CARTA ABERTA DE UM PORTUGUÊS A ÂNGELA MERKEL


Bem-vinda a Portugal

António Justo

Prezada chanceler Ângela Merkel! Também eu lhe quero escrever uma carta, que pode ler durante a deslocação a Portugal! Aqui vou ser benévolo porque o que espero de si é ajuda e a ajuda que nos pode dar é louvar o povo, admoestar as nossas elites e motivar alemães investidores a estabelecerem-se em Portugal. Pedia-lhe também que chamasse a atenção dos portugueses para redescobrirem as suas raízes germânicas (temos no nosso vocabulário cerca de 600 palavras germânicas), uma vertente cultural e de génio que garantiria futuro à nação.

 

Helmut Kohl, seu promotor, dizia: “não quero uma Europa alemã mas uma Alemanha europeia”! Os povos do Sul acusam-na de querer uma Europa alemã. Eles só aceitaram a união da Alemanha sob a condição de esta ser vinculada à Europa. Sabiam que V. Excia. tem um povo muito trabalhador e forte, e que isto poderia vir a criar problemas de concorrência a outros povos não menos conscientes de si, mas talvez menos eficientes, numa Europa das nacionalidades que parece renitente em reconhecer os sinais dos tempos. A Alemanha perdeu a guerra e apesar disso, depois de destruída, com muito trabalho, conseguiu reconstruir-se e posicionar-se de maneira vantajosa a causar inveja aos vencedores. Isto apesar das indemnizações feitas aos vencedores e do apoio que presta a outros povos, o que lhe tem granjeado admiração e simpatia de todos os povos fora da Europa.

 

Naturalmente, de Vossa parte é necessário mais respeito no trato dos parceiros europeus. O preço da paz na Europa não se reduz apenas ao aspecto económico. A paz interna só pode ser conseguida com uma europa social e confiante. A política de subvenções até agora seguida é injusta e como tal fomenta conflitos (a manteiga europeia é mais barata em Marrocos que na Europa); não podemos ter uma Europa protectora do comércio internacional e das suas finanças que não proteja, ao mesmo tempo, todos os seus cidadãos.

 

No dia 12 de Novembro, V. Excia. vem a Portugal. Certamente, não nos vem ler os levíticos porque estes já lhe são lidos na Alemanha, com as acusações que muitos seus conterrâneos lhe fazem, culpando-a de esbanjar com o estrangeiro os dinheiros que os contribuintes pagam, de hipotecar o futuro dos netos da nação, e outros queixando-se que se encontrariam em melhor companhia com o marco alemão do que com o Euro enquanto outros alegam que V. Excia. não faz o suficiente pela Europa, e que quer exportar o espírito alemão para a EU (União Europeia).

 

Não se preocupe, só quem age faz erros e a Europa sofre de velhice pensando que pode viver dos rendimentos, numa altura em que as culturas e os continentes se reorganizam e quem não estiver atento perderá o comboio da História. Hoje que já não resolvemos os problemas nacionais com medidas nacionais, nem através da guerra, precisamos, mais do que nunca, de espíritos lúcidos e sem medo. Numa Europa do relativismo decadente precisamos de pessoas e nações com vontade forte. Portugal e a Europa necessitam de restauração.

 

Nota-se uma desconfiança geral, por toda a Europa, quanto ao projecto de construção dum Estado federal europeu (USE)! Muitos erros têm sido feitos com uma cúpula da EU (União Europeia), longe do povo e das regiões, demasiadamente fixada na economia e no comércio sem considerar a alma que lhe deu o ser e possibilitou o seu corpo. No meio de tantos erros e da complexidade do projecto EU toda a gente barafusta perdendo de vista o projecto supranacional que é a construção daquilo que lhe garantirá o futuro: os USE! Os inimigos de tal projecto aproveitam toda a ocasião para uma crítica destrutiva, agarrando-se só aos erros que têm sido cometidos sem terem em conta os sinais dos tempos e o que urge fazer. Naturalmente que o neoliberalismo que a EU tem seguido é destruidor de microorganismos e de toda a erva rasteira do grande biossistema cultural europeu. Aqui há que arredar caminho, para não criarmos espaço para os dinossáurios especuladores universais, sem abdicar do projecto que urge: a criação dos USE. Cada vez é maior a parte do povo socialmente excluída ou que vêem a sua participação social em perigo. Excluídos da sociedade, perdem o sentido de pertença, tornam-se infelizes e desmotivados a participar. Resignam e vêem-se na necessidade de se defenderem de tudo o que lhe é estranho…

