CONSULADOS DEITADOS AO ABANDONO

Política simbólica ou de Apelo ao Espírito de Sacrifício
António Justo
Os portugueses na Alemanha vêem-se confrontados com uma política portuguesa de emigração reduzida à simbologia e ao apelo ao espírito de sacrifício dos portugueses. Uma política para pobres mas que se permite funcionários ricos. Esta política para inglês ver tem-se vindo a piorar a partir de 1997. A Administração portuguesa, fecha-se nela mesma apenas virada para a resolução de problemas burocrático, intra muros.

Embaixadores e Cônsules parecem ilesos ao bem e ao mal que acontece, não se preocupando com o que sucede ou deixa de suceder. São como os três macacos japoneses que não vêem, não ouvem nem falam. Em relação à comunidade portuguesa foi o escândalo do Ensino de Português (EPE) que desacreditou políticos e administração portuguesa. A nível de serviços sociais foi a transferência do Conselheiro Matos, desaparecendo, com a sua saída, uma certa presença da embaixada do meio das associações portuguesas. A Embaixada de Portugal encontra-se desapercebida no mundo português migrante. Além dumas informações de actividades culturais nada mais sai cá para fora. Portugal continua encerrado nos corredores das suas instituições vendo se reduzido aos fluxos da migração. O associativismo é, duma maneira geral, muitíssimo carente. Depois da era das associações ligadas às missões e à Caritas motivadas pela escola e pela necessidade de apoio inicial e pelo desejo de matar saudades em torno da mesa e da dança, a partir dos anos noventa, assiste-se a um desmoronamento atendendo a que outras necessidades preocupam a nova geração em desfavor da cultura. Naturalmente que se encontram também honrosas excepções. Desde sempre faltou o apoio administrativo e técnico aos dirigentes das associações. Estas tornaram-se em agremiações ad hoc e num caso ou noutro em torno dalgum partido ou iniciativa económica.

O país e os cinco milhões de portugueses espalhados pelo mundo mereceriam mais que uma política simbólica também visível em mensagens e apelos aos portugueses em festas natalícias e outras tal como em apregoações virtuais. As instituições encontram-se muito distantes das pessoas e muitas vezes o trabalho burocrático não permite convívio. O problema, mais que do estatuto da instituição (Consulado, Vice-consulado ou Escritório consular) está no empenho e dinâmica dos funcionários; se são pessoas que visitam regularmente as comunidades ou se o fazem, apenas nalguma festividade. O trabalho burocrático parece ser de tal ordem que não deixa forças disponíveis para o contacto directo com a comunidade nem margem para ideias criativas. O povo, instintivamente trabalhador, é, também cá fora, administrado por dirigentes sem conceitos nem estratégias definidas. Estes, desligados de tudo e de todos, não precisam de prestar contas a ninguém; esgotam-se nos actos das suas liturgias. Enlevados na fragrância do seu incenso conseguem assim afastar-se dos odores do redil. O problema não é de dinheiro; o problema vem de cima; está na falta de pessoal de cúpulas carente de competência, carácter e vontade. É a tradicional “apagada e vil tristeza” dum país que se permite dirigentes “sem rei nem roque nem o diabo que os toque”. Uma elite mediana que se limita a administrar a miséria.

Não há estratégia nem logística administrativa na equação e resolução dos problemas consulares e associativos. O povo encontra-se abandonado a ele mesmo conduzido apenas pelas necessidades mais imediatas de sobrevivência. Atendendo a que os portugueses, a partir da segunda geração, se integram na comunidade envolvente, permanece o problema dos que chegam e dos mais idosos. Os consulados não se encontram vocacionados nem equipados com pessoal para um serviço directo à comunidade. O investimento estatal não atinge os objectivos compatíveis com o interesse nacional.
A devisa do povo é: “quem nao chora não mama” e a devisa do homem de estado e da administraço é quem não gatinha não chega a subir aos miradouros do Estado.

António da Cunha Duarte Justo
antoniocunhajusto@googlemail.com

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Governo desconsidera Frankfurt – Prepara-se para fechar o Consulado?

