40° Aniversário do 25 de Abril

Do que se fez e do que falta fazer

António Justo
A canção de Jeca Afonso, “Grândola Vila Morena”, usada na Rádio Renascença como palavra de ordem para dar início à revolução, expressa o ideal da liberdade e da fraternidade, que como sonho nunca poderá ser totalmente cumprido. Quarenta anos depois da canção, apesar da abertura e do desenvolvimento havido, é preciso relembra-lo e coloca-lo na ordem do dia.

Outrora, na origem da Revolução de Abril, o MFA – um movimento de anticolonialistas e idealistas de esquerda – dava expressão à crise do colonialismo e às lutas ideológicas entre o imperialismo soviético e o imperialismo americano. Hoje, o mesmo país, tornou-se, de novo, o rosto da crise socioeconómica e cultural do mundo ocidental (ver Repensar a Revolução em www.antonio-justo.eu).

Portugal, na falta de agir próprio, foi também vítima do estado do clima das potências mundiais, devido ao seu enquadramento nos centros de interesses internacionais (URSS-USA, Europa, Nato). O que aconteceu em Portugal em contextos próprios, acontece hoje, de maneira mais descarada, na Síria, na Ucrânia, etc.. Tudo em nome da defesa de interesses regionais mas a servir os grandes imperialismos internacionais.

O golpe militar que derrubou a ditadura de Salazar viu-se indirectamente legitimado pelo apoio que o povo lhe deu; corria entretanto perigo de se tornar numa ditadura militar, no sentido de Vasco Goncalves, dado a realidade das forças populares e burguesas portuguesas não serem unívocas, tal como acontecia dentro do MFA entre o ideólogo Vasco Goncalves leal a uma ideia comunista extrema (gonçalvismo) e o ideólogo Melo Antunes com os pés mais assentes na terra portuguesa que, embora socialista, era adverso do socialismo soviético.

O general Vasco Gonçalves, de ideologia comunista, era, com Rosa Coutinho e Otelo Saraiva de Carvalho, um dos líderes do Movimento Forças Armadas (MFA) que encabeçou vários governos provisórios e tinha o intuito de instalar em Portugal uma ditadura popular. À frente do V governo provisório o “companheiro Vasco” conseguiu determinar a nacionalização da CUF, Setenave, Covina, Pirites Alentejanas, Petroquímica, Amoníaco Português, Nitratos de Portugal, bancos, seguros, transportes públicos e dos Estaleiros Navais de Viana do Castelo e implementar a reforma Agrária.

Na altura a Europa temia e tremia com o desenvolvimento da política portuguesa. A Nato não ia permitir que dentro do seu seio se criasse uma nova Cuba. A intervenção indirecta mas maciça dos USA e estados europeus, através do apoio a Soares e às forças moderadas do 25 de Abril, possibilitou a contra revolução (do Verão Quente) que aplainou o caminho para a integração de Portugal no mundo ocidental.

A partir daí a revolução deixou de ser um processo para se tornar num credo! Hoje a bancarrota de Portugal também dá razão aos revolucionários de então, dado ter falhado e a contra-revolução da democracia partidária também. Daí a desorientação e a complicação do enredo em torno da revolução. Apesar dos hinos e louvores inegáveis à mudança histórica, depois de 40 anos de revolução, Portugal não se encontra economicamente melhor em relação ao grupo de países europeus de então menos produtivos mas que também se desenvolveram apesar de não terem tido revolução.  Portugal entre a cólera e a peste: de um lado o imperialismo ideológico marxista e do outro o imperialismo económico (USA). Duas perspectivas intragáveis para um país pequeno como Portugal com um corpo pequeno na Europa e o coração no mundo.

O intuito de revolucionários influentes e do MFA era instituir uma sociedade socialista (à imagem de Cuba e da União Soviética em nome de interesses populares.

Portugal, embora se encontrasse em posição militar vantajosa na guerra colonial, optou por um processo de descolonização que não fosse neocolonialista mas cometeu o erro de abandonar as colónias a outras forças/ideologias colonizadoras.

