BOA PÁSCOA! SOMOS FEITOS DE LUZ E TREVA, ALELUIA!

Queridos Leitores e Amigos!

Neste tempo de quarentena em que se vive sobretudo sob o manto das estrelas noturnas, somos levados a ressaborear o Sol da vida que a luz do dia, até há pouco, nos oferecia. Este anoitecer talvez nos ajude a admirar a outra parte de nós que é a do céu estrelado em que o Sol do nosso dia repousa.

A vida é feita de dia e noite, daquilo a que chamamos bem e mal,  e nós também! No declinar das certezas notamos que permanece a luz da esperança, aquele raio de luz que une o eu ao nós.

No Mestre da Galileia, temos o exemplo dessa mistura de noite e treva, de sexta-feira santa e de domingo de ressurreição: temos a mistura de terra e Céu, de que todos nós somos formados e de que Jesus Cristo é também protótipo. Daí sermos vida em processo, vida feita, toda ela, do eu e do nós. (Quando sofremos sofre o mundo em nós, quando sofremos o vigor da maldade alheia também sofre a sombra da nossa em nós).

O tempo de crise viral que passamos é um momento da nossa vida, um momento de “Sexta-feira Santa” a que falta acrescentar o Domingo de Ressurreição. O Domingo da semana permanecerá ainda rodeado pela esperança da realização completa.

Pelo que verifico em mim, o difícil da vida é conseguirmos integrar em cada um de nós o todo, o todo da Semana Santa que é feita Sexta-feira e Domingo de Páscoa. O mesmo se  pode ver também na analogia da natureza com as quatro estações do ano (inverno, primavera, verão e outono), na vida trata-se de reconhecer e de integrar pessoalmente em nós mesmos o todo integral. Então o encurralamento em que nos encontramos não será tão limitador porque nele temos já o gene divino, as janelas e as portas de que possuímos as chaves.  Então cada um de nós se poderá tornar numa porta ou numa janela aberta em que raia a luz da esperança mesmo nos momentos mais tenebrosos da escuridão. Somos feitos de Céu e Terra, de divino e de humano, e para lá das crenças vamos ajudar-nos uns aos outros a não esquecer o Céu comum a todos nós.

Somos feitos de luz e treva e no reconhecimento da própria treva estaremos mais irmanados e mais preparados para vislumbrar a luz que brilha em nós e nos outros. Somos feitos de noite e dia e a nossa consciência de ser torna-se possível, porque o ser só é ser, só acontece na complementaridade e como tal é de encontrar em todas as partes e não numa só parte (o existir do ser, tal como a moeda, só o é na expressão de duas faces!); creio que esta dicotomia do existir no ser (sombra e luz, terra e céu) só poderá ser sublimada através do amor, da com-paixão e da consciência de se ser parte no todo; e isto num todo a servir-nos e cada um de nós a servir o todo. Neste sentido serão transpostas as incompreensões e inimizades pessoais e sociais e também a luta escura entre os partidos se tornará diferente.

Desejo a todos uma Páscoa saboreada à sombra da Semana Santa. Se não fosse a luz não víamos a cruz e se não fosse a cruz não existiria a vida. Somos feitos de luz e treva, cientes de que o nevoeiro do dia (humildade) nos permite pressentir a beleza das cores que a vida encerra. De facto, o brilho das cores do arco-íris só é possível e reconhecido no fundo pardo da atmosfera!

Se não fosse a luz não víamos a cruz! Se não fosse a noite não víamos o dia, se não fosse o dia não sentiríamos a noite. Importante é reconhecermo-nos e aceitarmo-nos do sermos feitos do que somos e do como somos.

Para todos, família e amigos, uma Páscoa feliz e que o sol da ressurreição nos vá iluminando a sexta-feira santa desta quarentena forçada que estamos a viver.

Jesus resurrexit sicut dixit, Alleluia! Para os que não creem podem saborear a simbologia que a tela da vida nos proporciona. No fundo, o que importa será ficarmo-nos pela luz do amor que em todos brilha.

Um grande abraço para todos

António da Cunha Duarte Justo

Teólogo e Pedagogo

Pegadas do Tempo

COVID-19: À SEMANA SANTA SEGUE-SE A PÁSCOA

Tocam as Sirenes a lembrar o Tempo de voltar para Casa

António Justo

Na natureza nada é tão mau que não seja também para algo bom. Isto segreda-nos a voz da natureza através da razão num momento em que os nossos sentimentos ao rubro bradam aos céus.