Consulado Geral de Frankfurt despromovido em breve
António Justo
Frankfurt é o entroncamento global de passageiros, mercadorias, dados electrónicos e dinheiro. Daí o seu carácter e interesse logístico a nível internacional reconhecido mundialmente.

Frankfurt é sede de 102 representações diplomáticas. O maior consulado de Frankfurt é o da USA com 900 empregados. Se Berlim é o centro político Frankfurt é o centro financeiro. A atracção de Frankfurt deve-se à sua situação de entroncamento internacional e ao facto de ser o centro internacional das finanças e de Serviços internacionais. Frankfurt tem também a fama de ser um centro importante da diplomacia.

Numa altura em que se verifica uma aposta acrescida em Frankfurt por outros países como EUA com as suas novas instalações ,a Rússia com a abertura do seu Consulado e o Japão transferindo os seus interesses económicos de Düsseldorf para Frankfurt, não esquecendo a deliberação também da Espanha da abertura do Cervantes, a decisão de Portugal de despromover o Consulado-Geral de Frankfurt a vice-consulado e depois talvez a Escritório Consular, em benefício doutras cidades alemãs, não parece racional nem estratégicamente compatível com os interesses nacionais.

O Governo afirma que os Consulados não existem só para servir as Comunidades. Naturalmente que um posto de Cônsul é realmente demasiado caro e só se justificará com base na sua rentabilidade traduzida em iniciativas económicas e culturais. Frequentemente representações diplomáticas têm sido espaços livres para o caruncho partidário. É verdade que no passado quem tem aguentado o consulado tem sido a senhora Vice-cônsul. A presença ou ausência de cônsules que por lá têm passado talvez tenha sido notada quase exclusivamente nas despesas de estado.

Está prevista para breve a aposentação da senhora Vice-Cônsul. Oxalá os critérios de escolha sejam baseados num perfil de pessoa produtiva e rentável e não em mais uma ocupação partidária tecida entre sindicatos e secretarias de estado. Se ainda não houver um perfil novo para chefes de postos diplomáticos seria realmente melhor reduzi-los ao que têm sido: meros centros de documentação, não precisando para isso de altas personalidades sorvedouras dos dinheiros públicos. Observa-se uma incoerência do governo nas suas decisões.

O que não se descortina é um conceito de reorganização base. Surge tudo como medidas ad hoc para reduzir gastos. Necessitam-se estratégias que aproveitem os recursos económicos e humanos disponíveis e os façam render a 150%.

Os interesses económicos de Portugal defendem-se com diplomatas preparados e interessados e com meios financeiros, mas acima de tudo com fantasia. Num centro diplomático é prioritária a criação duma rede de relações pessoais. Criar laços de amizade, em particular com as autoridades alemãs para potenciar daí as suas acções.

A aposta do Governo apenas na burocracia administrativa cada vez mais longe do cidadão cidadão é testemunhável no Consulado de Frankfurt. Primeiro deitou os professores e as comissões de pais ao abandono discriminando-os e por fim na maneira injusta e desumana como tratou o Dr. Silvério Marques, chefe dos serviços de financeiros e de ensino, depois de 27 anos de serviço,cuja competência reconhecida por todos e em particular pelas autoridades escolares alemãs com quem sempre teve um relacionamento exemplar , não prolongando o seu destacamento e arrumando o ensino para a dependência de Düsseldorf. Que o Governo português trate mal os emigrantes é compreensível atendendo à mentalidade dominante em Lisboa. Que trate da maneira que tratou o Dr. Silvério Marques, um servidor puramente empenhado nos interesses da administração e do governo português, é que não dá para entender, atendendo à filosofia centralista administrativa. Precisamente, numa fase em que a sua situação de saúde familiar exigia maior estabilidade, é-lhe negada uma tarefa na Alemanha, e, para mais, numa altura em que se aumenta o pessoal administrativo na rede do ensino. Um Estado que trata assim os seus mais devotos multiplicadores desacredita-se a si mesmo.

