O DALAI LAMA NO BARCO DO MAINSTREAM

Contradições no Pensamento do Líder religioso tibetano

António Justo

O livro “Um Apelo ao Mundo – O Caminho da Paz em Tempos de Discórdia”, do Dalai Lama e Franz Alt, pretende propagar mundialmente uma nova ética secularista que ultrapasse culturas e religiões, no sentido e espírito da política das Nações Unidas. Percebe-se, pelo seu teor, a intenção de conectar o “politicamente correcto” com o budismo monista (1) para assim melhor espalhar um programa mundial “urbi et orbi”, sob a bênção de sua santidade o 14.º Dalai Lama, como se tal programa fosse a receita para a resolução dos problemas do “nacionalismo, da crise dos refugiados, dos conflitos interculturais, da igualdade de género ou da neurociência” (2) e não viesse criar novos problemas

Serve-se de teses (3) que soam bem, mas que carecem de fundamento, chegando mesmo a ter um caracter exclusivo (não inclusivo) e, por vezes contraditório, em contraste com o seu pacifismo proclamado; pode-se reconhecer, como substrato do ideário apresentado, uma intenção de servir uma agenda comunista materialista, ao serviço de uma política da ONU; isto também no que respeita ao Pacto da Migração .

Usa teorias como: “A ética é mais profunda e é mais natural do que a religião” …  Numa pretensa inclusão, revela uma estratégia do “ou…ou…” e da exclusão, sem ultrapassar sequer a estratégia da culpabilização. A frase enunciada carece de qualquer de base científica. Trata-se mais de um texto de boas intenções e de propaganda por um poder secular conforme ao atual Zeitgeist (espírito do tempo).

O programa da Unesco e a posição do Dalai Lama pretendem estabelecer a mentalidade de que a ética é mais importante que religião. Na intenção de se criar uma ética universal secularista, pretendem ver a ética desligada das culturas e das religiões para as submeter a uma ética natural orientada apenas pela razão abstrata. Pelo que se depreende do texto, para fundamentar ou explicar juízos morais, seriam suficientes o sentimento da compaixão, a cooperação inerente à evolução humana e a faculdade da razão.

Trata-se de um texto interessante, mas também ele provocador porque, para favorecer uma ética secular descontextuada, serve-se de uma mundivisão materialista monista; é compreensível a preocupação do Dalai Lama, atendendo ao jacobinismo islâmico desestabilizador de sociedades e Estados por todo o mundo; isto porém não legitima esta tentativa de determinar um tipo de comportamento social e humano, em todo o mundo,  pautado por um juízo categórico de valor universal secularista e arquitectado em contraposição às religiões e à consciência individual; não chega servir-se do crivo simplicista da razão (de que se apodera), passando por cima dos mais variados dados filosóficos e sociológicos do campo da ética, e, para mais, quando a acção  implica uma colaboração na campanha do fomento de preconceitos contra o fenómeno religioso, e, como se isto, não correspondesse à tentativa monopolizadora de derrubar uma certa diversidade cultural, religiosa e nacional para tentar solucionar o problema islâmico e de concretizar aspirações dos ideólogos do domínio do mundo (governo mundial). Tanto os crentes como os não crentes são pessoas e, como tal, são capazes de qualquer tipo de comportamento positivo ou negativo. Importante é que os imigrantes se submetam às leis dos países para onde emigram. Ou será que, na política da ONU, a mistura dos povos é mais importante do que manter uma certa identidade e autonomia cultural?

Na falta de uma vontade económico-política para a mudança deve a vontade cultural sofrer…

O livro será usado ou abusado como catecismo para ideologias marxistas que andam à boleia de organizações da ONU, ONGs e organizações políticas de esquerda como é o caso do pacto da esquerda latino-americana   Foro de São Paulo. A corroborar esta ideia estará também o facto de o livro ser publicado em todos os países do mundo.

Para a Unesco e para o Dalai Lama, a educação ética , tal como pressupõe Habermas, na sequência da doutrina socialista da Frankfurter Schule, é vista como prevenção contra a radicalização da sociedade; por isso e atendendo ao “pluralismo religioso e ideológico” as religiões e culturas devem estar prontas a “ter reconciliado o privilégio do conhecimento das ciências socialmente institucionalizadas, bem como a primazia do Estado secular e da moral social universalista com a sua fé”.