Fizemos da ilusão realidade e agora a realidade natural ou criada desilude-nos porque nos julgamos ou julgávamos ser senhores dela. Um facto é que se não fosse a morte estaríamos condenados a viver na e da ilusão.

Vivemos numa pausa obrigatória em que o homem respira pior e a natureza respira melhor. Os rios são mais claros, o ar mais puro, nós temos mais tempo porque o relógio deixou de ter poder sobre nós.

É tempo de voltarmos para casa e resta saber o que fazer com o tempo. Agora temos a oportunidade de ouvir e sentir a revelação da natureza e a revelação cultural que se encontra especialmente explicita no Novo Testamento. Nele encontramos sentido, força, esperança, consolo e reconhecimento.

À Semana Santa segue-se a Páscoa. Com a ressurreição a morte perdeu e o mundo ganhou sentido ficando virado de cabeça para baixo.

O respeito pelo coronavírus, o medo pelo nosso futuro económico e social, as informações e contra informações e as infrações, possivelmente justificadas na nossa democracia pelo decreto do estado de emergência, criam em nós um sentimento de insegurança e de impotência.

Chegou o tempo de estarmos alerta e é tempo da sintonia e não de imagens inimigas estimuladas ou propagadas. É chegado o tempo de nos unirmos e de juntarmos forças, na consciência que todos fazemos falta para alguém. É verdade que não será fácil, na vontade de sermos solidários com alguém, não sermos levados na avalanche de algum tipo de vírus que circula. A falta de humildade leva-nos a ordenar rigidamente as coisas e até a condenar sem termos tempo para socorrer-nos do discernimento.

Agora, que ouvimos também toda a natureza a sofrer, sofremos por ela sofrer e sentimo-nos mais chamados a levarmos um estilo de vida mais humilde e em sintonia com todos em vez de corrermos atrás de possíveis culpados ou de explicações que levam a nossa mente a marcar passo para não nos mudarmos e assim continuarmos a ser levados na corrente de hábitos adquiridos ou difundidos. Num tempo propício para prepararmos mudança seria fatal ficarmos fixados em nós mesmos, numa maneira estática de ver e de pensar.

 

De facto, num tempo em que a reflexão, a solidariedade e a ciência nos devem iluminar não fazem sentido meros discursos políticos ou de perspetiva individual: o Homem no seu ser de pessoa é que é o centro da questão.

Em tempos de crise, tudo vem à mente e não será também de esquecer a frase que Nicolau Maquiavel escreveu: “Mas a ambição do homem é tão grande que, para satisfazer uma vontade presente, não pensa no mal que daí a algum tempo pode resultar dela. “

O momento da Páscoa está a chegar; aquele momento, aquele dia em que o mau humor dá lugar à bonomia, o modus do aborrecimento e da desconfiança deixarão de estar em Standby, em cada um de nós.

Muitas vezes deixávamos correr o dia e o dia corria connosco entretendo-nos com decisões aparentes. Vamos aproveitar todos para fazer de toda a semana Domingo, o dia em que não há medos e em que realmente somos livres.

António da Cunha Duarte Justo

Teólogo e Pedagogo

Pegadas do Tempo

A EXORTAÇÃO PÓS-SINODAL “QUERIDA AMAZÓNIA” QUER UMA IGREJA MAIS FEMININA E MENOS CLERICAL

Nem Sacerdotes casados nem Diaconisas

Por António Justo

A carta de Roma travou as expectativas dos reformadores que punham as esperanças de renovação da igreja apenas na reforma de funções clericais (celibato frouxo e ordenação de diaconisas).  O Papa com a sua Exortação “Querida Amazónia” advoga, contrariamente aos reformistas, uma reforma a partir da base. Para o papa, certamente que não se trata aqui de masculinizar as funções da mulher, mas de feminizar a praxis eclesial. Neste sentido o apelo dirige-se às igrejas locais para que criem mais espaço para as mulheres e deem resposta aos problemas das pessoas. Quer menos clericalismo e mais leigos em missões de responsabilidade.

