Nova Forma de equacionar o Direito – Da Preguiça intelectual no Pragmatismo – O Porquê da Crise!
António Justo
Um pragmatismo sem horizonte ensombra uma vida cultural, sem espaço para a dimensão intelectual/espiritual. Um activismo político irreflectido leva a nossa elite política a tornar-se nos filisteus da nossa cultura ao orientarem-se apenas pelo pragmatismo e utilitarismo. Uma tal forma de fundamentar o saber cria uma realidade sem horizonte. Para a wikipédia “O filisteu não é adepto de ideais, mas apenas de propostas práticas passíveis de serem contabilizadas em melhorias para sua vida privada imediata”. Assim se dá substância ao individualismo hedonista que reduz a aspiração humana às suas necessidades básicas (alimentação, segurança pessoal e sexo) acompanhadas por uma “espiritualidade” secular reduzida ao desejo de fama, poder político e prestígio. Esta filosofia do prazer esteve na base da queda, primeiro dos gregos e depois dos romanos. Independentemente duma filosofia baseada na teoria e na empiria tudo se orienta apenas pelo saber empírico. Hoje tudo orienta por estudos “Sinus-Milieus”; o que importa não é a procura da verdade mas o interessa é conhecer a maneira de vender o seu peixe a determinado meio, diria, o que importa é a definição de estratégias no sentido do compromisso da manjedoura.
A nossa classe política, duma maneira geral, deprecia o pensamento e a arte porque se tornou escrava da agenda do quotidiano sem espaço para o bem nem para o belo. Perdida em accionismos e compromissos podres, serve-se de uma arte escura e negativa para não ter de questionar a sua acção destrutiva da cultura ocidental.
O saber hedonista e o relativismo, defendidos nos períodos decadentes da Grécia e de Roma e praticados agora pela geração pós-guerra, procuram estabelecer o divertimento como o princípio motivador do comportamento humano e social, reduzindo assim o velho objectivo da felicidade, ao prazer. Um a sociedade do mercado desregulado deixa o controle da economia e da moral à lei da oferta e da procura. A felicidade e o bem-comum, a que aspirava a velha sociedade, passam a ser reduzidos ao deleite a nível de sentidos e ao prazer individual. Por outro lado a felicidade também não pode ser limitada à auto-reflexão como quer a filosofia oriental; ela atinge-se na prática do bem, como advoga Aristóteles e no exercício do amor como ensinava o Mestre da Galileia. Na minha vida experimento o prazer não como fim mas como fenómeno acompanhante dum agir na tenção entre um tu e um eu, a satisfazer-se no nós.
Encontramo-nos na transição, de um direito teórico orientado para o ser, para um direito pragmático, orientado pela experiência do estar, um direito proveniente da prática para a prática. Este saber experiencial é diametralmente oposto ao saber de experiência feito dos portugueses do séc. XV que era orientado por uma missão civilizadora global. O saber pragmático hodierno abdica da verdade e da objectividade para dar espaço a um subjectivismo que melhor medra na anarquia e no compromisso irresponsável do laisser-faire laisser-passer, como substrato dum liberalismo economicista que tudo submete à banalidade dum quotidiano sem horizonte e à alienação duma tradição reflectida apenas à luz do utilitarismo. O espírito proletário (de um socialismo e de um capitalismo primário) estende os seus braços a todos os ramos da cultura, como um polvo implacável que tudo suga e igualiza. Em vez de procurarmos um caminho entre os métodos dedutivo e indutivo, falhamos por optarmos por contemplar um só polo da realidade.
Renuncia-se a um direito de princípios teóricos, fruto da convergência de várias civilizações, que tinha como objectivo uma sociedade justa e feliz, para se optar por um direito formado a partir da experiência adquirida na convivência do dia-a-dia e que tem como objectivo apenas uma sociedade possível. É abandonada a retorta cultural dum diálogo recíproco de aculturação e inculturação que contribuiu imenso para o desenvolvimento dos povos. No pragmatismo duma europa globalista sem missão, assiste-se a um processo de inculturação sem aculturação em que os imigrantes não são estimulados à enculturação, aquela regra bem portuguesa do “à terra onde fores ter faz como vires fazer”).
A doutrina utilitarista/pragmatista em voga renuncia ao melhor para possibilitar o agradável. Enquanto vai vivendo dos rendimentos económicos e culturais armazenados pelos nossos antepassados não é questionada; o problema surgirá quando não houver créditos a fundos perdidos!
Ao transitarmos duma civilização de cultura integrada para uma sociedade de cultura mista (entre multicultura e intercultura) abdica-se paulatinamente do melhor. Em vez de se evoluir regride-se. Estabelecem-se compromissos a nível de direito de caracter habitudinal que dão corpo a hábitos desumanos numa sociedade que já os tinha superado no tempo (eutanásia, aborto arbitrário, manipulação incontrolada do gene, concessão de direitos culturais ultrapassados a sociedades de cultura árabe, etc.).
O Ocidente depois da experiência das grandes guerras continua a viver do equívoco de afirmar a guerra justa em vez da paz justa. A experiência tem mostrado que o empirismo serve os grupos mais fanáticos que se aproveitarão das fraquezas da democracia, para com base em estatísticas imporem reivindicações independentemente da sua verdade objectiva e da sua finalidade numa ética que parta do bem-comum. Precisa-se duma teoria social, também capitalista e socialista, que tenha como ponto de partida, a nível especulativo e prático, o bem-comum. Uma norma legislativa elaborada só a partir do empirismo serviria apenas a miopia dum presente sem futuro. Continuar a seguir uma ideologia subjectivista e relativista só serve a indústria financeira capitalista e o marxismo quando se necessita uma filosofia ética integral consciente da complementaridade das partes no todo.
