A POLÓNIA QUER QUE A ALEMANHA PAGUE 1,3 BILIÃO (TRILHÃO) DE EUROS EM REPARAÇÕES PELOS DANOS DA SEGUNDA GUERRA MUNDIAL

A invasão alemã da Polónia foi há 83 anos, a 1 de setembro (início da Segunda Guerra Mundial). A gigantesca soma de 1,3 trilhão de euros é o resultado de um relatório de peritos polacos. A Polónia pretende exigir reparações. De acordo com o relatório, 5,2 milhões de pessoas perderam a vida durante a ocupação alemã e mais de 2,1 milhões de homens e mulheres foram deportados como trabalhadores forçados.

Segundo informação do HNA de 2.09, o 1,3 trilhão resulta das “perdas para a economia nacional causadas pelos rendimentos já não gerados pelos mortos e que a comissão de inquérito avalia em 919 mil milhões de euros”. A estes somam-se os “danos materiais causados pelo ataque e ocupação alemães avaliados em 170 mil milhões de euros. Além disso, há bens culturais e arte no valor de quatro mil milhões de euros que foram destruídos”.

Para o governo alemão, a questão já não é relevante e teria sido resolvida em 1990 com o Tratado 2+4. O Tratado 2+4 (1) é um tratado de estado entre a República Federal da Alemanha e a RDA, mas também entre as potências ocupantes França, EUA, Grã-Bretanha e a União Soviética. O tratado clarificou aspectos de política externa e condições internas para a reunificação da Alemanha.

O problema é que tudo tem sido combinado entre as potências ocupantes e estas decidiram por si sem a participação directa dos países vítimas; no caso do tratado 2+4 em que estavam presentes os dois estados alemães e os 4 ocupantes (USA, União Soviética, França e Reino Unido) não foi referida a questão das reparações (no caso da Alemanha unida). Facto é que estados ocupados pela Alemanha como a Grécia e a Polónia não foram envolvidos nas conversações!

A exigência actual da Polónia, embora atrasada, torna-se oportuna, precisamente, numa altura em que a Alemanha disponibiliza tantos milhares de milhões para o investimento na guerra. Uma Alemanha que até 2022 seguia uma política empenhada no fomento da faz quebra com o passado pós-guerra tornando-se em promotora de guerra.

Quem tem tanto dinheiro disponível para uma guerra fora de casa deveria ter maiores verbas disponíveis para reparar tantos prejuízos e mortes causadas por iniciativa própria.

O empenho no investimento em armamento e guerras reduz o empenho em medidas construtoras de paz!

 

António da Cunha Duarte Justo

Pegadas do Tempo

 

(1) Tratado 2+4: https://www.bundestag.de/resource/blob/579362/47b6ac2d55fcb4c12dfcce3cedc0e7d0/WD-2-149-07-pdf-data.pdf

MORREU GORBATCHEV ANTIGO LÍDER SOVIÉTICO E NOBEL DA PAZ

O Demolidor de Fronteiras morre no Ano dos Construtores de Fronteiras

Mikhail Gorbatchev (1931-2022), outrora o segundo homem mais poderoso do mundo, morreu com 91 anos (30/08). Foi um estadista soviético e depois russo que governou a URSS entre 1985 e 1991. Ele não destruiu a União Soviética, como alguns querem fazer crer, a URSS desmoronou-se por si própria devido à falência económica do sistema e à política de liberdade de expressão e de reconstrução) por ele iniciada em 1985 (1). Com a sua Perestroika (plano de Gorbachev para modernizar a economia e a sociedade soviéticas) e Glasnost (transparência, fim da censura oficial), possibilitou a ultrapassagem da guerra fria. Ele terminou com o sistema comunista estalinista na esperança de iniciar uma nova era! Queria preservar o comunismo sob um sinal diferente, mas o povo decidiu o contrário e ele aceitou a realidade em vez de recorrer ao poder militar. Gorbatchev foi um europeu antes dos políticos europeus terem acordado para a Europa e deste modo encontramo-nos numa constelação sem Europa, sem Ucrânia e sem Rússia, transformados em meros membros da OTAN.