 

Sabe, os meus conterrâneos, ao contrário dos seus (que aprenderam com a guerra), foram habituados a saltar para a rua, ao som de fanfarras ou de palavras de ordem ideológicas, pensando que uma revolução ou uma mudança axial histórica como a que se encontra em via, se realizam em festa e que se resolve o problema acabando com elites, com os “fachos” (pessoas com dinheiro ou posição) confiando que os mandantes lhe assegurariam o pão. Estes porém serviram-se do Estado para eles e o povo só agora começa a acordar. Tinha-se esquecido da experiência de que “quem se deita com crianças acorda molhado”! A responsabilidade do Estado, da nação e do povo está principalmente nas nossas elites, egoístas, sem consciência de povo nem responsabilidade nacional histórica.

 

Senhora chanceler, não se admire, se houver muita gente a fazer barulho na rua falando de tudo menos da própria vida e dos próprios erros. Os que mais reivindicam são geralmente aqueles que melhor vivem e a quem é indiferente a situação do Estado e que, em situações de perigo, tal como os governantes, metem a cabeça debaixo da areia, à imagem da avestruz, marimbando-se para o Estado e para a maneira como vive o povo. Este que pague a conta! Bem comum e povo é, para muitos, um estrangeirismo, ou, quanto ao primeiro, algo estranho e quanto a povo depreciativo! Infelizmente, nós, quando nos referimos ao povo, não entendemos o mesmo que os alemães entendem quando falam de Volk (Povo), e isto é sintomático; nós quando empregamos a palavra “povo” incluímos nela a ideia do coitadinho como se se tratasse da classe inferior, de algo estranho ao ser de Portugal. Muitos dos nossos meninos engravatados da capital, continuam a ser os envergonhados da província, acantonados em Lisboa, renegando as suas origens – a província – não aceitando o f(v)olklore e ostentando o trofeu do doutor, o feitio citadino, como algo que “nos” distingue e eleva da terra e do tal “povo”.

 

Sabe, senhora Merkel, esteja atenta quando fala; as mesmas palavras não têm o mesmo sentido na Alemanha e em Portugal, cada palavra tem o seu cenário de fundo, o seu espírito; a língua alemã é muito concreta, com cheiro a terra e povo e a língua portuguesa também ela completa é porém muito abstracta com cheiro a Corte, precisando de mais intermediários, que se aproveitam do cargo e da interpretação!

 

Para ter uma ideia da urgência em restaurar a mentalidade portuguesa, cito-lhe uma frase que ouvi de uma pessoa amiga que pertence à elite portuguesa, a qual, referindo-se aos cortes que o governo tem em mãos, afirmava convicta: “com os cortes “nós” é que sofremos, o povo, esse já está habituado a sofrer e por isso não lhe dói tanto”. Esta mentalidade levou-nos ao ponto onde nos encontramos, e isto também tem a ver com o que se entende por povo! Sabe, senhora Chanceler, a nossa governação distribui o mal pelas aldeias e reserva o bem nos seus subterrâneos (Bunker) da cidade, cortando cautelosamente nos privilégios dos beneficiados do sistema e tirando desmedidamente à boca dos que vivem com dificuldade (a tal incoerência entre capital e província!). Por estas e por outras, não venha massacrar mais o povo dizendo-lhe que deve tirar mais à boca; venha pedir contas às nossas elites, conceda-nos créditos a baixos juros e mande-nos firmas alemãs para Portugal como nós mandamos portugueses trabalhar para a Alemanha.

