Meditação e Respiração

Respiração na Tradição Ocidental
António Justo
„No princípio Deus criou os céus e a terra… e o Espírito de Deus movia-se sobre o semblante das águas” (gen 1,1). O respirar de Deus, a força da vida ( a “ruach”= vento, tempestade, o respirar da vida) penetra então todo o ser. A Ruach é o oxigénio espiritual que a tudo dá ânimo. A criação processa-se, desenvolve-se respirando o Espírito Santo.

A cadeia dos metabolismos da respiração interfere na regulação do ritmo pulmonar, cardíaco, tensão arterial, estado psico-somático até ao limiar do Espírito. O ritmo da inspiração e expiração ao provocar movimento abdominal e torácico num movimento de contracção e extensão concentra-nos no corpo e provoca uma abertura geral. Tudo se move, tudo se relaciona. Todo o universo macroscópico e microscópico, material e espiritual, participam do mesmo respirar, da força divina (Ruach).

A vida de Adão começou com o sopro, o hálito de Deus nas suas narinas. Se nos concentrarmos, sentimos segredar do seu sopro no respirar do nosso ser, no marejar do mar, no ciciar da brisa do céu.

A frequência rítmica reduzida de pulmões, coração e cérebro, ajuda-nos a entrar na ressonância universal, na frequência da Ruach (Espírito, sopro). O universo tal como a nossa corporeidade segue o seu ritmo mesmo a nível inconsciente tal como acontece com a respiração na sua qualidade de parte do sistema vegetativo nervoso. Neste processo experimentamos a satisfação de embarcarmos com ele e assim possibilitarmos uma mudança no nosso corpo e na nossa alma. Pela meditação procura-se tornar consciente e presente estes diferentes impulsos.

Pela respiração o dentro e o fora, a vida toda, encontram-se em equilíbrio. Também a respiração abdominal é mais saudável para o corpo e alma. Ela une a parte superior à parte inferior, o cérebro – coração ao abdómen. Na inspiração poderemos ver o acto do pensamento e na expiração o acto do sentimento. Um e outro formam uma unidade perfeita, tornando a matéria e o Espírito compatíveis. Se, em relaxe, nos concentramos na inspiração e expiração seguindo apenas o seu ritmo, sem em nada pensar, então, passado algum tempo, o mundo todo passa a respirar em nós, movido pelo mesmo espírito, que pode ser sentido como amor corrente. Na respiração sentimos corporalmente o efeito do ar e talvez espiritualmente o efeito da acção do Espírito Santo.

Se num lugar calmo nos concentrarmos na respiração facilmente tomamos uma percepção agradável do nosso corpo e com o tempo experimentamos a paz do Espírito em nós. O Espírito, a força criadora divina, revitaliza-nos até aos poros mais íntimos do nosso corpo e da nossa alma. Leva-nos a sintonizar com o universo, com o espírito, tornando-nos parte do todo.
“O meu povo jamais será confundido… acontecerá que derramarei o meu Espírito sobre toda a carne: os vossos filhos e as vossas filhas profetizarão; os vossos anciãos terão sonhos, e os vossos jovens terão visões, derramarei o meu espírito sobre os escravos e as escravas”(Jo 3,1-2). A força do espírito é de tal ordem que inebria de energia libertadora todo o homem e toda a mulher acabando com as aquisições e valorizações da carne, para a espiritualizar.

Irrompe o Pentecostes, o tempo da verdadeira comunidade. No momento da dificuldade o Espírito do Senhor desce sobre nós possibilitando o amanhecer do Pentecostes em nós. Neste momento indivíduo e comunidade tornam-se num só coração, criador e criação tornam-se solidários. Aqui acontece o Reino de Deus, a democracia espiritual. “Quem não nascer da água e do espírito não poderá entrar no Reino de Deus… O vento sopra onde quer; ouves a sua voz, mas não sabes onde vem, nem para onde vai. Assim é todo o que nasceu do Espírito”(Jo 3, 5 s). O homem velho que vivia na sombra do mal descobre a luz que ao inebriá-lo o torna novo, e então a faúlha do amor torna-o novo, tal como o fogo que enrubescedor do carvão e do ferro mais negros na forja..

A água lava-nos e o Espírito transforma-nos porque vem de Deus. Cheios do espírito estamos preparados para dar à luz e repetir o acto de Maria no presépio. O espírito mãe em nós desperta a fertilidade e provoca o novo nascimento. Dele surge uma mentalidade nova, um espírito de compreensão diferente do mundano. “O consolador, o Espírito Santo que o Pai enviará em meu nome, Esse ensinar-vos-á todas as coisas e vos recordará tudo o que vos tenho dito”(Jo 14, 26). O espírito novo, o amor leva a superar a incompreensão das diferentes línguas e culturas. Agora surge o tempo da inspiração que ajuda a superar as fórmulas rígidas das culturas permitindo ver o que as sustém. O espírito jorra em nós, já não somos escravos mas senhores, de estirpe divina. Em nós há muitos dons do espírito escondidos. O barulho da vida e a voz das leis e dos senhores do mundo é tão alto que não deixa perceber mais nada. Se queremos sair do turbilhão no labirinto da vida teremos de parar e aprender, de novo, a ser. “Eu sou o caminho a verdade e a vida.”

Já na Idade Média havia a tendência para mediante técnicas de respiração se facilitar o alcance do estado da profecia. O conhecimento de Deus não se pode alcançar através da especulação mas através do “coração” (lugar da vida divina, entre coração e cérebro), à sombra das ideias, ajudado pelas técnicas religiosas – místicas em ligação com a fala e a respiração. Na sabedoria asiática e na mística cristã a acção do espírito acontece no confluir e jorrar comum de emoção e razão, no confluir da matéria e do espírito, do Jesus e do Cristo.

O canto gregoriano dos conventos, e das igrejas, os encontros de Taizé onde se cantam cânones repetidos e vocalizados, unidos à respiração conduzem à ressonância corporal e espiritual, à vibração universal, ao limiar do espírito e da matéria.

Na palavra aleluia ou no vocativo “oh Aleluia”, encontram-se propriamente todas as vogais que constituem os mais diversos acordes do nosso ser e os sons do universo. A vibração surge do nosso centro para se espalhar em todas as direcções. Os diferentes tons, cantados no ritmo da respiração, provocam a abertura global. O espírito de Deus sopra vibrando na palavra. Do fundo do coração ressoa a essência da nossa alma na vibração do “tudo em todos” de que falam João e Paulo. Os pólos do corpo e da alma, do espírito e da matéria, do céu e do universo unem-se para deixar lugar apenas à ressonância amorosa.