Durante a década de 80 era visível a colaboração activa entre professores, assistentes sociais, associações, repartições do ensino e dos serviços sociais, então sob a responsabilidade directa do Dr. Madeira e do Dr. Matos. A desvinculação do Dr. Madeira e a transferência do Dr. Matos marca uma viragem radical na condução dos negócios públicos no estrangeiro, instalando-se a frieza, o desinteresse e o cinismo duma administração cada vez mais fechada nela mesma.

Sou dos tempos em que os professores se dirigiam ao Consulado Geral de Frankfurt para, em conjunto, programarem as aulas e trocarem experiências profissionais e estratégias de apoio às associações. Outros, como eu, a duzentos e mais quilómetros de distância faziam-no com entusiasmo apesar da deslocação e alimentação serem à própria custa. Isto era possível devido à colaboração e espírito de serviço e confiança que reinava então entre professores, administração e comunidades. Naquela época trabalhavam todos com entusiasmo para o mesmo fim. As cúpulas da administração passaram a desprezar os funcionários que andam com as mãos na massa. A nomenclatura acentua-se e com ela uma classe que se serve a pretexto de servir. Sei que isto tem a ver com o espírito burocrático centralista da União Europeia mas em desabono das comunidades locais.

Chega a ter-se a impressão da vontade política querer afastar da memória e do serviço aquelas pessoas que trabalharam entusiasticamente para o bem de Portugal e dos emigrantes, optando-se pela colocação de pessoas inocentes, mais apropriadas para uma administração maleável e carente, versada para o interesse político ocasional.

Antonio da Cunha Duarte Justo
antoniocunhajusto@googlemail.com

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Solidariedade na Nova Sociedade – Uma Democracia da Diferença

No Prelúdio da Era global urge a Mudança radical
António Justo
A coesão da sociedade ameaça fracturas que só podem ser reparadas com uma solidariedade aberta entre os diversos grupos.

O desenvolvimento científico e tecnológico tem proporcionado grandes passos no sentido dum maior contacto e dum maior diálogo no caminho da união e da realização duma verdadeira globalização. A ciência política começa a dar-se conta da interdisciplinaridade de todas as matérias e interesses na construção do globalismo.

O processo dialéctico da afirmação do mais forte constrói-se e baseia-se na precariedade do outro, na banalidade do factual. Este modelo da filosofia grega tornou-se eficiente nas épocas da individuação cultural, nacional e individual. Agora que nos encontramos no prelúdio da era global seria a altura da mudança do modelo grego para o modelo judaico – cristão subjacente nas mitologias doutras culturas como a chinesa e a indiana. O modelo trinitário ainda se encontra debaixo das cinzas da civilização. Este modelo integral, já não só do diálogo, mas especialmente do triálogo implicaria uma mudança radical na prática da solidariedade cívica e natural. Assim a nova estratégia a desenvolver nas relações interpessoais, nas nações e nas culturas, não esquecendo porém a força dialéctica e a asseveração dos contrários na afirmação do ser, terá de optar por uma nova fórmula relacional a que chamaria trilógica ou trinitária. Uma mudança da ortodoxia para a ortopraxia do logos inicial.

Iniciamos a era do triálogo num processo de comunitarização que leva à comunhão no processo relacional trinitário no respeito e reconhecimento mútuos. Não se dá o encontro de produtos estáticos mas de sujeitos em processo criativo que implica ao mesmo tempo a mudança e a consciência de se encontrar e querer a diferença criadora. A procura comum, já no seu processo comunicativo, produz um sentimento de solidariedade que estimula o caminhar comum. Assim vão desaparecendo as conotações egoístas de raça, nação, cultura, sistema político ou religioso, conotações, estas, dialécticas e não trilógicas (trinitárias). Na nova era trilógica, a solidariedade seguirá o processo da inclusão e não o da exclusão. Será a era da solidariedade da nova democracia, a solidariedade do amor ao próximo. Já não se pretende a solidariedade dos iguais mas a solidariedade dos diferentes. O bem-comum, a felicidade já não se afirmará em nome do eu, em nome do partido, em nome da nação, mas em nome do nós integral. Então, não é a classe, o indivíduo, o partido que ganha, mas cada um como povo peregrino em marcha a desaguar na humanidade global. A meta não é a vitória de umas classes sobre as outras, do capitalismo sobre o socialismo nem vice-versa; a meta, mais que uma sociedade, é uma comunidade sem classes em que todos actuam numa dinâmica de incarnação e espiritualização no seguimento do chamamento. A meta é a construção da cidade de Deus, a cidade do Homem na dinâmica da realidade solidária trinitária. Nela espírito e matéria complementam-se em processo criativo. Nela não reina a ideia da vitória ou do “quem manda, quer e pode” mas a relação amorosa que produz o Espírito. Dá-se uma nova compreensão da vida humana e natural em comum. O que recebemos oferecemo-lo, de novo, enriquecido na dinâmica duma entrega mútua. Consequentemente, em vez do ressentimento surgirá o agradecimento como forma de expressão dum sentimento de vida, duma vivência social.