 

Doutora Merkel, também os há que são nacionalistas, não patriotas, de esquerda e de direita, os eternos descontentes contra a Europa e há também os indecisos que pensam que Portugal se encontra na África ou na América do Sul e que a salvação lhes virá de lá como nos gloriosos tempos dos descobrimentos! Põem as suas esperanças fora deles e isto é erro fatal. Muitos sentem-na como uma desmancha-prazeres que nos vem acordar de sonhos tão altos e tão belos que nos impediam de sujar as mãos no banal do dia-a-dia. Os governantes sabem que o povo precisa dum tubo de escape para evacuar tanta dor, tanta escuridão tanto fel. Muitos ainda não se deram conta que nos encontramos num momento axial da história e que ou se constrói a federação europeia ou as nações serão esmagadas pelo poder económico doutros blocos, dado, o momento histórico em que nos encontramos, ser a fase de transição da era das concorrências/confrontos nacionais para a era das concorrências/confrontos entre civilizações (culturas). (Naturalmente que em muitos aspectos têm razão nas críticas que fazem contra a maneira como são destruídos biótopos culturais e no facto de se continuar com a estratégia de afirmação de egoísmos nacionais injustos). O período mais longo da História da europa sem guerra é este em que vivemos. A nossa paz no futuro e o nosso bem-comum só poderão ser assegurados por um estado federado europeu (USE), com todos os problemas inerentes ao processo. Não podemos regredir para a época das guerras nacionais. Mas também não podemos deixar destruir o humanismo e os direitos humanos individuais europeus por poderes anónimos e demoníacos em acção. As regiões mais fracas também não podem ser abandonadas aos mais fortes que tudo pisam e atropelam como elefantes.

 

Muitos dos meus conterrâneos aprenderam na época do 25 de Abril que era mais fácil colocar um bom professor na rua do que dar um mau diploma a um mau estudante. Fomos em parte prejudicados por uma fornada de académicos de Abril que passaram a aquecer o seu lugar em postos relevantes de empresas e do Estado (A cunha e o nepotismo tinham muito poder!). A formação foi mais orientada para a carência do que para a competência. Pensava-se que a liberdade e a igualdade eram gratuitas e que a responsabilidade era substituída pela desobriga do partido. Seria importante que a sua vinda a Portugal motivasse as novas gerações portuguesas a adoptarem o modelo de formação profissional e de trabalho alemão. Sabe, chanceler Merkel, ao lado de muitos portugueses espertalhões encostados ao Estado e a sociedades, há muito bons portugueses que trabalham ou emigram para sustentar a má governação já crónica na nação. A culpa não é deste ou daquele partido, o problema é institucional: uma mistura de mofo medieval com jacobinismo da revolução francesa, um verdadeiro vírus da mentalidade moderna portuguesa. Isto não quer dizer que em Portugal não haja grandes cabeças nas nossas elites; não, pelo contrário, só que cada um pensa só em si ou no grupo a que pertence. A massa cinzenta parece não quer sujar as suas mãos.

 

Dona Ângela, tenho um pouco de esperança que o seu empenho pela construção da Europa a leve a evitar que Portugal se torne num achado para o enriquecimento dos dinossáurios das finanças internacionais através de privatizações de empresas significativas portuguesas. Enquanto o Estado alemão salvaguarda, nas suas empresas, os interesses nacionais, Portugal corre o perigo de, com as suas privatizações, só servir interesses internacionais do Goldman and Sachs e de pessoas a eles ligadas. Monstros internacionais querem tomar conta da nossas empresas de energia, águas, saúde, banca, seguros, etc. para através delas ditarem preços aos clientes e ao Estado. É verdade que o Estado alemão e a economia europeia também sofrem com as manipulações do Goldman and Sachs, do Citygroup, do Wells Fargo, e de outros, mas, a RFA, como potência mundial, encontra maneira de defender os próprios interesses entre os grandes porque também eles dependem do seu bem-estar. Nós os pequenos, estamos entregues à bicharada, precisamos de quem nos defenda dos predadores internacionais e dos parasitas de Portugal, até, convosco, aprendermos a andar por nós. Os nossos estadistas têm de aprender a comportar-se como instituições estatais.
Onde há muita luz também há muita sombra! Uma “Europa” que foi a luz do mundo encontra-se na penumbra, confrontada nos seus tenros valores de solidariedade e democracia por pragmatismos desumanos e por mundivisões egocêntricas e anónimas fortalecidas pelo oriente. A RFA sonhava com uma Europa à sua imagem, uma EU estável, soberana, numa Europa das regiões capaz de enfrentar futuros desafios da Ásia e da estratégia troiana árabe.