O nosso coração torna-se no centro do universo, passa a existir só a relação, a relação trinitária no substrato do amor. “Já não sou eu que vivo, é Cristo que vive em mim”. Agora tornado na natureza Jesus Cristo, o Céu e a Terra abraçam-se, como o esposo e a esposa na consciência duma nova realidade, a realidade trinitária do um em três, do eu no nós. A linha horizontal e a linha vertical tocam-se tal como o espaço e o tempo.

O nosso corpo na forma de cruz abraça toda a humanidade, todo universo. Se na inspiração o universo, Deus, nos abraça, na expiração abraçamos nós Deus, o universo. No amor ágape fraterno universal, sentimo-nos como um invólucro (1 Cor 3,16), uma taça, um sino no qual o ressoar se torna toda a presença.

O movimento da respiração pode então também ser dançado e expresso nos mais diferentes gestos. Fora e dentro, espírito e matéria estão em relação vital como sombra da realidade trinitária. O amor passa a ser o ar que se respira; o espírito que tudo une leva-nos ao mais profundo do nosso ser, do ser universal, da divindade em nós (Rom 5,5). Também no respirar podemos sentir o eco da voz de Deus. Na intimidade desta oração se unem poetas, músicos e religiosos, crentes e não crentes na vibração comum do amor, do Espírito Santo. A nossa humanidade depende do fluxo do amor em nós presente.

A técnica da meditação predispõe-nos para o actuar e agir do Espírito em nós. Ajuda-nos a encontrar outros acessos à Realidade para lá do acesso racional teológico mas sem o excluir. A ânsia da relação, e a procura do sentido manifesta-se na palavra tipicamente portuguesa “saudade” que exprime o profundo espírito poético e religioso da solidariedade existencial e mística. Ela é o lugar da casa paterna, da realização. No inspirar está o movimento para a vida, no expirar o movimento para a morte.

Na respiração unida ao próximo acontecem massagens de reanimação. O amor expresso na Ruach é presencializado (Jo 14,15-21) pelo nosso respirar no amor (Jo 15, 9-17). Deus está-nos mais próximo que o nosso próprio respirar, dizia também Agostinho.

A natureza está sempre presente nos momentos mais significativos da presença de Deus: no Arco-Iris, na trovoada, na volta de Jesus como faísca ou raio (Lc10,18; 17,24), na abertura do céu no baptismo (Mc 1,10), no tremer da terra na sua morte (Mt 27,51).

As metáforas dos sentidos apontam para uma realidade mais profunda. Na solidariedade cristã universal aí se experimenta o mundo como o “meio divino” como tão bem soube formular Teilhard de Chardin. Em Cristo tornamo-nos tudo em todos como tudo se transforma em Jesus Cristo, reconciliando-se nele a Matéria e o Espírito. Nele, o aqui e agora, têm sentido, sendo assim o optimismo um característico do espírito cristão.

António da Cunha Duarte Justo
“Pegadas do Espírito”, Quinta Outeiro da Luz, 2008

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Fomento do Estado contra a Nação: A Nação virtual – Regionalismo a Alternativa

Regionalismo – A Alternativa
Necessidade de domar a Globalização e a União Europeia
António justo
A União Europeia e a Globalização vivem da centralização político-administrativa e apostam na força dos mais fortes contra os biótopos naturais e culturais mais fracos. Hoje, como na revolução industrial assiste-se à movimentação das massas proletárias. Se do século XIX até à segunda guerra mundial se movimentavam do campo para as cidades, hoje deslocam-se dos países subdesenvolvidos para os industrializados.

Fomento do Estado contra a Nação: A Nação virtual
A globalização provoca o engrandecimento das grandes nações, tal como a revolução industrial fomentou os grandes centros industriais citadinos. Tanto a industrialização como a globalização se afirmam à custa das regiões, do campo e da cultura. O grande capital instala-se nos locais de mão-de-obra barata, tornando-se mesmo ele num factor de insegurança devido à sua mobilidade de interesses. É interessante observar, numa nação como a Alemanha, a luta desesperada desta pela fusão dos bancos nacionais para assim poder manter influência financeira na concorrência internacional e poder continuar a afirmar-se como nação. De facto, as leis do Estado já não têm influência no capital. A política desorientada procura agarrar-se a ele. Porém, o caudal do capital é tão forte que tudo engole.

Que acontecerá então aos países sem relevância nos fluxos internacionais do capital e das ideologias? O interesse na desmontagem das nações serve-se da ideologia contra a terra e dos mercenários da ideologia que se aninham no Estado e, a preço de boas comendas, fortalecem o Estado à custa da nação, do povo. Para mais facilmente prescindirem do povo constroem a nomenclatura virtual servida por uma administração parasitária apenas atenta à vontade ideológica. A nação passa assim a ser um espaço virtual e o Estado um monstro, longe do coração do povo.

A globalização, com a sua troca ilimitada de mercadorias, estraga mais ainda o ambiente natural. As potências europeias são as mais beneficiadas com a globalização, vivendo da exportação, devido à sua tecnologia superior. Por outro lado as economias rudimentares dos países europeus menos desenvolvidos são destruídas pela China, onde, por seu lado, as potências industriais investem os lucros das suas exportações.

A EU tira à Nação a sua competência legislativa e a Globalização determina o executivo. Resta aos governos o papel de executores do anónimo e o artifício do moralismo nacional para darem a impressão ao povo de que a nação ainda existe no desconcerto/desconserto dos Estados e assim poderem motivar o povo distraído a votar de quatro em quatro anos e assim verem legitimado o desgoverno. As antigas “forças de trabalho” desviadas dos biótopos naturais das regiões, depauperadas e proletarizadas, vêem agora o fruto do seu trabalho ser inutilizado pela carestia de vida, carga de impostos e desvio dos rendimentos em benefício das oligarquias partidárias e administrativas, as únicas com alimentos assegurados e dum Estado insaciável.

O campo, a natureza despovoa-se para se criarem monstros citadinos onde um povo anónimo, sem um bocado de terra onde possa cair morto, disponibilize o corpo e a alma ao serviço duma economia desgastante e duma política mercenária. Vive-se numa sociedade ao Deus dará. A economia e a política, a continuarem assim, preparam já o seu colapso.

Uma vez destruídas as economias do interior e a classe média surgida da revolução industrial a EU e os Globalizadores apostam numa oligarquia administrativa engordada disposta a ceder a todos os caprichos duma chefia mercenária desconhecedora da terra e do povo mas interessada na ideologia e no capital. As pseudo-elites passeiam a sua mediocridade nas organizações celestes da órbita nacional e internacional. Promovem-se sociedades sem identidade e sem carisma próprio. A política quer uma sociedade nivelada por padrões impostos. Para se legitimar basta-lhe a ideologia e a intervenção nos canais da rádio, televisão e imprensa.