Vasco Goncalves e Melo Antunes eram os ideólogos das forças armadas. A 7.04.75 o MFA tinha-se decidido pelo socialismo/comunismo. Melo Antunes e o grupo dos nove (membros do Conselho da Revolução: Vasco Lourenço, Canto e Castro, Vítor Crespo, Costa Neves, Melo Antunes, Vítor Alves, Franco Charais, Pezarat Correia e Sousa e Castro) conseguem uma tomada de posição política pluralista própria, contra os radicais do MFA em torno da ala comunista de Vasco Gonçalves, ao tornarem público o documento dos nove (6 de agosto de 1975) ao presidente da república general Costa Gomes. Ramalho Eanes e muitos outros líderes militares apoiaram o documento. Costa Gomes, homem de esquerda, entre o 25 de Abril e o 25 de Novembro também apontava para uma terceira via.

O Documento dos nove (Melo Antunes, Vasco Lourenço, etc.) foge ao controlo do MFA no sentido de impedir o socialismo e de enveredar por uma terceira via que não a capitalista nem a socialista. Ao ser questionado sobre as razões de “O Documento dos nove” não querer que se seguisse um modelo de sociedade socialista de tipo soviético, Vasco Gonçalves avisa:“pergunto: que sinais de modelo soviético haveria nas conquistas alcançadas? Não vieram todas elas a ser integradas na Constituição de 1976, com a aprovação do Presidente da República, do próprio Grupo dos Nove, do PS e do PPD, além do Partido Comunista e do MDP/CDE?”

Vasco Gonçalves refere no livro „Vasco Gonçalves – Um General na Revolução”: “Recordo ainda que o New York Times, em Setembro de 1975, noticiava que a ajuda americana ao PS para combater o Quinto Governo seria canalizada por intermédio da CIA, por meio dos partidos socialistas e dos sindicatos sob sua influência da Europa ocidental. Segundo a imprensa da época, o Presidente Ford disse que a operação tinha custado apenas dez milhões de dólares.” E cita que Carlucci (CIA) «foi um protector das forças democráticas, designadamente do PS e de Mário Soares». Os EUA estavam preocupados porque do futuro de Portugal dependiam os seus interesses estratégicos em três continentes.

Datas críticas do processo revolucionário

A 28 de Setembro de 74 organiza-se uma manifestação da “Maioria Silenciosa” contra as expropriações, etc apoiada pelo Presidente General Spínola; Otelo Saraiva de Carvalho do COPCON opõe-se e são organizadas barricadas nas estradas de acesso a Lisboa. Spínola é obrigado a demitir alguns generais conservadores e demite-se também.

O apoio do povo ao golpe de estado do 25 de Abril conduziu ao “Processo Revolucionário em Curso”(PREC), que constava do período que iria até à aprovação da Constituição Portuguesa, em Abril de 1976. A extrema-esquerda colada ao PREC e formada pelo MDP/CDE e a UDP, de vez em quando aliadas ao PCP, queriam implantar uma república popular. Em 1975 a grande maioria dos 250 Deputados da assembleia Constituinte pertenciam ao PS, PPD e CDS, e defendiam a implantação de uma Democracia constitucional de cariz semipresidencialista.

A 11 de Março de 75, um grupo revolucionário quer eliminar militares agrupados em torno do General Espínola. A 11 de Março Spínola assume o comando tentando um golpe de estado contra-revolucionário mas falha.

O 25 de Novembro (Verão quente de 1975) designa o “golpe militar” em que as forças moderadas militares conseguem impor-se às forças militares radicais de esquerda, iniciando-se assim a contra-revolução dos moderados.

Com os militares moderados apoiados pelo PS e do PPD obtiveram o apoio tático do PC. Este confirmou que não convocaria manifestações para essa altura; os militares mais afectos ao PS conseguem também marginalizar mais de 1000 camaradas militares ganhando assim força contra os (‘gonçalvistas’) e contra a Esquerda Militar Radical (‘otelistas’). No dia 24 são cortadas as estradas de acesso a Lisboa. Várias personalidades, entre elas, Mário Soares, deslocam-se para o Porto ao Quartel Militar Norte na espectativa de um plano contra-revolucionário previamente estabelecido. O presidente da república decreta o estado de sítio na área da Região Militar de Lisboa, sendo aprisionados soldados de alta patente da extrema-esquerda revolucionária. O Regimento da Polícia Militar da Ajuda rende-se tendo havido 3 mortos. Melo Antunes declara na RTP que o PCP: “é indispensável à democracia”. Consolida-se o regime partidário. No dia 27 os Generais Carlos Fabião e Otelo Saraiva de Carvalho são destituídos, respectivamente, dos cargos de Chefe de Estado-maior do Exército e de Comandante do COPCON; Ramalho Eanes passa a ser o Chefe de Estado-maior Geral das Forças Armadas e o COPCON é integrado no Estado-maior e a Rádio Renascença é devolvida à Igreja. Em consequência de manifestações contra a prisão de Otelo e outros militares, são mortas quatro pessoas e outras feridas. (http://pt.wikipedia.org/wiki/Golpe_Militar_de_25_de_Novembro). A partir daqui a incompatibilidade ideológica que se encontrava nas casernas, entre os grupos das forças armadas, passa para a sociedade na luta entre os partidos. PS, PPD e CDS acusam o PCP de estar envolvido nas insurreições de 25 de Novembro.