 

O nosso futuro, não se revela promissor, só deixa prever desilusão e uma vida cada vez mais precária na saúde, assistência social, reformas, trabalho.

 

Eu venho dum „povo de descobridores” que de tanto se fixarem no atlântico e no sonho das ideias altas perdem o solo debaixo dos pés. Falam deste, culpam aquele como se a glória dum descobridor não se pudesse medir com a dum trabalhador. Naturalmente que cada povo tem a sua maneira de actuar. Um Norte mais formiga um Sul mais cigarra; e agora, que o tempo frio da escassez se aproxima, começa a guerra do palavreado. Um porque cantou o outro porque trabalhou demais, cada qual tem o seu arrazoado. Nem a formiga vive só de pão nem a cigarra do seu cantar. A vida é luta e quem pensa que há algo de graça perdeu toda a graça.

 

Na Alemanha, alguns seus conterrâneos dizem que seria melhor que os países com dificuldades abandonassem o euro para assim poderem refazer as suas economias e desvalorizar a sua moeda de maneira a poderem fazer concorrência ao estrangeiro com os seus produtos mais baratos. Outros falam da criação dum euro mole ao lado do forte. Isto significaria marcar passo no desenvolvimento dos USE.

 

Fico triste quando vejo pessoas do meu povo a associar o seu nome ao de Hitler; não ligue, geralmente fazem-no as cigarras não as formigas. Alguns até querem que a Alemanha recomece agora a pagar os desastres da guerra que provocou como se não tivesse havido já as reparações impostas internacionalmente; imagine-se que os portugueses começassem agora a exigir reparações pelas invasões árabes, pelas invasões franceses e os colonizados pelas colonizações…

 

Portugal há já séculos que anda ajoelhado, não por culpa dos outros mas por mérito próprio. Olhamos demasiado para os nossos monumentos e esquecemo-nos do dia-a-dia. O facto do grande escritor alemão Schiller ter dito que daria toda a sua obra para poder ter escrito “Os Lusíadas” não justifica que a Alemanha tenha agora de nos alimentar. O trabalho honrado dos portugueses espalhados pelo mundo, enriquecendo outros povos, só honra o luso emigrante e demonstra a incompetência das nossas elites para criar condições capazes de os alimentar dentro dos seus muros; não nos dá direito a pôr exigências a outros povos, como fazem alguns. As diferentes velocidades de desenvolvimento das economias, é que é necessário ajustarem!

 

A lusofonia é grande mas só será maior através da vontade de ser e do próprio trabalho não se podendo dar à veleidade de viver dos rendimentos dos seus antepassados nem de sobrecarregar o futuro dos filhos com dívidas.

 

Também o facto de a nossa colonização ter sido “meiga” tem a ver com o espírito universal português e com a nossa fraca organização de Estado, em termos de nação, o que se revelou positivo também para povos desorganizados que descobrimos.

 

Muitos dançam ainda ao som da cantiga da “culpa alemã”, em vez de procurarem entender porque é que a Alemanha é forte e porque é que outros que ganharam a guerra o não são e porque não analisamos seriamente a razão da nossa situação crítica. Os governantes portugueses quiseram ser bonzinhos pondo o país e o povo à disposição duma Europa sôfrega. Confundiram o Estado e os seus parasitas com a nação. Por isso Portugal chegou onde está. Os governos alemães e os sindicatos, que procuram ter em conta, primeiramente o bem-comum do seu povo e depois os interesses dos filiados, são acusados agora de nacionalistas.