Depois do susto provocado pelo documento final do Sínodo Amazónico que tinha, por um lado entusiasmado os progressistas e por outro colocado em estado de alarme os mais conservadores, chega agora a posição magisterial do Papa no sentido moderado mas aberto; facto é que a exortação, ao não se referir direitamente aos temas do documento final do sínodo amazónico, relega-os para uma questão longínqua de moral local. A reação natural dos apologistas das conclusões do sínodo amazónico será tentar colocar novamente, ao nível central de Roma, a questão do celibato e da ordenação de diaconisas.

Num tempo de confusão social em que os sentimentos epidérmicos e um progresso social forçado têm travado a capacidade de análise e de reflexão, talvez não venha a despropósito o facto da Igreja Católica se contrapor ao mainstream da moda e do Zeitgeist que pretende levar tudo na enxurrada. O atuar da Igreja também não pode ser reduzido a um estado de consciência europeia temporal. E como bem diz a sabedoria popular portuguesa: “devagar se vai ao longe”!

Nesta exortação sobre o sínodo dos bispos das amazonas, o Papa Francisco manifesta-se muito mais reservado que em exortações anteriores; na exortação “Querida Amazónia” verifica-se que as ondas mais centradas na acentuação da pastoral (numa igreja de cunho nórdico e da teologia da libertação) são enfraquecidas em favor da doutrina tradicional (de cunho mais latino). Também Francisco deixa a entender que a atual consciência eclesial não quer uma igreja católica protestantizada. Os progressistas que advogam o fim do celibato e defendem a ordenação de mulheres têm de recuar nas suas pretensões.

O melhor sinal disso pode ser verificado na decisão do Cardeal Marx, um dia antes da Exortação ser publicada.  O atual presidente da Comissão Episcopal da Alemanha, Cardeal Reinhard Marx, que se encontrava à frente dos reformadores na Alemanha, anunciou a renúncia à sua recandidatura para presidir à Conferência episcopal; a eleição está prevista para março. Para os reformistas foi um desengano; na Alemanha o movimento “caminho sinodal” (“Synodale Weg“) do processo de reforma que tinha como objetivo o relaxe do celibato e a ordenação de diaconisas perdeu o seu sentido.

Antes da apresentação da Exortação “Querida amazónia” o Papa já tinha indiretamente manifestado que não queria a clericalização das mulheres, explicando: „Na minha opinião, lemos a questão feminina e a questão do sacerdócio em termos funcionais, esquecendo que, em termos de importância, Maria tem um papel e uma dignidade superior à dos apóstolos” e que “o celibato é uma graça decisiva que caracteriza a Igreja Católica Latina”.

Além disso, o voto de castidade também é comum em personalidades com funções noutras religiões, por exemplo no budismo. O celibato é sinal e expressão do chamamento que o candidato sente. Abolir o celibato não seria certamente uma solução como se pode constatar nas igrejas evangélicas onde há falta de pastores, embora os pastores e as pastoras sejam casados. Importante seria que o celibato fosse apenas a forma exterior de uma entrega especial a Deus e ao seu povo.  Texto completo de “Querida Amazónia”, que se dirige “ao povo de Deus e a todos os homens de boa vontade “, em nota (1).

O pontífice apela à proteção ambiental e a um novo impulso missionário e a uma maior responsabilidade para os leigos nas comunidades eclesiais: adverte que a conservação da natureza não deve preocupar-se apenas com o meio ambiente, mas também com as pessoas da região. Francisco denuncia “injustiça e crime” (9-14), ou seja, a destruição ambiental e a ação impiedosa contra o povo da Amazónia por “interesses colonizadores” e solicita que se deixem “os pobres terem uma palavra a dizer”. A “colonização pós-moderna” deve ser combatida, as “raízes” (33-35) devem ser protegidas; condena “a visão consumista do homem” que tende a “uniformizar as culturas”. Cita poetas entre eles Pablo Neruda: „eles ajudam-nos a libertar-nos do paradigma tecnocrático e consumista que sufoca a natureza e nos rouba uma existência verdadeiramente digna”.

Rejeita a internacionalização política da amazónia, vendo a solução apenas na crescente responsabilidade dos governos nacionais. De facto, na amazónia há muitas ONGS que trabalham no sentido de interesses de potências que desejariam para si o poder sobre a Amazónia.

