos governos provisórios até ao fim do quinto governo de Vasco Gonçalves, 19 de setembro de 1975). Entretanto Mário Soares servindo-se também do cargo de Ministro dos Negócios Estrangeiros para os contactos com o estrangeiro, conseguiu, com o Grupo dos Nove, dar força à contrarrevolução que incluía também os interesses da burguesia. Durante o VI Governo provisório do 1° ministro Pinheiro de Azevedo e do Presidente Costa Gomes dá-se o golpe militar do 25 de Novembro de 1975 propriamente manejado pelas forças inerentes ao “Grupo dos Nove”, as forças moderadas da esquerda e da direita; aqui dá-se o fim dos sonhos da esquerda radical (prisões de militares e desautorização do gonçalvismo e do otelismo). O PCP, Vasco Gonçalves e as forças revolucionárias da esquerda, opta pela luta ideológica do domínio político. Têm uma função de catarse no discurso político. O maquiavelista Mário Soares “ambicioso sem princípios nem convicções” como desabafa Vasco Gonçalves, pôde fortalecer os interesses dos parceiros europeus. Com o apoio dos socialistas franceses, austríacos, do SPD alemão e da CIA americana, conseguiu endireitar a revolução da esquerda radical. A Constituição institucionaliza depois uma democracia partidária. Acaba-se a era dos líderes militares para se iniciar a dos líderes políticos.

Com o começo do 1° Governo Constitucional (sob a chefia de Mário Soares a 23 de setembro de 1976) inicia-se uma política no sentido da integração europeia, começando por devolver as terras e as casas ocupadas e as empresas nacionalizadas aos seus proprietários. A Europa respira fundo porque vê afastado o perigo de Portugal se tornar numa segunda Cuba.

Ainda me lembra de, na altura, haver expressões públicas contra a Europa, mas a autoridade indiscutível dos partidos conseguiu manter o povo nas suas fileiras, sem referendo tal como se fez com a integração de Portugal na zona euro (Na altura mais que discurso político reinava o discurso ideológico e a generalidade do povo não tinha ideia do que se estava verdadeiramente a passar).O povo teve, porém, papel muito importante, logo no início do 25 de Abril, porque com o seu acorrer às ruas impediu que os militares entrassem em conflito imediato entre eles. A força partidária esteve extremamente presente conseguindo domar à sua maneira, o caos “democrático” de um povo que então se sentia à solta, de ocupação em ocupação. Nesta altura ainda não havia verdadeiramente líderes onde o povo se pudesse alinhar, isso só veio a acontecer com a organização partidária que conseguiu alinhar e chamar a si um povo já de si desalinhado. Cantava-se, então, que o povo é quem mais ordena, o que em parte acontecia até ao 25 de Novembro; este mesmo povo que repetia a cantiga dos revolucionários cantava depois a cantiga dos Partidos organizados. Aqueles que queriam uma revolução à maneira russa, de Mao Tsé-Tung ou cubana perderam logo nas Eleições para a Constituinte, obtendo a maioria o PS com 37,8% e o PPD com26,3%). O povo optou pela democracia representativa. Depois manteve-se uma discussão extremista e muitas das palavras que se hoje ouvem contra o fascismo são saudades frustradas de um tempo em que a revolução de caracter totalitário foi de facto impedida por Mário Soares e pelas forças inerentes ao grupo dos nove.
Foi um golpe de estado feito pelos capitães e não pela hierarquia militar superior. Decisivo no sentido de impedir a divisão da instituição militar foi a acção dos intermediários António de Espínola e Francisco Costa Gomes, tornados chefes de estado até às eleições presidenciais de 1976. O que temos é fruto da democracia de manifestações de interesses muito embora numa democracia formal.

Muitos, que antes atribuíam todo o bem adquirido ao 25 de Abril, responsabilizam-no agora, fazendo dele um bode expiatório de todo o mal, tal como foi feito outrora com o regime de Salazar. Também houve uma hiperbolização do 25 de Abril como tudo se devesse a ele e não fosse possível desenvolvimento histórico sem ele e como se não houvesse outros Estados na altura em condições semelhantes às nossas e, apesar de não terem tido revolução, conseguiram acompanhar o desenvolvimento dos tempos.

Os que fizeram a revolução aproveitaram-se dela (vejam-se os partidos e seus membros relevantes que reservaram o amanhecer de Abril para eles e o anoitecer para a maioria); a falta de formação política e cívica que não se pode adquirir só na rua acentuou a dicotomia entre a História e o mito!

Instalou-se uma Partidocracia

A política, como “actividade nobre de servir os outros e governar o que é de todos”, tem um senão: é obra de pessoas habituais e votada e criticada por 90% de quem não entende de política nem de governação. Assim, em vez de uma democracia orientada para o povo, como é o caso da Suíça, instalou-se uma partidocracia todo-poderosa e incontrolável. Torna-se cínica a forma como os nossos democratas falam dos privilégios do clero e da nobreza na Idade Média e se reservam para si privilégios que a plebe democrática não tem. Seria lógico que ganhassem mais mas que estivessem sujeitos aos mesmos direitos e deveres que o normal do cidadão e de instituições sociais. Marinho Pinto, bastonário dos advogados, relata, entre muitos privilégios dos partidos, os seguintes: os partidos políticos estão isentos de IRC, IVA, IMI, imposto de selo, imposto de doações e sucessões, isentos de imposto sob património, de imposto de automóvel, de imposto municipal de transmissão de imóveis, de taxas de justiça e de custas judiciais. “Tudo privilégios adquiridos às escondidas”. Cada voto rende para os partidos 3,1 Euros por ano. O MRPP, devido aos votos recebe mais de 15 mil euros por mês; o PSD vencedor das eleições irá receber entre as últimas eleições e as próximas 38 milhões de euros; o PS vai receber mais de 28 milhões; O CDS/PP 13 milhões; PCP e o VERDE mais de 10 milhões; Bloco de Esquerda mais de 6 milhões; e não parlamentares como PCTP/MRPP mais de 777 mil euros e o Partido dos Animais e da Natureza recebe mais de 730 mil euros. Além disso os partidos parlamentares receberam mais de 8,3 milhões de euros para as despesas da última campanha eleitoral a dividir entre os partidos segundo os resultados obtidos. Cada grupo parlamentar também terá direito a uma subvenção anual para encargos de assessoria aos deputados no correspondente a cerca de 2.000 euros por cada deputado; a Assembleia da República paga as remunerações dos funcionários dos grupos parlamentares 2 milhões e 550 mil euros por ano; o PS recebe 2milhoes 104mil euros o CDS 1 milhão e 200 mil e o PCP 865 mil euros o bloco de esquerda 631 mil; e os Verde 244 mil euros. Além dos 24 milhões de Euros ainda há verbas de 18 milhões e 500 mil euros para apoiar as campanhas para a assembleia da república, assembleias legislativas dos Açores e da Madeira parlamento europeu e depois ainda há outra verba para as autárquicas.