No exercício da solidariedade de co-criadores sofremos na alma a prisão da carne pelos que vivem à margem da sociedade. Porque aceitamos sistemas de injustiça social tornados normalidade e que geram tantos Cristos abandonados? Na nova vivência não se trata de me tornar miserável com os miseráveis mas de me aproximar da minha humanidade neles maltratada e ameaçada. Não se trata de, em nome do bem, perpetuarmos o mal, como temos praticado eficaz e persistentemente até agora, em todos os sistemas e regimes políticos, económicos e sociais. Todos os que nos sentimos mais responsáveis pela situação teremos de nos levantar para pensar e agir em comum. Não é suficiente divertirmo-nos ao faz de conta falando contra as injustiças dos outros. Nós todos estamos comprometidos no sistema e somos todos injustos. Quanto mais ricos e mais sábios somos mais injustos somos.
Solidariedade é dar e receber em comunhão. A comunhão transcende a solidariedade económica, científica ou social.

A tarefa de criar uma razão solidária não é fácil. Faz parte do ideário e da praxis cristã empenhar-se pelo outro mesmo que ele seja mau. O ideário cristão tem falhado e desesperou no marxismo. Em cada pessoa há um núcleo bom. A dinâmica do amor ao próximo, uma característica do cristianismo, ainda não encontrou acolhimento nas estruturas suportes das sociedades. Solidariedade baseia-se na reciprocidade progressiva

A indiferença pressupõe estar-se preso nas próprias sombras.
A nova solidariedade ultrapassa as fronteiras da própria comarca. Cristo entrega-se por toda a humanidade indiferentemente de ela ser ou não cristã e proclama a moral superior do amor ao próximo e o amor aos próprios inimigos. Deus é pai de todos fazendo de nós irmãos, Cristos em potência. Solidariza-se não só com os necessitados mas também com os culpados. O ideário cristão define o ser humano como ser para os outros com uma missão individual, global e cósmica.

No sentido cristão não há programas fixos ou já completos, não há dogmas no verdadeiro sentido da palavra. A solidariedade acontece em todos os sentidos. É a realidade pai-filho-espírito, no sentido do divino e do humano, dando primazia ao humano, na prioridade do mais baixo, do mais fraco. O sol surge de baixo para cima e a luz dos iluminados deve ser reflectida para baixo. A solidariedade a implantar chega aonde outras solidariedades não chegam: abandonados, pobres do espírito…

A defesa da dignidade humana de cada pessoa constitui programa para todo o homem – mulher de boa vontade, de irmãos na mesma origem e na mesma situação comum.
Implica uma ética da solidariedade prática baseada numa nova consciência e atitude perante o Homem e a natureza. Esta mudança, que passa pela renúncia, para podermos ser uma oportunidade para os outros, é mais que óbvia, também no sentido de possibilitarmos futuro aos que vêm depois de nós.

Daí a necessidade de tornarmos as ideologias solidárias e não estanques ou exclusivas. Do mundo mecanicista e estático do século XIX daremos o passo para o mundo do mistério, o mundo Trinitário, já pressentido e verificado na física por Einstein, Planck , Chardin e outros. De facto a física já chegou ao mistério apesar de muitos continuarem a persistir no fanatismo religioso e no fanatismo científico. São necessárias todas as forças e todos os esforços na procura de respostas abertas e ajudas para todos, na realização dum mundo melhor. Uma abertura contínua torna-se então gratificante na experiência do mesmo espírito que a vivifica. A conexão do todo não nos deixa cair no vazio nem no desespero.

