NÃO À EDUCAÇÃO PARA UMA CIDADANIA DE PERFIL MARXISTA E MAOISTA

A Disciplina de Cidadania reduzida a Aula de Religião do Estado?

António Justo

O secretário de Estado queria não deixar passar de ano alunos que faltem às aulas de Cidadania por razoes de objetores de consciência, mesmo quando ensinadas em termos marxistas de ideologia do género (1).

A tutela da Educação quer substituir os pais no direito de educar. Com as suas medidas vai contra a Constituição portuguesa que garante “a liberdade de aprender e de ensinar” e o direito insubstituível dos pais, ao determinar que “os pais têm o direito e o dever de educação e manutenção dos filhos” e mais, que o Estado deve “cooperar com os pais na educação dos filhos”. A lei fundamental também proíbe o Estado de “programar a educação e a cultura segundo quaisquer diretrizes filosóficas, estéticas, políticas, ideológicas ou religiosas”; o artigo 41º da Constituição garante a liberdade de consciência, de religião e de culto, classificando-as como invioláveis e no número 6   do mesmo artigo consagra o direito à objeção de consciência.

Não é legítimo que um governo, seja de esquerda ou de direita queira formatar a sociedade segundo a sua ideologia. Seria um acto retrógrado querer criar infraestruturas ideológicas que deem sustentabilidade à crença da esquerda radical mesmo que para tal façam uso do subterfúgio de quererem cumprir normativas da ONU.

Respeite-se o direito escolar à informação sem usurpar o direito de formar o cidadão no sentido de uma só ideologia, como se dá na Turquia com o islão ou em países socialistas. Defenda-se o valor da diversidade em sociedade. Não é aceitável que uma instituição estatal se transforme num Olimpo de Deuses e se arrogue o direito da posse da verdade e da formação (formatação) da opinião. Não é qualquer cidadão que tem a posse de escolher o Estado onde viver nem o Estado tem o direito de impor qualquer ideologia ao povo. 

A função do Estado é apoiar não substituir (como bem dizem os bispos). Não está em causa a disciplina, mas a ideologia do género, a manipulação da sexualidade e a preparação das mentalidades no sentido de um estado socialista. Ao contrário de um Estado socialista como a China, em democracia ocidental, o Estado não usurpa para si a tarefa de uma doutrinação específica.

O direito à informação e ao conhecimento em todas as áreas do saber deveria ser um bem adquirido. É, porém, de rejeitar a opressão coletiva assumida por representantes do Estado que, para assumirem o poder total sobre o cidadão, façam uso do direito obscurantista de manter o monopólio da educação.

No intuito da selecção da informação os regentes querem também a selecção da formação em nome de valores mais altos, tal como faziam as elites de regimes passados. Seria cegueira intelectual e política criticar a união de religião e política do passado e querer-se hoje substituir a religião pela ideologia (por sua vez implementada na universidade em cursos servidores e não senhores) em compadrio com o Estado (o senhorio do regime político).

Em nome da democracia, da igualdade e da justiça social procura fomentar-se um modelo de educação que crie um perfil de cidadão ajustado à ideologia política de características da falhada União Soviética.

A disciplina de Cidadania e Desenvolvimento não pretende instruir, mas sim modelar caracteres. Para se evitar tal risco é obvio que tal disciplina deva ser opcional.  Também o filósofo Immanuel Kant argumentava: „O ser humano é aquilo que a educação faz dele.”

Apesar de alguns contributos positivos que o socialismo trouxe para a sociedade, isto não legitima a esquerda radical a ter o direito de, através do Ministério da Educação, implementar uma consciência social de perfil proletário. Isto seria fatal para um país que deixado o autoritarismo de direita passou, com o 25 de Abril, a ser dominado pelo autoritarismo de esquerda. (O povo não tem culpa: ontem como hoje não nota nada devido à informação e educação respetivamente transmitidas!) A matriz de pensamento monolítico cuidada pelos nossos regimes políticos tem prejudicado Portugal.

É grave e cínico, em nome da liberdade democrática, quer-se um modelo único de educação em que o debate público se expresse nos moldes do monólogo da crença marxista como se não houvesse alternativa nem modelos que respeitem e valorizem a dignidade humana e a diversidade cultural.

O facto de o Estado querer assumir o monopólio de formar o cidadão é já uma coerção do cidadão abusiva e cínica. Por isso há uma petição Manifesto “Em defesa das liberdades de educação” para a salvaguarda dos direitos humanos fundamentais, constitucionais e legais (2) e que quem desejar pode assinar (link em nota).

O argumento do compromisso assumido por Portugal em acordos internacionais (3) na área dos direitos humanos torna-se num pretexto ratoeira para impor um modelo único no seguimento de um regimento centralista de inspiração chinesa e soviética. O respeito de formas e valores assumidas em convenções internacionais não implica necessariamente a educação do cidadão no sentido da filosofia marxista nem sequer no espírito da revolução cultural maoista.