Mudança de padrões de pensamento: da matriz de pensamento de direita passou-se para a matriz de pensamento de esquerda

Passaram-se já 40 anos depois do canto de Grândola Vila Morena na Rádio Renascença a 25 de Abril de 1974. Numa altura de crise e em que as conquistas de Abril e os valores da civilização cristã são sistematicamente destruídos por forças da esquerda e da direita, a comemoração da “revolução dos cravos „ pode tornar-se cínica. Canta-se hoje o 25 de Abril como outrora se cantavam as proezas da Constituição de Salazar em 1933. O processo revolucionário caótico interrompido por Mário Soares e pelas forças em torno do “Grupo dos nove” deu origem a outro processo que embora avançado, é escuro e muito mais corrupto que o anterior. O 25 de Abril deu-se na confusão de forças militares e partidárias continuando ambíguo.

O 25 trouxe-nos a paz e a democracia e direitos sociais e sindicais e criou a plataforma para o progresso em diversos campos contribuindo para o melhor bem-estar das pessoas, especialmente nos sectores da saúde, educação e comunicação mas não conseguiu a suficiente inclusão que entusiasticamente se propunha; pelo contrário fomentou a diferença dos mais ricos e dos mais pobres. Quanto aos pobres manteve-os no assistencialismo, que os mantem a pouco mais que a pão e água.

O alarido em torno da música de Abril conseguiu a grande adesão popular mas não envolveu depois o povo no processo cívico. Há deficiências que se devem à falta de formação política do povo mais configurado para a “res privada” do que para a “res publica”; isto explica-se pela falta de responsabilidade da classe política também ela demasiadamente condicionada por influências de grupos alérgicos à gerência do seu comportamento na praça pública.

A situação em que nos encontramos e o estado de corrupção estatal/partidária é tão grave que não seria responsável um discurso que pretende ajustar contas com a direita ou com a esquerda. Neste sentido, já há muito deveria haver coligações de maiorias governamentais de salvação nacional formadas pelos partidos mais fortes. A palavra de ordem só pode ser de reconciliação, responsabilização e metanoia.

A situação portuguesa não pode ser desintegrada da matriz económica da EU a que nos unimos e que vincula esquerda e direita, como a economia dos USA e da China que não nos deixa produzir artigos concorrentes em termos de preço. A globalização capitalista liberal com a falência dos bancos… e a má administração dos governos levaram Portugal à bancarrota, pondo-o nas mãos dos credores. A riqueza desenfreada de alguns provoca a dessolidarização social do Estado. A nível de infra-estruturas, apesar da crise económica, Portugal é um dos países mais avançados.

25 de Abril – O Despertar de uma Ilusão

O 25 de Abril foi um acenar de revolução que deixou no ar um aroma de cravos e liberdade. Seguiu depois a política dos embuçados que ocuparam a República sob a mão duma mafia de luvas brancas e invisível que contamina a vida do Estado e da Nação. Dá-se a repetição do que tinha acontecido na primeira república com a sua maneira de estar e fazer jacobina maçónica e ideológica aliada a um conservadorismo pedante de atitude medieval.

“Quem se deita com crianças acorda molhado!” O que se deu em Portugal ocorre também noutros países atendendo ao facto da política ser uma questão da “res pública”e 90% do povo não estar preparado para ser verdadeiramente “ser político” mais predisposto para a alienação do que para a realidade e a utopia.

O Golpe de Estado deu oportunidade à revolução cultural (movimento 68) em via nos USA, Alemanha, França, etc. O 25 de abril vulgarizou-a então por todas as camadas sociais do povo português. O 25 de Abril torna-se socialmente também no veículo político e social do Movimento 68. Despertou-nos da Bela Adormecida para um mundo fandango.

Passou-se de uma matriz de pensamento paternalista de direita para uma matriz de pensamento paternalista de esquerda. Um rigorismo paternalista deu lugar a um conformismo rígido de opinião de esquerda. Passou-se da proibição de opinião individual para a liberdade de pensar em bloco. O pensamento individual e verdadeiramente aberto continua a ser uma pedra de tropeço neste sistema democrático.

O golpe de Estado deu-se quando me encontrava a estudar teologia e pedagogia social na Alemanha. Tive então um sentimento de libertação, esperançado em novos tempos e numa nova humanidade.

Com o tempo notei que a liberdade, igualdade e fraternidade que os revolucionários apregoavam eram as liberdades dos seus grupos de interesses não a de todo o povo nem para todo o povo. Tratava-se de uma liberdade querida por certas ideologias de panorama limitado à própria mundivisão e justiça sem ter em conta a situação de cada pessoa. Vivia de encenações e proclamações duma liberdade sem corpo nem alma, duma liberdade internacional abstracta, visível em festas e comícios mas não na realidade. O atributo “facho” era na altura distribuído com proficuidade e até com carinho porque a palavra fascista além de agressiva era injusta. Em comícios, chegava-se a aguentar a liberdade de opinião reservando-se a decisão para horas tardias onde então se protocolavam opiniões dos restantes mais iguais. Quem não pensasse igual era julgado como “facho” e como tal de opinião manipulada pelo antigo regime. A nova “censura” (pensar politicamente correcto) marcava os seus pontos na sociedade. À conformidade dum sistema segue-se a conformidade com o outro. Da conformidade com o novo pensar surgia a oportunidade profissional.