A solidariedade é o caminho seguro para mais liberdade. Não se trata de nos igualarmos mas de entrarmos na relação libertadora. Todos temos andado perdidos em ideias, sentimentos ou missões cada vez mais vazios e distantes de nós e dos outros. A solidariedade não pode continuar enterrada dentro dos diversos grupos; ela tem de destruir os muros que nos separam uns dos outros, o erro da afirmação dialéctica selectiva.

A pluralidade duma sociedade verdadeiramente livre permite riqueza e variedade sem a determinação de um grupo sobre outros. A sociedade precisa dum teto metafísico que a cubra, necessitando este do trabalho construtivo e solidário de todos os grupos sociais. O direito e a tradição judaico – cristã, numa dinâmica trilógica, poderão ser os grandes pilares do grande do tecto metafísico duma sociedade com passado presente e futuro.

Naturalmente que toda a pessoa precisa de ligação a algum grupo da sua confiança, doutro modo correrá risco de cair em depressão. Toda a pessoa precisa de comunicação autêntica de permuta de experiências e ideias. Esta comunicação terá de ser aberta, numa sociedade aberta e num mundo aberto. Uma sociedade civil será tanto mais viva quanto mais grupos tiver. Direitos e deveres são evidências no reconhecimento da sociedade e dos cidadãos.

António da Cunha Duarte Justo
antoniocunhajusto@googlemail.com

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Solidariedade

O eco do outro possibilita o meu falar
António Justo
O ser do ser é relação. Esta relação dá-se duma forma imanente e transcendente, tomando a sua melhor expressão na fórmula trinitária. A Trindade (Eu-tu-nós), a Realidade toda, revela-se como relação de forma protótipo na sua relação criador – criatura e criatura – espírito. Nela se manifesta o nosso ser processo de condicionados e condicionantes, de mundo e espírito. A aspiração a uma autonomia isolada revela-se mais como desgaste na relação. Ao contrário, uma autonomia trinitária integra a realização na solidariedade. A experiência do dia a dia revela-se interdependência. O pressuposto, de “ser de” e de “ser para os outros”, fomenta um sentimento de agradecimento, alegria e confiança no outro que é pressentido já não como impedimento mas como realidade fomentadora do eu no nós. As necessidades individuais passam então a ganhar uma nova perspectiva. O projecto de vida traçado é participativo e participante e a sorte é comum. Abertos à relação mudamo-nos e moldamo-nos continuamente.

O outro torna-se o meu chamamento que me leva a descobrir-me nele. A partir de mim falo e a partir do outro ouço-me. O eco do outro possibilita o meu falar. A exigência dum tu ouvida dá hipótese ao outro e faz de mim a sua possibilidade. Aí eu ganho-me e reconheço que sou mais que eu mesmo. Descubro-me como filho da solidariedade. O ser do outro está presente no meu agir; a partir daí começa a acontecer a construção do nós. Aqui já não há só posições ou objectivos a atingir, não é apenas uma força externa que me guia ou puxa. Descobre-se um chamamento comum na responsabilidade não só ética mas constitutiva do nosso ser comum de condicionados na resposta a dar, já não só, por um tu mas por um nós realizado no amor. Solidariedade é o nosso destino.

Irmanados na solidariedade de “ser no” e no “ser para o outro” poderemos chegar a ter de aguentar o momento do abandono e até mesmo o momento de ameaça do outro. Nele se esconde também a chance do meu tornar-me, do meu devir! “Pai, afasta de mim este cálice”, apesar de tudo “em tuas mãos encomendo o meu espírito”. Não quero abandonar-me aos sentimentos que me separam do todo, que me separam da relação. A chamada do Amor não permite a minha retirada, não me deixa evitá-lo. É mais forte o que nos une: o amor teleológico e existencial. Ele é o suporte de tudo e leva a suportar o processo doloroso da relação eu-tu num contínuo gerar e ser dado à luz.