Pretender tirar-se o direito de educação de “cada contexto familiar” com o argumento de que só o Estado garante igual direito à formação por parte de todas as crianças e jovens corresponde a ideologia comunista declarada contra a Constituição portuguesa e que os estados resultantes da queda da União Soviética já superaram.

Deixe-se a liberdade de crença e de educação a cada pessoa e a cada agregado social. As diferentes disciplinas do currículo escolar são imensamente diferenciadas e suficientemente informativas para que o Estado as deva manipular no sentido de uma disciplina da sua crença política mesmo que esta se queira justificar com o indulto de inclusão; as aulas de biologia (sexologia) não precisam de ser complementadas por aulas de ideologia social que se querem (nas intenções da ideologia do género: cultura contra natura)  contra a biologia.

A Defesa da Educação para a Cidadania, nos termos em que se expressa e querida pelo Ministério da Educação, é um serviço à censura e como tal ao obscurantismo ideológico.

O cidadão adulto, respeitador dos direitos humanos, da igualdade social e de oportunidades, não precisa de uma “religião” estatal.  Toda a instituição deve estar ao serviço do cidadão, da pessoa humana e respeitar a sua soberania. É abuso democrático e prepotência adaptar a matriz política à matriz monopolista, seja ela marxista ou islâmica.

Cidadãos atentos e críticos não se deixam reduzir a cães de guarda de qualquer sistema monolítico nem se empenham na defesa de nenhum cargo ou ideologia, mas para alertar no sentido de as instituições servirem, todas elas, o humano. Defenda-se uma sociedade natural, tipo floresta, com diferentes biótopos e em que todas as árvores cresçam livremente; não seria inteligente fomentar-se uma monocultura tipo eucaliptal que por muita utilidade que o eucalipto possa ter se passe a transformar a floresta natural numa floresta só de eucaliptos. Deixemos as árvores viverem em paz nos seus biótopos naturais!

A educação é como o Sol que estimula as energias de quem acaricia; o seu melhor fruto é a tolerância no sentido da ordem e se assim for feito teremos uma sociedade rica, múltipa e variada à semelhança do reino vegetal do planeta. O melhor estímulo para a boa educação é o exemplo, dos pais, dos superiores, dos governantes, da sociedade.

Não podemos permitir que o ensino seja pervertido numa educação, à margem do ser humano e dos sentidos cívico e pedagógico.

Não à globalização da mediocridade apagadora da diversidade e da diferença que pretende transformar a pessoa (aluno e estudante) num produto formatado e apto a pensar e agir de forma já não individual-pessoal, mas meramente mecânica e funcional que em vez de pessoas só precise de técnicos para funcionar.

António da Cunha Duarte Justo

Teólogo e Pedagogo

Pegadas do Tempo

(1) https://rr.sapo.pt/2020/09/07/pais/d-manuel-clemente-passos-coelho-e-sousa-pinto-juntos-em-manifesto-pela-liberdade-de-educacao/noticia/205371/

(2) Petição Manifesto “EM DEFESA DAS LIBERDADES DE EDUCAÇÃO”: https://peticaopublica.com/mobile/pview.aspx?pi=LiberdadeEducacao

(3) “Convenção das Nações Unidas sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação Contra as Mulheres, Convenção do Conselho da Europa para a Prevenção e o Combate à Violência contra as Mulheres e a Violência Doméstica (Convenção de Istambul), Declaração e Plataforma de Ação de Pequim, Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentável, o Pacto Europeu para a Igualdade entre Homens e Mulheres 2011 -2020, Compromisso Estratégico para a Igualdade de Género 2016-2019, Plano de Ação para a Igualdade de Género e Empoderamento das Mulheres (CPLP 2017-2020), Recomendação CM/Rec(2010)5 do Comité de Ministros aos Estados-Membros do Conselho da Europa sobre medidas para o combate à discriminação em razão da orientação sexual ou da identidade de género”.

 

Social:
Pin Share

Social:

Publicado por

António da Cunha Duarte Justo

Actividades jornalísticas em foque: análise social, ética, política e religiosa

10 comentários em “NÃO À EDUCAÇÃO PARA UMA CIDADANIA DE PERFIL MARXISTA E MAOISTA”

  1. Já agora, pode-se ser objector de consciência à disciplina de Matemática?
    Paula Kruss Nogueira Silva
    in FB

  2. Todas as disciplinas científicas naturais e humanas não têm nada a ver com uma disciplina de educação de ideologia (neste caso terá de ser opcional!). Chegam-nos todas as disciplinas científicas que mais que educar instruem.
    Infelizmente, a disciplina de Filosofia que abre e rasga mentes ensinando a pessoa que leva a saber da génese do pensamento e como tal a pensar pela própria cabeça, deixou de ser obrigatória. Os regimes, sejam eles de esquerda ou de direita preferem alguma aula de endoutrinação! Querem ovelhas e no máximo cães de guarda mas não pessoas independentes superiores aos sistemas que as dominam!