Também a UE deixou de ser “europeia” para se tornar norte-americana e a Alemanha voltou à sua tradição guerreira e assim não haverá remédio para uma política europeia pacífica de compromissos; sim porque os alemães de ontem que eram pela paz – os Verdes – se tornaram nos mais activos propagandistas da guerra e o próprio chanceler, depois de muitas hesitações cedeu à corrente anti compromisso. Acabaram-se as manifestações pela paz!…

Mikhail Gorbatchev foi um europeu que ficou sem resposta europeia, mas, em vez dela, com resposta americana. A sua ideia da “casa europeia” não foi acompanhada por todos e agora voltamos à guerra fria escoltada de uma guerra quente, cada vez a ser mais puxada para a UE pelos nossos governantes! Perdeu-se a oportunidade de se organizar uma terceira via liberta do sistema comunista e do sistema globalista turbo-capitalista.

Gorbatschev calou-se sobre a guerra da Ucrânia, certamente por desilusão com Putin e com os EUA/OTAN.

O mundo inteiro chora Gorbachev, embora na Rússia e nos comunistas permanece uma imagem confusa dele.

Putin disse “M Gorbachev foi um político e estadista que teve uma tremenda influência no curso da história mundial”.

Gorbachev tinha criticado Putin por restringir a liberdade e a democracia. Gorbachev também criticou o Ocidente (EUA) por se declarar o vencedor (“triunfalismo”) da Guerra Fria, explorando a fraqueza da Rússia e prosseguindo políticas míopes.

Em 08/11/2019 o Gorbachev advertiu que a tensão atual entre a Rússia e o Ocidente está a colocar o mundo em “perigo colossal” devido à ameaça das armas nucleares. NA BBC apelou a todos os países a declarar que as armas nucleares devem ser destruídas.

Como se viu na União Soviética e na antiga Alemanha socialista, no momento em que um estado ditatorial permita um pouco de liberdade ao povo, o fim do sistema processa-se rapidamente. Isto significa que o sistema ditador comunista não corresponde ao espírito natural da pessoa nem ao de uma sociedade e como tal não proporciona sustentabilidade social.

A “Gorbi” se deve a paz de que tínhamos desfrutado na Europa. Que descanse em paz!

António da Cunha Duarte Justo

Pegadas do Tempo

(1)  A sua política de Glasnost e perestroika (‘abertura’ e “transparência”) foi veneno num sistema que não pode existir sem um centralismo total do Estado. Por isso ainda há muitos defensores de uma ditadura de esquerda que condenam Gorbatchev.  Liberdade de expressão e liberdade de imprensa isenta de controlo e de influências será sempre uma utopia em todos os sistemas de governo.

A MAIORIA DOS JOVENS NÃO CONFIA NOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO SOCIAL

De acordo com um inquérito (estudo da Universidade de Bielefeld) na Alemanha, a maioria dos jovens não confia nos meios de comunicação social.

75,8% não confiam nos jornais e 71,6% não confiam nos jornalistas.

37,9% suspeitam que os meios de comunicação social retêm deliberadamente informações importantes.

32,8% pensam que os profissionais dos media apenas difundem a sua própria opinião.

Entre os adolescentes, apenas 53,9% confiam no governo federal e 54% nas Nações Unidas.

Manifestam mais confiança nos cientistas com 76,1% e na polícia com 79,9%.

Este é um sinal de alarme que deveria levar a um exame de consciência dos Instituições dos meios de comunicação social, difusoras de notícias e jornalistas.

Em vez de se colocar o problema nos jovens já vai sendo tempo de as agências noticiosas se examinarem e mudarem de rumo.

Através do acesso à internet hoje há maior possibilidade de observar e questionar o que se encontra por trás dos grupos de influência.