Entretanto os cravos murcharam e, com eles, o sonho. Passaram-se os tempos dos fogos-de-artifício e o sonho da cancão de Abril, agora nas carruagens dos partidos, continua a ser música, por vezes, de embalar. Só a bandeira portuguesa parece ser desfraldada, por alguns, com mais força! O cenário é pintado com cores mais escuras. Hoje tudo berra mais alto porque a realidade ensombrece os sonhos. O povo português iniciou a revolução sem saber que ia sozinho para a festa. Uma revolução feita por utopistas num Portugal incardinado na Europa (e não num oceano – Cuba), não poderia ir longe. A União Soviética, a Europa e a América também não permitiam uma terceira via: tal como a ideia de Salazar de um império lusófono não podia ter sucesso, num mundo dividido entre os interesses soviéticos e os interesses americanos.

Hoje encontramo-nos numa crise que, em grande parte, não é nossa mas que temos de aguentar e expiar porque por muitas saídas que tivéssemos em mente a situação enquadrante é esmagadora: o capitalismo liberal internacional e o socialismo não permitem uma terceira via. Uma perspectiva digna de sonho, no sentido de se inovar uma terceira via, seria uma união, no sentido de uma confederação, entre os países lusófonos o que pressuporia um longo caminho e, a princípio, menos progresso imediato mas mais humanidade e felicidade (continua no próximo artigo “A Revolução marxista e a Contra-revolução moderada”)
António da Cunha Duarte Justo
Formado em Ciências da Educação (Português e História)
www.antonio-justo.eu

REPENSAR A REVOLUÇÃO – RECRIAR PORTUGAL

Quadragésimo Aniversário da Revolução dos Capitães de Abril

António Justo
Comemoramos o quadragésimo aniversário da revolução dos capitães. No imaginário popular permanece a imagem de armas a dar à luz cravos. Quem foram os vencedores e os perdedores da nação? Numa data de ênfase de mitos e feitos da revolução, a sociedade precisaria de cabeça fresca para a avaliar e melhor entender a realidade em que se encontra e, a partir daí, melhor poder construir um Portugal moderno e mais justo para todos. Os revolucionários de Abril eram, de uma maneira geral, pessoas idealistas a quem faltava o sentido da complexidade da realidade nacional e internacional bem como a competência para avaliarem da dificuldade do empreendimento da descolonização e da democracia. Embora os actores do 25 de Abril lutassem contra a ditadura e a repressão, em defesa da igualdade e da sua liberdade, não conseguiram, no geral, criar uma sociedade mais justa, porque imbuídos do espírito soviético, sob o ardil dos “Ideais de Abril”. Assim, embora, a nova ordem trouxesse melhorias exteriores, a violência, a corrupção e o poder instalaram-se em nome de uma nova ideologia pretensiosamente popular. Vindos de um Portugal enevoado, vislumbraram a beleza do arco-íris num horizonte risonho que logo quiseram reduzir à faixa vermelha dos descampados alentejanos. Sob o lamiré dos “ideais de Abril” conseguiu-se confundir de tal modo o povo que, este, até hoje, ainda não se deu conta do que estava realmente por trás dos “ideais de Abril” e se resumiam originalmente na instituição de uma ditadura popular, à maneira soviética, chinesa ou cubana. Os ideais da revolução resumidos no programa do MFA parecem não ser entendidos para poderem continuar a ser sublimados.

Antes tínhamos os liames da nobreza e da burguesia, hoje temos a confissão partidária e dos irmãos.

De uma burguesia que vivia dos caseiros passou-se a uma burguesia partidária que vive das benesses e privilégios de um Estado irresponsável, sem espírito laboral mas explorador dos contribuintes. O que o Estado recebe dos empresários sérios e do povo trabalhador desperdiça-o nas mordomias e na economia, incrementando pessoas sem personalidade ética nem competência empresarial.