O Direito deixou de ser relacionado à nação e ao seu povo para servir e ser ditado por interesses anónimos “superiores”. Aos políticos resta-lhes assim o honroso papel de aplicar as leis ditadas pela EU, sem precaver os interesses nacionais mais legítimos. Para não terem complicações, banalizam a carreira de juízes imberbes para que estes, de ânimo leve, tomem decisões sem o mínimo de responsabilidade e de experiência da vida. O sistema de ensino é aferido à precariedade: para o cidadão proletário basta-lhe ter aquecido os bancos da escola e pensar que tem opinião própria legitimada pela democracia partidária. O futuro parece predestinado para os amigos do alheio e para algum mais atento.

Regionalismo como Embargo à Cleptocracia
Devido à desnacionalização em curso assiste-se à necessidade de defesa das religiões e ao aparecimento de grupos ideológicos e à violência organizada. O povo precisa de ver solo onde colocar os pés! A desmontagem das nações em favor de blocos, a continuar uma política que tem em vista apenas uma economia sem as pessoas, fomentará a alcaidização social.

A alternativa será a opção por uma política que tome a sério as pessoas e a terra: uma nova política orientada para as regiões e compensadora da desnacionalização em via. Vai sendo tempo de se formarem novas oligarquias naturais regionais, contrapostas às oligarquias ideológicas que como as moscas se centram no aparelho do estado. Se antigamente tínhamos os beneficiados e os bobos da corte, hoje temos os do Estado em torno dos ministérios.

As regiões têm de interferir no poder e defender-se. A globalização só será responsável se tiver em contrapartida a força das regiões. Para isso será necessário criar-se a democracia das regiões dado a democracia partidária cada vez se encontrar mais alheia à terra e ao povo. Só uma democracia cultural da base poderá limitar a força dos produtos de fora, favorecendo os regionais. Os produtos locais são menos poluidores do ambiente evitando o transporte e fomentando lugares de trabalho.

A economia do futuro terá de passar a respeitar na só a natureza mas também a moral oferecendo mais perspectivas locais e contando com a pessoa humana nos seus planos. De facto, a grande empresa apanha para si o que promete mais proveito, o resto fica. A Nação é impotente. Assim se mina a democracia: com o turbo-capitalismo com a sua economia abstracta irresponsável e com o socialismo parasita encostado ao Estado. A crise poderia tornar-se na hora do povo, na oportunidade da democracia. Contra isto está o facto dos “nossos melhores” serem mercenários e a apatia e desorientação popular! A política aliada à economia quer-nos ocasionais e inconsistentes, tão incoerentes como as suas opiniões! Daí o desespero, perante um aparelho cada vez mais incontrolável.

A insuficiência do presente vinga-se no passado. A nível local e regional terão de se criar iniciativas e estruturas com um modelo de desenvolvimento em que a pessoa humana se possa articular. O Estado terá de passa a ser mais acidental. Precisam-se regiões e pessoas dinâmicas e abertas a todos. A nação e a sociedade terão de passar a ser de todos para todos. Para isso é preciso regionalizar a nação e despartidarizá-la. Portugal teria de ser dividido em três regiões com o substrato cultural dos “Homens Bons” para se impedir o fomento das superstruturas da cleptocracia. Quando nos dispomos a restituir a dignidade ao povo?
Precisamos também duma política externa mais virada para as antigas províncias ultramarinas. As necessidades de uns e outros podiam encontrar respostas possibilitadoras de desenvolvimentos orgânicos e sociais sem saltos, ajudando a evitar que uns e outros se tornam vítimas da praga dos gafanhotos.

A democracia, a nação, não pode continuar a ser canalizada para o Estado, para o partido. A democracia autêntica surge do povo para o povo, das regiões para as regiões. Seria problemático se os “refugiados” das regiões se continuassem a refugiar nas trincheiras das capitais contra as regiões e contra o povo. A continuar assim a nação deixaria de ter cidadãos para passar a ser um Estado sem cidadãos mas com mercenários.

António da Cunha Duarte Justo
antoniocunhajusto@googlemail.com

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Saúde é Harmonia

António Justo
Saúde resulta da harmonia entre espírito e corpo. A fé e a ciência complementam-se na sua tarefa de mobilizar a energia curativa da natureza. Se a ciência procura o sentido e as leis do mundo exterior, a fé procura sondar o sentido do interior do mesmo mundo e a relação entre eles. São duas perspectivas complementares da mesma Realidade. Há uma coerência entre os mundos, físico, moral, psicológico, fisiológico e espiritual. Criador e criado formam uma relação de destino comum. O criador é a força actuante da criação em relação íntima. Tudo se encontra em comum e a caminho.

Na descoberta da fonte divina no nosso mais íntimo, as fronteiras de nós mesmos passam a transcender o espaço e o tempo. Deixamos de ser o espectador à beira-mar, para, do sentir do seu marulhar, passarmos a ser a própria água, a essência. O que resta é ritmo e ressonância. Na minha respiração reconheço então o ritmo do vaivém das ondas e das marés…

Desta perspectiva o espírito passa a ter o domínio sobre os elementos, transfigurando-os mesmo. Ao reconhecer-me mar, o murmúrio das ondas já não me mete medo nem a sua infinidade me angustia. O que fica é a essência da água. Assim descubro a minha energia, o espírito divino que tudo enche e que reconheço também na neblina matinal, nas nuvens mais leves ou mais carregadas. Então a energia-vital assoma ao meu corpo tornando-se todo o universo numa orquestra cuja melodia ressoa em todo o meu ser, tal como o marulhar do mar. Aí, mesmo os acordes desafinados se tornam parte integrante da melodia universal.

A energia positiva tal como a negativa é contagiosa. Se nos ficamos apenas pelo âmbito dos fenómenos, a realidade continuará a parecer contraditória: dum lado a terra do outro o mar, dum lado a matéria, do outro o espírito. O problema geralmente está na nossa cabeça, no mundo da ideia. Esta pode ser o princípio do problema ou o princípio da sua solução. Se não fosse a ideia do bem quem suportaria a vida? Aquela predispõe-nos para uma compreensão participativa das leis que nos governam e regem o universo. Tudo é energia em relação, tudo é espírito, tudo se reduz à realidade trinitária! Trata-se de superar o diálogo para entrarmos no triálogo…

Tudo se influencia num relacionamento mais ou menos materializado semelhante às forças que regulam os astros. A Lua na sua inocência distante influencia as marés e mesmo o sucesso das sementeiras, tal como a donzela atrai o jovem na sua graciosidade, tudo gerando à volta do Sol, do Espírito, na força do amor.