No último capítulo adverte que não se deve desligar a “mensagem social” da missão espiritual e que os povos da amazónia têm “direito ao anúncio do evangelho”, doutro modo “toda a estrutura eclesial se tornaria apenas em mais uma ONG”.

Apela à inculturação da espiritualidade cristã nas culturas dos povos indígenas que se devem refletir também na celebração do serviço litúrgico: “Isto nos permite retomar na liturgia muitos elementos da intensa experiência da natureza dos povos indígenas e estimular suas próprias expressões nos cantos, danças, ritos, gestos e símbolos”.

Defende a criação de novos serviços eclesiais para as mulheres, que devem ser reconhecidos publicamente pelos Bispos e que envolvam a participação no poder de decisão nas comunidades (criação de novos “serviços e carismas femininos”). Não faz referência ao documento conclusivo sinodal editado em outubro 2019, mas convida a que o documento seja lido na íntegra (isto poderá ser um sinal de que a discussão poderá continuar a nível regional). Francisco segue a linha dos papas anteriores limitando-se a convidar à valorização do ministério diaconal e do serviço das religiosas, leigos e leigas, pedindo novas formas de liderança e mais missionários.  

© António da Cunha Duarte Justo

Teólogo

In Pegadas do tempo

 

 

CULTURA DA CULPA E DO CASTIGO – O FLAGELO QUE DOSTOIEVSKI NÃO ACEITOU DA EUROPA

 

Culpabilização da Cultura ocidental na Agenda do politicamente Correcto

Por António Justo

Depois da II Grande-guerra, as forças de ocupação aliadas implementaram programas de reeducação dos alemães, para fomentarem no povo vencido o sentimento de culpa da guerra.  Esta pressão mediática ainda a senti como estudante estrangeiro nos anos 70 (e posteriormente também) ao verificar que as TVs e outros meios de comunicação social, todos os dias, falavam das tiranias nazis na guerra; também as aulas de História se transformavam, por vezes, em pedagogia educativa tematizando sobretudo a desumanidade da guerra e do nacional-socialismo de Hitler. Perante tal insistência mediática cheguei a ter a impressão que os alemães tinham medo deles mesmos. (Não sou contra o cultivo da memória histórica como meio de aprendizagem e de aferimento do presente, o problema está em encontrar uma via justa do meio termo sem que se chegue a instrumentalizar nem a História nem as pessoas). Facto é que o programa de reeducação dos alemães levou a Europa à cultura da culpa histórica.

O complexo de culpa alemã e a escola de Frankfurt contribuíram para o fomento da culpabilização do passado europeu. Na ordem do dia político-social ocidental revelam-se como temas prediletos, o colonialismo europeu, a escravidão europeia e outros males que questionem as próprias raízes Históricas; isto nem daria nas vistas se estes problemas não fossem tratados unilateralmente como problema específico da cultura ocidental; o pensar politicamente correto investe assim no seu rendoso negócio com a culpa moral e política. Sabe que uma vez instalada a dúvida, esta castiga. Nota-se que a agenda política internacional de fomento da cultura marxista anti-ocidente tem grandes cabeças ao seu serviço conscientes que, a nível socialm, se torna muito mais eficiente mover a emocionalidade das populações do que usar a racionalidade.

No âmbito das nações unidas e de organizações internacionais segue-se a agenda de contraporo remorso, a vergonha e a culpa” às grandes aquisições da cultura ocidental. 

É próprio da lógica do poder não aceitar as próprias sombras que combate nos outros! Se assumissem o bem e o mal, também em si, tornar-se-iam mais moderados e fomentadores da paz.

Também em Portugal se quer instalar um ensino da História penitenciada, (1)  com acentuação no negativo da História e que favoreça o aspeto rebelde de ativistas, aquilo a que chamam as “questões socialmente vivas”( a escravatura); querem ver manipulada neste sentido a nova disciplina de História, Culturas e Democracia, do 12º ano. Querem uma interpretação da História que os legitime e sirva. Servem-se das universidades e da política para melhor colonizarem o pensamento ocidental para, sub-repticiamente, se irem tornando nos donos disto tudo.

Há que impor a emocionalidade contra a racionalidade na formação dos alunos passando os acusadores da História a fazer o seu negócio. Por outro lado, a culpa, desde que reconhecida, não legitima ninguém (o outro) a usá-la como crédito de autoafirmação perante o concorrente ou como justificação moral perante o outro. A culpabilização impede a expiação da culpa assumida sob a forma de responsabilidade.