A economia, a cultura e os Média precisariam de enquadramentos que lhes possibilitassem a formação de força própria para, deste modo, adquirirem uma certa independência da política. Só assim, se poderia criar, na nação, um equilíbrio de forças competitivas entre eles, que os tornaria em correctivos uns dos outros e possibilitaria a recriação de um estado que não fosse incubador do parasitismo. Urge superar a República burguesa-partidária e antipatriota.

Cultura promíscua da Mediania e do Desenrasca

O problema de Portugal é a sua pequenez; nas suas elites acontece como nas irmandades maçónicas: toda a boa gente se conhece e se encontra sempre na disposição de fazer bem ao amigo; isto num país de filhos e enteados! Temos uma elite portuguesa promíscua mas fechada, vinda de vários sectores (economia, justiça, política) formada por relativamente pouca gente e onde todos se conhecem e se apoiam reciprocamente; este factor proporciona o suborno e a corrupção institucional; possibilita uma espécie de mafia de luvas brancas, uma elite democrática de tesoura na cabeça, também envolvida nos Media. A miscelânea e demasiada confiança entre eles fomentam um povo desprevenido! Neste ambiente é natural que toda a gente aspire a ter um “amigo” de cima, uma cunha grande. Assim se fomenta uma mentalidade do viver encostado; assim se constrói uma cultura do desenrasca.

O Estado português tem servido de encosto e de plinto de lançamento das pessoas a ele encostadas; estas geralmente vindas dos partidos, sem experiência laboral nem tradição laboral familiar, são lançadas também nas finanças e nas grandes empresas onde o Estado/Partidos asseguram lugares para os seus. Uma tal situação conduz a uma economia sabotada, dependente dos parasitas do sistema, só podendo produzir pobreza ou gente remediada.

A formação histórica da burguesia económico-cultural-política tem-se dado sob o signo da mediania. O poder económico e político encontra-se, tal como antes do 25 de Abril, nas mãos de poucos que exercem a hegemonia sobre Portugal, nos diversos âmbitos sociais. Os líderes económicos e políticos sofrem todos do mesmo mal; um problema de mentalidade, que atravessa todas as camadas da sociedade portuguesa, e vai do partido comunista, ao Bloco de Esquerda, ao PSD, ao PS, etc. Daí a falta de solução. Não há grupos propriamente concorrentes; a concorrência dá-se apenas a nível de rua, na demagogia partidária, num discurso manipulador e apelativo para um povo que não existe, porque também distraído por noticiadores mais preparados para anunciar a banha da cobra do que para descrever a situação real do país. Na Idade Média as grandes famílias nobres estavam familiarmente interligadas, hoje são substituídas pelos grandes grupos financeiros e pelas irmandades ideológicas e partidárias a nível europeu. Cada qual, na sua “família„ defende o seu feudo. A economia portuguesa não pode ser produtiva porque além de ter de manter a burguesia partidária com os seus tentáculos polvo, tem de reservar lugares de direcção para os amigos dos partidos ou das irmandades. Temos uma economia com empresas na dependência do Estado que tem de dar lugares de emprego a gente da política sem vocação nem formação empresarial. Juntamos os defeitos da sociedade socialista aos da capitalista. A classe política serve-se desavergonhadamente do Estado e da sociedade porque tem a sua rede de amiguinhos em todo o lugar. Neste ambiente não são precisas grandes discussões públicas temáticas de fundo, basta vitamina c, lançar areia para o ar, ou culpar o estrangeiro, defeito que parece termos herdado da cultura mourisca.

Consequentemente, as novas gerações (pós 25 de Abril) receberam uma herança de graça que agora desemboca na crise. Acordamos num jardim zoológico muralhado quando sonhávamos a liberdade de passarinhos sem gaiola nem fronteiras. Equivocámo-nos ao pensar que o sonho era realidade e que a realidade era sonho. Julgávamos que era possível uma sociedade só de académicos e de dançarinos do poder, numa colectividade de cigarras sem formigas, à maneira do conto de fadas da “Mulher, a Galinha e os Ovos”; entregues à dança e ao simplismo, os valores morais tornaram-se aleatórios e demos cabo das boas escolas comerciais e industriais de então. A revolução, nascida mais da ideologia do que da realidade, desprezava o trabalho manual. A discriminação do trabalho manual em relação ao intelectual e a aposta na construção do estado sem ter em conta a nação levou-nos ao estado em que nos encontramos.