 

Acusam V.Excia. de lhe ter subido o” poder à cabeça” como se não fosse dever dum eleito governamental defender também os interesses do povo que o elegeu. Os nossos não o fizeram, e queixam-se agora dos outros, esperando deles beneficência.

 

Os partidos portugueses, que assumiram a responsabilidade dos governos, foram outrora apoiados económica e ideologicamente pelo estrangeiro. Depois mostraram-se agradecidos para com os que os apoiaram pondo-lhes à disposição uma nação que lhes não pertencia. Por cima das irmandades partidárias deve estar o povo e o país.

 

Prezada Ângela, ajude Portugal! Admoeste os políticos, ensine-os a defender, como você, os interesses nacionais sem se tornarem nacionalistas. Ensine-os a não confundir o património cultural e económico português com o património do partido ou do grupo de amigos e conhecidos seja em que situação for.

 

Nós também percebemos que os construtores da EU têm que nos contar muitas mentiras para verem se conseguem, com pequenas guerrilhas, a unidade dos USE, sem guerra, ao contrário do que se deu com o processo de unificação dos USA.

 

Uma cultura que sempre liderou o mundo encontra-se, de momento, receosa… A chance de cada Estado está na USE e na peculiaridade de cada país poder encontrar um prolongamento da sua identidade nas ex-colónias e assim vir a dar à luz um mundo mais humano e solidário.

 

De momento o problema da Europa é ser uma união sem soberania e o problema de Portugal está em ter um estado soberano sem nação nem povo.

 

Prezada chanceler, a carta tornou-se longa; também isto é uma característica nossa: falar muito e deixar os outros fazer. Com a vossa ajuda arregaçaremos as mangas e começaremos a construir a nação à imagem do que a Alemanha fez, depois da guerra e do que fizeram os nossos antepassados na fundação da nação e nos descobrimentos.

 

António da Cunha Duarte Justo

antoniocunhajusto@gmail.com

www.antonio-justo.eu

Portugal entre o Colapso financeiro sem a Troika e a Ruina com ela

Estados fortes e Plutocracia contra Estados débeis e Pobres

Recuperar a Honra de Portugal

António Justo

“Temos uma mentira institucionalizada no país… que não deixa que as coisas tenham a pureza que deviam ter” ”, diz o general Pires Veloso. Quando, os bem alimentados da nação, se atrevem já a falar assim é mesmo grave o estado da nação e justificada a insatisfação. O actual regime democrático, mais que fruto do desejo de liberdade e de bem comum, foi cinicamente construído amoralmente e baseado na manipulação ideológica que permitiu muitos “iluminados” arrogantes apoderarem-se do Estado, e manter o povo na submissão, já não sombria mas risonha. Pessoas corruptas, com o apoio militar, instauram um estado corrupto, sem razão crítica, sob o pretexto dos abrilistas serem os libertadores de Portugal. Sanearam Portugal à sua imagem e semelhança! O povo, atraiçoado pelas elites conservadoras e pelos oportunistas engravatados da ocasião, deixou-se enganar e agora acorda molhado. O maior roubo que se pode fazer a um país é tirar-lhe a esperança, a autoconfiança e a dignidade. Construímos uma democracia duvidosa em que políticos não são responsabilizados pelo seu mau comportamento mas o cidadão sim. As ideologias e os interesses pessoais e de coutos sobrepuseram-se aos de povo e nação.

 

Urge sanear o País desde o Estado à Constituição

A atitude do ministro Nuno Crato, mandando reavaliar todas as licenciaturas que foram atribuídas com recurso à creditação profissional, deveria ser um primeiro passo no saneamento do Estado no sentido de desinstitucionalizar a corrupção; deveria passar-se a rever também as medidas que possibilitam tal creditação. O trabalho seria colossal porque teria de chegar também aos diferentes órgãos de Estado e a uma revisão da constituição portuguesa, nascida sob auspícios ideológicos e partidários! O resto é só maculatura.