Assim como uma ventania arrasta o negrume das nuvens que encobre o Sol assim os problemas podem encobrir o brilho do nosso espírito a ponto da nossa alma ficar só na escuridão. O que se dá no macrocosmo acontece no microcosmo. O que se dá no espírito reflecte-se no corpo e vice-versa. A experiência revela-nos que um espírito bom, um simples abraço, uma palavra, um olhar, um sorriso podem provocar alterações fisiológicas positivas inconcebíveis em cada um de nós.

A própria imaginação da saúde já é suficiente para movimentar em nós as energias curativas jacentes. A abertura ao divino, à ipseidade desbloqueia as forças do espírito. Ao reconhecer que Deus me é mais íntimo que eu mesmo entrarei na sua unidade, reconhecendo-me como espírito. “Eu e o Pai somos um”. Do âmago do meu ser jorra então o espírito por todos os poros do meu ser: o alvorecer do espírito em mim alumia e vivifica toda a paisagem do meu corpo e os meus horizontes.

Deus não pôde impedir a doença mas pode dar-nos novas capacidades, dar-nos força para a aguentar ou mesmo sarar ou mudar estilo de vida. Mesmo quando todas as luzes cá fora se apagam, no meu íntimo resta a minha luz, a luz divina que tudo iluminará. A força do amor é a força que nos alimenta e nos alumia o caminho. O deus demiurgo só cria, o nosso Deus também ama. Este amor foi-nos transmitido para podermos interferir no processo da criação.
Não se trata de merecer ou de ser ouvido nem de se fixar na ideia duma oração mas de estar predisposto e aberto. De facto não se sabe porque é que uns se curam e outros não. Importante é abrir-nos para possibilitar em nós as potencialidades que a natureza traz em si mesma. Para isso procuremos mobilizar a nossa intuição e a nossa razão no sentido de alcançar a saúde. A união com Deus tornar-nos-á fortes activando a força da vontade para agirmos no sentido da cura. O sentido da meditação ou oração é possibilitar o contacto com a natureza e com o próximo.

Então recolho-me no silêncio do meu quarto, entro dentro de mim mesmo para dar lugar à harmonia, num exercício de eutonia, ouvindo música, o silêncio, ou o respirar do universo. O processo de alívio e cura realiza-se na harmonia do meu expirar e inspirar. A paz invade-me ao sentir a plenitude do ser. Ao poder do espírito nada resiste. Neste ambiente é-me mais fácil reconhecer as causas da minha doença. Ao centrar o espírito sobre a minha sombra, sobre a parte dolorosa, a sombra e a dor, esvai-se donde se tinha aninhado. O espírito divino manifesta-se como a brisa primaveril que dá vida às flores do campo e estimula o chilreio dos passarinhos. O mesmo acontece na relva do meu ser então agraciado com o sol do Espírito. Então acordo rejuvenescido na consciência de que a vida precisa de mim. Reconheço que as plantas ao sol vivem mais, são mais saudáveis. O sol dá-lhes saúde e motiva o sentido. O sol do meu espírito inebria-me de tal modo que em toda a minha paisagem reconheço o Sol que me vivifica. Então um sentimento de segurança surge na minha alma e a impressão de ser necessário prolonga a minha vida na consciência do seu sentido.

As condições da nossa vida, as intempéries corporais ou psicológicas têm a sua causa no nosso espírito e no seu modo de se relacionar com as coisas. Do olhar e da nossa atitude de alma dependerá o tempo, o clima da paisagem, a nossa maneira de ser e de estar. Se o meu olhar é puro, a paisagem humana à minha volta não perturbará o meu humor. De facto, quando estou mal-humorado vejo o mundo turvo e transmito a minha agressão ao outro que inconscientemente se encontra com ela e não comigo mesmo, e vice-versa. Geralmente vivemos no desencontro de nós mesmos, no desencontro com os outros e com o mundo. Em vez de nos encontrarmos com o outro, encontramo-nos com a sua sombra. O problema não está na aranha mas no medo que se tem dela, na própria projecção! Lamentamos o sombrio rosto do vizinho, sem notarmos que ele se encontra sob a nossa sombra.

O medo e a insatisfação são como um íman que atrai as coisas mobilizando as forças negativas. Em vez do medo é preciso dar espaço à coragem, à confiança, à energia positiva que oportunamente se mobilizará. De facto o medo, o olhar desconfiado predispõe e paralisa. O medo e a excitação desviam-nos da Realidade e roubam-nos energias impedindo o fluxo da vida. Para que as ideias se tornem forças positivas pressupõe-se a iniciativa da vontade. Se procurarmos o bem, encontraremos o bem, se procurarmos o mal encontraremos o mal. Não podemos transformar-nos em caixote do lixo dos nossos queixumes nem tão-pouco no caixote do lixo dos outros. Trata-se de abrir as cortinas do nosso espaço e do espaço dos outros para que o sol entre. Então surgirá a brisa da inocência, da bondade e do amor que tudo quer abordar e inebriar. Então o vento das preocupações e dos desejos amainarão. “Olhem os passarinhos do campo…”. Eles seguem a ordem das coisas sem as complicarem com pensamentos ou emoções. Senão vejamo-nos ao espelho ou olhemos para a pessoa amada. O amor e a paz tornam-nos mais belos! O mesmo se verifica na harmonia do rosto das crianças ou no seu olhar, no trato do dia a dia ou quando lhes damos o “bom dia” inesperado ao passar por elas. Quando o nosso amigo nos fala das suas mazelas porque as fortalecemos acrescentando-lhes as nossas? Se um Cristo abandonado me encontra, talvez eu possa ser nesse momento a sua oportunidade, a sua outra parte, o Cristo ressuscitado. Se me conheço na totalidade, e se conheço o mundo só me resta perdoar e abençoar no amor…

Antes de nós está a ideia. Ela vem do espírito que é o fundamento de tudo. A ideia é com um magnete que conduz à acção. Se mantivermos a mente jovem o corpo manter-se-á jovem. Quem trabalha com crianças facilmente notará que estas se entusiasmam pelo educador independentemente da idade ou da aparência física deste. Condição é manter-se um espírito alegre, puro e aberto. Num ambiente despretensioso, dá-se então uma osmose, uma troca de vitalidade entre corpo e alma, entre as pessoas em relação.

A companhia de pessoas soalheiras, incomplicadas e optimistas favorecerá a fluência da energia positiva nas nossas veias e nos nossos nervos. Principalmente nos momentos em que nos sentimos mais fracos. As plantas não gostam da sombra; na sombra não se desenvolve a alma nem o espírito. Para tratarmos o corpo temos que começar pelo espírito. Na descoberta do sentido seremos o médico preventivo de nós mesmos. Então o nosso biótopo será mais harmonioso e nele raiará o sol e os passarinhos virão beber e espraiar-se na nossa fonte.