A solidariedade é solidariedade para e não solidariedade contra. Dela surge a mudança não do outro ou de mim, mas do nós em processo criador aberto. Somos processo aberto ao infinito. A entrega na cruz pressupôs o silêncio de Deus. Doutro modo poderia não passar dum auto-engano, dum enganar o outro, duma solidariedade falsa, presa em mim mesmo. Então passo a ver já não com os meus olhos, mas com os teus olhos em mim. Aí sou aceite e aceito, aí me vejo, eu e tu, nos vemos, ao mesmo tempo, no mesmo espelho. Em ti me gero e tu me trazes e me dás à luz. Contigo sei quem sou!… Também eu me torno o chamamento que te interpela no nosso caminhar. Se, neste andar, tu és um pé para mim, eu sou o outro pé para ti. Estou consciente da minha entrega na nossa aventura comum. Unidos vemos juntos, com os olhos de Deus para nos realizarmos na comunidade de vida com ele, a nossa realização completa. O chamamento divino humaniza-nos e conduz-nos à divindade através da solidariedade. Este dá coesão à fidelidade que provém da confiança no outro, na realização comum. A caminhada é árdua e por vezes sombria. O sol do perdão ajuda a clarear os buracos negros do outro, também em mim sentidos. Então de amor movido, no reconhecimento, e não por interesse, dou o primeiro passo e com ele avanço facultando a oportunidade à verdadeira solidariedade. Trata-se de ver as coisas já não duma perspectiva, mas de uma forma aperspectiva, ou seja, de todas as perspectivas. Da conexão trinitária não chega já o simples diálogo (não só através da palavra) mas um triálogo que tem como modelo as três pessoas e das quais estamos processualmente a tornarmo-nos uma. Através do Pai somos irmãos, somos todos um. A isto estamos chamados, crentes e ateus!

António da Cunha Duarte Justo
antoniocunhajusto@googlemail.com

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NATALIDADE EM FRANÇA ALEMANHA E PORTUGAL

ESTADOS DESENVOLVIDOS VOLTAM A APOSTAR NA FAMÍLIA

António Justo
O indicador da fecundidade actual de nascimentos na França é de 2,02, na Alemanha de 1,37 e em Portugal de 1,4 filhos por mulher

O país europeu com maior percentagem de crianças nascidas por ano é a França. Em 2008, numa população de 65 milhões de habitantes nasceram 801.000 bebés. Os franceses conseguem assim impedir o envelhecimento acelerado da população. Cada mulher francesa dá à luz em média 2,02 crianças. Na Europa, esta média só é atingida pelos ingleses, irlandeses e escandinavos. A França continua a ser o País na Europa que mais defende a natalidade

A França tem uma consciência de estado aberto e uma ideia nacional responsável. Não aposta apenas na imigração e na procriação espontânea. A fertilidade dos franceses deve-se a várias medidas: à boa organização de instituições com o cuidado das crianças, ao favorecimento fiscal de famílias com crianças, aos178 Euros de abono de família mensal por criança e ao prémio de 889 euros por nascimento. Na França a frequência do jardim infantil e da pré-escola são gratuitas e além disso, até aos três anos, o pai ou a mãe que interrompa a profissão para cuidar da criança recebe mais 375 euros por mês. A França fomenta a família com uma percentagem de 3% do seu produto social bruto. Dois terços das mães com três e mais crianças têm um emprego a tempo completo. A partir dos três anos 98% das crianças frequentam a “escola maternal” gratuita. Uma família com duas crianças e um vencimento bruto anual de 70 000 euros não paga quase nenhum imposto complementar porque o imposto é dividido pelo número dos membros familiares. A percentagem de mulheres empregadas com crianças até três anos é de 80%.