A juventude pode ter uma ideia mais diferenciada do espectro noticioso porque faz uso da Internet não se limitando ao saber transmitido pelas notícias e telejornal como acontece a muitos condicionados a tais praxes. Os novos meios permitem maior troca de informações, mas não necessariamente saber mais profundo.

De facto, a nível social somos o resultado da informação biológica genética e da informação do meio em que vivemos e não temos tempo suficiente para nos questionarmos sobre isto.

António da Cunha Duarte Justo

Pegadas do Tempo

9.000 SOLDADOS MORTOS DA PARTE UCRANIANA E 40.000 DA PARTE RUSSA

O chefe do exército ucraniano disse que as crianças ucranianas precisam de atenção especial porque os seus pais estão na linha da frente de batalha e “podem estar entre os quase 9.000 heróis mortos”. O Alto Comissário das Nações Unidas para os Assuntos Humanitários acrescentou que, desde então, foram mortos 5.587 civis (incluindo 362 crianças) e outros 7.890 feridos. Dados respeitantes ao período de 24 de fevereiro até 21 de agosto 2022.

O governo ucraniano, nas suas informações fala de mais de 40.000 soldados russos mortos.

Já na guerra civil ucraniana iniciada a 14 de abril de 2014 até 15 de setembro de 2016, de acordo com a ONU, 9.640 pessoas tinham sido mortas e 22.431 feridas. Pouco depois do derrube do Presidente Viktor Yanukovych, (2014) amigo da Rússia, pelo movimento Maidan pró-UE, partes das regiões de Donetsk e Luhansk, tradicionalmente próximas da Rússia, separaram-se de Kiev.

De acordo com o governo ucraniano, 14.000 pessoas tinham sido mortas na guerra civil até 13 de maio de 2021. Outros falam de 13.000 civis e de 4.000 soldados mortos.

A causa da guerra civil ucraniana e da invasão russa de 24 de fevereiro 2022 está sobretudo na quebra da neutralidade ucraniana levada a cabo pelo movimento Maidan pró União Europeia e pró OTAN e concretizada na deposição do presidente ucraniano que depois se exilou na Rússia. Os militares ucranianos queriam pôr fim à revolta dos separatistas pró-russos de forma rápida e decisiva. Mas estes receberam apoio da Rússia. A planeada operação “antiterrorista” transformou-se numa guerra civil que durou mais de sete anos, com mais de 13.000 baixas, como informou a ARD alemã.

Dado a revolta do movimento Maidan preparado pelos USA/OTAN e ao movimento separatista apoiado pela Rússia, a Ucrânia foi consequentemente transformada num campo de batalha entre a Rússia e os EUA/OTAN.

Quanto aos dados sobre os mortos inicialmente referidos, outras fontes referem muito maior número.

Nesta guerra fratricida todos os Estados envolvidos se mostraram irresponsáveis: os políticos fracassaram e o povo terá de pagar amargamente as favas. Especialmente Selensky e os governos dos EUA/OTAN continuam a empurrar, para as garras do urso, o povo ucraniano sem que este tenha oportunidade de vencer. É triste observar-se que apenas interesses económicos e geoestratégicos aliados a fanatismos prolongam uma guerra em que não há preocupação por resolver o conflito através de conversações e acordos porque parecem interessados em que a Ucrânia desapareça do mapa. Quem morre são os outros!

António da Cunha Duarte Justo

Pegadas do Tempo

CRENÇA É A PARTE EXTERNA DA FÉ

Pressupostos para uma práxis religiosa e para o diálogo com crenças não religiosas

Nas discussões de caracter ideológico confunde-se, muitas vezes, fé com crença e deste modo cai-se em discussões paralelas ou confusas. A fé tem a ver com a experiência espiritual com Deus e a crença tem mais a ver com a doutrina, com a visão mental e ordenação lógica do conhecimento em comunidade. A crença expressa o falar do homem sobre Deus enquanto que fé vive da experiência tida ao entrar em relação profunda com o divino.