As más ideias, a fixação na doença ou na morte é como um vírus contagioso que infecta o corpo e a alma. A nível psicológico, no relacionamento com pessoas, certamente que cada um de nós já fez a experiência pela positiva e pela negativa. Se a pessoa é negativa e só fala de problemas, de doenças, da maldade dos vizinhos, o nosso espírito turva-se e vamos carregados e sombrios para casa. Pelo contrário se estávamos tristes e tivemos a dita de encontrar uma pessoa positiva, vamos mais aliviados para casa. O mesmo acontece na relação corpo espírito. Se o nosso espírito é pessimista e negativo, o nosso corpo inibe-se favorecendo o aparecimento dum sintoma corporal ou espiritual correspondente.

Naturalmente que também há males corporais que influenciam o espírito e acabrunham a nossa alma. No caso de doenças hereditárias a questão complica-se, mas também aí o espírito pode vir a dominar o corpo, ou pelo menos a activar os mecanismos de defesa fortalecendo o sistema imune. Não é empresa fácil a reparação de defeitos na malha das células e dos cromossomas. Aí precisa-se de muita força e também da ajuda exterior para se não tropeçar e não se tornar vítima. O espírito está por detrás de toda a mutação. O próprio tubérculo no recanto mais escuro dirige o seu embrião na procura do sol. A mais frágil semente chega a romper a dureza do alcatrão para avistar a luz do sol. Nós, pelas mais crustas da doença ou da desgraça que tenhamos em nós, conseguiremos descobrir o sentido da vida, o sentido do espírito, se nos abrirmos a ele.

É importante fortalecer o sistema imune interior. Se quero ver o Sol deixo de olhar para a sombra. Esta apenas pode ser um momento curto que me dá a oportunidade de descobrir a direcção do sol, que se encontra na direcção contrária. O mal, o ódio, a vingança, a doença, os maus pensamentos, o pessimismo, o desânimo, a inveja são zonas húmidas e sombrias propensas a todas as doenças parasitas do espírito e da vida.

Muitas vezes andamos encandeados pela vida sendo puxados por ela como um cão pelo seu dono. A necessidade, uma desgraça, tem, por vezes, o sentido de nos acordar para nós mesmos e de nos predispor para mudarmos o estilo de vida. Com as coisas que trazemos na cabeça e com a rotina perdemos a vida. Ninguém é culpado disto ou daquilo.

Tanto tu como eu, temos uma natureza comum, somos filhos da divindade! Participamos activamente da divindade do Pai e do Filho através do Espírito em nós presente. O Espírito, o Sol está em nós mesmos. Cada acto de esperança e de confiança é uma abertura ao raio de sol a passar pelo ramalhal da tristeza e do desânimo. As virtudes maiores são a ‘fé’, a ‘esperança’ e a caridade: a harmonia no amor; aquelas preparam esta. A melhor medicina é o espírito que nos conduz ao amor. “Em Deus tudo é possível”. A doença pode ser uma ponte para nós mesmos, para os outros, para Deus em tudo e em todos.

António da Cunha Duarte Justo
“Pegadas do Espírito”, Kassel, 2008

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Saúde é Harmonia

António Justo
Saúde é o resultado da harmonia entre espírito e corpo. A fé e a ciência complementam-se na sua tarefa de mobilizar a energia curativa da natureza. Se a ciência procura o sentido e as leis do mundo exterior, a fé procura sondar o sentido do interior do mesmo mundo e a relação entre eles. São duas perspectivas complementares da mesma Realidade. Há uma coerência entre os mundos, físico, moral, psicológico, fisiológico e espiritual. Criador e criado formam uma relação de destino comum. O criador é a força actuante da criação em relação íntima. Tudo se encontra em comum e a caminho.

Na descoberta da fonte divina no nosso mais íntimo, as fronteiras de nós mesmos passam a transcender o espaço e o tempo. Deixamos de ser o espectador à beira-mar, para, do sentir do seu marulhar, passarmos a ser a própria água, a essência. O que resta é ritmo e ressonância. Na minha respiração reconheço então o ritmo do vaivém das ondas e das marés…

Desta perspectiva o espírito passa a ter o domínio sobre os elementos, transfigurando-os mesmo. Ao reconhecer-me mar, o murmúrio das ondas já não me mete medo nem a sua infinidade me angustia. O que fica é a essência da água. Assim descubro a minha energia, o espírito divino que tudo enche e que reconheço também na neblina matinal, nas nuvens mais leves ou mais carregadas. Então a energia-vital assoma ao meu corpo tornando-se todo o universo numa orquestra cuja melodia ressoa em todo o meu ser, tal como o marulhar do mar. Aí, mesmo os acordes desafinados se tornam parte integrante da melodia universal.

A energia positiva tal como a negativa é contagiosa. Se nos ficamos apenas pelo âmbito dos fenómenos, a realidade continuará a parecer contraditória: dum lado a terra do outro o mar, dum lado a matéria, do outro o espírito. O problema geralmente está na nossa cabeça, no mundo da ideia. Esta pode ser o princípio do problema ou o princípio da sua solução. Se não fosse a ideia do bem quem suportaria a vida? Aquela predispõe-nos para uma compreensão participativa das leis que nos governam e regem o universo. Tudo é energia em relação, tudo é espírito, tudo se reduz à realidade trinitária! Trata-se de superar o diálogo para entrarmos no triálogo…

Tudo se influencia num relacionamento mais ou menos materializado semelhante às forças que regulam os astros. A Lua na sua inocência distante influencia as marés e mesmo o sucesso das sementeiras, tal como a donzela atrai o jovem na sua graciosidade, tudo gerando à volta do Sol, do Espírito, na força do amor.

Assim como uma ventania arrasta o negrume das nuvens que encobre o Sol assim os problemas podem encobrir o brilho do nosso espírito a ponto da nossa alma ficar só na escuridão. O que se dá no macrocosmo acontece no microcosmo. O que se dá no espírito reflecte-se no corpo e vice-versa. A experiência revela-nos que um espírito bom, um simples abraço, uma palavra, um olhar, um sorriso podem provocar alterações fisiológicas positivas inconcebíveis em cada um de nós.

A própria imaginação da saúde já é suficiente para movimentar em nós as energias curativas jacentes. A abertura ao divino, à ipseidade desbloqueia as forças do espírito. Ao reconhecer que Deus me é mais íntimo que eu mesmo entrarei na sua unidade, reconhecendo-me como espírito. “Eu e o Pai somos um”. Do âmago do meu ser jorra então o espírito por todos os poros do meu ser: o alvorecer do espírito em mim alumia e vivifica toda a paisagem do meu corpo e os meus horizontes.