Não basta a experiência para a formulação da verdade e da lei moral social; ela precisa também do horizonte da teoria abstrata que lhe dá o caracter universal; não lhe chega a feminilidade necessita também a masculinidade; doutro modo passaríamos dum extremo em que dominou a “masculinidade” da inteligência para o outro extremo em que dominaria a “feminilidade”. A verdade, como a sociedade, quer-se simultaneamente masculina e feminina, o que constitui certamente um desafio. O pensamento europeu tem sido sistematicamente distorcido por fábricas de pensamento ao serviço dum cosmopolitismo de economia globalista e marxista, servindo-se para isso de um relativismo absoluto em que o que vale já não é o bem e o belo ideal que conduziu o Ocidente ao apogeu material civilizacional, mas sim a situação prática (reduzida ao enfrentamento do dia a dia) em que a sua metafísica se reduz ao dinheiro, único astro rei, na abóboda celeste económica e materialista. A ideologia e as teorias científicas têm sido confeccionadas no sentido de propagarem e justificarem um globalismo unilateral precoce. Quer-se fazer da economia o esqueleto do corpo social sem que este seja provido de inteligência. Toda a realidade precisa de um tecto metafísico e uma plataforma de equilíbrio compensatório das forças contraditórias.
António da Cunha Duarte Justo
Simplesmente brilhante.
Parabens.
Um abraço,
JPR
Excelente texto.
Mais uma vez sintome motivado a refletir sobre as razões que fizeram com que o Brasil fosse colonizado por Portugueses, ao qual muitos de nós brasileiros descendem . Não estou comentando o excelente texto que por sí sintetiza bem a fúria economica na debilitação do social. Apenas compartilho pensamentos que me vieram enquanto lia o texto.
“Acredito” (é portanto elemento pertencente à minha crença pessoal), que o povo melhor preparado em valores simples e honestos (e aqui falo das pessoas simples da população portuguesa, não de membros da realeza ou ligados às autoridades), na época dos “descobrimentos” (ou ratificação de posse, como aludem vários historiadores) era de fato o povo Português, era o melhor preparado para tal empreitada.
Não falo apenas de talento para criar cidades, enfrentar as mais diversas situações crueis que poderiam surgir, etc., falo em carater, bom coração, alegria, valores capazes de sublimar um ser humano.
Vejo no brasileiro comum uma pessoa amável, tolerante, acolhedora, sensivel, muito diferente das aberrações com que somos bombardeados pela imprensa, dia a dia, que parece ter complacencia com noticias ruins que fazem crer que o povo pouco valha. É comum a famosa frase auto depreciativa que diz: O Brasil é maravilhoso,tudo nele é bom e belo, só tem um defeito: o povo.
Afirmo isso porque o brasileiro no geral é violentado de todas as formas: é explorado economicamente, paga altos impostos sem a contrapartida e serviços, tem à sua disposição pouca instrução e saúde, possui muito pouca (estou sendo generoso!) representativa politica, etc.
E mesmo assim consegue cultivar esperança, alegria, etc.
É nisso que valorizo Portugal e seu incrível povo, pois na alma brasileira podemos encontrar o melhor de Portugal.
Abraços ao sr. Antonio Justo e aos demais participantes,
Vilson
in Diálogos Lusófonos 15.10.2015
Caro amigo Vilson,
Tem razão na alma do povo brasileiro também floresce a alma portuguesa, aquela alma dos arrais e das festas que luta pela vida e embora alimentando chulos, é violada no corpo mas permanece ilesa no espírito.
Sim, na Altura Portugal era o país na Europa com maior longevidade em questões de unidade política. Era um país onde povo e governação eram unos na realização da nação. Enquanto outras nações europeias se encontravam em lutas de supremacias e de colonização interna, Portugal encontrava-se independente e soberano para poder, como primeiro realizar os ideais da cultura europeia. Foi ele que iniciou a globalização. Como vivia em paz pode dedicar-se à ciência e reunir em Portugal os corifeus da ciência de então. Tornou-se a nação mais avançada da época em ciência e tecnologia de navegação (Caravelas e técnicas de orientação através do firmamento que os ingleses depois copiaram). Na altura Portugal tinha uma população de milhão e meio de habitantes (a Espanha cerca de 5 milhões, a França 7-8 milhões). Entregou-se, de alma e coração, à sua primeira motivação que era a evangelização, acompanhada de interesses económicos. Fê-lo na ingenuidade de povo financeiramente pobre que lutava contra o poder árabe e pouco depois sofreu a concorrência brutal duma Inglaterra, Espanha, que se aproveitaram da sua tecnologia e experiência ultramarina. Naturalmente como eram fortes puderam impor-se. A grande força de Portugal era manter o sentir popular, devido à proximidade de povo e nobreza rural.
O grande desastre nacional começou principalmente com as invasões francesas (1807-1810). Muitas das mulheres portuguesas foram violadas pelos soldados franceses e o espírito estranho violou Portugal arraigando-se nas instituições. A partir daí iniciaram-se as rivalidades entre grupos de interesse (muitos deles ‘estrangeirados’) que se apoderaram de um Estado fraco transformado em bordel para o prazer de alguns. A crise actual é o resultado dum espírito desumano. Os chulos apoderaram-se das instituições e desde então afirmam-se cinicamente sob o tecto de um Estado transformado em harém. A alma portuguesa da altura dos descobrimentos foi devassada e encontra-se errante no povo, na simplicidade da província portuguesa e brasileira. Os aliados aos invasores napoleónicos são aqueles que hoje servem interesses anónimos adoptando a desculpa do povo e do pragmatismo anti pessoal e anti nacional.
António Justo
No comentária anterior onde se lê arrais leia-se arraiais!