  3. Ensinar história pela sua “lógica” também terá uma faceta ideológica pelo que é melhor serem os pais a ensinarem a história que querem aos filhos.
    Abílio Carvalho
    FB

  4. Não, é a sua opinião. Ser contra o perfil marxista, significa ser a favor da bárbarie do capitalismo, ou seja, continuar a oprimir o desgraçado.
    Neusa Sobrinho Amtsfeld
    FB

  5. Não, Neusa, eu não penso em categorias exclusivas do ou…ou… O marxismo como o capitalismo têm muito de natural e humano; o problema surge quando um sistema se quer exclusivo e como soberano da interpretação e da opinião. Conheço as barbaridades históricas a nível de capitalismo e de socialismo e nem umas nem outras me convencem a segui-las.

  6. Subscrevo na íntegra.

    Mas, vejamos:

    “A Tutela da Educação quer substituir os pais no direito de educar, o que vai contra a Constituição portuguesa…”

    O problema torna-se tanto mais grave quanto existe uma percentagem grande de crianças cujos pais não têm uma preparação à altura de fazer frente a este tipo de educação e o caminho fica ainda mais fácil para a Tutela!!!…

  7. Exactamente. Precisaríamos de uma educação para a paz; uma educação que motive todos a remar num barco amplo e no sentido da felicidade de todos. Para isso precisaríamos de uma educação não só no singular; uma educação para a paz npo plural!. Teríamos de reapreder a conjugação não só do eu e do tu mas especialmente a conjugação da vida no nós (feita de eus e tus diferentes)!