Na Alemanha com uma população de 82 milhões só nasceram 682.713 bebés em 2007 (última estatística). O abono de família mensal, por criança é de 164 euros. Ele recebe-se até aos 18 anos ou até aos 26 no caso do abonado continuar os estudos ou uma formacao profissional desde que não ganhe mais de 7.000 euros por ano. Para que não sejam só as famílias pobres e estrangeiras a gerar mais filhos, o Estado paga, durante um ano, 67% do vencimento líquido à mãe ou ao pai que interrompa a sua profissão durante um ano para cuidar do bebé. De registar que uma grande percentagem de homens faz uso deste direito. A percentagem de mulheres empregadas com crianças até três anos é de 28%. A Alemanha fomenta a família com uma percentagem de 3,2% do seu produto social bruto. Na Alemanha apenas metade das mães com uma criança têm emprego a tempo inteiro. Numa família com filhos, um dos parceiros familiares é beneficiado até três anos por filho na reforma. Ângela Merkel nas suas novas medidas anti-crise tem colocado as famílias no centro da sua acção. O investimento em infra-estruturas como infantários e instituições escolares e profissionais, a compensação de impostos para famílias que paguem a amas, são algumas entre outras medidas.

Em Portugal, com uma população residente de 10.617.575 indivíduos, a natalidade, tal como na Alemanha, tem sido das mais baixas da Europa. A média do indicador da fecundidade actual em Portugal é de 1,4 filhos por mulher. Em 2007 (última estatística) nasceram 102. 492 bebés em Portugal; destes, 10 mil, foram nados de mães estrangeiras. Atendendo a que o número de óbitos foi de 103.512, o saldo natural foi negativo tendo morrido mais pessoas do que nasceram. No meio de tudo isto, o governo ainda faz alardes da quebra de mortalidade infantil calando porém as baixas abortivas. Para Portugal ter um saldo natural equilibrado precisa de mais 60.000 nascimentos de crianças por ano.

A política familiar portuguesa castiga as mães e com elas as famílias. As licenças de maternidade obrigam as mães a terem de abandonar os bebés aos 4 meses de idade. A situação é trágica para mães, bebés e pessoas familiares. Os bebés perdem o direito à presença da mãe e não têm direito a infantário gratuito. As condições de isenção de taxa do infantário são tão baixas que obrigam a grande maioria mesmo carenciada a ter de suportar os custos de acomodação numa creche ou infantário ou a arranjar-se como puder.

O abono de família em Portugal não é um direito do bebé. A sua concessão é de tal modo casuística que na realidade só uma família mesmo pobre terá direito à sua totalidade. Os nossos políticos são peritos em fabricar leis para inglês ver. Muitas políticas governamentais parecem ter por fim fazer regulamentações com um cheirinho a estado social de direito mas que, depois de lidas as linhas escritas a miúdo, pouco fica concretamente. Mais que uma política séria para a realidade social do país, pratica-se uma política de anúncios para ser ouvida em notícia de telejornal à noite e apaziguar a consciência de quem não está informado. Não temos governos, como numa Alemanha, virados para a nação e para o povo, temos partidos que governam puxando a brasa à sua sardinha. Neste ambiente o povo não se mexe porque só queimaria os dedos e o partido da oposição encontra-se à cuca da próxima oportunidade legislativa. Ilude-se a pobreza do povo com projectos megalómanos em torno da capital. O país e o povo andam à deriva e os políticos à caça do modernismo importado e apregoado desde o Marquês de Pombal.

A política sacrifica a família ao apregoado progresso
Em Portugal não existem medidas políticas sérias de incentivo à natalidade e à família. Basta uma análise superficial da legislação sobre o abono de família para nos darmos conta do logro. Pretensas leis fomentadoras revelam-se à posteriori como enganadoras, deixando as famílias abandonadas a problemas insuportáveis.