O tempo de Salazar incorpora uma era da ordem rígida e de regras sociais intransigentes adversas à mudança. Antes havia o paternalismo da censura depois passou-se ao paternalismo das ideologias e do oportuno. Aos cães de guarda de regras do decoro e da moral perante o povo e a juventude sucedem-se os novos cães de guarda de ideologias. Os saneamentos efectuados nas instituições e a penteação mental operada nas escolas e universidades deram pouca margem ao surgimento de despenteados do pensamento: aqueles que promovem a mudança sem lhe determinarem a orientação para a esquerda ou para a direita! Dos acomodados tradicionalistas passou-se aos acomodados progressistas. Mudou-se o folclore, a atitude permanece a mesma. Antes seguíamos a ordem do orgulhosamente sós para depois seguirmos a ordem do valha tudo menos nós.

O discurso político faz mais parte do passatempo. Assim como só discutimos superficialmente os tempos da primeira república e de Salazar assim se branqueia o 25 de Abril. Cada época branqueia, irreflectidamente a sua, na procura de culpas passadas que distraiam das suas.

Vive-se de uma história do passado e do futuro sem olhar crítico para o presente. Os fracos e a demonização de um sistema chegaram para justificar medidas irreflectidas e a lavagem de cérebro aos portugueses.

Havia um congestionamento de reformas, é verdade. O espírito da geração 68 do ocidente empacotado no 25 de Abril a pretexto de saneamentos dos ” fachos” e como estratégia de infiltração partidária iniciou a sua marcha através das instituições. Este processo também se deu nas instituições europeias pelos arautos da geração 68. A revolução ocidental dos jovens de 68 conseguiu chegar à ribalta da história portuguesa e questionar hábitos e valores já com musgo. Uma época da História com um ambiente a solicitar o florir de pessoas e instituições continuava ainda manietada por regras e ordens desconformes ao espírito que flui do mundo ocidental.

Neste contexto, tornamo-nos todos abrilistas, consciente ou inconscientemente. Ao golpe de Estado de Abril junta-se uma revolução cultural. O projecto de mudança social desencadeou um processo de esperanças e ideais. À leviandade com que se operou o processo das independências junta-se o erro de mera aplicação de ideologias internacionais já em processo decadente da rebeldia e do preconceito vigente contra as instituições: contra Deus, pátria e família. Também isto levou a nova classe política a desobrigar-se também porque deixou de entender a diferença entre pecados sociais/culturais mortais e pecados socias/culturais veniais!

O sentido da liberdade esgotou-se no questionar a ordem antiga. A razão familiar, democrática e de opinião é despenteada a favor do liberalismo histérico da economia e do mercado. A revolução apodera-se da liberdade e do sexo que oferece a belo prazer sem apelar para a responsabilidade nem para as consequências dos próprios actos. Liberta-se o instinto do animal e reduz-se a pessoa ao indivíduo inocente sem roupa, nem cabeça na esperança de uma vida natural de necessidades realizadas numa sexualidade que restabelece a vida inocente de Adão e Eva antes da mordedura da maçã. Agora tudo corre à procura de auto-realização num novo Homem sem consciência nem moral. Depois das aldeias esvaziadas de sentido até à última aldeia das Cabras, passamos a sofrer de liberdade abstracta. De recordar que na altura em que a revolução andava à solta, a “juventude” da cidade, nas suas campanhas de esclarecimento popular se deslocava às aldeias para politizar o povo (facto este que se não tivesse sido ao serviço da ideologia seria uma boa iniciativa). (Neste contexto conheci um episódio em que se organizou a desfloração de virgens em grupo, sendo para o efeito escolhido democraticamente um jovem delicado para executar tão delicado trabalho Conheci, na altura, um jovem que o fez, era ligada aos grupos de Otelo e chegou a ter várias metralhadoras em casa). Tropeçamos na própria liberdade: Uma falsa compreensão de emancipação espera agora por vingança. Alimentada de valores e da fé numa democracia e numa liberdade elástica. A dança da liberdade leve ameaça tornar-se numa dança de mortos na preparação de um apocalipse que acontece ciclicamente no desenvolvimento da História. O caldeirão do consumo torna-se num buraco negro que engole tudo, engole a razão, a liberdade e equaciona a ética em termos de mercado e consumo, num mundo que se quer caótico sem sujeitos individuais, sem políticos responsáveis nem estado. Um niilismo nostálgico quer de sujeitos funcionários, só tipos numa realidade factual meramente económica. Agora é o tempo dos nostálgicos na procura da inocência perdida. Uns e outros com falta de realismo.

Socialismo espalhado com o aroma dos Cravos

A revolução tinha outras intenções com o seu golpe de estado. Os seus realizadores queriam, como se pode verificar nos governos provisórios, a mudança do regime autoritário para outro regime ainda mais autoritário mas de caracter popular. Encenavam-se como heróis tornando-se autoridades morais em nome duma consciência socialista internacional pronta a sacrificar a própria nação.

Dos livros de ensino começam a substituir-se textos de portugueses consagrados por textos da internacionalidade. A própria constituição deve ser a mais progressiva e mais internacional possível. Celebravam por toda a parte a salvação dum estado de sonho, dum povo liberto das heranças do passado. Um povo que esperava liberdade foi amarrado à manjedoura da ideologia por dançarinos do poder que de pacientes passaram a salvadores. Organizam-se programas de reeducação popular no sentido de ideários socialistas que queriam resgatar Portugal, expurgá-lo da pátria para o tornar internacional e popular. Apresentam-se como vítimas legitimadoras duma nova identidade a criar. Não chega lamentar e remediar o autoritarismo da ditadura anterior; precisa-se de um fascista grande para argumentar e para isso comparámos Salazar com Hitler. Com um Salazar monstro não precisamos de mudar a nossa conduta; apenas a ideologia. Por mais que os erros da nova classe se levantem, nunca chegarão àquela gravidade! E o povo acreditou nas promessas seguindo a voz do novo canto. Um povo de abelhas vai seguindo o cantar da cigarra. Queria em nome do marxismo criar uma nova sociedade com novas amarras. Os espíritos do velho regime instalam-se com mais convicção no novo. A vergonha dum antigo regime apressa a identificação com o socialismo internacional. Chega a cor para nos dar o sentimento de pertença.

