A Realidade e sua Fórmula de Complementaridade
Num mundo caracterizado por conflitos, mal-entendidos e divergências, a religião e a ciência poderiam dar um contributo inovador para a construção de uma cultura de paz. O abuso de uma interpretação unilateral da teoria de Charles Darwin ao ser propagado apenas o aspecto da sua teoria ligado à seleção natural nomeadamente a “sobrevivência do mais apto” (sobrevivência e reprodução dos indivíduos mais fortes) como principal factor da evolução, tem ajudado a cimentar-se uma cultura da violência. A parte da teoria de Darwin que inclui também os aspectos de coesão e cooperação, como factores importantes na evolução, foi negligenciada embora estudos de arqueologia o tenham confirmado.
Apesar das diferenças frequentemente sublinhadas entre Religião e Ciência, existe uma convergência mais profunda nos seus objectivos e métodos que, se devidamente integrada, poderá levar a um mundo mais harmonioso e pacífico. As duas disciplinas procuram abordar a realidade com a tarefa não só de a descobrir e explicar (Ciência), mas também de explicar e compreender o seu sentido (Teologia). Uma visão integral da realidade pressupõe a convergência de ciência e religião.
A Igreja Católica apresenta o mistério da Santíssima Trindade como um modelo profundamente enraizado na experiência humana e na compreensão da realidade. A Trindade – Pai, Filho e Espírito Santo – é vista como uma unidade na diversidade: três pessoas, mas um só Deus. Esta fórmula teológica pode servir de metáfora para a estrutura mais profunda da realidade que vê tudo como relações interligadas e complementares. A fórmula “1=3 e 3=1” expressa esta unidade dinâmica na diversidade em relação.
Também a física quântica revela princípios semelhantes de complementaridade e relacionamento no mundo físico. Se na trindade as três pessoas são expressões da mesma realidade divina e as interações entre si integram também o mundo físico (na segunda pessoa: interação de espírito e matéria), na física quântica, partículas e ondas são duas perspectivas da mesma realidade, e as interações entre as partículas são fundamentais para a compreensão de suas propriedades. Estas interações e relacionalidades (alteridade empática) são centrais, tal como na visão teológica da Trindade.
A física quântica revolucionou a nossa compreensão da realidade física, introduzindo conceitos que têm paralelos essenciais e relevantes com as ideias teológicas ao deixar espaço para uma base “espiritual” de tudo. Ambas as disciplinas salientam que a realidade não pode ser compreendida de forma simples e só linear; ambas destacam que a Realidade possui uma estrutura complexa, dinâmica e profundamente interligada. Na teologia o mundo das possibilidades quânticas é concretizado em Deus.
Enquanto a física clássica se fixava na massa e no concreto e no mensurável a física quântica alargou o seu âmbito natural para o mundo das possibilidades em que tudo se encontra interligado (numa troca de informação) visão esta que deixa espaço para a inter-relação da possibilidade matéria e da possibilidade espírito; esse espaço situa-se a nível da ciência quântica quando introduz na física o princípio da incerteza. Deste modo a física quântica assume o princípio da complementaridade e da relacionalidade como se encontra na relação trinitária.
Assim temos na Religião a Trindade que realça a unidade na diversidade no o relacionamento entre as pessoas divinas que se pode ver como uma antropologia trinitária. Nesta fórmula metafísico-física acentua-se a distinção e não a separação entre ser e realidade, entre ser e pensar. Na Ciência, física quântica realça-se a dualidade onda-partícula e as inter-relações entre objetos quânticos, mas reconhece-se ao mesmo tempo que a um nível fundamental da realidade, a realidade é confusa e movimenta-se no âmbito do provável, opondo-se deste modo à compreensão da física clássica que se orienta pelo determinismo.
Temos assim um ponto essencial comum de caracter decisivo a nível de física e de religião (teologia)! Realidade física e realidade espiritual envolvem em comum o mistério! Deste modo uma abordagem sem preconceitos sobre a Realidade seja ela de caracter espiritual ou físico tem de implicar o momento do mistério!
Embora em religião o mistério divino seja visto como insondável mesmo assim ele é cognoscível através da mente criadora, da fé e da revelação.
A fórmula trinitária representa a unidade de Deus (Realidade) na diversidade das pessoas divinas. A fórmula trinitária do “1=3 e 3=1” antecipa o resultado da busca da física de uma teoria unificada que una a diversidade das forças naturais sob uma estrutura comum.
Todos nós humanos somos peregrinos que vindos do mistério caminhamos para o mistério e nesta situação e consciência será importante integramos o saber material e espiritual de maneira complementar e caminharmos juntos promovendo uma cultura de paz. Urge um diálogo aberto sem preconceitos baseado numa compreensão e respeito mais profundos.
Como humanidade criamos problemas que atingem a todos criando desafios éticos, ambientais e de injustiça social que é urgente resolver.
Urge a criação de programas educacionais que integrem o conhecimento científico e a sabedoria espiritual como complementaridade e deste modo adquirir-se uma visão integral da realidade e da experiência humana.
Cada um de nós individualmente e os países (veja-se União Europeia) têm agido na mentalidade da física clássica e deste modo, fomentando o egoísmos e espírito guerreiro fora da inter-relação defendida pelo cristianismo com a sua afirmação do mistério divino e a nova física com a constatação do mistério do mundo material-físico.
Todos nós, cientistas, crentes e não crentes, somos caminheiros que desejam paz no nosso caminho de procura da verdade, sabendo que o mundo que criámos está ameaçado e que nós, humanos, também estamos ameaçados, quando poderíamos assumir um papel transformador na humanidade e na natureza.
As ciências devem seguir considerações éticas e religiosas para que a tecnologia avance em benefício da humanidade. Naturalmente a religião terá de se deixa
Religião e ciência no mesmo caminho da procura da verdade têm de compartilhar os valores fundamentais num espírito de complementaridade em busca da verdade de maneira a criarmos bem-estar para todos.
A celebração católica do Mistério da Santíssima Trindade proporciona uma rica metáfora para a unidade na diversidade e na complementaridade expressa tanto nas descrições teológicas como físicas da realidade. Podemos seguir diferentes caminhos, mas nunca uns contra os outros, se somos pessoas de boa vontade interessados em construir um mundo novo e melhor.
António da Cunha Duarte Justo
Teólogo e Pedagogo
Pegadas do Tempo