Uma retórica partidária progressista tem vindo a minar o substrato ideal da sociedade portuguesa, dado estar, através de medidas legislativas, mais preocupada com estatísticas branqueadas para o estrangeiro e para interessados do que em fomentar o poder de compra da classes desfavorecidas da nação real que temos. Estas são mais reveladoras de indicadores de decadência do que duma política baseada Na ausência duma ideia de nação e de povo, o preço do modernismo e do progresso tem sido demasiado caro para a maioria dos portugueses e para Portugal. O governo anda geralmente atrás das circunstancias produzindo legislação mais virada para clientelas do que para o país. A família é sacrificada ao progresso duma maneira diletante. Em questões de família o governo parece empenhado, sobretudo, em promover o casamento de homossexuais. A família é castigada, já que a opção por ter filhos corresponde a um empobrecimento real grave do agregado familiar. Não há infra-estruturas capazes de dar resposta a um apoio sequer medíocre às necessidades mais urgentes das famílias e das crianças. Não se menciona sequer o direito legítimo aos infantários gratuitos para todas as crianças. Em Portugal os livros escolares são caríssimos e suportados pelos pais e não pelo Estado, como deveria ser de esperar num estado social. Há imensas famílias que no início dos anos escolares têm de comprar os livros escolares às prestações. Muitos boys governantes parecem invejar o instinto procriador familiar, castigando-o.

Querem a sociedade jovem a dançar toda ao mesmo ritmo e ao som da mesma música e da mesma batuta. Vive-se em tempos úteis de governo como em tempo de eleições. Fomenta-se o divórcio à custa dum ataque sistemático à família com desfavorecimento de impostos do agregado familiar. Em Portugal, pais que queiram ser contemplados na beneficiação de imposto IRS na “pensão de alimentos” em relação aos filhos têm de se divorciar oficialmente. Além disso o casamento civil é penalizado com uma taxa de 500 euros e o divórcio é facilitado valorizando-se o afecto do momento através da Internet.

A política progressista baseada no gozo individual sem responsabilidade ética comunitária castiga quem tem filhos. O envelhecimento da população é fomentado precisamente por aqueles que melhores reformas receberão do Estado, os políticos! Os que se aproveitaram duma vida mais leve mediante a renúncia voluntária a filhos precisarão dos filhos dos outros que lhes paguem as reformas. O povo tem razão para ter medo do futuro. A classe média é a mais penalizada no orçamento de vencimento. Uma oligarquia surgida à base da classe proletária vive bem da pobreza democrática cultural e económica.

Um progressismo inibidor do fluxo da vida e favorecedor do consumismo tem sido responsável pelo colapso demográfico na Europa. A geração 68, na sua luta contra a família tradicional e na defesa dum internacionalismo fácil, pensava compensar a infecundidade provocada com o fomento da imigração, tendo esta mentalidade conduzido a Europa central a problemas irreparáveis de guetos de cultura árabe hermeticamente cerrados e a situações de pobreza gritante nos arredores das grandes cidades. Aqueles equilibram um pouco o défice de natalidade com a sua fecundidade sendo mais coerentes na defesa de valores mais eficientes na afirmação biológica e cultural.

A queda de natalidade não se dá apenas devido à mudança de mentalidades mas em especial devido às medidas legislativas e a uma mentalidade macho propagada que deixa o cuidado das crianças às mulheres numa sociedade, que por outro lado as obriga a procurar um emprego para manterem um nível de vida menos indigno no agregado familiar. Uma política de rebanho mina as condições aos pais impedindo que estes o possam ser responsavelmente.

Portugal vai perder população; as previsões apontam uma população de 7,5 milhões para 2050. O défice demográfico do Mundo Ocidental deveria constituir uma preocupação prioritária numa política europeia que se considere responsável pela sociedade europeia e pela camada jovem que terá de pagar a factura dos erros praticados na política familiar e de imigração nos últimos 40 anos.

Apesar do desenvolvimento da vida social e profissional das mulheres no mundo ocidental, em nome da defesa duma cultura feminina, as mulheres europeias têm sido instrumentalizadas e empenhadas na defesa dum mundo equacionado em termos meramente masculinos. O futuro do desenvolvimento das sociedades europeias e muçulmanas dependerá duma acção eficaz e consciente da mulher nas respectivas sociedades. A feminidade tem sido posta ao serviço da produção e do consumo. A sociedade, em vez de mais feminina, tem-se tornado cada vez mais máscula.

Uma política familiar séria para Portugal deveria aproximar-se da francesa e da alemã. Doutro modo Portugal continuará a envelhecer criando problemas gravíssimos relacionados com a gerontologia e continuará a fomentar a sangria nacional através da emigração.

António da Cunha Duarte Justo
antoniocunhajusto@googlemail.com

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