O 25 de Abril envelheceu deixando, os mais velhos, desiludidos dos marxistas, maoistas, comunistas, anarquistas que queriam uma mudança radical. Constatou-se que o sonho era só para alguns, como podemos verificar nas suas posições, remunerações e pensões.
Somos todos corresponsáveis. Quando o indicador da nossa mão aponta para a responsabilidade dos outros há pelo menos outros três a apontar para nós.

O que resta é acordar da utopia para a realidade: de boas intenções está o Inferno cheio. Ao irrealismo que domina a nossa matriz mental, o 25 de Abril veio acrescentar-lhe a utopia que aposta na sorte e na carta de crédito sem cobertura. Assim a terceira república tornou-se no maná dos oportunistas e num peso para o povo. Como povo com bolsa de pobres e boca de ricos continuamos a ser o melhor solo para os afortunados da vida e para uma corja de boys que proletarizam o povo e a ética cultural que o sustenta. Estes conduziram o país à depressão desacreditando os valores do sonho de outrora.

Precisam-se novos paradigmas que protejam as famílias, o interior e a diversidade; ontem foi preciso dizer não à ditadura na defesa da vontade popular, hoje é preciso dizer não à má governação, à corrupção, à exclusão social. Vê-se que os valores de Abril só poderão ter sustentabilidade com um plano de fundo cristão. Sem a volta do povo e dos governantes ao espírito cristão que constituía a identidade da nação, o futuro de Portugal ainda se tornará mais incerto e corrupto: se os que orientam os destinos da nação são corruptos que resta ao povo senão imitá-los!

O 25 de abril criou os seus pobres como o Estado Novo tinha criado os seus! Não se encontra nenhuma forma de governo que prescinda dos pobres. Cada regime, com os seus representantes, serve-se dos pobres (povo) para se afirmar e para legitimar a continuidade da história, tal como cada um de nós se serve da sua lógica para levar a sua “razão” avante! A História encontra a sua continuidade nos diferentes regimes que se servem do gramado, da plataforma dos pobres! O povo continua o eterno refém dos regimes.
A Republica, e com ela, os sindicatos e os partidos, encontram-se imbuídos do espírito antipatriótico, sem consciência de povo nem de nação. A república, surgida do jacobinismo francês e de irmandades internacionalistas desalmadas, foi dominada pelo pensamento de interesses de grupos e de individualismos inferiores e recalcados à procura do sol burguês. De nacional só têm um certo espírito mafioso de encontrar por lugares esconsos, secretos e sombrios! O sol compensador da sua inferioridade, procuram-no no brilho que vem de fora; um fulgor corrupto de um meio, que eleva os chulos, de alardes consulares, aos camarins dos seus bordéis, onde o povo e a cultura são violados.
Os problemas não são de governos mas do desgoverno da governação e da oposição. Precisar-se-ia de uma mudança orgânica dos partidos; como a mudança só pode vir de dentro, a sociedade civil que se sente mais consciente e responsável, teria entrar nos partidos para possibilitar a sua mudança.
O problema da nação não está na sua corrupção e no Estado falido. O problema do país está no facto de não ter alternativa para as elites corruptas. Há 780 portugueses multimilionários com fortunas superiores a 25 milhões de euros. Isto seria legítimo se o povo andasse bem e enriquecesse nas mesmas proporções que eles enriquecem; o mesmo se diga dos altos funcionários e beneficiários dos partidos.
António da Cunha Duarte Justo
www.antonio-justo.eu
Formado em Ciências da Educação para Português e História

 

 

 

Quezílias gramaticais – Deturpar a Língua é apoucar o Espírito de um Povo

Apologia do erro pelo Gramatigalhas
Gramatigalhas aconselha o uso de pego em vez de pegado. No Brasil, por vezes, abusa-se da Língua e chegam a afirmar-se barbaridades em relação ao emprego dos tempos e dos modos de alguns verbos, em desperdício da língua culta do Brasil; assim, no verbo pegar chegam a confundir o presente com o particípio passado defendendo o emprego de pego em vez de pegado, como afirma gramatigalhas: “empregar, pego com os auxiliares ter e haver não pode ser considerado um erro; d) se pegado tende a desaparecer, o certo é que ainda existe e é usado em nosso idioma nos dias de hoje”.

A língua é a alma de um povo, o nosso trabalho é enriquecê-la e não empobrecê-la!