  8. CAOS E O PRINCÍPIO DO IGUALITARISMO
    ~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~
    Os sistemas orbitais da sociedade
    ————————————-
    Uma característica importante do caos é a mistura. No caso de uma sociedade, isto resulta da abolição da hierarquia. Em Ontologias Internas [1] discutimos como problemas e conflitos sociais insolúveis surgem depois que a estrutura orbital da sociedade é substituída por uma projecção horizontal. A orbitalidade é tomada como uma metáfora do movimento dos planetas ao longo das suas trajectórias que, no caso do modelo volumétrico, não gera contradições mesmo quando os planetas estão na mesma meia linha traçada a partir do centro de rotação. É a orbitalidade que lhes permite continuar a movimentar-se livremente. Se se projectar o volume num plano e se esquecer este procedimento, a impressão será de que os planetas colidem uns com os outros. Consequentemente, os efeitos desta colisão irão manifestar-se.
    Aplicada à sociedade, esta situação foi examinada em profundidade pelo sociólogo Louis Dumont no seu trabalho programático Homo Hierarchicus [2] e nos seus Essays on Individualism [3]. Na sociedade indiana, em que o princípio de orbitalidade representado pelo sistema de castas é preservado, o conflito e a contradição entre o ideal de liberdade individual e a vida social rigidamente regulada para diferentes estratos e tipos de sociedade não é sequer remotamente discernível. Não houve conflito nem no estabelecimento do monaquismo cristão nem na preservação do sistema de propriedade medieval. Simplesmente, a liberdade e o rígido sistema de obrigações e limites sociais foram colocados em planos diferentes, sem criar contradições ou colisões. Para permanecer na sociedade, isto é, para se mover na órbita social, uma pessoa era obrigada a seguir estritamente os princípios de casta até ao último detalhe. Mas se escolhesse a liberdade, ser-lhe-ia reservado um território especial: o ascetismo pessoal (monaquismo no Cristianismo, eremitério sanyasin no Hinduísmo, sangha no Budismo, etc.). Mas a realização espiritual pessoal estava numa órbita diferente, sem prejudicar a organização de classes.
    Dumont mostra que os problemas começam precisamente quando o igualitarismo democrático começa a prevalecer na sociedade da Europa Ocidental e as noções burguesas substituem a ordem hierárquica medieval. A questão da liberdade e da hierarquia é agora projectada para o plano, tornando o problema fundamentalmente insolúvel. A sociedade individualista procura atribuir a liberdade já não a alguns ascetas, mas a todos os seus membros, abolindo a propriedade; contudo, esta extensão da liberdade individual não fora da sociedade (na floresta, no deserto, no mosteiro), mas dentro dela, dá origem a restrições ainda maiores. Todos os indivíduos, colocados no mesmo plano e privados das suas rotas orbitais – castas – encontram-se aleatoriamente, restringindo ainda mais a liberdade uns dos outros – e de uma forma caótica e desordenada.
    Este individualismo dogmático ainda produz uma hierarquia, mas só que desta vez baseada no critério mais inferior: dinheiro (como no liberalismo) ou um lugar na hierarquia do partido – nas sociedades totalitárias socialistas. O facto de uma tal hierarquia tomar forma numa cultura igualitária torna o problema ainda mais agudo, pois representa uma contradição lógica e uma injustiça escandalosa.
    A ordem burguesa é o caos burguês
    —————————————-
    Mais uma vez, esta é a ordem binomial/caos. O igualitarismo destrói a ordem hierárquica qualitativa e a orbitalidade social. Produz, pelo contrário, uma espécie de caos, um encontro aleatório entre indivíduos. Ao mesmo tempo, a interacção entre eles é reduzida aos níveis mais inferiores, corpóreos, porque é isso que as pessoas de diferentes culturas, tipos e orientações espirituais têm em comum. Os de uma organização mais subtil, que ocupam uma posição de elite nas sociedades hierárquicas, são atirados para o nível inferior do corpo, onde são forçados a estar entre seres de uma natureza muito mais grosseira. É uma mistura ou projecção de tipos orbitais no plano.
    E os tipos superiores são naturalmente sobrecarregados nestas situações e criam vórtices sociopsicológicos à sua volta. Não tendo uma localização legítima, começam a desencadear processos caóticos. A isto junta-se a busca desordenada de liberdade total, que todos se propõem a perseguir não numa zona especial – ascética -, mas na corrente dominante da sociedade. Isto exacerba o caos das sociedades igualitárias.
    A democracia clássica acredita que a solução para este problema se encontra na construção de uma nova hierarquia, desta vez democrática; contudo, esta hierarquia secundária já não é orbital, volumétrica e qualitativa, mas é construída na base de um atributo material-corpo. É uma ‘hierarquia’ horizontal que não transcende o caos, mas que o torna cada vez mais feroz. Numa sociedade burguesa igualitária (que proclama a igualdade de oportunidades), o principal critério é o dinheiro, o equivalente generalizado da riqueza material. Qualquer outra hierarquia é rigidamente rejeitada. Mas a estratificação da sociedade em ricos dominantes e pobres subordinados, ao ponto de reduzir os proletários praticamente a condições de vida semelhantes às de escravos, não elimina as contradições. E é aqui que as teorias socialistas e o marxismo têm toda a razão: no capitalismo, o antagonismo de classe só cresce à medida que os ricos ficam mais ricos e os pobres ficam mais pobres.