O impasse em que vivemos hoje deve-se a uma liberdade gratuita, prometida e que se quer atingida sem o suor do próprio rosto. Uma libertação de tudo mas sem saber para quê. Um mundo de abrilistas torna-se pioneiro da liberdade prometendo felicidade. Em nome da liberdade dá-se oportunidade ao novo oportuno: novos senhores exploradores ocupam agora o lugar dos antigos. Dá-se também uma democratização da exploração, sendo agora possível um número maior de exploradores do que antes. O Golpe de Estado efectuado não se orientava pela realidade das pessoas e da nação mas seguia apenas ideologias mais ou menos internacionais de fardas engomadas.

Portugal passou a albergar, especialmente no Alentejo, muitos peregrinos e “refugiados” da civilização ocidental.

A revolução ao ser feita em nome da esquerda tornou-se sua propriedade; este foi o seu busílis ao esquecer que o Homem consta de uma parte esquerda e outra direita, uma parte inferior e outra superior. A revolução tinha boas intenções mas ao polarizar-se desrespeita a pessoa e a nação, tal como fez o regime anterior. Este foi um grande erro na estratégia de educação popular. Por isso hoje já não é o povo quem festeja, quem festeja é o partido ou os funcionários do Estado. A vivência da nova era sente-se no acto da compra no supermercado e no sexo. Cai-se no vício de uma liberdade sem vontade.

O “movimento 68” resume a sua doutrina na frase “depois de Ausschwitz não se pode acreditar mais num Deus bom e amoroso” quando a conclusão lógica a tirar seria: depois de Auschwitz não se pode acreditar mais na bondade natural do Homem. A primeira frase leva à desculpa e à ideologia, a segunda compromete e responsabiliza cada pessoa.

Tal como uma árvore precisa de estrume no seu solo assim uma cultura precisa do húmus da tradição para poder desenvolver-se e do sol da esperança que constrói o presente com uma panorâmica gratificante. A liberdade precisa de um horizonte e o húmus de que ele se alimenta é o cristianismo e o idealismo (idealismo pensado na alternativa de pensamento alemão ao iluminismo francês). Para o cristianismo cada pessoa é um ser singular único com uma consciência pessoal com uma dignidade humana que o torna responsável e transcendente.

Desencantar e dessacralizar o mito de Abril

Cada nação precisa dos seus ideais e dos seus mitos; de facto precisamos de utopia mas não da alienação. Em nome de uma superioridade moral vendemos o mito da revolução. Portugal perde a guerra do ultramar e vende-a como libertação de Portugal. A derrota de um ultramar entregado ao bloco soviético é empacotada na cor dos cravos de Abril. Uma descolonização que já há muito deveria ter sido feita, deu-se na confusão e na traição em nome da auto-estima. Todos nós sofremos do mito de Abril que nos levou para onde nos encontramos. Portugal ajoelhado não aos pés duma civilização, mas ajoelhado aos pés da troika que apesar de tudo, com o seu ditado, ajudou Portugal a sair da bancarrota (de que nos libertamos, esta semana, ao voltar aos mercado financeiros internacionais).

Agora seria óbvia a era da recuperação da dignidade individual assumindo responsabilidade pessoal. Primeiramente seria necessário desencantar os feitores da revolução. Antes deixávamos o negócio do Vinho do Porto nas mãos dos feitores portugueses a serviço das quintas inglesas. Com o 25 de Abril entregamos o negócio da nação, primeiramente, a feitores da ideologia, aos representantes soviéticos e à fé no movimento 68 para depois colocarmos o nosso destino na EU. Abandonamos a consciência lusófona e de portugueses para seguirmos a anónima internacional. Em nome da moral e contra a razão endinheiraram-se os novos-ricos produzidos pelo Abril à custa do esvaziamento cultural e da auto-estima da nação.

Para começarmos de novo teremos de deixar nas ruinas do “império” os seus “heróis”, aqueles que lhe fizeram o enterro. Temos que da ruina da nação enferma, agora ajoelhada erguer-nos de novo como noutros tempos contra os interesses daqueles portugueses traidores que arquitectavam o seu futuro na entrega de Portugal a Castela. 1640 é um dia do povo, agora que a liberdade individual e do povo se encontra mais que nunca ameaçada, há que o restaurar. Mandemos para o ferro-velho da história muitas das aquisições de Abril para readquirirmos Portugal readquirindo-nos a nós. Não queremos já ideais floridos nem a libertinagem enganadora; não precisamos da roupa velha mas duma vontade firme para cada um se erguer. Também o entusiasmo e valores do 25 de Abril nos poderão ajudar. Um estado que domina e mantem o povo á trela da ideologia e das dívidas perde a confiança.

Talvez fosse melhor dizer adeus a alguns direitos para recuperarmos a nossa dignidade ultrajada numa massa de ovelhas em que a perspectiva prometida era a erva e o traseiro da “ovelha” vizinha. Para nos tornarmos cidadãos adultos teremos de deixar de ser massa partidária, confessional ou nacional. Ter-se-á de sair de novo para a rua para aí se construir o nosso Abril, um Abril de liberdade para cada um. Uma rua trabalhada e enfeitada por todos mas sem ladrões das flores e dos frutos e sem os protagonistas da nação apresentados na imprensa e na televisão. Somos um povo a caminho à semelhança do de Israel a realizar-se em comunidade.

RUMINAR A REVOLUÇÃO

A revolução não pode ser analisada apenas sob o aspecto moral; precisa também de uma abordagem histórica séria que ainda não chegou à consciência pública. Na análise da ditadura e da revolução exigimos dos protagonistas que sejam heróis ou pelo menos pessoas admiráveis. Os que fizeram a revolução revelaram-se muito normais (excepto Ramalho Eanes) e a nível de liderança será difícil encontrar uma personalidade da craveira de Salazar. Seria hipocrisia continuar-se a apostar numa “vítima de lavradores” como dizem os Alemães para ilibarem os restantes, quando todos faziam parte do sistema. Karl Marx dizia “As pessoas fazem a própria história, mas, sob circunstâncias auto-selecionadas, não o fazem livremente”. Trata-se de viver uma cultura da memória com capacidade para se rever no positivo e no negativo sem passar tudo a ferro nem com heroizações.