A crença é como que o interruptor comunitário que estabelece o contacto com Deus a nível de vivência individual e universal transcendental e possibilita a experiência da fraternidade. A crença coloca-nos num estado de abertura que possibilita a abertura para uma relação de confiança. Religião significa ligação a Deus e é mais que uma compreensão, mais que um alinhamento de ideias lógicas dentro de uma cultura. A verdadeira crença assenta numa experiência espiritual individual profunda; neste âmbito a doutrina tornada fé transforma-se em vivência que nos mergulha numa espécie de ressonância amorosa universal, vivência essa que suplanta as diferentes expressões religioso-culturais porque acontece a um nível de união espiritual comum e não de divisão/definição onde se passa a compreender as simbolização culturais como expressões de uma análoga experiência e sentido comum. Que a chama da espiritualidade, fé se dê em torno de uma verdade da crença também não desqualifica as crenças porque elas formam a ponte que conduz a uma experiência de amor profundo que é de tal maneira envolvente que o próprio corpo participa da experiência inefável.

Crença e fé estão intimamente conectadas; uma crença sem fé (experiência espiritual) é algo que não satisfaz a personalidade no seu todo de ser espiritual dado situar-se ao nível de um viver ad extra (mover-se a nível do “folclore” de uma filosofia/mística mais profunda e que aquele alberga)!

É natural que um discurso pressupõe uma certa objetivação e objetividade, mas também não se pode limitar aos dados mentais ou pragmáticos (de uma lógica ordenada causalmente, de eficiência ou utilidade prática) para ser dialogal. Quem sabe da ilusão a que também a mente poderá estar sujeita, como amante da sapiência, terá de aceitar a sua posição e a do dialogante com benevolência atendendo à insegurança ou falta de evidência do terreno em que nos movemos. Daí a atitude construtiva e benevolente de criar um espaço necessário para a dúvida metódica que leva à aceitação do “in dúbio pro reo” e possibilita a oportunidade para uma ampliação da própria perspectiva e visão.

A pessoa só orientada por princípios mentais tidos como claros terá de considerar que há espaços da chamada realidade carentes de ser consciencializados. O problema maior situa-se entre a percepção (representação) e a interpretação no espaço que separa o receptor do emissor e vice-versa e o objecto da ideia. A percepção está ligada a factores externos como os sentidos (visual, cheiro, táctil, sonora e gustativa). Já a este nível a percepção se encontra dependente do estímulo, da selecção sensorial, organização e interpretação. Para complicar a perceção e interpretação ainda se veem juntar a estes factores condicionantes da perceção da realidade, outros factores internos como a própria atitude, os motivos, experiências, interesses e expectativas.

Não podemos reduzir o ser à percepção como algum filósofo quereria, nem tão-pouco ao entendimento dele. Também a ideia é um produto do processo de pensamento. Tudo isto condiciona naturalmente as nossas imagens do mundo à nossa volta. As percepções são principalmente processos inconscientes de processamento de informação e percepção individual. As percepções são, portanto, inventários selectivos-subjectivos do ambiente, mas num sentido mais amplo, incluem também processos inconscientes e emocionais de sentimento.

Só pode ter a percepção ou detectar o odor da canela quem tem o órgão do cheiro operacional. Quem não tiver acesso ao “órgão” da espiritualidade está condicionado a ordenar as suas percepções aos factores de que dispõe.

É difícil para um ateu e também para algumas pessoas religiosas intuir a diferença entre crença e fé limitando-se a falar sobre as religiões a nível de discurso mental de crença ou do aspecto “folclórico” dela.