De facto, para criarem no povo uma responsabilidade coletiva alemã, identificaram os nacional-socialistas com o povo alemão.  Porém, uma coisa é a culpa real e outra, os sentimentos de culpa criados. A culpa coletiva não pode ser assumida individualmente porque é atribuída ao grupo pelo facto de se ser membro dele (um mero assumir de responsabilidade por algo exterior ao próprio). No fundo, a questão da culpa coletiva alemã reduz-se a um assunto de perguntas sem respostas. Foram criados sentimentos de culpa nos vindouros alemães por uma culpa pessoalmente não cometida: isto pode originar reações precisamente no sentido oposto. Em questões de ética poder-se-ia aqui distinguir entre uma culpa moral e uma responsabilidade política; a culpa moral é decidida pela consciência. Que a Alemanha, por uma questão de responsabilidade coletiva histórica esteja “do lado de Israel” é muito natural, mas, que seja usada como refém no discurso político devido a uma culpa herdada, não é justo; isso deveria pertencer a padrões de pensamento autoritários já ultrapassados.

É verdade que, como diz o presidente alemão, “Os criminosos eram pessoas. Eles eram Alemães!” , ou melhor pessoas alemãs; um discurso que pretenda tornar-nos imunes contra o mal terá que reconhecê-lo individualmente em cada um de nós, como pessoas e não como membros de um Estado. Há que distinguir um discurso político e do poder, de um discurso ético individual. De facto, o segredo da salvação está na memória (por isso a igreja católica celebra no ritual da eucaristia a memória) mas o cultivo da memória não pode ser apenas aproveitado para gerir a história, mas principalmente para implementar a reconciliação. De resto, o mal e o bem são constantes, quer individualmente quer socialmente.

Os nazistas procuraram desumanizar os judeus atribuindo-lhes números (Tatuagem) em vez do nome e hoje corre-se o perigo de se desumanizarem grupos (os concorrentes da praça pública). Não é legítimo que os moralistas dos opostos partidários agitem o povo na praça pública com a chibata da própria ética como se fossem os cães de guarda de um rebanho que politicamente lhes pertencesse.

A solução antecipada em “Crime e Castigo”

O Romance “Crime e Castigo” de Dostoievski é um ponto alto da literatura mundial que li aos 18 anos e me ficou gravado na memória como uma parábola da vida. Por muito diferentes que sejam os caminhos que percorremos sempre nos deparamos com a realidade que Dostoievski tão bem soube descrever num género mítico universal.

Os pensamentos iluministas, que legitimaram a ação assassina do protagonista do romance Raskolnikow, não contaram com a consciência russa que o perseguiria, depois do ato sangrento.   Para ajudar sua mãe pobre e para ter dinheiro para financiar os próprios estudos, Raskolnikow deixou-se levar pelo ódio e matou a penhorista usurária no sentimento de que com o seu assassínio vingava a injustiça que grassava em Petersburgo. O inicialmente socialista Raskolnikow fazia parte dos que queriam importar o ateísmo e o racionalismo Iluminista europeu para a Rússia. Ele assassina a mulher em nome da razão e do progresso.

Contudo, a sua consciência russa cristã permanece indelével nele sobrevivendo à ideologia materialista racionalista; finalmente, no cativeiro, reconheceu a humanidade do cristianismo que leva a sério o Homem todo.

A brutalidade cria desespero e frieza de coração no herói do romance. A prostituta Sonja que se prostituiu para alimentar a família, representa a miséria social de Petersburgo (é interessante ver como Raskolnikow, perante a injustiça social, se torna cúmplice com a injustiça usando também ele da violência como meio de a vingar  e, por outro lado, Sonja (a alma russa) assume as consequências da injustiça em si mesma ao adotar o papel de prostituta para saldar a injustiça de que ela e a família eram vítimas). É encantador ver como o companheiro de Sonja, no cativeiro, vai aprendendo a questionar o seu comportamento agressivo (a ideologia) e a sentir a necessidade de mudança. Já o matemático e físico Blaise Pascal constatava: “O coração tem razões que a própria razão desconhece”.