 

O saneamento da nação implicaria coragem e vontade para o abandono de regalias adquiridas na base de legislações nepóticas (favoritismo!) e de acções como as de forças de pressão orientadas apenas pela ganância à custa da destruição da economia nacional, tal como acontece com a greve dos maquinistas e outras. Um país que orienta a sua acção na base de aquisição de regalias mata de início a solidariedade e destrói-se a si mesmo impossibilitando a governação.

 

Há muitos portugueses que anseiam pela revolução, esperando que a rebelião comece em Espanha. Os alemães, os franceses e os Ingleses temem a instabilidade do Euro; mais que a desgraça da Grécia ou de Portugal, preocupa-os sobremaneira a insatisfação popular incontida duma Espanha ou duma Itália. As consequências para o projecto EU (Euro) seriam catastróficas. Por enquanto entretemo-nos com a periferia; com o tempo também a França passará a entrar na dança.

 

Uma Alemanha que exige contenção económica aos países menos fortes como Grécia, Portugal, Espanha e Itália, continua a endividar-se apesar duma economia florescente. Endividando-se aposta já na inflação que aos outros não é permitida devido a um Euro de várias velocidades! (A RFA, no seu orçamento federal para 2013 prevê, nos seus gastos totais, 33,3 bilhões com a dívida federal que ocupa o terceiro lugar, depois da defesa também com 33,3 bilhões e dos gastos no âmbito laboral e social com 118,7 bilhões). No que respeita a endividamento para empréstimo, o Estado alemão não tem dificuldade com isso, porque ganha com a diferença do crédito (pede dinheiro emprestado a 2% e empresta-o a 6% ou mais). Por outro lado o banco central europeu empresta dinheiro aos bancos a 1% em vez de o emprestar directamente aos Estados deficitários, favorecendo assim a usura dos bancos que depois concedem créditos a terceiros a preço especulativos. Não será que no caso duma reforma monetária quem mais sofrerá será quem mais poupou? O Japão e os USA não se encontram em melhor situação que a EU. Só que o dólar é suportado mundialmente, podendo os USA produzir bilhões de notas por mês sem que o mundo berre, ao contrário do que faz com a Europa. É que a Europa apesar das diferenças gritantes ainda reserva um bom óbolo para os desfavorecidos do sistema e da natureza e isso desagrada aos tubarões do mercado.

 

Povo vítima de Instituições corruptas e da própria Apatia

 

Os responsáveis pelo colapso económico não são chamados à responsabilidade pelo Estado português que, ao contrário do que acontece na Islândia, assalta a carteira do povo, poupando a dos que se encheram. Facto é que o povo português foi vítima dos governos de Portugal e da especulação financeira internacional. O apoio da EU (União Europeia) e a concessão de créditos aos países pobres parece ter sido para estes poderem fazer compras aos países ricos e ao mesmo tempo terem a oportunidade de beneficiarem as grandes empresas para a competição internacional da nova realidade global (turbo-capitalismo). “Confiaram” na capacidade política e financeira dos políticos estatais e agora vem a Troika, controlar a nação sem se interessar pelo Estado nem para onde foi o dinheiro. Como precisam dos seus mercenários governamentais para executarem as suas exigências não lhes tocam.

 

Os povos da periferia, com uma elite política não habituada a deitar contas à vida, deixaram-se iludir com promessas e histórias de paraísos turísticos, etc. Esta elite, “comprada”, com postos e ordenados especulativos internacionais, permitiu a destruição das pescas, agriculturas, têxteis e das pequenas e médias empresas da nação; pior ainda, concretizam, ainda hoje com zelo, medidas europeias tendentes a destruir as regiões e os seus produtos específicos em benefício das grandes multinacionais estrangeiras e de latifundiários. Agora que a periferia (Grécia, Espanha, Portugal, Itália, etc.) se encontra na dependura especula-se no centro da Europa, se não seria melhor estes Estados optarem pela antiga moeda para melhor regularem o próprio mercado, ou se não será melhor um euro “duro” e um euro “macio”! Tudo desculpa para manter o terreno conquistado!