É melhor uma controvérsia honesta que contribua para a construção de uma sociedade civil crítica na continuidade da paz civil. Entretanto o 25 de Abril tem-se tornado numa carga que transforma a mudança do nome da ponte Salazar para ponte 25 de Abril numa usurpação. O armazém da memória da comunidade democrática aguenta e deve ser resistente, na certeza de que não foi o 25 de Abril que inventou a liberdade, a igualdade e a fraternidade e na consciência que cada época tem os seus padrões e normas. Liberdade só o é se for ao mesmo tempo uma conquista individual e social.

O sociólogo Laurene Peter fala de um princípio que pode explicar parte da situação portuguesa. Fala de uma “sublimação sem barulho” e de um “cair pela escada acima” uma pseudo-promoção. Segundo o Princípio de Peter, cada funcionário tende a subir na carreira até atingir o seu grão de incompetência. Enquanto não se atinge o grau da incompetência ganha-se aplauso, reconhecimento e influência. Depois, uma vez atingido o último degrau, fica-se lá, em vez de se ter ficado no grau anterior onde se era criativo e competente.

As novas gerações (pós 25 de Abril) receberam, gratuitamente, uma herança que agora desemboca na crise e que é preciso ruminar. Acordamos num jardim zoológico muralhado quando sonhávamos a liberdade de passarinhos sem gaiola nem fronteiras. Julgávamos que o sonho era realidade e que a realidade era sonho. Julgávamos que era possível uma sociedade só de académicos e por isso acabamos coma as boas escolas comerciais e industriais de então. A revolução nascida mais da ideologia do que da realidade desprezava o trabalho manual. A discriminação do trabalho manual em relação ao intelectual levou-nos a onde nos encontramos.

O 25 de Abril envelheceu deixando os mais velhos desiludidos dos marxistas, maoistas, comunistas, anarquistas que queriam uma mudança radical. Constatou-se que o sonho era só para eles, como podemos verificar nas suas posições, remunerações e pensões. Tudo corria para o partido que dava mais.

Somos todos corresponsáveis. Quando um dedo da nossa mão aponta para a responsabilidade dos outros pelo menos outros três apontam também para nós. Sou crítico porque amo o meu país, procurando ver o porquê das coisas irem mal.

UM ESTADO ONTEM REFÉM DA NOBREZA E HOJE REFÉM DOS PARTIDOS

Portugal a partir do séc. XVII nunca foi reajustado encontrando-se ciclicamente em derrocada como constatavam já Alexandre de Gusmão, Antero de Quental: “a nutrir pançudos”. Faliu em 1892, e depois sob penhora durante a I República tendo como consequência o golpe de Estado de 1926, altura em que Portugal se encontrava de novo na falência.

A primeira república desqualificou os ideais liberais e democráticos a ponto de chegar a produzir o provérbio “isto é uma república” com o significado de desordem e actualmente a “Isto é uma república das bananas.” O regime de Salazar criou uma ditadura do “orgulhosamente sós”.

No tempo do “António Salazar” o pensamento era censurado, no regime do 25 de Abril é penteado pelo pensar politicamente correcto, propagado pelo espírito do tempo e laqueado pelos mass media.

O que se dá com as revoluções portuguesas é o mesmo que se tem dado com os governos: é uma alternância dos senhorios do Estado português; antes nas mãos da nobreza e depois nas mãos dos burgueses e novos-ricos. Transmitem-se os mesmos vícios num conluio de conservadores e progressistas. A Ditadura Nacional (1926-1933) termina em 1933 com a Constituição de 1933 e início da II República (Estado Novo) até ao golpe de estado do 25 de Abril de 1974. A Constituição de 1976 estabelece a democracia partidária. Nesta III República repetem-se os erros tradicionais e estende os seus tentáculos de polvo partidário e ideológico governa o país com leis e decretos ao sabor do tempo e das influências.

Antes para servir nobrezas e burgueses insaciáveis, depois para servir as bocas partidárias e de irmãos maçónicos boçais.

Um povo que não cresce organicamente vive dos golpes de Estado (revoluções) que além de ajustes de contas se revelam num acerto ao tempo. Vivem de uma lei fora de lei. Velhacos metem a mão à bolsa dos velhos e aos novos pede-se-lhes para emigrar.

À beira da falência em 83 salvou-o a EU mas a megalomania esbanjadora de querer viver à grande europeia mas com uma economia de terceiro mundo – uma economia de grandes para grandes – só que depois o desflorou com a Troika em 2011. Amoral encontra-se também ela em processo de emancipação, a consciência passa a ser opinião destilada nos alambiques dos interesses grupais.

O povo e a massa cinzenta ocupam-se, à maneira tradicional, da comparação e do maldizer dos novos velhos usurpadores, esquecendo que a situação é de tal desespero que conduziria, a ser tomada a sério às conclusões e trágico fim de um Antero de Quental. Do seu olimpo sob o sol do desespero a opinião elucidada (tuba canora) julga da justiça social. No Olimpo tudo é grande, nele a grandeza supera a corrupção, tudo passa a ser normal. Onde não há moral não há direito. Por vezes, parecemos povo, filho de pai incógnito continuamente a olhar para o governo, esperando reconhecer nele o pai. Diz-se o que não se pensa, pensa-se o que não se diz!
António da Cunha Duarte Justo
Formado em Ciências da Educação para Português e História
Conferência proferida na sede da ARCADIA a 4 de Abril de 2014

Faz parte do início da conferência o artigo antes publicado sob o título: 40° Aniversário do 25 de Abril
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REPENSAR A REVOLUÇÃO – RECRIAR PORTUGAL

