No acto do julgamento de Jesus por Pilatos, relatado por João 18 e 19, dá-se, o encontro de dois reinos, dois poderes: o messiânico espiritual e o temporal (este também com os representantes da instituição religiosa)! Por isso Pilatos não queria condenar Jesus como homem porque nessa qualidade não encontrava nele culpa alguma e, por isso, procurava maneira de deixá-lo abandonado ao poder religioso, dado Jesus se ter declarado messias e limitado a sua missão ao reino espiritual.
Jesus vai ser vítima reduzida a bola de jogo entre o poder estatal e o poder institucional religioso, dois poderes envolvidos na luta pelos próprios interesses institucionais sem lugar para o reino de Deus, para o humano individualmente (1). Jesus é acusado por querer representar o poder divino no seu cargo de messias. Pilatos sabia que o que no tribunal estava em jogo eram dois domínios, dois poderes: a pretensão de Jesus Cristo e a de Pilatos. Pilatos, representante do império, sente-se enfrentado mais que pelo poder espiritual, (o rei messiânico dos judeus), pelo chamamento de Jesus a deixar-se envolver pessoalmente pela sua missão espiritual. Por outro lado, o Sinédrio queria ver-se livre de Jesus porque Ele provocava a sua autoridade institucional. Jesus ao afirmar-se o messias (Messias significa “o ungido”, o rei), segundo a opinião dos 71 membros do Sinédrio, comete blasfémia, por isso concluem: “Ele blasfemou contra Deus! ele é o culpado!”
Os representantes religiosos ao quererem ver Jesus condenado pelo representante do imperador têm em vista um xeque-mate político para se livrarem de tumultos populares. Pilatos, porém, procurou alijar de si a responsabilidade como muitas vezes acontece entre os representantes do poder. Empurram a culpa para frente e para trás e o mesmo continua nos tribunais e no entremeio esvai-se a humanidade. Neste processo sobressai a maneira como as duas instituições (estatal e templo) empurram a responsabilidade uma para a outra. Esta tensão continua hoje como ontem porque os dois poderes se legitimam em clientelas diferentes com poder real nos cidadãos e umas vezes numa relação de rivalidade outras numa de colaboração, muito embora conscientes que dependem um do outro, a não ser em ditaduras. Também por isso se assiste no mundo ocidental a uma luta mais ou menos declarada contra Deus e contra a religião! Uma vez destronado Deus passam a ter poder absoluto os “deuses” do Olimpo! Disto deveriam estar conscientes os que por razões diversas lutam contra Deus e contra a religião. Matar Deus corresponde a atraiçoar o povo e entregá-lo à arbitrariedade dos senhores do Olimpo e aos vendilhões do templo.
Pilatos, ao perguntar sarcasticamente a Jesus se Ele era “o rei dos judeus”, queria certificar-se por um lado se tinha a ver com um representante do poder e, por outro lado, a maneira de descalçar a bota para o despachar para o Sinédrio! Jesus ao replicar “Perguntas isso por ti mesmo ou são outros que o querem saber? „confronta Pilatos na sua atitude pessoal em relação a Jesus, porque no Reino de Deus o que conta é a atitude pessoal mesmo quando envolvida em papeis que se possa assumir ou representar na sociedade. Pilatos que não quer ver o interrogatório sob o aspecto pessoal, mas funcional insiste, “Então és rei?”. Jesus não abdica da sua missão e ao responder dirige a pergunta de maneira a interpelá-lo pessoalmente: “Tens razão em dizer que sou rei. De facto, foi para isso que nasci. E vim para trazer a verdade ao mundo. Todos os que amam a verdade escutam a minha voz.” Pilatos não gostou da afirmação de Jesus “Todos os que amam a verdade escutam a minha voz.” Com ela Jesus estava a alargar a sua missão também a ele na qualidade de pessoa que tem também o cargo de governador. Pilatos que já tinha constatado a inocência de Jesus não estava disposto a aceitar também a sua mensagem da verdade e por isso desvia o desafio de Jesus para canto com a pergunta “O que é a verdade?” e, sem reflectir na resposta anteriormente dada por Jesus, dirigiu-se ao povo dizendo “Ele não é culpado de crime algum” ; Pilatos procura então sugerir uma solução que salvava a sua posição e a de Jesus dizendo “é vosso costume pedir-me que solte alguém da prisão todos os anos pela Páscoa”. Pilatos para insistir que no julgamento o que estava em questão não era o comportamento de Jesus, mas a sua messianidade insiste: “Então, não querem que vos solte o rei dos judeus?”. A voz do sinédrio ecoou através do povo dizendo “Não! Não soltes este, mas sim Barrabás (bandido)!” Pilatos que sabia das andanças como se cosem os interesses das instituições que os fazem ser representados pelo povo, usou de uma metodologia psicológica para ver se conseguia mudar a opinião do povo, mandando para isso açoitar Jesus, para depois o apresentar ao povo. Então os soldados romanos açoitaram Jesus e “fizeram uma coroa de espinhos e colocaram-lha na cabeça, vestindo-lhe um manto cor de púrpura”. Pilatos disse então para a multidão “Eis o Homem!”. Ao vê-lo, os principais sacerdotes e os guardas do templo gritaram: “Crucifica-o! Crucifica-o! Pela nossa Lei deve morrer, porque se intitulou Filho de Deus.” Pilatos, entre a espada e a parede, dirige-se mais uma vez a Jesus dizendo „Não compreendes que tenho poder para te soltar ou para te crucificar?”; Jesus, porém não abdica da sua missão e responde: “Não terias poder nenhum sobre mim se não te tivesse sido dado do alto”.