Deus não pôde impedir a doença mas pode dar-nos novas capacidades, dar-nos força para a aguentar ou mesmo sarar ou mudar estilo de vida. Mesmo quando todas as luzes cá fora se apagam, no meu íntimo resta a minha luz, a luz divina que tudo iluminará. A força do amor é a força que nos alimenta e nos alumia o caminho. O deus demiurgo só cria, o nosso Deus também ama. Este amor foi-nos transmitido para podermos interferir no processo da criação.
Não se trata de merecer ou de ser ouvido nem de se fixar na ideia duma oração mas de estar predisposto e aberto. De facto não se sabe porque é que uns se curam e outros não. Importante é abrir-nos para possibilitar em nós as potencialidades que a natureza traz em si mesma. Para isso procuremos mobilizar a nossa intuição e a nossa razão no sentido de alcançar a saúde. A união com Deus tornar-nos-á fortes activando a força da vontade para agirmos no sentido da cura. O sentido da meditação ou oração é possibilitar o contacto com a natureza e com o próximo.

Então recolho-me no silêncio do meu quarto, entro dentro de mim mesmo para dar lugar à harmonia, num exercício de eutonia, ouvindo música, o silêncio, ou o respirar do universo. O processo de alívio e cura realiza-se na harmonia do meu expirar e inspirar. A paz invade-me ao sentir a plenitude do ser. Ao poder do espírito nada resiste. Neste ambiente é-me mais fácil reconhecer as causas da minha doença. Ao centrar o espírito sobre a minha sombra, sobre a parte dolorosa, a sombra e a dor, esvai-se donde se tinha aninhado. O espírito divino manifesta-se como a brisa primaveril que dá vida às flores do campo e estimula o chilreio dos passarinhos. O mesmo acontece na relva do meu ser então agraciado com o sol do Espírito. Então acordo rejuvenescido na consciência de que a vida precisa de mim. Reconheço que as plantas ao sol vivem mais, são mais saudáveis. O sol dá-lhes saúde e motiva o sentido. O sol do meu espírito inebria-me de tal modo que em toda a minha paisagem reconheço o Sol que me vivifica. Então um sentimento de segurança surge na minha alma e a impressão de ser necessário prolonga a minha vida na consciência do seu sentido.

As condições da nossa vida, as intempéries corporais ou psicológicas têm a sua causa no nosso espírito e no seu modo de se relacionar com as coisas. Do olhar e da nossa atitude de alma dependerá o tempo, o clima da paisagem, a nossa maneira de ser e de estar. Se o meu olhar é puro, a paisagem humana à minha volta não perturbará o meu humor. De facto, quando estou mal-humorado vejo o mundo turvo e transmito a minha agressão ao outro que inconscientemente se encontra com ela e não comigo mesmo, e vice-versa. Geralmente vivemos no desencontro de nós mesmos, no desencontro com os outros e com o mundo. Em vez de nos encontrarmos com o outro, encontramo-nos com a sua sombra. O problema não está na aranha mas no medo que se tem dela, na própria projecção! Lamentamos o sombrio rosto do vizinho, sem notarmos que ele se encontra sob a nossa sombra.

O medo e a insatisfação são como um íman que atrai as coisas mobilizando as forças negativas. Em vez do medo é preciso dar espaço à coragem, à confiança, à energia positiva que oportunamente se mobilizará. De facto o medo, o olhar desconfiado predispõe e paralisa. O medo e a excitação desviam-nos da Realidade e roubam-nos energias impedindo o fluxo da vida. Para que as ideias se tornem forças positivas pressupõe-se a iniciativa da vontade. Se procurarmos o bem, encontraremos o bem, se procurarmos o mal encontraremos o mal. Não podemos transformar-nos em caixote do lixo dos nossos queixumes nem tão-pouco no caixote do lixo dos outros. Trata-se de abrir as cortinas do nosso espaço e do espaço dos outros para que o sol entre. Então surgirá a brisa da inocência, da bondade e do amor que tudo quer abordar e inebriar. Então o vento das preocupações e dos desejos amainarão. “Olhem os passarinhos do campo…”. Eles seguem a ordem das coisas sem as complicarem com pensamentos ou emoções. Senão vejamo-nos ao espelho ou olhemos para a pessoa amada. O amor e a paz tornam-nos mais belos! O mesmo se verifica na harmonia do rosto das crianças ou no seu olhar, no trato do dia a dia ou quando lhes damos o “bom dia” inesperado ao passar por elas. Quando o nosso amigo nos fala das suas mazelas porque as fortalecemos acrescentando-lhes as nossas? Se um Cristo abandonado me encontra, talvez eu possa ser nesse momento a sua oportunidade, a sua outra parte, o Cristo ressuscitado. Se me conheço na totalidade, e se conheço o mundo só me resta perdoar e abençoar no amor…

Antes de nós está a ideia. Ela vem do espírito que é o fundamento de tudo. A ideia é com um magnete que conduz à acção. Se mantivermos a mente jovem o corpo manter-se-á jovem. Quem trabalha com crianças facilmente notará que estas se entusiasmam pelo educador independentemente da idade ou da aparência física deste. Condição é manter-se um espírito alegre, puro e aberto. Num ambiente despretensioso, dá-se então uma osmose, uma troca de vitalidade entre corpo e alma, entre as pessoas em relação.

A companhia de pessoas soalheiras, incomplicadas e optimistas favorecerá a fluência da energia positiva nas nossas veias e nos nossos nervos. Principalmente nos momentos em que nos sentimos mais fracos. As plantas não gostam da sombra; na sombra não se desenvolve a alma nem o espírito. Para tratarmos o corpo temos que começar pelo espírito. Na descoberta do sentido seremos o médico preventivo de nós mesmos. Então o nosso biótopo será mais harmonioso e nele raiará o sol e os passarinhos virão beber e espraiar-se na nossa fonte.

As más ideias, a fixação na doença ou na morte é como um vírus contagioso que infecta o corpo e a alma. A nível psicológico, no relacionamento com pessoas, certamente que cada um de nós já fez a experiência pela positiva e pela negativa. Se a pessoa é negativa e só fala de problemas, de doenças, da maldade dos vizinhos, o nosso espírito turva-se e vamos carregados e sombrios para casa. Pelo contrário se estávamos tristes e tivemos a dita de encontrar uma pessoa positiva, vamos mais aliviados para casa. O mesmo acontece na relação corpo espírito. Se o nosso espírito é pessimista e negativo, o nosso corpo inibe-se favorecendo o aparecimento dum sintoma corporal ou espiritual correspondente.