O Dalai Lama, ao manter-se na confusão, toma partido pela filosofia do mainstream partindo da filosofia materialista de que religião é um subproduto da evolução.

Em texto claro, quer isto dizer que se pretende pôr o problema na civilização ocidental (sem diferenciar as religiões), como se esta, devido à imigração muçulmana, estivesse obrigada a prescindir dos seus valores e cultura para se submeter (a longo prazo) a uma mera racionalidade (ética secular como super-religião) que facilite as intenções de criar um governo central global (ONU), correspondente aos seus inicias promotores maçónicos.

A cultura ocidental e a religião cristã, que até agora se orientavam pela visão da pessoa humana como cidadã de dois reinos (a César o que é de César e a Deus o que é de Deus), deve abdicar da sua liberdade soberana para se submeter ao Estado secular, à doutrina materialista do Estado com o seu sacerdócio universitário,  que, para tal, só reconhece a sua lógica racional como autoridade para melhor poder prosseguir a sua acção de desintegração da cultura ocidental, também mediante o fomento de imigrantes de cultura árabe (para os dominar só vêem como saída a hegemonia de um estado secular forte!); estes também são usados como meio e, ao mesmo tempo, como pretexto para uma melhor imposição da agenda marxista, também ela implementada por organismos da ONU.

Para melhor se ter mão nos muçulmanos e em nome de uma educação das religiões cria-se uma instância absoluta (estado e universidade superiores à consciência) como se, para isso, fosse possível apenas uma ética meramente racional; parece tratar-se de se deixar o modelo europeu para, pouco a pouco, se seguir o tipo de Homem e o modelo chinês como possível molde político, antropológico e sociológico para todo o mundo. Em nome da globalização e de um novo modelo de sociedade, no sentido do Pacto da Migração, a sociedade ocidental terá de renunciar ao seu modelo de civilização.

O cristianismo, que reconhece a separação de poderes (âmbito secular e religioso) é colocado ao mesmo nível do islão que não reconhece tal, e pelo facto de se encontrarem muitos muçulmanos, na Europa, a civilização ocidental deve submeter-se ao ditado secular ateu que, a pretexto da sua razão, quer aplanar o caminho a uma elite política secular, para a qual não basta o poder político, mas que se quer ser também em posse do poder ético-moral. Criam-se os pressupostos para o controlo total.

Um componente da religião cristã é a filosofia com o seu instrumento da razão, pelo que os críticos da religião não podem alegar explicações racionais para a negarem, porque tanto o materialista ateu como o cristão fazem uso da razão, só que em diferentes contextos e, como tal, é de pressupor a consideração e o respeito mútuos, também como filhos ou produtos da mesma cultura.

A circunstância de nos movermos numa sociedade pluralista e com tendência de um islão cada vez mais presente nela, não é suficiente para motivar a divisão na sociedade ocidental mediante a criação de uma ética secular materialista como algo mais importante que a religião, como se uma ética mundial secular e religião tivessem de ser incompatíveis (caso, por enquanto, apenas verificável no islão!) e em nome disto que se fomente uma filosofia marxista de modo a torna-la uma panaceia universal legitimada pelo facto de se referir à razão, predicado que ela não merece como se viu na sua História.

O facto de o Dalai Lama embarcar neste sentido e de ter sido adoptado como profeta do programa em via (principalmente a partir da queda do socialismo soviético), não é tão inocente como parece, porque vem favorecer o fortalecimento da mundivisão budista no domínio do mundo a nível global e querer legitimar o monopólio de um estilo de vida regulado por princípios marxistas.

Não é legítimo querer uniformizar o que de si é múltiplo e complexo, como ensina a evolução da natureza e da cultura. A filosofia a seguir-se deveria ser, na consideração da cultura e da natura, aceitar a diferença no respeito sagrado por cada pessoa e grupo; e isto numa relação de complementaridade consciente e aceite, em vez de se procurar tornar tudo cada vez mais igual na ilusão de que, com um simples ideal monolítico e monista, se dá resposta à necessidade de nos reconhecermos mundialmente como irmãos. O que está aqui em jogo não é tanto o respeito pelo povo, mas a defesa de interesses monopolistas de caracter económico e ideológico. Em vez de nos prostrarmos perante uma ditadura económica liberal e ideológica  seria óbvio apostar numa revolução humanista a partir da pessoa e de baixo para cima.