É fantástico verificar como Dostoievski, em “Crime e Castigo” equaciona, nos dois protagonistas (Raskolnikow e Sonja), o problema da injustiça e da culpa e também a questão entre a ideologia modernista (estrangeira) e a mentalidade russa cristã.  A condição para se perdoar a si e aos outros pressupõe a consciência de que somos falíveis (virtude da humildade).

Consequentemente, Raskolnikow escolhe Sonja para lhe revelar o segredo do seu assassínio e ela ensina-lhe o caminho não só da confissão da culpa, mas sobretudo do reconhecimento dela para, assim se poder libertar da culpa. Por fim, no cativeiro, Raskolnikow e Sonja aprendem a amar-se e casam-se; deste modo Dostoievski resolve a questão da culpa e da expiação, de modo sublime, advogando para tal o espírito cristão.

O pecado original da humanidade (espécie de culpa coletiva) no pensamento cristão implica o assumir-se como pessoa portadora de bem e de mal. De facto, o mal moral não pode ser reduzido apenas a uma deficiência da matéria, mas sobretudo a uma desordem na liberdade humana (como defende a doutrina); a pessoa na qualidade de ser membro do género humano que também é pecador, assume-a também, mas na consciência de que já se encontra remida por Cristo. Um resto de culpa individual assumida é saldada através de expiação-penitência-perdão na plataforma da graça de Deus (redenção e remissão). A expiação e o perdão andam juntos; o arrependimento, no sentido católico, também paga o débito originado pela culpa. O reconhecimento prepara a mudança de atitude porque a ideia leva à ação.

A velha luta continua

A ideologia atualmente predominante de caracter iluminista materialista (socialismo radical) procura materializar a culpa histórica da Europa de maneira a poder tornar refém  a atual  cultura ocidental e instrumentaliza-la para implementar uma cultura ideológica própria!  Como filhos de um iluminismo exacerbado dão prioridade à lógica do poder como substituto dos princípios éticos.

A Alemanha é certamente o país que historicamente mais se penitenciou pelas barbaridades nela cometidas durante as guerras mundiais e em especial pelos crimes do regime de Hitler.

Assim, muita gente de ânimo leve interessada no derrotismo e para agradar procura esconder o próprio complexo de culpa, optando por temas de tensão colocando, para isso, na ordem do dia, assuntos culpabilizantes, como nazismo, islamofobia, escravatura, colonialismo, inquisição; temas do género são depois exageradamente papagueados por multiplicadores da política e do jornalismo no estilo de Pilatos; deste modo impede-se uma abordagem racional dos factos.

Em alguns meios sociais da Alemanha, após o nazismo, propagou-se um certo masoquismo (auto-castigo) que levou muitos alemães a satisfazer o seu complexo de culpa na negação da própria nacionalidade (ter vergonha de ser alemão!).  Este sentimento de culpa penhorado tem sido aproveitado para fomentar uma consciência europeia de cultura culpada; a ser sempre confrontada com o medo e a insegurança no horizonte de culpa nevoeirenta que não deixa ver o sol nem o amanhecer em si e o leva a procura-lo fora ou a viver na dúvida.

A Subtileza da Argumentação culpabilizante

Uma Europa complexada pelas maiores barbaridades da História europeia (Estalinismo e Nazismo) facilmente se tornou refém da culpa e dos que entenderam fazer dela o seu negócio.  Os ativistas internacionalistas reduziram a culpa à Alemanha capitalista e deste modo conseguiram alargar o sentimento de culpa a todas as nações da Europa (consideradas imperialistas e capitalistas), como se um problema alemão fosse necessariamente o problema europeu.  De facto, uma vez confinado o delinquente, torna-se fácil à ideologia marxista a demarcação da sociedade num mundo dos bons e inocentes, no mundo dos maus, os outros!

Cria-se uma lógica da culpa, um ciclo vicioso que dá razão a quem culpabiliza. O poder da lavagem cerebral social parece até atingir cérebros pacatos que passam a argumentar que os males que outros cometem são justificados porque nós já fizemos o mesmo ou até pior. Há-os que consideram a invasão islâmica como um castigo merecido e aceite como expiação dos pecados da Europa na História; outros mais positivos constatam que uma Europa habituada a superar crises também superará as crises atuais.

O pensar politicamente correto fala da culpa dos outros como se a Europa não fosse todos nós; cria-se um discurso destrutivo – de ativistas ilibados – que fomentam uma Europa de cultura dividida numa Europa dos bons e numa Europa dos maus.