 

As multinacionais receberam parte dos apoios da EU, destruíram as pequenas e médias empresas e foram-se embora deixando os consumidores dependentes da importação que essas mesmas firmas agora servem, a partir do estrangeiro. Um enredamento bem perpetrado! O chanceler Helmut Kohl preparou as grandes empresas para a concorrência internacional e o chanceler Schroeder açaimou o operariado para a concorrência com o operariado exterior…

 

As nações ricas, cada vez mais ricas ainda, criaram nelas também uma pobreza cada vez mais à medida da pobreza da periferia. A introdução do Euro correspondeu ao abandono da economia social tradicional em favor dum liberalismo económico americano (anglo-saxónico), tendente a criar os Estados Unidos da Europa à medida dos USA.

 

Porque há-de pagar a crise quem não tem dinheiro? Porque não se põem os mais ricos a contribuir para se resolver a crise? Estes já não trazem benefício para o Estado, numa fase em que o capitalismo comunista de Estado (China) tem poder económico e político para aniquilar o capitalismo de cunho privado (de multinacionais internacionais). Os magnates do dinheiro e as nações mais fortes têm-se permitido humilhar os povos da periferia porque ainda notam que estes se mantêm ordeiros. A situação está a tornar-se tão séria que só uma revolta popular séria poderá levar muitos representantes do povo (políticos mercenários) a arredar de caminho, porque a credibilidade internacional destes só vale na medida em que conseguem manter o próprio povo sem a revolta. A não ser que se aceite o surgir de grupos radicais no Ocidente à imagem dos grupos Al Qaida (sistema de guerrilha!).

 

Os que se assenhorearam do Estado português (revolução de Abril no seu aspecto de assalto às instituições) começaram por, da sua janela, anunciar o poder e a liberdade para o povo e por roubar-lho pela porta traseira! A fusão de interesses mafiosos entre políticos, instituições, administradores de empresas públicas e conluio com a justiça inviabiliza um Portugal honrado.

 

Chegou a hora da mudança (conversão) ou da revolução! Como podem ricos e políticos dormir, quando há já gente com fome! Será que a globalização, a EU terá de acontecer à custa da fome. A Europa conseguiu a paz acabando com a fome; agora, que a fome vem, prepara-se a guerra. O povo começa a perceber que os seus governos têm os seus interesses salvaguardados sob a capa dum Estado “padrasto”.

 

O problema não está tanto na escolha de alternativas mas na mudança de mentalidade das elites governamentais (partidárias) que nos têm governado e administrado e dum povo habituado a dançar ao ritmo duma música tocada por outros. Não tempos tido governos nem partidos com capacidade para administrar um Estado e menos ainda uma nação. Os mesmos parlamentos que levaram o país à ruina perderam a autoridade para governar Portugal e a Troika que o governa agora não está interessada nem no povo nem na nação.

 

Resta ao povo a metanoia, não comprar produtos estrangeiros e chamar o Estado e os gestores financeiros ao rego da nação. Estes porém sabem que o povo, como a criança, só berra e não actua. Daqui a falta de esperança com a agravante de que a reconciliação do povo com o seu Estado significaria mais uma vez abnegação. As pessoas sérias do Estado deveriam proceder a um saneamento do Estado e das leis que protegem os que vivem encostados a ele. Só assim poderiam os administradores da miséria readquirir a honra perdida para Portugal poder voltar a cantar “Heróis do mar” e da terra também!

 

António da Cunha Duarte Justo

antoniocunhajusto@gmail.com

www.antonio-justo.eu

DEPRESSÕES BIPOLARES E DEPRESSÕES UNIPOLARES


Não há Razão para se envergonhar

António Justo

Uma pessoa diagnosticada com depressão unipolar, depressão bipolar, burn-out, borderline, ou outra doença, não deve ser colocada na gaveta do preconceito. Deve ter-se muito em conta que o paciente é uma pessoa como outra qualquer e com direito a ser tratado não como doente, mas como os considerados “normais”, com todo o respeito, dignidade e consideração. De facto não há ninguém que seja cem por cento são. Todos temos alguma “telha” e se pensamos não tê-la, ainda pior: isso significa que ainda não a descobrimos e quem sofre com ela são os outros. A pessoa faz parte da natureza com momentos estáveis e com outros menos estáveis; como a natureza, trazemos em nós as altas e baixas pressões psicológicas que originam dias soalheiros e chuvosos. Fazemos parte dum globo com diferentes zonas climática, ideias e ideologias. Há pessoas com regiões de alma mais instáveis com tsunamis, tempestades incontroláveis. Neste estado há que ir ao psiquiatra para conseguir estabilizar o próprio clima.