© António da Cunha Duarte Justo

Teólogo e Pedagogo (Português e História)

Pegadas do Tempo

(1)  Monismo é uma doutrina que reporta a pluralidade dos seres a uma única substância ou princípio. Para ele a distinção entre matéria e espírito, entre mundo e Deus é falsa e a multiplicidade dos fenómenos e o dualismo são tidos como ilusão dos sentidos. Só a totalidade tem substância real. Numa tal doutrina, tal como no comunismo, não há lugar para a pessoa soberana (tipo ocidental), o que conta é o todo e como tal a pessoa só tem sentido em função dele, e nesse entender fundamentaria que os “fins justificam os meios”. Daqui a união da posição do Dalai Lama com a ideologia comunista contra a cultura ocidental no esforço de, em comum, criarem um governo universal (ONU), possivelmente no sentido do modelo chinês!

(2)  No livro corre-se o perigo de se juntar o sorriso crónico do budista Dalai Lama à sabedoria moralista do cristão Franz Alt, porque possibilita, a pessoas desacauteladas, uma projecção unilateral de correntes ideológicas do Zeitgeist.

(3)  «Vejo cada vez mais claramente que o nosso bem-estar espiritual não depende da religião, mas da nossa natureza humana inata». “Os políticos preferem defender as fronteiras, nunca a inclusão; as desigualdades económicas evitam a coesão; as religiões geram violência”. «De certa forma, penso que seria melhor se não existissem religiões. Todas as religiões e todas as escrituras encerram em si um potencial de violência”.” Seguindo princípios de uma ética puramente secular tornar-nos-emos pessoas mais descontraídas, solidárias e sensatas”.

DA PERTURBAÇÃO DA PAZ MARXISTA E DA SUA RESISTÊNCIA CONTRA BOLSONARO

A cor predominante nos meios de comunicação social

Por António Justo

Independentemente de se torcer mais pela esquerda ou pela direita, para se ter uma ideia um pouco objectiva acera da nossa praça  e poder constatar se nela domina o vermelho ou o preto bastaria fazer a comparação sobre a reacção dos Media e do pensar politicamente correcto em relação à reeleição do socialista Nicolás Maduro na Venezuela e à eleição do conservador Jair Bolsonaro no Brasil.  O facto é que também, quando o socialista Lula da Silva foi eleito no Brasil, não se ouviu na praça pública a indignação que há agora com a eleição de Bolsonaro nem se assistiu ao borborinho inquieto que reina hoje nas redacções dos Media. Daqui seria legítimo concluir que nos Media se mede com duas mediadas e na consequência é claro que os meios de comunicação social, em geral, são de tom avermelhado, só que ninguém nota!

Na opinião pública, antes a batalha era contra Trump e agora parece ser Boslonaro o bombo da festa, principalmente nos Media da Ibéria, embora ele mal tenha começado a governar.

Os críticos, à imagem do PT, esqueceram-se que Deus é brasileiro e sentem-se agora desconsolados por Bolsonaro ter colocado na ordem do dia o tema Deus-Pátria-Família, assunto que, a extrema-esquerda e socialistas militantes, já julgavam ter arrumado no caixote do lixo da História; aquela História para a qual se desejava ouvir o tocar de sinos a finados!

Como o Brasil é grande e, para ele, a História não começou nem acabou ontem, o cidadão brasileiro está consciente que, para andar, não é suficiente dar-se só um passo à esquerda, mas que para progredir é preciso ousar dar também o inevitável passo à direita e assim sucessivamente! Por outro lado, também é natural e legítimo que cada um procure o seu porto de abrigo desde que o não imponha aos outros nem tente tapar o sol com a peneira. Também é de compreender que, nestes assuntos, quem mais grita é a esquerda habituada a viver encostada ao aparelho do Estado. Mesmo assim torna-se incompreensível tanta agitação chegando-se a ter a impressão que, para muitos, o que está em questão não é tanto o bem-comum, mas mais os amigos do taxo e uma melhor oportunidade para afogar o ganso!…

Dê-se tempo a Bolsonaro de agir porque no fim lá estará o juiz povo para dar a sentença (se a infraestrutura instalada do PT lhes der oportunidade para isso!). De palavras anda o mundo cheio e os interesses de uns e outros são tão diversos que só os resultados das obras convencerão: é de esperar que Bolsonaro fomente uma democracia aberta a todos, e se aproveite da intriga europeia-americana-chinesa para dialogar com todas as forças da nação para que o Brasil  continue Brasil e assuma o significado e papel que merece ter em toda a américa latina: estabilizar a democracia e a economia  para poder assumir a liderança da américa do Sul e entrar no jogo do xadrez internacional.