Quadragésimo Aniversário da Revolução dos Capitães de Abril

António Justo
Comemoramos o quadragésimo aniversário da revolução dos capitães. No imaginário popular permanece a imagem de armas a dar à luz cravos. Quem foram os vencedores e os perdedores da nação? Numa data de ênfase de mitos e feitos da revolução, a sociedade precisaria de cabeça fresca para a avaliar e melhor entender a realidade em que se encontra e, a partir daí, melhor poder construir um Portugal moderno e mais justo para todos. Os revolucionários de Abril eram, de uma maneira geral, pessoas idealistas a quem faltava o sentido da complexidade da realidade nacional e internacional bem como a competência para avaliarem da dificuldade do empreendimento da descolonização e da democracia. Embora os actores do 25 de Abril lutassem contra a ditadura e a repressão, em defesa da igualdade e da sua liberdade, não conseguiram, no geral, criar uma sociedade mais justa, porque imbuídos do espírito soviético, sob o ardil dos “Ideais de Abril”. Assim, embora, a nova ordem trouxesse melhorias exteriores, a violência, a corrupção e o poder instalaram-se em nome de uma nova ideologia pretensiosamente popular. Vindos de um Portugal enevoado, vislumbraram a beleza do arco-íris num horizonte risonho que logo quiseram reduzir à faixa vermelha dos descampados alentejanos. Sob o lamiré dos “ideais de Abril” conseguiu-se confundir de tal modo o povo que, este, até hoje, ainda não se deu conta do que estava realmente por trás dos “ideais de Abril” e se resumiam originalmente na instituição de uma ditadura popular, à maneira soviética, chinesa ou cubana. Os ideais da revolução resumidos no programa do MFA parecem não ser entendidos para poderem continuar a ser sublimados.

Antes tínhamos os liames da nobreza e da burguesia, hoje temos a confissão partidária e dos irmãos.

De uma burguesia que vivia dos caseiros passou-se a uma burguesia partidária que vive das benesses e privilégios de um Estado irresponsável, sem espírito laboral mas explorador dos contribuintes. O que o Estado recebe dos empresários sérios e do povo trabalhador desperdiça-o nas mordomias e na economia, incrementando pessoas sem personalidade ética nem competência empresarial.

A economia, a cultura e os Média precisariam de enquadramentos que lhes possibilitassem a formação de força própria para, deste modo, adquirirem uma certa independência da política. Só assim, se poderia criar, na nação, um equilíbrio de forças competitivas entre eles, que os tornaria em correctivos uns dos outros e possibilitaria a recriação de um estado que não fosse incubador do parasitismo. Urge superar a República burguesa-partidária e antipatriota.

Cultura promíscua da Mediania e do Desenrasca

O problema de Portugal é a sua pequenez; nas suas elites acontece como nas irmandades maçónicas: toda a boa gente se conhece e se encontra sempre na disposição de fazer bem ao amigo; isto num país de filhos e enteados! Temos uma elite portuguesa promíscua mas fechada, vinda de vários sectores (economia, justiça, política) formada por relativamente pouca gente e onde todos se conhecem e se apoiam reciprocamente; este factor proporciona o suborno e a corrupção institucional; possibilita uma espécie de mafia de luvas brancas, uma elite democrática de tesoura na cabeça, também envolvida nos Media. A miscelânea e demasiada confiança entre eles fomentam um povo desprevenido! Neste ambiente é natural que toda a gente aspire a ter um “amigo” de cima, uma cunha grande. Assim se fomenta uma mentalidade do viver encostado; assim se constrói uma cultura do desenrasca.

O Estado português tem servido de encosto e de plinto de lançamento das pessoas a ele encostadas; estas geralmente vindas dos partidos, sem experiência laboral nem tradição laboral familiar, são lançadas também nas finanças e nas grandes empresas onde o Estado/Partidos asseguram lugares para os seus. Uma tal situação conduz a uma economia sabotada, dependente dos parasitas do sistema, só podendo produzir pobreza ou gente remediada.

A formação histórica da burguesia económico-cultural-política tem-se dado sob o signo da mediania. O poder económico e político encontra-se, tal como antes do 25 de Abril, nas mãos de poucos que exercem a hegemonia sobre Portugal, nos diversos âmbitos sociais. Os líderes económicos e políticos sofrem todos do mesmo mal; um problema de mentalidade, que atravessa todas as camadas da sociedade portuguesa, e vai do partido comunista, ao Bloco de Esquerda, ao PSD, ao PS, etc. Daí a falta de solução. Não há grupos propriamente concorrentes; a concorrência dá-se apenas a nível de rua, na demagogia partidária, num discurso manipulador e apelativo para um povo que não existe, porque também distraído por noticiadores mais preparados para anunciar a banha da cobra do que para descrever a situação real do país. Na Idade Média as grandes famílias nobres estavam familiarmente interligadas, hoje são substituídas pelos grandes grupos financeiros e pelas irmandades ideológicas e partidárias a nível europeu. Cada qual, na sua “família„ defende o seu feudo. A economia portuguesa não pode ser produtiva porque além de ter de manter a burguesia partidária com os seus tentáculos polvo, tem de reservar lugares de direcção para os amigos dos partidos ou das irmandades. Temos uma economia com empresas na dependência do Estado que tem de dar lugares de emprego a gente da política sem vocação nem formação empresarial. Juntamos os defeitos da sociedade socialista aos da capitalista. A classe política serve-se desavergonhadamente do Estado e da sociedade porque tem a sua rede de amiguinhos em todo o lugar. Neste ambiente não são precisas grandes discussões públicas temáticas de fundo, basta vitamina c, lançar areia para o ar, ou culpar o estrangeiro, defeito que parece termos herdado da cultura mourisca.

Consequentemente, as novas gerações (pós 25 de Abril) receberam uma herança de graça que agora desemboca na crise. Acordamos num jardim zoológico muralhado quando sonhávamos a liberdade de passarinhos sem gaiola nem fronteiras. Equivocámo-nos ao pensar que o sonho era realidade e que a realidade era sonho. Julgávamos que era possível uma sociedade só de académicos e de dançarinos do poder, numa colectividade de cigarras sem formigas, à maneira do conto de fadas da “Mulher, a Galinha e os Ovos”; entregues à dança e ao simplismo, os valores morais tornaram-se aleatórios e demos cabo das boas escolas comerciais e industriais de então. A revolução, nascida mais da ideologia do que da realidade, desprezava o trabalho manual. A discriminação do trabalho manual em relação ao intelectual e a aposta na construção do estado sem ter em conta a nação levou-nos ao estado em que nos encontramos.