Quanto ao uso de Pegar e Apanhar:
Pegar e apanhar são dois verbos regulares com significação diferente. No dicionário o termo apanhar significa, levantar do chão, colher, agarrar, surpreender, arregaçar, pescar, contrair, roubar, entender com rapidez, levar pancada (muitos dos significados dependem naturalmente do contexto) e o significado de pegar é agarrar, fazer aderir, colar, unir, segurar, comunicar por contacto ou contágio, ganhar raízes e desenvolver-se, começar, etc., etc. O uso da língua implica sempre um emissor e um receptor em diferentes contextos, pelo que dar uma resposta inequívoca significa, por vezes atraiçoar o espírito da língua. Infelizmente tem-se abusado da língua para fins também populistas e ideológicos. Que o povo fale indiferenciadamente é natural; o que seria porém empobrecimento se a camada social culta se adaptasse a falares populares simples sem a preocupação pela diferenciação a nível de conteúdos linguísticos. A riqueza de uma língua revela-se pela sua capacidade de diferenciação e não pela sua simplicidade. Um fórum como o nosso poderá usar mais o português popular ou o português erudito segundo a maioria dos comunicantes. O uso das palavras aqui ou além tem a ver com o meio e a formação de quem as emprega, não se podendo delimitar facilmente o seu uso.

Quanto ao uso do Pego e do Pegado:
Antonio Henriques, ao preconizar o emprego de pegado como a “única forma aceitável do particípio passado de pegar” encontra-se na tradição científica e responsável do cultivo da língua. Quem defende “tenho pego ou sou pego” em vez de “sou pegado e tenho pegado” para uso da língua culta, encara a língua de forma arbitrária e diletante. O modernismo não pode ser argumento suficiente para legitimar a mutilação da língua. A língua supera também os gostos de uma presidente que prefere ser tratada presidenta. O emprego da língua não é arbitrário. O problema não se coloca tanto a nível de uso da língua em Portugal ou no Brasil, a questão coloca-se a nível de quem fala a língua: o povo com pouca formação ou os consumidores de cultura.
Pegar é um verbo regular e como tal forma o particípio passado segundo a regra geral gramatical. Pego é a primeira pessoa do presente do indicativo do verbo pegar. Pego também pode ser usado como substantivo masculino no significado de macho da pega. Pegado é a forma gramatical do particípio passado; uma coisa é a forma do presente e outra a forma do particípio passado; o uso do presente do indicativo pego na significação de particípio passado constitui um erro gramatical, talvez uma forma popular usada nalgumas regiões, mas constitui um empobrecimento do português em relação também a outras línguas. O português tem, em todos os verbos a forma verbal do particípio passado; acabar com ela em alguns verbos no português erudito e substitui-la pela forma do presente seria erro crasso. É natural que, em Português, tal como no latim vulgar e no latim erudito haverá, por vezes, diferenças. A língua culta caminha, geralmente, no sentido da diferenciação e não no sentido da simplificação; por isso a língua, muitas vezes se apropria, com o andar do tempo, da forma popular e da forma erudita, dando-lhes porém conotações diferentes. Naturalmente que também as pessoas que usam o português erudito (diferenciado) têm de consultar, de vez em quando, a gramática porque nem sempre há certeza e o critério do soar bem ou mal não é suficiente para se poder optar por qualquer forma.
Na gramática também há sempre um capítulo referente aos verbos irregulares com particípio passado ou passivo irregular como é o caso de feito/a do verbo fazer, dito/a de dizer, provido de prover, visto/a de ver, coberto/a de cobrir.
Há também os particípios duplos com uma forma regular (formado dentro da própria língua) e outra irregular (de origem latina); nestes a forma regular do particípio é empregada com os verbos auxiliares ter e haver e a forma irregular do particípio é empregada com os verbos ser e estar. Assim de pagar: tenho pagado e sou pago, tenho salvado e sou salvo, tenho segurado e estou seguro, tenho sujeitado e estou sujeito, tenho acendido, está aceso, tenho convencido, estou convicto, tenho corrompido mas estou corrupto; tenho descrevido mas sou descrito, tenho morrido mas sou morto, tenho prendido mas sou preso, tenho submetido mas sou submisso, tenho cobrido mas sou coberto.
O particípio na sua forma nominal emprega-se como adjectivo qualificativo, como absoluto e na formação da voz activa e dos tempos compostos: sou pegado, tenho amado
Infelizmente quem busca a informação na internet; por vezes, já não encontra certas palavras porque quem elaborou/disponibilizou a sua listagem é tendencioso ou apresenta só a forma usada no Brasil ou noutro país.
António da Cunha Duarte Justo
www.antonio-justo.eu

Falta-nos a Consciência de Povo, Estado e Nação

Cheguei hoje de Portugal

Estava um tempo fantástico em que pude saborear a luminosidade sublime do céu de Portugal!