Naturalmente que também há males corporais que influenciam o espírito e acabrunham a nossa alma. No caso de doenças hereditárias a questão complica-se, mas também aí o espírito pode vir a dominar o corpo, ou pelo menos a activar os mecanismos de defesa fortalecendo o sistema imune. Não é empresa fácil a reparação de defeitos na malha das células e dos cromossomas. Aí precisa-se de muita força e também da ajuda exterior para se não tropeçar e não se tornar vítima. O espírito está por detrás de toda a mutação. O próprio tubérculo no recanto mais escuro dirige o seu embrião na procura do sol. A mais frágil semente chega a romper a dureza do alcatrão para avistar a luz do sol. Nós, pelas mais crustas da doença ou da desgraça que tenhamos em nós, conseguiremos descobrir o sentido da vida, o sentido do espírito, se nos abrirmos a ele.

É importante fortalecer o sistema imune interior. Se quero ver o Sol deixo de olhar para a sombra. Esta apenas pode ser um momento curto que me dá a oportunidade de descobrir a direcção do sol, que se encontra na direcção contrária. O mal, o ódio, a vingança, a doença, os maus pensamentos, o pessimismo, o desânimo, a inveja são zonas húmidas e sombrias propensas a todas as doenças parasitas do espírito e da vida.

Muitas vezes andamos encandeados pela vida sendo puxados por ela como um cão pelo seu dono. A necessidade, uma desgraça, tem, por vezes, o sentido de nos acordar para nós mesmos e de nos predispor para mudarmos o estilo de vida. Com as coisas que trazemos na cabeça e com a rotina perdemos a vida. Ninguém é culpado disto ou daquilo.

Tanto tu como eu, temos uma natureza comum, somos filhos da divindade! Participamos activamente da divindade do Pai e do Filho através do Espírito em nós presente. O Espírito, o Sol está em nós mesmos. Cada acto de esperança e de confiança é uma abertura ao raio de sol a passar pelo ramalhal da tristeza e do desânimo. As virtudes maiores são a ‘fé’, a ‘esperança’ e a caridade: a harmonia no amor; aquelas preparam esta. A melhor medicina é o espírito que nos conduz ao amor. “Em Deus tudo é possível”. A doença pode ser uma ponte para nós mesmos, para os outros, para Deus em tudo e em todos.

António da Cunha Duarte Justo
“Pegadas do Espírito”, Kassel, 2008

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Curar é Santificar

O Poder da Ideia e do Espírito
António Justo
Em alemão a palavra curar tem a mesma raiz que a palavra santificar. Pressupõe uma relação dialógica íntima entre corpo e espírito. Ambos se encontram integrados numa realidade mais abrangente: a harmonia com as leis materiais e espirituais no confluir do finito como infinito. Para descobrir a causa do meu estado físico ou psíquico terei de descer ao meu interior porque lá se encontra a origem dos meus sofrimentos. Do mais íntimo de mim mesmo jorram as energias da vida. A impedi-las estão os nós provocados pelas intempéries da vida, pelo medo e pelas excitações.

Porque correr tanto à procura de fontanários, na tentativa de apagar a sede, de se curar, se a verdadeira fonte se encontra no nosso interior? Já Agostinho dizia: “Deus é-te mais íntimo do que tu mesmo”, e dele jorra a vida de que fazemos parte. Aí no encontro do divino com o humano surge a relação vital, o amor que tudo inebria. Daí jorra a santidade, o espírito que tudo vivifica e cura. O odor dos frutos, as cores das flores, o sorriso das pessoas são expressão do mesmo amor. Saúde é a harmonia da alma e do corpo mergulhados no meio divino: o oceano da ressonância do todo na vibração do nós. Neste estado mesmo os factores fomentadores de desarmonia podem ser reintegrados e purificados. Ao encontrarmos a nossa ipseidade, Deus, a vida, então tornamo-nos a sua chama, formando um todo: o eu e o tu tornam-se num nós. “Quando dois ou três se encontram em meu nome lá estou eu no meio deles”. A perspectiva da parte ao reconhecer-se na perspectiva do todo supera em si as barreiras da parte.

Doença é desarmonia, é desconhecimento, separação, é falta de vibração e de relação, é a vela sem chama. As doenças são gritos da alma à espera dum eco, dum fósforo que a acenda e crie a união. Este fósforo também pode ser uma esperança, uma oração, uma pessoa, um acontecimento, que provoque em mim um processo de abertura a mim mesmo e ao outro. Então a emoção, o sentimento de alegria produzirá no meu corpo os mesmos efeitos que o Sol provoca na natureza. A excitação exagerada pode provocar um sentimento de alívio momentâneo tal como a trovoada ou o furacão que passa; o problema são os estragos que deixa.

Se a alma sofre o corpo entra em compaixão com ela tornando fisiologicamente visíveis os sofrimentos interiores e as suas causas. Quando o sofrimento é grande precisamos dos outros, da comunidade para nos restabelecermos. Em cada um de nós se encontram mananciais de vida pura profunda à espera de serem mobilizados em nosso favor e em favor dos outros. Para isso é preciso olhar e ver também para dentro. A mente predispõe e a fé espiritual mobiliza o espírito. O pensamento e a fé são forças que nos transformam. Um pensamento aprofundado na meditação ou na oração espiritualiza-se.

Muitas moradas abertas e Xamanes esgotam-se ao tentar mobilizar as próprias forças da mente e do espírito para as transmitirem ao doente. A força curativa porém já está presente. A própria pessoa deve colocar-se em segundo plano procurando a harmonia do espírito e abrir-se à ressonância universal possibilitadora da transmissão da onda curativa. Não somos nós que curamos, é Deus que em nós cura e salva. Ao entrarmos numa relação íntima com a criação e com o criador aurimos então da profundeza do espírito comum, do nós, da força harmonizadora que nos dá acesso à fonte da santidade que possibilita a cura. A confiança no médico, no padre, no acompanhante e a atmosfera espiritual preparam o espírito do paciente para o circundar da energia curativa. Também a sugestão pode mobilizar as energias mais salutares desde que o paciente colabore e assim possibilite uma continuidade no processo de cura. “Não peques mais” e não deixes os outros pecar em ti! A esperança acompanhada dum espírito desanuviado é o melhor desinfectante, o melhor purgativo para o corpo e para a alma. Quem crê não está só!