Apresento aqui a experiência que um amigo meu ateu (Hartmut) teve e me contou e que pode ter uma certa semelhança com a experiência de fé de um crente. O amigo fez uma viagem de barco. No princípio ao entrar no barco, este parecia-lhe muito grande e ele sentiu-se bem passeando nele a sua pessoa enquanto admirava a grandeza do barco. Entretanto o barco partiu e quando se encontrava já no alto mar, onde as águas eram planas, sentiu o barco como uma coisa minúscula e um oceano imenso com uma abóboda celestial infinita. Nesta situação o amigo sentiu profundamente a sua pequenez e a do barco e a ao mesmo tempo a grandeza do universo. Sentiu uma vivência especial da sua pessoa como extrema pequenez e da imensa grandeza do céu e do oceano de que teve a sensação de fazer parte. Esta experiência do amigo ateu é similar à experiência de fé de um crente: a experiência da extrema pequenez do próprio ser e ao mesmo tempo a experiência da grandeza divina de que faz parte criam uma nova consciência e uma nova maneira de sentir e ordenar as coisas.

Certamente um ateu que não tenha feito a experiência do viajante ateu verá a viagem de forma descritiva apenas pela razão e a sua visão da viagem do barco é muito diferente daquele que fez o viajante ateu porque lhe falta a vivência do momento especial e a intuiç1bo que ele pode causar.

Há muitas pessoas que confundem fé com crença (credo) quando se trata de coisas distintas. Uma tem mais a ver com a mística (fé é vivencia espiritual) e a outra com a filosofia da linguagem (a crença verdadeira quer ser justificada a nível de afirmações (credo) que unem uma comunidade) e que cria objectividade. Uma é experiência íntima com um Tu e a outra é um conceito de fé. A união das duas pode levar à convicção envolvente. A crença realiza-se na fé e esta transpõe o nível da explicação porque acontece a nível de vivência dialógica com o todo, com o divino e não só a nível de parte. A fé pode transcender as próprias crenças e as simbologias culturais dado ser uma aptidão humana para o transcendente e expressar-se numa experiência metafísica comum enquanto a crença empenha o pensamento, a razão no sentido de granjear a verdade que conduz à convicção, sentencia certa. Assim dá-se uma interligação entre intuição espiritual e doutrina (fundamento racional ou justificação). A crença na Trindade pode levar, a nível de experiência espiritual íntima, à experiência das três pessoas na vivência de uma fórmula única (a relação eu-ele manifesta na experiência do nós). A experiência mística não se pode reduzir ao conhecimento dela porque é envolvente e não reduzível ao elemento e como tal permanece uma experiência não objetivável em palavras. A fé é uma espécie de saudade saciada numa vivência e que conduz a uma atitude de confiança universal que nos envolve numa espécie de carinho comunicativo e numa atitude básica de humildade e do bem querer porque se experimentou o verdadeiro de toda a realidade num relâmpago que atravessa toda a existência numa visão-vivência interior sem fronteiras.

Neste sentido passo a refletir sobre Teresa de Ávila (1) que pode ajudar a uma melhor compreensão da realidade crença-fé. Teresa manifestou a preocupação de não acedermos a Deus só através do direito canónico ou de frases teológica; ela defendia a consideração mística numa teologia demasiado intelectualizada. Para ela tratava-se de entrar na presença mística de Deus numa oração interior de relação de amor com Deus, numa relação de amizade sincera com Deus, num envolvimento de “tu”. Teresa dizia “Pode-se falar com Deus como se falasse com um bom amigo”. É uma espiritualidade profunda envolvente do quotidiano e por isso Teresa dizia “O Senhor também habita entre as panelas da cozinha”. Na altura ela tentou mover formas demasiado rituais da Igreja para uma espiritualidade de trazer por casa. É natural que a sua teologia mística aproxima Deus da pessoa e como tal relativiza um pouco certas regulamentações eclesiásticas, ao criar um espaço para a subjetividade individual na doutrina! O caminho da teologia mística e da amizade directa com Deus sempre causou dores de cabeça aos representantes das religiões tal como a certos clérigos (e direito canónico) que viam nisso um certo confronto ao regulado. Ela ao, de um certo modo, proceder a uma certa destronização de Deus e puxando-o para o centro do coração humano, o seu “castelo interior” situado no coração da alma constituía para os dogmáticos um perigo de subjetivação e também de relativação da ordem eclesiástica.