Conviver com o marxismo sem ter de o abraçar

Os comentadores portugueses sempre se preocuparam com os de fora, sem se importarem grande coisa com os de dentro. Desde o Marquês de Pombal, Portugal começou a ser um atrelado ideológico da França e não deixou de o ser apesar das posteriores invasões francesas (pelo contrário!) e também os revolucionários de Abril mais não fizeram que tentar torna-lo num atrelado do marxismo e maoismo, mas o 26 de Novembro abrandou-lhes o intento.

Quando deixaremos de olhar tanto para os outros para nos observarmos mais a nós e assim possibilitarmos um pensamento próprio que não se contente apenas em consumir o génio português. Vai sendo tempo de deixarmos de pentear macacos sejam eles da direita ou da esquerda. Importantes são os macacos, o que implica a capacidade de reconhecer que o penteado é mais uma questão de moda e de ocupação; muito embora, nela é que muitos vão ganhando o seu pão.

Podemos conviver com o marxismo, mas sem termos de o abraçar! Sim, até porque a crença de cada um também é determinada pelo seu currículo. Vale sempre a pena, optar pela construção de uma História em que os actores sociais de baixo consigam um lugar entre os actores dirigentes. Este é um dos objectivos do cristianismo pelo que todos os que trabalham neste sentido deveriam irmanar-se e não combater-se.

Dos defensores do martelo e da espada

Os mesmos que condenam a cruz e a espada usam o martelo e a espada, não de mãos dadas nem de joelhos, mas de punho cerrado, em nome do seu progresso contra a “velha cultura” em vez de cristãos e socialistas se unirem na mesma luta contra a injustiça e contra a opressão venha ela de onde vier!  Ao considerarmo-nos inimigos na mesma missão de libertar os oprimidos servimo-nos a nós mesmos e as nossas vaidades e egoismos e quem perde é o oprimido que pretendemos defender!

Nós europeus ainda não perdemos aquele jeito militante de querer medir e avaliar o mundo pela nossa norma e, com esta estratégia, fomentar a intriga e guerrilhas, em nome da Democracia e dos nossos altos valores! Condena-se a cruz para se ir arvorando o martelo. É de observar um grande cinismo nos Media que levam a opinião pública a pensar como legítimo que aquilo que se condena no colonialismo de antigamente, é considerado válido e aceite nos jacobinos de hoje! Lula fez o que bem lhe apeteceu e então não havia Meios de Comunicação europeia que o julgasse. (Naturalmente que a medida de juízo que uso aqui para a esquerda radical vale também para uma direita radical a observar-se no governo turco de Erdogan que usa os mesmos meios de autoafirmação como estamos habituados a ver a esquerda).

Pouco a pouco vai-se tendo a impressão que os Media se encontram sobretudo nas mãos de uma esquerda caviar ávida e arrogante que, à mesa de um turbo-capitalismo desumano, quer comer tudo (o pão e as ideias) sem deixarem nada para os outros. Os impacientes que vivem do negócio da ideologia esquecem-se que o povo tem vigor e pachorra para alimentar uns e outros, mas de maneira ordenada, cada um na sua vez! Ou será que não se pode exigir das elites a mesma disciplina e educação que estas exigem ao povo?! Ou não será que a democracia não é feita de todos e tem de alimentar todos?! Cada um deve mamar, mas ter a paciência de esperar por sua vez: ou será que os peitos da nação estão reservados para os guerreiros?!

No jogo é preciso baralhar as bolas e ter em conta as pernas da mesa que as sustentam! Não chega ver, é preciso avaliar a força, a direcção e o impulso donde as bolas vêm para então entrar também no jogo, conscientes, muito embora, que todas as bolas têm a sua justificação. Estejamos onde estivermos, importa considerar que temos sempre pessoas à nossa frente!