Seria um absurdo tornar a cultura europeia no bode expiatório da má conduta doutros povos, mesmo pelo facto de muitos carenciados se refugiarem nela; mas para que a política não seja atestada de culpada então terá de passar a investir no desenvolvimento económico desses países porque o desenvolvimento de um povo não depende de apelos morais. Tanto o capitalismo exacerbado como o socialismo marxista são o problema e não a solução.

A ideologia racionalista não tem problema em matar em nome da razão e do progresso; como não acredita no Homem aposta na troica de um Estado marxista reduzida a uma luta de interesses por interesses. Por isso no romance “Crime e Castigo” a solução não vem do iluminismo nem do socialismo que o protagonista primeiramente advogava como meio de acabar com a miséria.

Uma viragem histórica responsável virá do ressurgimento moral individual que um dia atingirá os lugares altos da sociedade. Dostoievski acreditava que somente o cristianismo, levava o Homem a sério em todas as suas dimensões e, como tal, podia salvar a Europa da raiva cega do pensamento racionalista, económico e nacionalista.

O velho nacionalismo jacobino e o materialismo iluminista  encontram-se hoje expressos em ideologias do bota abaixo e no comportamento de muitos ativistas sociais. Com a sua contínua luta e protesto pela vida negam a própria vida. No dizer do cabaretista Kindler “As emoções negativas são a força motriz do movimento”.

© António da Cunha Duarte Justo

Teólogo

In “Pegadas do Tempo”

(1) https://observador.pt/opiniao/a-leitura-emocional-da-historia/?fbclid=IwAR14_i33vejwi_4eiYhsXFElJgivc8yzuOxgSGOGdfYijuPEKuHcpx2FxSk

 

A MODO DE BALANÇO ENTRE A ERA DA ENERGIA FÓSSIL E A ERA DA ENERGIA RENOVÁVEL

Na Passagem da Era do Petróleo e do Carvão para a Era das Energias renováveis

Por António Justo

Com 2020 iniciamos um ano redondo de fim de década, o que convida a fazer uma tentativa de balanço sobre o passado e o que nos espera no futuro.

Como pontos relevantes de referência básica temos a primeira guerra mundial que iniciou o fim das nações na qualidade de potências individuais. Temos o comunismo a tornar-se no elo de ligação e coerência que deu expressão mundial à União Soviética como grande potência que hoje se prolonga na influência ideológica; por outro lado os USA com o capitalismo que deixaram de ser apenas um país para se tornarem na superpotência mundial, a partir da sua intervenção na I e II Guerra mundial. Ficaram assim a atuar no subconsciente dos povos e nos bastidores do palco mundial, de um lado, o capitalismo americano e do outro, o socialismo facetado.

A uma Europa enfraquecida pelas guerras e reduzida ao mero âmbito de nações, para poder sobreviver em relação aos USA, à Rússia, às potências surgentes da Ásia só lhe resta a alternativa de se organizar através de convenções e contratos na União Europeia.

À II Guerra Mundial seguiu-se o grande crescimento económico europeu, tendo dado origem ao maior período de paz na História da Europa e consequentemente houve um grande desenvolvimento no que se refere aos direitos humanos, responsabilidade social, espírito democrático, liberdade de imprensa e de mercado e à revolução tecnológica em via.

Temos pela frente o grande dilema climático e a necessidade de produção de energia sem base no carvão e no petróleo (grande problema tecnológico a solucionar será o do armazenamento de energia em baterias) para apostar certamente no desenvolvimento e construção de reatores de fusão à base de hidrogênio, como os ingleses já procuram fazer.

Como a vida social e política costuma andar atrelada à económica, tudo dá a entender que, no futuro, as zonas geradoras de riqueza e de conflitos passarão do Ocidente para o Oriente, como se observa na afirmação mundial da China em relação aos USA. As tempestades económicas são sempre acompanhadas por devastações sociopolíticas.

A destruição do Globo não tem que acontecer, talvez as nossas esperanças se encontram mais flutuantes nesta era muito caracterizada pela mudança e pelo receio do domínio de “dinossauros „económico-políticos.