Vi as pessoas, boas, a correr para um futuro que parece melhorar mas de porvir muito difícil e incerto! Vi a tristeza e a revolta de muitos para quem a vida parece andar para trás! Vi também o sonho e a alegria de pessoas que crêem apesar de tudo! Vi a leviandade de muitos que, na esperança de mudanças, vivem obstinados na crítica aos partidos mas não estão dispostos a mudar a própria vida.

Não pude compreender que, num Estado, já há anos em bancarrota, os partidos já não tenham feito governos de grande coligação dos partidos maiores, para salvação do país; noutros países, em que os partidos não olham apenas para o próprio umbigo e o povo anda acordado, quando o Estado se encontra em dificuldade, fazem-se grandes coligações para se congregarem forças que doutro modo se perderiam em discussões infrutíferas (caso da grande coligação na Alemanha). Não pude compreender que o povo ainda se não tenha dado conta desta necessidade, preferindo deixar os partidos viverem sem compromisso, à custa do Estado e a enganar o povo no jogo do pingue-pongue. Não pude compreender que tudo fala em nome do povo contra tudo e contra todos esquecendo que a vida é compromisso e que o povo só pode viver bem na colaboração de trabalhadores e patrões; fala-se de povo e esquece-se que quem determina o andar da nação é a classe média e superior. A classe média abdicou e não se encontra à altura do papel que deveria realizar no Estado e no país.

Cheguei de Portugal, um país de opiniões e partidos mas sem Estado nacional. Apesar da crise, o país continua a não querer acordar. Continua, acabrunhado pela crise, a viver debaixo das mantas do dogmatismo da opinião e duma crítica pela crítica que se contenta em despejar a bexiga fora do penico. Estive num país que tem uma grande cultura e um povo simples, criativo e bom mas a quem falta uma “burguesia” cultural, económica e política com espírito patriótico. Em Portugal temos indivíduos, amigos, famílias e partidos; só não temos Estado, País nem Nação; falta-nos falta a consciência de povo, estado e nação.

António da Cunha Duarte Justo

www.antonio-justo.eu

Ideologias incendiárias com Lógicas claras mas fora da Razão

Ao Arroteamento da Paisagem natural segue-se o da Paisagem cultural

António Justo

A selva da consciência humana vai avançando e recuando à medida dos fogos que se ateiam aqui e acolá. Os séculos XIX e XX foram os séculos que mais se aproveitaram da pirotecnia ideológica (fascismo, socialismo e capitalismo) e tudo isto debaixo do céu iluminista duma razão pura e de uma ciência convencida. O início do séc. XXI sofre as consequências até ao desatino porque a camada dos que têm acesso ao saber é incomparavelmente maior; o problema vem porém dum saber adquirido à primeira vista. Um saber que não cria saber fundado mas destinado apenas a fazer opinião passível de ser cultivada nos vasos da varanda democrática. No absolutismo cultivava-se o dogma absoluto, em democracia cultiva-se a opinião relativista para se ter verdades para todos os partidos. Não ponho as mãos no fogo da ideologia porque me chega o adubo das suas cinzas!…

Valores abstractos não comprometem os Governantes

Torna-se interessante observar a cumplicidade e coerência entre economia, sistema de governo e de pensamento no suceder-se das várias épocas históricas. Se na Idade média com a sua suserania económica agrária (reguengos, coutos e coutadas) imperava o rei/suserano como representante de Deus na terra, hoje em democracia e em nome do povo, cada vez impera mais um estado corrupto sem referências éticas e menos ainda religiosas. O secularismo estatal quer falar apenas de valores abstratos, sem pai nem mãe, e assim confirmar o que o bispo Agostinho de Hipona constatava, no seu tempo: um Estado sem um fundamento moral claro não é mais que “uma grande quadrilha assaltante de ladrões”. Por isso o Estado, embora de direito, não quer saber do bem e do mal. Deste modo os poderosos grupos, ideológicos, políticos, económico e dos Média, tornam-se nos formadores duma opinião pública à medida dos seus interesses particulares. Quer-se uma sociedade também sem religião nem modelos; o maior modelo humano da História, Jesus de Nazaré, tornar-se-ia numa provocação.