    O caos igualitário não é atenuado pela mudança da hierarquia clássica para a hierarquia do dinheiro, mas, pelo contrário, explode em violentas guerras de classes. Onde há caos, há guerra, como já observámos várias vezes. Assim, à medida que o capitalismo se desenvolve de acordo com a sua própria lógica, só pode produzir uma cadeia de crises sistémicas, rumo ao colapso final. O caos toma o controlo.
    O caos socialista de uma burocracia totalitária
    —————————————————
    O modelo alternativo, mas igualitário, do socialismo propõe resolver o problema abolindo até a hierarquia monetária material, insistindo na completa igualdade de propriedade. Aqui toda a hierarquia é negada e o antagonismo de classe é proposto para ser eliminado através da abolição de toda a classe capitalista. O comunismo é pensado como um caos utópico pacífico no qual não haverá contradições e a plena igualdade triunfará.
    Isto, contudo, contradiz a natureza do caos, que se manifesta precisamente na colisão desordenada. E quanto mais uniforme – como nas teorias comunistas – for o modelo social, mais explosiva será a manifestação do caos.
    Vemos isto no nível de violência nas sociedades comunistas, que se manifestou na repressão sistemática e na criação de hierarquias partidárias burocráticas, impulsionadas principalmente pela necessidade de punir – primeiro os inimigos de classe e depois, simplesmente, a parte inconsciente da sociedade.
    Tanto o capitalismo como o comunismo, nas suas versões clássicas e nos seus vários sistemas igualitários, procuram abolir a hierarquia (orbitalidade), mas ao mesmo tempo domar o caos e torná-lo previsível, controlável e “brando”. No entanto, isto contradiz a natureza do caos, que é orientada contra qualquer ordem, até a ordem horizontal.
    O igualitarismo radical do pós-modernismo: feminismo, ecologia, transumanismo, ltd
    ————————————————————————
    A nova democracia acima mencionada deriva do facto de anteriores projectos igualitários – tanto burgueses como socialistas – terem falhado na sua missão e, em vez de abolir completamente a hierarquia, reformularam-na sob novas formas. As sociedades capitalistas criaram uma nova classe dominante dos ricos, enquanto os regimes socialistas criaram novas hierarquias de nomenclatura partidária. Desta maneira, o objectivo não foi alcançado. É aqui que começa o Pós-modernismo.
    No Pós-modernismo, ou nova democracia, o problema da igualdade é colocado com uma nova acuidade, tendo em conta fases e experiências sociais anteriores. Surge assim a teoria da necessidade de uma radicalização da igualdade, isto é, uma mudança para um modelo social ainda mais horizontal, do qual toda a verticalidade, mesmo a verticalidade bidimensional e materialista, é eliminada. Isto leva a quatro tendências principais na nova democracia
    – a igualdade dos sexos,
    – a igualdade de espécies,
    – a igualdade de pessoas e máquinas,
    – a igualdade de objectos.
    A igualdade de género é realizada através do feminismo, da legalização do casamento gay, da transgeneridade e da promoção da agenda LGBT+. O género deixa de ser uma distinção orbital, em que os homens se movem na sua órbita, as mulheres na sua, mas ambos são misturados aleatoriamente numa massa caótica de incerteza de género e numa cadeia volúvel de identidades temporárias e lúdicas.
    A ecologia profunda procura equiparar os humanos a outras espécies animais e, mais geralmente, a outros fenómenos ambientais, reduzindo a humanidade a um fenómeno puramente natural ou, por vezes, até a uma anomalia nociva.
    O transumanismo procura equiparar o homem a uma máquina e insiste na sua igualdade com um aparelho técnico, embora bastante avançado, mas os avanços na tecnologia e na engenharia genética, bem como os avanços no domínio digital, permitem sistemas de pensamento mais avançados, tornando o homem uma espécie de atavismo histórico.
    Finalmente, a ontologia orientada para os objectos nega o sujeito enquanto tal, considerando o homem uma unidade aleatória não relacionada numa multidão de objectos de todos os tipos puramente caótica e irracional.
    Caos de género
    —————–
    A política de género tem como objectivo abolir a hierarquia de género. Isto pode ser conseguido de três maneiras que determinam as principais tendências no terreno:
    – Igualdade total entre homens e mulheres em todos os aspectos (feminismo radical);
    – Fazer do género uma questão de escolha individual (transgeneridade);
    – Abolir completamente o género a favor de um novo tipo de ser sem género (ciberfeminismo).
    No primeiro caso, o igualitarismo de género mais brutal é estabelecido na sociedade. Neste caso, os indivíduos femininos e masculinos deixam de ser socialmente diferentes, o que conduz inevitavelmente ao caos do género. Nesta situação, alguns podem continuar a insistir no seu género e nas suas especificidades (por exemplo, mulheres que procuram aumentar os seus direitos como mulheres), outros são simplesmente indiferentes à identidade de género, enquanto outros ainda apelam à sua abolição total. Isto gera elevada turbulência e confrontos contínuos de indivíduos caóticos uns com os outros no contexto da incerteza do género. Obviamente, os conflitos dos átomos confusos em tal situação não diminuem, mas acumulam-se como uma bola de neve.