Já não serão as políticas nacionais a determinar o desenvolvimento das regiões, mas sim grandes empresas anónimas (Google, Apple, Facebook, Amazon, Tencent, Alibaba, Visa, AT&T e outros que surgirão, chamarão a si as atenções e os interesses); estas concorrerão entre elas na tentativa de concentração de capitais e de poder ao lado do poder ideológico político na disputa comum pelo domínio das grandes massas.

A inovação tecnológica necessária, se acompanhada por uma cultura do senso comum e da honestidade, prometerá um futuro melhor e ainda mais agradável do que o de hoje. Para isso seria necessário que os valores surgidos da civilização judaico-cristã e greco-romana (baseados em relações pessoais humanas) não sejam substituídos por relações individuais baseadas no útil comercial (influência asiática).

A vida é contínua mudança e a plataforma que lhe dará consistência e sustentabilidade é a fé/esperança que nos acompanha no caminho, não nos deixando ficar sozinhos! Um povo, que não cultive a fé e a esperança, patina em si mesmo e não avança.

A esperança assemelha-se ao nadador que, para se afirmar em frente, se apoia na resistência que lhe oferece a fragilidade da própria água que o sustem.

A atitude da classe política europeia ao transpor para o povo o peso das dívidas e ao reservar para as elites o luxo descomunal, fomenta assim a chamada reação do “populismo” e dos ‘coletes amarelos’; estes são muito sensíveis à mudança axial que paira no ar e de que muitos ainda se não deram conta e por isso se limitam, por vezes, a discursos do medo do medo!

O Brexit pode ser interpretado como uma reação de medo no mesmo contexto e também um sinal da falta de coesão de uma Europa envelhecida incapaz de dar respostas de caracter orientador e de sentido para o tipo de nova sociedade que vai surgindo (O Papa Francisco poderia servir de modelo para o novo homo politicus que urge criar – as peias ideológicas impedem, porém, os políticos de reagir aos sinais do tempo. A mentalidade extremista e exclusivista de uma esquerda ativista e de extremistas da direita mais não são que a continuação do fanatismo das antigas guerras de religião só que encoberto com indumentárias de democracia e de luta em nome de algum bem desgarrado.

Pelo seu lado, o mundo do operariado do sector produtivo sente-se inseguro perante a inteligência artificial que o vai arrumando pouco a pouco. O capital que o trabalhador possuía era a energia do seu trabalho manual sublimado no Dinheiro. Atendendo à dicotomia entre economia produtiva e a economia financeira e correspondente anulação dos juros, desvaloriza-se também a energia laboral do trabalhador em benefício da energia das máquinas e do anónimo. As inovações tecnológicas já se fazem sentir também no clima dos trabalhadores e seus receios em relação ao futuro; cada vez se torna mais seu anseio serem funcionários do aparelho estatal.

Por seu lado, as elites já incluem no seu agir a instabilidade social e o incómodo social; elas vão dando um passo de cada vez, tendo assim já abdicado da História.

Embora a pobreza mundial diminua, nunca houve uma época com tão grandes desigualdades sociais como a de hoje: regentes e oligarcas permitem-se a nível de salários e de gestão da vida (energia desviada) o que não se permitiam reis em relação aos seus súbditos: hoje estamos a ser cada vez mais burilados, através também do pensamento politicamente correto, como massa súbdita e anónima na grande máquina da anonimidade económica e política, que vê o seu trabalho simplificado através do controlo total de tecnologias e cabecilhas.

Estamos a passar do século do petróleo para a era das energias renováveis… O expansionismo económico chinês em rivalidade com o americano obrigar-nos-á, pouco a pouco, a desquitarmo-nos do domínio americano e também de muitos dos valores da sociedade ocidental. A não ser que o poder asiático se torne tão forte que provoque a união dos povos do ocidente com a Rússia.

Por enquanto a sociedade ocidental encontra-se numa fase de desconstrução não só por fraqueza própria, mas pela concorrência de novos protagonistas mundiais e por interesses estratégicos da ONU, interessada em desvalorizar a influência cristã no mundo no sentido de adquirir o controlo total sobre as sociedades para ir substituindo a concepção cristã da pessoa pela de indivíduo da China (relação mais de serviço). Se olharmos para os dados estatísticos do desenvolvimento económico dos países neste século, será de esperar que depois dos anos 70 já não será relevante a problemática política e económica entre a China e os USA, mas sim entre a China e outros países asiáticos.

© António da Cunha Duarte Justo

Pegadas do Tempo