O 25 de Abril envelheceu deixando, os mais velhos, desiludidos dos marxistas, maoistas, comunistas, anarquistas que queriam uma mudança radical. Constatou-se que o sonho era só para alguns, como podemos verificar nas suas posições, remunerações e pensões.
Somos todos corresponsáveis. Quando o indicador da nossa mão aponta para a responsabilidade dos outros há pelo menos outros três a apontar para nós.

O que resta é acordar da utopia para a realidade: de boas intenções está o Inferno cheio. Ao irrealismo que domina a nossa matriz mental, o 25 de Abril veio acrescentar-lhe a utopia que aposta na sorte e na carta de crédito sem cobertura. Assim a terceira república tornou-se no maná dos oportunistas e num peso para o povo. Como povo com bolsa de pobres e boca de ricos continuamos a ser o melhor solo para os afortunados da vida e para uma corja de boys que proletarizam o povo e a ética cultural que o sustenta. Estes conduziram o país à depressão desacreditando os valores do sonho de outrora.

Precisam-se novos paradigmas que protejam as famílias, o interior e a diversidade; ontem foi preciso dizer não à ditadura na defesa da vontade popular, hoje é preciso dizer não à má governação, à corrupção, à exclusão social. Vê-se que os valores de Abril só poderão ter sustentabilidade com um plano de fundo cristão. Sem a volta do povo e dos governantes ao espírito cristão que constituía a identidade da nação, o futuro de Portugal ainda se tornará mais incerto e corrupto: se os que orientam os destinos da nação são corruptos que resta ao povo senão imitá-los!

O 25 de abril criou os seus pobres como o Estado Novo tinha criado os seus! Não se encontra nenhuma forma de governo que prescinda dos pobres. Cada regime, com os seus representantes, serve-se dos pobres (povo) para se afirmar e para legitimar a continuidade da história, tal como cada um de nós se serve da sua lógica para levar a sua “razão” avante! A História encontra a sua continuidade nos diferentes regimes que se servem do gramado, da plataforma dos pobres! O povo continua o eterno refém dos regimes.
A Republica, e com ela, os sindicatos e os partidos, encontram-se imbuídos do espírito antipatriótico, sem consciência de povo nem de nação. A república, surgida do jacobinismo francês e de irmandades internacionalistas desalmadas, foi dominada pelo pensamento de interesses de grupos e de individualismos inferiores e recalcados à procura do sol burguês. De nacional só têm um certo espírito mafioso de encontrar por lugares esconsos, secretos e sombrios! O sol compensador da sua inferioridade, procuram-no no brilho que vem de fora; um fulgor corrupto de um meio, que eleva os chulos, de alardes consulares, aos camarins dos seus bordéis, onde o povo e a cultura são violados.
Os problemas não são de governos mas do desgoverno da governação e da oposição. Precisar-se-ia de uma mudança orgânica dos partidos; como a mudança só pode vir de dentro, a sociedade civil que se sente mais consciente e responsável, teria entrar nos partidos para possibilitar a sua mudança.
O problema da nação não está na sua corrupção e no Estado falido. O problema do país está no facto de não ter alternativa para as elites corruptas. Há 780 portugueses multimilionários com fortunas superiores a 25 milhões de euros. Isto seria legítimo se o povo andasse bem e enriquecesse nas mesmas proporções que eles enriquecem; o mesmo se diga dos altos funcionários e beneficiários dos partidos.
António da Cunha Duarte Justo
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Formado em Ciências da Educação para Português e História

 

 

 

Falta-nos a Consciência de Povo, Estado e Nação

Cheguei hoje de Portugal

Estava um tempo fantástico em que pude saborear a luminosidade sublime do céu de Portugal!

Vi as pessoas, boas, a correr para um futuro que parece melhorar mas de porvir muito difícil e incerto! Vi a tristeza e a revolta de muitos para quem a vida parece andar para trás! Vi também o sonho e a alegria de pessoas que crêem apesar de tudo! Vi a leviandade de muitos que, na esperança de mudanças, vivem obstinados na crítica aos partidos mas não estão dispostos a mudar a própria vida.

Não pude compreender que, num Estado, já há anos em bancarrota, os partidos já não tenham feito governos de grande coligação dos partidos maiores, para salvação do país; noutros países, em que os partidos não olham apenas para o próprio umbigo e o povo anda acordado, quando o Estado se encontra em dificuldade, fazem-se grandes coligações para se congregarem forças que doutro modo se perderiam em discussões infrutíferas (caso da grande coligação na Alemanha). Não pude compreender que o povo ainda se não tenha dado conta desta necessidade, preferindo deixar os partidos viverem sem compromisso, à custa do Estado e a enganar o povo no jogo do pingue-pongue. Não pude compreender que tudo fala em nome do povo contra tudo e contra todos esquecendo que a vida é compromisso e que o povo só pode viver bem na colaboração de trabalhadores e patrões; fala-se de povo e esquece-se que quem determina o andar da nação é a classe média e superior. A classe média abdicou e não se encontra à altura do papel que deveria realizar no Estado e no país.

Cheguei de Portugal, um país de opiniões e partidos mas sem Estado nacional. Apesar da crise, o país continua a não querer acordar. Continua, acabrunhado pela crise, a viver debaixo das mantas do dogmatismo da opinião e duma crítica pela crítica que se contenta em despejar a bexiga fora do penico. Estive num país que tem uma grande cultura e um povo simples, criativo e bom mas a quem falta uma “burguesia” cultural, económica e política com espírito patriótico. Em Portugal temos indivíduos, amigos, famílias e partidos; só não temos Estado, País nem Nação; falta-nos falta a consciência de povo, estado e nação.