O Discurso de posse do embaixador Ernesto Araújo, ministro Ernesto Araujo questiona o proselitismo jacobino ao serviço de um marxismo funcional e fala primeiramente sobre e para o Brasil, um Brasil intercultural e multirracial que não se deve envergonhar da sua história e não se quer ver perdido só no discurso proletário e por isso alerta para a rejeição de um politicamente correto ao serviço do relativismo cultural contra a civilização ocidental.  Daí esperemos que as obras correspondam ao nobre discurso, embora a natureza e a Boa Nova nos ensinem que não há campo de trigo sem joio, sejam os lavradores da direita ou da esquerda. A maior dificuldade do novo governo será a oposição que lhe virá da administração; depois de tantos anos nas mãos do PT, um novo governo, em estado de organização, terá que contar com uma resistência forte, já não de caracter popular ma sim institucional. Sim, no Brasil a revolução ainda é possível, numa Europa já não!…

Também o facto de muçulmanos viverem no Brasil e o novo governo ter apelado a não se perder a tradição cristã, não justifica que muçulmanos se levantem agora, acusando o discurso do governo como discriminatório e como estimulador do preconceito religioso, por ter feito referências às raízes judaico-cristão do Brasil; ou será que uma pessoa na própria casa terá de se negar a si mesma  pelo simples facto de ter a abertura de ter aceitado o outro como irmão?

Nos países de tradição religiosa ocidental não é comum dividir-se o mundo em “nós” de um lado e “os outros do outro”; essa preocupação é natural e justificada em países ou sociedades de maioria cultural árabe! Ou será que a agenda materialista da luta antiocidental terá de ser mais favorável à religião islâmica do que à religião cristã?  Segundo o censo demográfico (IBGE) de 2010, no Brasil há 35.167 seguidores do islamismo, mas instituições islâmicas brasileiras dizem que há 1,5 milhões muçulmanos no país.

Para que o progresso continue, torna-se óbvia a tolerância e a convivência pacífica de religiosos, ateus, crentes, descrentes e sépticos. Nas sociedades onde isto se cultiva podemos observar um grande avanço em relação a outras.

© António da Cunha Duarte Justo

Teólogo e Pedagogo

Pegadas do Tempo

 

O PENSAMENTO TAMBÉM TEM CHEIRO

Do Direito a cheirar não só o Cravo mas também a Rosa

 

António Justo

Sim, o pensamento também tem cheiro, não se fale já da cor!

A atmosfera social encontra-se cada vez mais intoxicada por falta de arejo na opinião pública e por falta de oxigenação do pensamento cativado em alfobres estanques; este é comercializado num espaço social e político reduzido à perspectiva do “ou tu, ou eu”, sem contar com o ele.

Consta que a intoxicação do pensamento se deve, em grande parte, à classe económico-política dirigente que, com os seus escribas e fariseus, ditam o que é correcto pensar ou mastigam primeiro o que será adequado à orbe social.

Vivemos na época política do pensamento supervisionado e dos grávidos com o rei na barriga! A esfera, de cérebro lavado, não pensa, mas sente e sente-se um pouco incomodada por sentir por todo o lado (na opinião pública) o mesmo cheiro: um odor a detergente barato que abafa qualquer perfume de características mais individuais ou mais diferenciadas.

Pessoas mais inocentes chegam a cogitar se este é o cheiro da igualdade democrática e outros, mais arrojados, chegam mesmo a avançar que não é o cheiro a cravo mass sim o cheirinho de um “Abril republicano”.

De facto, como tudo se tornou negócio e se anda tão movido pelo aroma da brisa revolucionária, já nem se distingue o cheiro a Abril do cheiro a Omo ou a Persil. Numa opinião pública, cada vez com mais cheiro a desinfetante, a sociedade vai vivendo da grata consolação do trabalho de diferenciar entre o cheirinho a cravo e o cheiro a rosas, também ele trazido na aragem de um outono passado. Até onde alcança a vista, veem-se grupos em fila só para poder sentir, no cheiro do arejo, o cheirinho do “clube” desejado.

Como tudo parece ir dar ao mesmo, na lavandaria pública, o espírito crítico esgota-se na discussão da nuance política de quem lava mais branco: o Omo do passado ou o Persil do presente! O problema nem vem dos cheiros nem tão pouco dos detergentes que se usam para tirar as nódoas; a solução vem do proveito e dos comerciantes, só interessados na venda do próprio produto.