Naturalmente que a posição desta doutora da Igreja pressupõe o uso do critério de caracter mais objetivo estabelecendo uma balança com o da subjetividade sem um aspecto ter de negar o outro. De uma coisa estou certo, a mensagem de Teresa estava bem fundamentada na mensagem de Jesus para quem o interesse e dedicação é dirigido para as pessoas e não para as organizações, sejam elas religiosas ou seculares. A dúvida e os medos também podem ser uma oportunidade para nos aproximarmos de Deus (do âmago da nossa ipseidade) e isto mostrou Teresa na qualidade de pessoa imperfeita como cada pessoa, conseguiu viver liberta porque entusiasmada pela relação íntima com Deus. Ela no meio de sofrimentos e dúvidas questionava sempre o pensamento único. A dúvida faz parte da crença e pode também atingir o nível da fé (momentos do deserto) mas o que sempre fica é a experiência-vivência uma vez tida com Deus. A dúvida são os momentos de pausa que nos impulsionam a ir mais além! A abordagem de Deus a nível de mente e de coração (vivência relacional) completam-se e possibilitam a vivência de comunidade e em comunidade com todos e com tudo. Gosto muito de Teresa porque também acho que mais que ter sempre Deus ou nossa senhora nos lábios importante é viver o dia a dia profano com eles no coração, a ponto de não ter de fazer muita diferença entre o interno e o externo nem tão-pouco perder-se na moral!

Teresa consegue fazer valer na teologia o valor da experiência, a interioridade mística demonstrando a insuficiência da intelectualidade de caracter discursivo que se aproxima mais do senhoreio e assenhoreamento mundano (2) numa do divide para imperar, divide para te afirmares.

Teresa de Ávila também defendia a união da experiência espiritual à corporal. Neste sentido afirmou uma teologia negativa de acesso a Deus o que pressupõe uma certa imanência divina. Ao introduzir a experiência íntima (a mística) como argumento válido da teologia envolve directamente o cristão, o teólogo e o clero, o que indirectamente constituía uma crítica às hierarquias, porque o que as deveria legitimar seria a experiência mística com Deus dando prioridade à via do coração em relação à via do intelecto. Este é para mim um momento alto de teologia feminina porque questiona, por dentro a matriz cultural e de pensamento masculino para optar por uma matriz da masculinidade e feminilidade, da espiritualidade e da corporalidade em equilíbrio. Esta teologia ainda está por realizar institucionalmente; acontece, porém no coração de muito homem e mulher que penetraram no verdadeiro âmbito da fé e não apenas da crença!

Neste processo de acesso a Deus chega a abdicar-se do conhecimento discursivo de Deus através de ideias e atributos (está-se perante uma Teologia negativa : do que Deus não é porque “é” a transcendência absoluta) em contraposição à teologia afirmativa da asserção de Deus como bem, beleza, amor, inteligência, paz, perfeição….

Confiar e invocar a experiência íntima pessoal subjetiva e argumentar em nome dela, é ainda hoje considerada ousadia que pode minar a vontade institucional e as jerarquias

Para ela não há verdadeira teologia sem a experiência divina! Pela via mística, Deus habita no coração do Homem, a espiritualidade “desce à terra”, não se baloiçando apenas nas teorias intelectuais nem na confusão do dia-a-dia. Urge uma práxis teológica da espiritualidade.

Teresa dizia: “Quem ama faz sempre comunidade; não fica nunca sozinho… Ser grande é amar os pequenos. Ser pequeno é odiar os grandes”.

António da Cunha Duarte Justo

Teólogo e Pedagogo

Pegadas do Tempo

(1) TERESA DE JESUS UMA MULHER GRANDE E MUITO INTERESSANTE NA HISTÓRIA DA CULTURA: https://antonio-justo.eu/?p=4935&fbclid=IwAR07ecm5zTj4_qKRxyvoj1bGCPpYylCStSxaeso-ez7hV_StGojFket4Zno