Na Europa, no tempo das invasões bárbaras a vida era dominada pelo medo real da morte, das pestes e dos assaltos bárbaros. A vida era violenta e o ambiente rude, o que se repercute também na mentalidade desse tempo. A violência, o medo e a necessidade de defesa levou os habitantes a construir castelos nos cimos dos montes e os fiéis a construir igrejas com janelas estreitas para impedirem os assaltos. Neste ambiente fomenta-se uma consciência do direito, impregnada na necessidade de justiça, que se formula numa espiritualidade de direito e se expressa então no Jesus severo e justiceiro adaptado à época.

O fogo do amor abranda todos os fogos sejam eles materiais ou espirituais, porque queima os medos pela raiz.

A necessidade de desenvolvimento e a fome levou aoarroteamento de grandes florestas na Europa. Por todo o lado, a natureza recuou, à medida que a população aumentava. Dá-se uma progressão na cultura e um recuo na natura. No seculo XV a população de Portugal era entre um e dois milhões de habitantes, a França tinha entre 10 e 14 milhões e a Espanha andava pelos cinco milhões.

Ao fogo do dogma religioso sucede-se o fogo do dogma racionalista/secular com o dogma da opinião embutida no relativismo. No processo da evolução os fogos do inferno deram lugar aos fogos das ideologias. Ao arroteamento das paisagens geográficas da Europa segue-se o arroteamento da sua paisagem cultural, com o desbaste do que ela tem mais sagrado. Na luta pelo próprio biótopo vital ou ideológico cada um procura escavar a própria trincheira para daí fazer fogo com uma argumentação lógica mas não racional. A lógica ideológica pega nuns tantos factos históricos tirados da cor local histórica e do contexto, organizando um fio condutor lógico ad hoc e convincente para quem não conhece o resto dos factos.  

O Medo como Instrumento de Governo e de Domínio

A religião procurava relegar a vingança dos fogos do dia-a-dia para o fogo do inferno, adiando o medo para o fim-do mundo. O secularismo hodierno procura relegar a vingança das injustiças do dia-a-dia para um futuro de progresso, adiando o medo de eleição em eleição ou para um futuro melhor. Pirómanos de um lado e de outro: cada qual amarrando o futuro à sua ideologia.

Incendiários por todo o lado, teístas colocando o fogo nos campos dos ateístas e incendiários progressistas colocando o fogo no campo dos conservadores e da religião: todo o mundo a dar continuidade à cultura da guerra e ninguém interessado em integrar.

Na luta contra o medo tudo luta com o medo de morrer sozinho, tudo procura tornar-se proprietário da razão; esta e á a mecha de fogo mortal mais eficaz mas que, num outro ideário, se poderia transformar na mecha da paz.

Numa sociedade cada vez mais distante da vida moral e da lei da causa e do efeito sofre-se de um reducionismo monocausal, procurando explicar as próprias dores da mente com qualquer coisa que lhe engane a fome.

No carrossel das opiniões e das lógicas tudo anda atordoado. A expressão cristã não pode porém reduzir-se a uma herança assim como a sua crítica não pode ser reduzida a uma época ou sistema político. A interculturalidade não seria beneficiada se fundamentada nas culpas sejam elas a nível de medos ou de coerções, sejam elas mesmo, de caracter intelectual subtil.

Tanto a delinquência como a benignidade dum povo são retratadas nos seus costumes, na sua ética e nas suas leis.

Hoje é fácil falar-se com o rei na barriga; para isso basta falar de antanho, falar dos outros, a partir do trono duma própria opinião tendente a justificar a própria insatisfação/frustração.

O filósofo Epicteto dizia “Não há falta de provérbios, os livros estão cheios deles, o que falta são pessoas que os apliquem”! Eu acrescentaria: Não chega um provérbio ou uma citação para conhecer uma pessoa, é preciso ler o livro inteiro e mesmo assim continuarei a não poder perceber os mistérios que a pessoa alberga e que o livro não consegue revelar!

A ideologia do pensar politicamente correcto que nos domina tornou-nos indiferentes.

Entre o texto e o contexto prospera a opinião de um texto descontextuado. O sentido do texto só está no contexto! Por isso há que perguntar o que está por trás de uma opinião e que interesses serve, antes de nos deixarmos levar por lógicas que se revelam contra a razão! Hoje na barafunda das lógicas argumentativas tudo serve para atacar as raízes da nossa civilização.

António da Cunha Duarte Justo

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