O Papa Francisco, na sua homilia do dia de Todas as Almas, na Basílica de São Pedro, criticou a falta de compromisso com as pessoas. “Estamos a tornar-nos mestres da complexidade, que falam muito, mas fazem menos”. Muitos dizem sim a tudo, mas no final resulta daí um não, por exemplo, quando se trata de acolher migrantes.
De facto, o nosso sistema de liberalismo económico desregrado está empenhado sobretudo nos lucros que geram muitos superbilionários, servindo-se para isso também da exploração de outros povos. Multinacionais, com as suas tecnologias e produtos concorrentes, aniquilam, muitas vezes, as indústrias e comércios indígenas; em vez de criarem riqueza para proveito das populações locais, são, muitas vezes, causa de as pessoas emigrarem.
Temos bom exemplo disso também em Portugal. As fortes nações europeias para darem escoamento aos seus produtos industriais e tecnológicos abriram os mercados aos produtos da China. Na consequência Portugal viu-se enfrentado com a grande concorrência dos produtos vindos da China. Indústrias têxteis no Norte foram à falência e a indústria do calçado local de grande qualidade no comércio (por exemplo na minha zona, S. João da Madeira e Santa Maria da Feira) foi destruída em favor de duas grandes filiais alemãs que depois de arrecadarem os fundos desertaram. As referidas filiais empregaram temporariamente muitos operários, mas à custa das pequenas indústrias locais. A sorte de Portugal é que encontra uma certa solidariedade da União Europeia que em compensação e para impedir o possível desenvolver-se de uma revolução popular (e a desintegração dos países da zona euro), se adiantou com a política dos “fundos perdidos” e a dos juros baixíssimos para os empréstimos estatais; doutro modo os Estados da periferia cairiam na falência imediata. Os tempos que se aproximam com uma política de juros mais altos irão criar problemas aos países mais devedores!
Países africanos encontram-se expostos à concorrência feroz que impede os mercados nativos de se afirmarem por si mesmos. As pessoas são obrigadas a emigrar para fugirem à fome e à miséria provocada por um capitalismo liberalista desregrado que se serve da globalização para saciar a sua sede de mais.
Quem ganha com a exploração sistémica somos todos nós, os que temos um nível social elevado, mas os que mais ganham com isto são as grandes multinacionais localizadas nas grandes potências, e as elites dos diversos países que não se veem motivadas a mitigar o sistema no sentido de maior justiça social e de prática democrática na relação entre povos e na distribuição de meios de produção e bens entre eles. Apesar das remessas dos emigrantes para o desenvolvimento de Portugal, é uma tragédia o facto de o povo português investir tanto na formação de académicos e muitos destes se virem obrigados a terem de emigrar para poderem melhorar o seu nível de vida! O cinismo da questão ainda se verifica no facto de muitos dos nossos emigrantes académicos irem muitas vezes ocupar-se de trabalhos que não exigem qualificação. Deste modo a nossa camada social média vai, muitas vezes, fazer com que a camada baixa de países importadores desses emigrantes se torne menos baixa!
Nós podemos e temos o dever de acolher imigrantes não só para equilibrarmos a nossa balança etária, mas também porque muito dos bens que temos se devem à exploração de que o sistema turbo-liberalista desregulado se serve noutros povos e em Portugal também!
António da Cunha Duarte Justo
Pegadas do Tempo