    A política de fazer da identidade de género uma questão de escolha pessoal – com a expansão das operações anatómicas de mudança de sexo para novas categorias, até às crianças – significa que a identidade de género se torna uma espécie de parafernália facilmente substituível, o equivalente a um vestido extravagante. O género muda tão facilmente como se muda de roupa numa nova estação, o que significa que uma pessoa começa a ser entendida como um ser essencialmente sem sexo, e esta ausência de sexo constitui a sua natureza, reduzida a pura individualidade.
    São, por conseguinte, as pessoas transgénero que representam a norma social. As tensões inerentes ao género enquanto tal, e a psicologia a ele associada, são aqui distribuídas entre indivíduos que se encontram sem algoritmos de ordenação. A atracção e repulsão das pessoas deixam de estar sujeitas a qualquer norma e toda a sociedade se torna um campo pansexual de vibrações de unidades essencialmente sem género. Algo semelhante a um ideal é descrito por Deleuze e Guattari.
    Finalmente, feministas filosoficamente responsáveis, como Donna Harroway, unidas sob o nome convencional de ‘ciberfeminismo’, propõem a abolição total do género, uma vez que qualquer forma do mesmo – incluindo homossexualidade, transgenerismo, etc. – se baseia num código duplo, assimétrico e hierarquicamente organizado [4]. O pensamento pós-moderno conclui que cada diferença é em si mesma uma desigualdade, o que significa que existirá sempre alguém superior e alguém inferior. Para abolir isto, temos de absolutizar e normalizar um ser cristalino sem género. Mas o homem e o animal não podem tornar-se isso.
    Consequentemente, as ciberfeministas concluem que devemos abolir o homem e substituí-lo por um ciborgue, uma máquina humanóide. É aqui que o feminismo radical e o transumanismo convergem.
    Todas estas tendências não são alternativas, mas desenvolvem-se em paralelo, e é fácil ver que tudo isto resulta num sistema caótico de nova democracia.
    Ecocaos
    ———
    A ecologia moderna aplica o igualitarismo a um campo diferente. Desta vez não se trata de identidade de género (desigualdade homem/mulher) mas sim de identidade de espécie – humana/ambiental. A ecologia exige que esta desigualdade seja mitigada, se não abolida. As versões mais extremas da ecologia fundamental propõem a ideia de que o homem representa uma linha de falha na evolução da natureza e deve ser abolido como uma anomalia.
    As actividades humanas estão a poluir o ambiente, a destruir paisagens ecológicas e muitas espécies animais. Os humanos estão a destruir os oceanos, a desflorestar, a perturbar o interior da Terra e a contribuir para mudanças na atmosfera, particularmente na camada de ozono. Os ambientalistas propuseram reconsiderar a ideia de que “o homem é o topo da criação e o pináculo da evolução” e tomaram como axiomático que o homem é um dos fenómenos da natureza juntamente com todos os outros e, portanto, tem uma quantidade de obrigações fundamentais para com a natureza.
    Anteriormente, o homem e a natureza eram considerados dois reinos diferentes, duas órbitas. O reino da mente e o do ambiente material da terra não se intersectavam. O filósofo Dilthey propôs uma divisão rigorosa das ciências em ciências espirituais (Geistwissenschaften) e ciências naturais (Naturwissenschaften) – cada domínio precisa dos seus próprios algoritmos, princípios, estruturas semânticas [5].
    Os ecologistas exigem a abolição desta distância hierárquica e pelo menos a igualização dos direitos do espírito e da matéria, de formas de vida pensantes e não-pensantes. Além disso, insistem numa revisão radical das relações com o ambiente: não é uma zona de externalidade, mas uma paisagem existencial da existência humana. O homem está inscrito na natureza e a natureza no homem. E esta relação recíproca deve ser igual e reversível.
    Assim, o pensamento ecológico procura abolir outra assimetria, reduzir o homem a uma espécie animal, um elemento da natureza. O homem deixa de ser o centro e torna-se a periferia, juntamente com todos os outros fenómenos naturais. Assim, o próprio homem torna-se um meio, um habitus natural.
    As versões extremas da ecologia vão mais longe e consideram o homem um fenómeno antinatural, uma ameaça para o ambiente. Portanto, para que o planeta viva, a espécie humana deve ser exterminada ou, pelo menos, significativamente reduzida. Caso contrário, a superpopulação, a catástrofe planetária e a extinção da própria vida não podem ser evitadas.
    Uma tal abordagem ecológica – numa versão moderada – parece suficientemente razoável e atraente. Mas aqui também, a rejeição da hierarquia transforma o todo natural-humano em caos. A própria natureza não tem um centro fortemente pronunciado – tudo nela se encontra na periferia, e assim a aproximação à sua lógica implícita (por exemplo, na filosofia pós-moderna de Deleuze, em que a prioridade do princípio rizomático tuberoso está em questão) leva a uma maior caotização do homem e da sociedade humana. Passando de um idílio pastoral para formas mais responsáveis de pensamento ecológico, começamos a ver que a natureza é inerentemente agressiva, violenta e poderosamente amoral nos elementos livres.