Na ordem física o gelo exposto ao calor modifica-se. Também na ordem espiritual o contacto com o brilho do sol, escondido no nosso mais íntimo, possibilita a mudança de nós mesmos e o desatar dos nós que impedem o fluxo harmónico da energia vital universal. Tudo isto acontece sem esforço, para lá das nossas verdades, estereótipos e do nosso querer. Lá onde o eu descobre o nós trinitário, onde o nosso ser reza “tu e eu somos um”. Aí se estabelece o processo de cura e de salvação e se reconhece no Sol a força que dá energia a todo o ser e se vê, na sombra e na dor, apenas a ausência da luz.

O esvair do sol da tarde traz consigo o frio e a escuridão que nos impede de ver. O Sol da razão, por vezes é tão forte que nos impede de ver aquilo que mais de imediato nos rodeia. Também o sentimento chega a ser tão forte que impede de ver as coisas mais claras. A toupeira, que não sabe nada da luz, apenas sente o frio ou a escuridão da terra!… O ser aberto é guiado pelo coração iluminado, pela intuição. A cura pressupõe entrar no processo trinitário imbuindo o espírito e o corpo.

Também o sacramento dos enfermos terá que ter em conta as duas componentes, tal como era praxe nos primeiros cristãos. Para isso será necessária a força da ilusão e das ideias para entrar na força do espírito, para lá do espaço e do tempo. A verdade é que cura. Não há explicações físicas da medicina para o placebo, além dos problemas de explicação para o efeito da homeopatia além dos problemas da dor criada e da dor querida. A fé, imbuída numa atitude de esperança, influencia o processo da cura. Luc 18, 42:”A tua fé te salvou”. O efeito “nocebo” também produz o contrário da cura, uma fé negativa, ou a desesperança.

Naturalmente que seria perigoso tentar explicar o mal, ou a doença duma forma mono-causal ou com uma solução simplicista. Cada um acarreta não só com a responsabilidade própria mas também com a da espécie. É importante fortalecer-se o espírito para que o infecto não se alije na mente. A fé não pode ser tomada apenas como medicamento. Trata-se de não se deixar subjugar pelas ideias negativas (ideias micróbios), pela inércia, pela mediação nem pelo medo. O cérebro domina o corpo e condiciona o espírito. A cura depende duma observação exacta do estado e consciência da pessoa englobando as suas circunstâncias corporais, mentais, espirituais e sociais. A irradiação do curandeiro pode ajudar a acordar a fé curativa, a mover as energias positivas. A cura depende duma observação exacta do estado e consciência da pessoa, onde se encontra a doença e os sintomas. O mediador terá de estar preparado para corresponder à consciência e deixar-se conduzir pelo espírito que intuitivamente agirá.

Os sistemas encobrem a verdade materializando-a. A verdade é como a luz do amanhecer que vai arrumando a treva, a escuridão. Esta vê-se na dor, na falsidade, no sofrimento, na miséria.

Na oração o orador procura a verdade viva numa tentativa de afastar da realidade o manto da ausência de Deus, manto esse que, por vezes, encobre as coisas.

No processo da cura é fundamental a criação dum estado de espírito aberto ao espiritual, latente em tudo e em todos. Não se tratará de usar dum poder duma pessoa ou instituição mas de se descobrir na comunhão e em comunidade a força do carinho que nos envolve. Uns falam da força da fé, outros dum magnetismo ou fluido que no fundo tem tudo a ver com a influenciação recíproca de corpo e espírito.

A excitação da faculdade imaginativa, bem como os ritos podem criar uma predisposição para mover a força do espírito, para a entrega nele. Não se trata de curar através duma crença mas de se tornar Emanuel. Então entraremos numa consciência de tudo abençoar, de tudo perdoar. Aí o fluxo da energia divina, o fluxo do amor envolve-nos, inebria-nos e o processo curativo e santificador inicia-se. Neste estado, a causa da doença desaparece. Pressuposto para a cura do corpo é a saúde do espírito.

As nossas ideias e sentimentos têm a sua quota-parte tanto no envenenamento do corpo e a alma como na sua purificação. As nossas ideias são as sombras do espírito pelo que no exercício da cura teremos que procurar transformá-las para entrar na ressonância com o espírito. O texto, a letra matam, revelando apenas a sombra da ideia, do espírito.

Numa linguagem um pouco estática poderíamos dizer que a matéria é a sombra do espírito ou a sua ausência, numa vivência dinâmica diríamos que o espírito é a outro lado da matéria. Há uma unidade essencial entre espírito e matéria já reconhecida no mistério da Trindade. Deus é vida, amor, verdade, corpo, alma e espírito. Na incarnação o Homem enche-se de Deus.

A moral consciente, o amor ao próximo, a humanidade, a esperança envolvida são os luzeiros a alumiar o caminho da alma. No falar se manifestam metáforas do espírito, da realidade. O espírito pentecostal transforma a palavra em Jesus Cristo. Verdade é acontecimento. Tal como o sol é o centro no qual se orientam e descansam todos os seus planetas, também no ser humano o seu centro estabilizador é a alma, o espírito. Assim se conseguirá ultrapassar os limites do parecer da matéria e entrar na harmonia do ser, na ressonância do espírito. Neste sentido terá de ser feito um esforço por integrar a ciência espiritual com a ciência material, para que a fé material não destrua a fé espiritual nem vice-versa. Assim como antes da acção está a ideia, antes do físico está o espírito.

Ao magnetismo do amor que tudo vivifica corresponde o magnetismo da coesão das coisas que num equilíbrio de força centrípeta e centrífuga dá coesão às coisas. Só o amor, o espírito subsiste por si e resplandece energia; o resto é sombra. Com efeito, o espírito alonga a vista e o horizonte sem negar a matéria, tornando-a apenas transparente. Entrar na harmonia divina significa actualizar a força, a natureza de Cristo e nessa tenção curar com o amor divino na procura do verdadeiro ser. O caminho, a órbita da vida é amor. “Ide por todo o mundo e anunciai a Boa Nova, curai os doentes e amai o vosso próximo como a vós mesmos”, dizia o Mestre de Nazaré. Trata-se de clarear o espírito para que este transforme a natureza.

Precisa-se duma cultura sã imbuída do amor que, como o fogo, transforma mesmo o ferro mais duro. Onde não há amor domina a violência ou a entropia. Até a hormona amígdala premeia o hábito mesmo que este seja doloroso. Toda a fixação é contra a vida: o físico quer satisfação e a alma aspira a perfeição. Habituados ao ser da noite apreendida como sendo a realidade, já não notamos a ausência da luz. A noite é apenas a ausência de luz. O espírito terá de prevalecer sobre o corpo porque pelo espírito é que tomamos parte na eternidade. “Já não sou eu que vivo é Deus que vive em mim”, constatava Paulo.

António da Cunha Duarte Justo

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