O sinédrio ao ver a hesitação de Pilatos apresenta um argumento fatal a nível interinstitucional dizendo: “Se soltares esse homem, não és amigo de César. Quem se proclama rei é culpado de rebelião contra César!” O governador, ao ver o seu cargo e o seu juramento de lealdade ao Imperador questionado pelas autoridades do templo, torna-se também ele cúmplice na condenação de Jesus à morte, mas aproveita ainda para gozar com as autoridades do templo, dizendo “O quê? Crucificar o vosso rei? „ e os sacerdotes disseram: “Não temos outro rei senão o César”! Com esta confissão o sinédrio atesta a sua fidelidade ao imperador e a infidelidade para com o próprio povo. „Então Pilatos entregou-lhes Jesus para ser crucificado” (cfr. Jo. 18 e 19). Neste processo é bem de notar como a vida de Jesus e com ele a do povo se encontram entregues nas mãos dos interesses interinstitucionais e dos que assumem os seus papeis.
António CD Justo
Pegadas do Tempo
Teólogo
(1) Marcos e Mateus circundam o julgamento de Jesus entre a relação da missão de Jesus (messias) e a do templo (sinédrio) (ficando-se na questão da culpa: Judas (com as trinta moedas que quis devolver aos sacerdotes mas eles não aceitaram, arremessa-as então no templo e vai enforcar-se).
Jesus “Todos os que amam a verdade escutam a minha voz.”
E depois de 2000 anos a sociedade mundial continua como Pilatos…
Maria Carolina Almeida, a sociedade em geral ainda não à consciência da sua dignidade individual soberana e de reconhecer na instituição como constructo que embora necessário deve ser de serviço. O processo de subjugação da mulher pelo patriarcalismo ainda vigente é acompanhado pelo processo de subjugação e opressão da instituição (governos, autoridades e administração) sobre os membros. Infelizmente a atitude de subjugar ainda encontra correspondência na prontidão de subjugação por parte do cidadão que ainda se julga mais importante quando ao lado de um “superior)! Tendências naturais que só podem ser superadas no foro das consciências individuais mas que encontra exposta a toda uma lavagem cerebral em via sustentável.
António Cunha Duarte Justo, é mesmo uma lavagem cerebral…
Qualquer dia até nos tenram convencer que não somos nós…
Maria Carolina Almeida , acertaste em cheio! Pelo que observo mais directa e socialmente desde os anos 90 é realmente convencer-nos que não somos nós! Quem procura observar como se criam consciências sociais e políticas constata que há campanhas e agendas quer no âmbito capitalista como socialista empenhadas em destruir a personalidade humana para fazer das pessoas meros clientes ao serviço do comércio económico e ideológico. Já há dezenas de anos que chamo a atenção para o facto através de escritos e cada vez verifico que a nível político cada vez são mais atrevidos porque juntam em suas mãos o poder político, a economia e as grandes redes de internet e os próprios media cada vez nas mãos de poucos e conibentes com os respectivos sistemas públicos de informação. No ponto em que nos encontramos não há outra hipótese do que nos rendermos à máquina se não quisermos ser atropelados por ela. A perspectiva é a cruz! Por isso Jesus dizia: “Todos os que amam a verdade escutam a minha voz.”