    A natureza pode sorrir, bem como zangar-se – e tudo isto independentemente do comportamento humano e sem de modo algum relacionar estes estados com o homem e a sua mente (a ecologia rejeita categoricamente qualquer indício de antropocentrismo). Por conseguinte, algumas teorias ecológicas – principalmente as relacionadas com a ecologia profunda – proclamam explicitamente as leis da agressão perversa e cega que prevalecem na natureza como modelo para a organização e vida humana. Na filosofia pós-moderna, esta viragem do pastoreio humanista para a imagística sádica e destrutiva é genericamente referida como “Deleuze negro”, uma vez que em algumas passagens deste brilhante filósofo, é possível encontrar motivos do canto nietzschiano da vida como um fluxo de agressão cega e omnipotente levado ao extremo.
    O caos das máquinas inteligentes
    ————————————-
    O grau de caos também aumenta quando a filosofia do transumanismo toma forma, a começar pela equação entre homem e máquina. Aqui, é ultrapassada outra órbita hierárquica.
    A noção de proximidade entre o homem e a máquina desenvolveu-se entre os pensadores da New Age muito antes do moderno transumanismo. O materialismo e o ateísmo impulsionaram precisamente esta interpretação do homem como uma máquina perfeita.
    O filósofo francês Lambert, na sua obra seminal intitulada “Homem-Máquina”, afirma-o directamente [6]. Esta tese tornou-se a generalização de uma direcção em medicina chamada ‘iatromecânica’ ou ‘iatrofísica’ (J. Borelli, W. Garvey, etc.), onde os vários órgãos do corpo humano eram representados sob a forma de instrumentos de trabalho analógicos: braços e pernas – alavancas e juntas, pulmões – fole, coração – bomba, etc. Duckart já tinha insistido que os animais eram máquinas que podiam ser facilmente calculadas no futuro e as suas réplicas directas, e até mais perfeitas, criadas. Mas Descartes excluiu a mente humana, a sua subjectividade, deste quadro. Lambert vai mais longe que Descartes e que a ‘iatromecânica’ e propõe considerar o homem inteiro – e não apenas o seu corpo – como uma máquina. Sim, esta máquina tem um motor ainda não reconhecido, o intelecto que controla todo o mecanismo, mas com o tempo também terá de ser calculado e assim será criado um molde.
    Quando os psiquiatras mais tarde estudaram o funcionamento do cérebro, a ideia da estrutura mecânica da mente foi mais desenvolvida e a descoberta de sinapses no córtex cerebral foi vista como confirmação de que a ciência se tinha aproximado mais de desvendar o funcionamento da consciência.
    A partir da figura do homem-máquina, a ciência materialista desenvolveu a componente máquina – tanto no corpo como nos campos da psicologia e da neurologia. Na psiquiatria, circulou a teoria da ‘máquina de Helmholtz’, que desenvolveu a tese de Lametrice com um grau muito maior de detalhe sobre a estrutura mecânica do homem.
    No final do século XX e início do século XXI, a neurociência, a ciência cognitiva, a tecnologia digital e a engenharia genética tinham chegado muito perto de produzir o protótipo da máquina de que Lambert falou. Mas subsistem ainda algumas incertezas acerca da Inteligência Artificial como simulacro de consciência. Duas áreas foram assim identificadas no campo da Inteligência Artificial:
    – a área da acumulação, armazenamento e sistematização de dados,
    – as redes neurais capazes de criar estruturas semânticas (por exemplo, línguas artificiais) independentemente, sem um operador.
    A primeira área é por vezes referida como ” Inteligência Artificial Fraca “. É muito superior ao cérebro humano em termos de velocidade e capacidade de armazenar e manipular dados. Mas falta-lhe a força de vontade que, juntamente com a razão, é uma componente necessária do sujeito. E assim, a “IA fraca” é tecnicamente muitas vezes mais forte do que o cérebro humano.
    Contudo, é apenas uma máquina, embora superior à máquina humana.
    Quando a ‘IA fraca’, isto é, a estrutura de manipulação de dados e processos tecnicamente controlados, é controlada não por um operador humano, mas por uma poderosa rede neural a IA torna-se verdadeiramente forte. Esta é uma inteligência artificial forte. É aqui que entra em jogo o factor vontade. A Máquina é agora totalmente humana. É agora um Homem-Máquina.
    A transição completa da hipótese do Homem-Máquina para a construção do Homem-Máquina é o momento da Singularidade de que os transumanistas modernos falam. Quando este momento chegar, a diferença entre homem e máquina, entre organismo e mecanismo, será abolida. Tal como os macacos (segundo a teoria darwiniana) deram à luz o homem, que assumiu o controlo de uma ferramenta e assim abriu uma nova página da história, na Singularidade o homem passará o testemunho à inteligência artificial.
    Mas esta transição representa o maior dos riscos. Homem e máquina estarão no mesmo plano durante algum tempo, colidindo um com o outro. O homem não se enfraquecerá imediatamente ao ponto de confiar completamente na máquina, que pode decidir que é inadequado que a espécie continue a existir. Por exemplo, se a rede neural conhecer os ensinamentos dos ecologistas profundos. Além disso, uma inteligência artificial forte não alcançaria imediatamente uma total autonomia energética e independência do hardware, ou até dos operadores. O caos que certamente seria desencadeado nessa situação tem sido descrito muitas vezes na literatura fantasista e vividamente prefigurado no cinema, tal como no Matrix, no Mad Max, etc.