Alguns republicanos – certamente os socialistas do jeito jacobino –  por terem plantado um alfobre de cravos no “jardim à beira-mar plantado”, pensam-se com  direito a todo o jardim e, quanto aos cheiros, pensam-se só eles com o privilégio não só de cheirar o cravo, mas também de discernir qual o cheiro! Encontramo-nos metidos num busílis do caneco e que nos tem atrasado a evolução dado todo o povo se sentir ser jardim; um jardim sem ninguém com direito ao monopólio da flor nem tão-pouco do cheiro.

E uma certa esquerda, mal informada, chega a dizer que, nós portugueses, não somos propensos a democracia pelo facto de continuarmos a querer definir a nossa identidade pelo jardim e não apenas por uma só flor, seja ela, muito embora, o cravo ou a rosa. Afinal, esses caras é que se encontram atrasados por não reconhecerem ainda o avanço de um povo ecológico que pretende a igualdade no reino das flores!

Já agora um aparte: confunde-se pensamento crítico com pensamento acomodado, a um ou outro regime, a uma ou outra ala política no fluir do Mainstream que propaga um rumor do ondular das opiniões ordenadas ao ritmo do 25 de abril, como se a origem de Portugal tivesse de ser redescoberta tardiamente entre as algas de algum lago parado.

Resumindo: não houve sobressaltos com a mudança de regimes: o ondulado permaneceu o mesmo, o que mudou foi só o alinhado do penteado e os barbeiros que dele se aproveitam. Numa sociedade de pensamento bem alisado até os extremos servem para mostrar a força das ondas mestras: o resto é só brilhantina e desodorizante.

O credo político correcto é tão forte como a lixivia: onde cai não há nódoa, fica tudo branco! (Por isso até há quem lamente que noutras democracias não seja permitido o uso da lixivia pura, e se use, só à mistura, com outros ingredientes!)

Numa situação assim já não interessa nem o cravo nem o cheiro a cravo ou a rosa; o que importa é quem possui o garrafão da lixívia que limpa tudo não deixando sequer o cheiro a povo.

© António da Cunha Duarte Justo

Pegadas do Tempo

UM DEPUTADO DO PE GANHA MAIS QUE A CHANCELER ALEMÃ

É da natureza da ovelha não remar contra a maré

Por António Justo

Nas instituições cúpula, o valor de uma pessoa e de uma instituição é, muitas vezes, avaliado pelo ordenado e não pela responsabilidade nem pelo que produz! Um deputado da União Europeia tem um vencimento de 14.727 Euros por mês. Ganha mais que a Chanceler alemã. Não há comparação entre o trabalho e a responsabilidade de uma e o do outro.

A fim de esgotar os 14.727 €, muitos deputados da União Europeia inscrevem-se na lista de presenças do parlamento sem estarem presentes, fazem-no  simplesmente e apenas para levantar dinheiro, como se pode ver aqui no link em alemão e em Servo-croata.

A EU quer a confiança dos deputados e quer tornar o constructo União Europeia atractivo para as elites. As elites é que determinam o ritmo da música! Elas estão seguras porque conscientes que são poucos os que remas contra a maré!

O problema é que a Instituição não quer controlar para que cada um, satisfeito, se sirva quanto mais puder. O povo se estivesse nas mesmas condições e tivesse a mesma oportunidade faria o mesmo; mas elites controlam o povo, o que não fazem em relação aos parceiros! As elites vivem muitas vezes do controlo do povo, mas não admitem o controlo delas mesmas e o povo é ovelha mansa!

O mais questionável nesta reportagem foi o facto de terem expulsado os jornalistas, quando faziam um serviço de controlo a que os deputados pretendem fugir e que a instituição não faz e até impede!

Reportagens como esta, de maneira geral, não correm na imprensa pública para não fomentar o populismo de baixo. Quem melhor se serve e aproveita do regime seria tolo se falasse contra ele: esta é a moral que nos governa! Por isso é muito natural temos o populismo de cima a controlar e a falar mal do populismo de baixo!

Esta parece ser a lógica da governação e da União Europeia que tem investido muito mais nas elites e nos fortes do que no povo! A elite (os nossos pastores políticos) servem água e bebem champanhe, mas o povo pensa que isto é a democracia. Contra a força, contra o oportunismo e contra a burrice não há remédio que cure! Honestidade parece ser defeito em política.