António da Cunha Duarte Justo

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Ideologias incendiárias com Lógicas claras mas fora da Razão

Ao Arroteamento da Paisagem natural segue-se o da Paisagem cultural

António Justo

A selva da consciência humana vai avançando e recuando à medida dos fogos que se ateiam aqui e acolá. Os séculos XIX e XX foram os séculos que mais se aproveitaram da pirotecnia ideológica (fascismo, socialismo e capitalismo) e tudo isto debaixo do céu iluminista duma razão pura e de uma ciência convencida. O início do séc. XXI sofre as consequências até ao desatino porque a camada dos que têm acesso ao saber é incomparavelmente maior; o problema vem porém dum saber adquirido à primeira vista. Um saber que não cria saber fundado mas destinado apenas a fazer opinião passível de ser cultivada nos vasos da varanda democrática. No absolutismo cultivava-se o dogma absoluto, em democracia cultiva-se a opinião relativista para se ter verdades para todos os partidos. Não ponho as mãos no fogo da ideologia porque me chega o adubo das suas cinzas!…

Valores abstractos não comprometem os Governantes

Torna-se interessante observar a cumplicidade e coerência entre economia, sistema de governo e de pensamento no suceder-se das várias épocas históricas. Se na Idade média com a sua suserania económica agrária (reguengos, coutos e coutadas) imperava o rei/suserano como representante de Deus na terra, hoje em democracia e em nome do povo, cada vez impera mais um estado corrupto sem referências éticas e menos ainda religiosas. O secularismo estatal quer falar apenas de valores abstratos, sem pai nem mãe, e assim confirmar o que o bispo Agostinho de Hipona constatava, no seu tempo: um Estado sem um fundamento moral claro não é mais que “uma grande quadrilha assaltante de ladrões”. Por isso o Estado, embora de direito, não quer saber do bem e do mal. Deste modo os poderosos grupos, ideológicos, políticos, económico e dos Média, tornam-se nos formadores duma opinião pública à medida dos seus interesses particulares. Quer-se uma sociedade também sem religião nem modelos; o maior modelo humano da História, Jesus de Nazaré, tornar-se-ia numa provocação.

Na Europa, no tempo das invasões bárbaras a vida era dominada pelo medo real da morte, das pestes e dos assaltos bárbaros. A vida era violenta e o ambiente rude, o que se repercute também na mentalidade desse tempo. A violência, o medo e a necessidade de defesa levou os habitantes a construir castelos nos cimos dos montes e os fiéis a construir igrejas com janelas estreitas para impedirem os assaltos. Neste ambiente fomenta-se uma consciência do direito, impregnada na necessidade de justiça, que se formula numa espiritualidade de direito e se expressa então no Jesus severo e justiceiro adaptado à época.

O fogo do amor abranda todos os fogos sejam eles materiais ou espirituais, porque queima os medos pela raiz.

A necessidade de desenvolvimento e a fome levou aoarroteamento de grandes florestas na Europa. Por todo o lado, a natureza recuou, à medida que a população aumentava. Dá-se uma progressão na cultura e um recuo na natura. No seculo XV a população de Portugal era entre um e dois milhões de habitantes, a França tinha entre 10 e 14 milhões e a Espanha andava pelos cinco milhões.

Ao fogo do dogma religioso sucede-se o fogo do dogma racionalista/secular com o dogma da opinião embutida no relativismo. No processo da evolução os fogos do inferno deram lugar aos fogos das ideologias. Ao arroteamento das paisagens geográficas da Europa segue-se o arroteamento da sua paisagem cultural, com o desbaste do que ela tem mais sagrado. Na luta pelo próprio biótopo vital ou ideológico cada um procura escavar a própria trincheira para daí fazer fogo com uma argumentação lógica mas não racional. A lógica ideológica pega nuns tantos factos históricos tirados da cor local histórica e do contexto, organizando um fio condutor lógico ad hoc e convincente para quem não conhece o resto dos factos.  

O Medo como Instrumento de Governo e de Domínio

A religião procurava relegar a vingança dos fogos do dia-a-dia para o fogo do inferno, adiando o medo para o fim-do mundo. O secularismo hodierno procura relegar a vingança das injustiças do dia-a-dia para um futuro de progresso, adiando o medo de eleição em eleição ou para um futuro melhor. Pirómanos de um lado e de outro: cada qual amarrando o futuro à sua ideologia.

Incendiários por todo o lado, teístas colocando o fogo nos campos dos ateístas e incendiários progressistas colocando o fogo no campo dos conservadores e da religião: todo o mundo a dar continuidade à cultura da guerra e ninguém interessado em integrar.

Na luta contra o medo tudo luta com o medo de morrer sozinho, tudo procura tornar-se proprietário da razão; esta e á a mecha de fogo mortal mais eficaz mas que, num outro ideário, se poderia transformar na mecha da paz.

Numa sociedade cada vez mais distante da vida moral e da lei da causa e do efeito sofre-se de um reducionismo monocausal, procurando explicar as próprias dores da mente com qualquer coisa que lhe engane a fome.

No carrossel das opiniões e das lógicas tudo anda atordoado. A expressão cristã não pode porém reduzir-se a uma herança assim como a sua crítica não pode ser reduzida a uma época ou sistema político. A interculturalidade não seria beneficiada se fundamentada nas culpas sejam elas a nível de medos ou de coerções, sejam elas mesmo, de caracter intelectual subtil.

Tanto a delinquência como a benignidade dum povo são retratadas nos seus costumes, na sua ética e nas suas leis.

Hoje é fácil falar-se com o rei na barriga; para isso basta falar de antanho, falar dos outros, a partir do trono duma própria opinião tendente a justificar a própria insatisfação/frustração.

O filósofo Epicteto dizia “Não há falta de provérbios, os livros estão cheios deles, o que falta são pessoas que os apliquem”! Eu acrescentaria: Não chega um provérbio ou uma citação para conhecer uma pessoa, é preciso ler o livro inteiro e mesmo assim continuarei a não poder perceber os mistérios que a pessoa alberga e que o livro não consegue revelar!

A ideologia do pensar politicamente correcto que nos domina tornou-nos indiferentes.

Entre o texto e o contexto prospera a opinião de um texto descontextuado. O sentido do texto só está no contexto! Por isso há que perguntar o que está por trás de uma opinião e que interesses serve, antes de nos deixarmos levar por lógicas que se revelam contra a razão! Hoje na barafunda das lógicas argumentativas tudo serve para atacar as raízes da nossa civilização.

António da Cunha Duarte Justo

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