    Mais uma vez, o igualitarismo da nova democracia conduz inevitavelmente ao caos, à agressão, à guerra e à brutalidade.
    Caos dos objectos
    ——————–
    Os mais honestos dos pós-modernistas e futuristas são os representantes do realismo crítico (ou da ontologia orientada para o objecto). Levam o materialismo da Nova Era à sua conclusão lógica e apelam à abolição completa da matéria. C. Meiyasu observa que todas as filosofias e ciências, mesmo as mais igualitárias e progressistas, não podem ir além da correlação [7]. Cada objecto é obrigado a ter um correlato, um par, quer no domínio da mente (positivismo clássico) quer entre outros objectos. Meiyasu e outros realistas críticos (H.Harman, R.Brassier, T.Morton, N.Land, etc.) propõem abandonar completamente a procura de correlações e mergulhar no próprio objecto. Isto requer uma ruptura definitiva com a posição central da razão e o tratamento da consciência como um objecto entre outros.
    Na prática, isto só é possível através da completa eliminação do homem como sujeito, portador da razão. Isto é, o homem é doravante considerado como um misterioso objecto incognoscível, arbitrário e incomensurável como todas as coisas no mundo exterior. Ao mesmo tempo, Meillassoux também critica Deleuze, acreditando que ele está a dar demasiada importância à vida. A vida já é uma violação do silêncio subjacente da coisa, uma tentativa de dizer algo e assim introduzir uma desigualdade, de criar os pressupostos da hierarquia e da orbitalidade. Daí a proposta dos ontologistas orientados para o objecto de não só abolir o homem, mas abandonar a centralidade da vida.
    Agora nem sequer o caos das espécies privadas do seu centro humano é suficiente. O próximo – e logicamente o último – passo do igualitarismo exige a abolição da vida, incluindo a vida natural. Este tema é melhor desenvolvido por Nick Land [8], que reduziu a génese da vida e da consciência a um trauma geológico, a ser superado pela erupção da lava terrestre e pela penetração do núcleo através da casca da crosta arrefecida. Segundo Land, a história da vida na Terra, incluindo a vida humana, não é senão um pequeno fragmento na história geológica do arrefecimento do planeta e a sua busca para regressar a um estado de plasma.
    Neste modelo, passamos da apologia do caos biológico para o triunfo do caos material. A abolição de toda a hierarquia e correlação atinge o seu apogeu, enquanto o igualitarismo, levado ao seu limite lógico, culmina no triunfo directo do caos morto que destrói não só o sujeito, mas também a vida.
    O igualitarismo é o caminho para o caos
    ——————————————–
    As agendas de género, ecológica e transumanista são já características indispensáveis da nova democracia. O movimento em direcção à derradeira abolição do sujeito e da vida em geral é um vector do futuro, já claramente delineado. O igualitarismo é um movimento em direcção ao caos em todas as suas formas; e o caos – ao contrário do idílio inicial e puramente polémico – aparece sempre como sinónimo da inimizade de Empédocles (νεῖκος), isto é, o equivalente a guerra, agressão, destruição e aniquilação.
    Já a abolição das hierarquias de classe, que coloca pessoas de natureza espiritual e militar em pé de igualdade com camponeses, artesãos e operários, produz um ambiente social não natural em que há uma confusão desordenada de impulsos corporais – uma vez que pessoas de natureza diferente têm em comum – e mesmo assim só na aparência – o corpo. A sociedade burguesa incorpora elementos heterogéneos que só podem corroer o seu funcionamento sistémico. Além disso, a ausência de órbitas superiores impede que as órbitas inferiores mantenham as suas trajectórias. Um escravo sem um senhor (na fórmula de Hegel) deixa de ser um escravo, mas também não se torna um senhor. Cai num estado de pânico, começa a labutar, agora para imitar o Senhor, agora para regressar à consciência habitual do Escravo. Isto é já um estado de caos.
    Quando as tendências igualitárias se intensificam, o caos apenas cresce, e a nova democracia – na sua expressão pós-modernista – admite cada vez mais abertamente que está a conduzir a causa para o caos e para um incremento do seu grau, e não o contrário. Enquanto os liberais clássicos confiaram na mão invisível do mercado para ordenar a actividade caótica dos actores de mercado desesperadamente concorrentes, os novos liberais procuram abertamente tornar o sistema cada vez mais turbulento. Isto é o que se torna a ideologia e a estratégia do globalismo.
    Alexandr Dugin
    19.12.2022
    ~~~~~~~~~~~~~~~~~~~~
    Notas:
    [1] Дугин А.Г. Интернальные онтологии. Сакральная физика и опрокинутый мир. М.: Директмедиа Паблишинг, 2022.
    [2] Дюмон Л. Homo hierarchicus: опыт описания системы каст. М.: Евразия, 2001.
    [3] Дюмон Л. Эссе об индивидуализме. Дубна: Феникс, 1997.
    [4] Харауэй Д. Манифест киборгов: наука, технология и социалистический феминизм 1980-х . М.: Ад Маргинем Пресс, 2017.
    [5] Дильтей В. Описательная психология. СПб.: Алетейя, 1996.
    [6] Ламетри Ж. О. Сочинения. М.: Мысль, 1976.
    [7] Мейясу К. После конечности: Эссе о необходимости контингентности. — Екатеринбург; М.: Кабинетный ученый, 2016.
    [8] Land N. Fanged Noumena: Collected Writings 1987-2007. Urbanomic/Sequence, 2011.

Deixe um comentário

O seu endereço de email não será publicado. Campos obrigatórios marcados com *