Enfim, esta é a condição social humana criada e democraticamente sustentada. Os pastores servem-se da tosquia das ovelhas para passarem melhor o seu inverno e quanto aos lobos, esses, por natureza esfomeados, até descem ao povoado!

António da Cunha Duarte Justo

Pegadas do Tempo

QUANDO AS MULHERES ERAM OBEDIENTES

Do Branqueamento da Atualidade

Por António Justo

Até 1957 tinha validade na Alemanha o parágrafo da obediência que dava aos homens o direito de determinarem sobre a vida comum do matrimónio; isto era regulado pelo código civil entrado em vigor em 1900.

Também, até 1977, as mulheres não podiam trabalhar sem a aprovação do homem.

Até 1958 o homem tinha o direito de rescindir o contrato de trabalho de sua esposa sem o seu consentimento e sem aviso prévio.

Quanto ao direito das mulheres poderem votar, também só tardiamente lhes foi dada igualdade. Antes era a cabeça de casal que tinha o direito a votar.

O sufrágio feminino foi introduzido pela primeira vez na Nova Zelândia em 1893.

Finlândia em 1906; Alemanha em 1918; USA em 1920; Turquia em 1930 (Graças a Ataturk), Brasil em 1932, França em 1944; Portugal 1946; India em 1950; Suiça em 1971.

Nas primeiras eleições gerais foram eleitas para a Assembleia da República na Alemanha 41 mulheres o que correspondia a 9,6% dos 423 deputados.

Em 2017 a percentagem de mulheres no parlamento desceu para 30,9% no Bundestag, isto é para o nível de 1998.

Como se vê levou tempo até que se passasse da sociedade agrícola para a sociedade industrial, onde o trabalho determina o direito.

Apesar de todo o desenvolvimento, a imagem da mulher ainda continua a ser muito definida pela bunda, perna, coxa e seios; isto é, apenas como objecto de desejo.

No meio de tudo isto, verifico que a injustiça, geralmente, caminha à frente da justiça.

A razão da apresentação destes dados vem do facto de verificar que hoje se usam, muitas vezes no debate público, os males passados como argumento de justificação dos males presentes. Vejo muita gente interessada em falar mal da História de Portugal devido à colonização e em desdizer de Portugal apresentando só os dados negativos do antigo regime, como se isso, além de ser mau, fosse uma coisa só nossa e sem o contexto da época. Esta é uma estratégia da esquerda para pôr os conservadores em situação de fora de jogo!

Outros, porque não acham relevantes os defeitos dos adversários do presente, gastam o tempo a lavar a roupa suja do passado alheio, na esperança de que algo da sujidade antiga, suje o rosto do adversário atual! Este espírito social de lavadouro público já lembra uma praga social no âmbito da argumentação. E isto num tempo em que teríamos tanta roupa suja atual para lavar! Seria fraco o nosso presente se para o glorificar precisássemos de difamar o passado ou só falar dos seus erros.

Do Engano de se aldravar com a Moeda do Preconceito

As injustiças que condenamos no passado servem, muitas vezes, de condimento para adoçar as injustiças do presente, quando os erros do passado são o estrume onde nascem o trigo e o joio de hoje.

Embora vivamos hoje num mundo diferente, não é legítimo armarmo-nos em carapaus de corrida modernistas, e abusar de um espírito crítico de análise com duas medidas. Hoje condenamos, com veemência, os maus hábitos de ontem, mas achamos política e economicamente o mal que fazemos hoje, de menos relevância.

Também Pilatos passou a rasteira à multidão ilibando-se de responsabilidades lavando as mãos sujas com pretextos de inocência.

O passado instrumentalizado e não reconhecido, nos seus aspectos positivos e negativos, cria o desgaste civilizacional em que nos encontramos! É verdade que o passado não se vende, mas é abusado para um presente que se quer sem raízes nem fundamentos; por isso é mais considerado como adjectivo do que como substantivo, olhando-se só para os males dele e assim nos distrairmos dos males do presente.

Hoje somos, geralmente, obedientes ao pensamento politicamente correcto, com a agravante que, muitas vezes, o somos sem consciência disso.

© António da Cunha Duarte Justo

Pedagogo

In “Pegadas do tempo”