 

No meio de tudo isto há um problema grande que é o próprio preconceito e o preconceito dos outros no que toca à avaliação da doença.

 

As depressões unipolares tornaram-se entretanto socialmente mais aceites; especialmente o burn-out (esgotamento), adquirido pelo demasiado estresse, por se ter trabalhado demais e por não se ter poupado, indo mais além do que as próprias energias permitiam.

 

Mundialmente, cada vez mais pessoas sofrem de depressões unipolares. Depressões unipolares são as depressões em que as pessoas só sofrem de disposições depressivas enquanto nas depressões bipolares as pessoas sofrem de fases de depressão e de fases de euforia. Estas são mais raras e menos aceites pela sociedade. Há entretanto grandes diferenças de expressão de depressão e de grau de bipolaridade. Pessoas com depressões unipolares chegam a sofrer mais do que pessoas com depressões bipolares porque aquelas só têm fases depressivas. Naturalmente, tudo depende do grau da depressão que pode ser leve, média ou grave. O estado grave de depressão é descrito por doentes como o “inferno na terra”. Naturalmente também bipolares, nas fases de depressão, podem chegar a tais estados.

 

No dia-a-dia as pessoas de convívio com pessoas bipolares têm a tendência a verem em tudo que os pacientes fazem ou dizem como resultado da doença. Isto dificulta a disponibilidade do bipolar em reconhecer a bipolaridade. Todos nós temos características doentes e saudáveis. O alto grau de inteligência, de charme e brilho que muitos bipolares têm, só em parte terá a ver com a perturbação. O doente bipolar nota facilmente, quando está na fase de depressão, porque sofre (nesta fase é fácil reconhecer a doença). Sente-se, porém, muito bem na fase eufórica, não sentindo o patológico dela; reconhece a própria personalidade nela, considerando a fase depressiva, estranha à sua natureza, o que torna difícil o reconhecimento da própria doença.

 

Quem convive com uma pessoa unipolar ou bipolar, na sua fase depressiva, deve ter em conta que ela, por vezes, fica incapacitada de agir e de tomar iniciativa; muitas vezes tenta mas não consegue. Por isso o paciente precisa muito do acompanhamento e apoio de pessoa íntima para que aquele aceite o que ela diz e cumpra com a medicação. Muitas vezes o bipolar aceita tomar a medicação (estabilizadores de humor) na fase depressiva (fase desagradável de sofrimento) mas quer interrompê-la na fase eufórica (de felicidade). Na fase depressiva, às vezes, o paciente bipolar (tal como acontece com doentes de borderline) tende a ver a causa da sua infelicidade fora de si, criticando extremamente um pseudo-adversário que é responsabilizado pela sua situação e sofrimento. Na fase eufórica sente-se entusiasmado, fala muito, saboreando a sua genialidade e o seu aspecto excepcional e original, mas confundindo, muitas vezes, a fantasia com a realidade. Também chaga a ter prazer em fazer o destrutivo jogando com o risco.

 

Muitas vezes o psiquiatra diagnostica uma depressão unipolar em vez duma bipolar porque o paciente só se dirige a ele na fase de depressão unipolar sem mostrar as características da fase eufórica.

 

A oscilação de humor e das fases de maior ou menor acção pode, a nível social e individual, ser gerida de maneira a não se prejudicar a si nem aos outros. Se a doença ajuda a pessoa na sua vida social laboral e artística é uma questão de gestão pessoal se não interferem negativamente com terceiros. Há muitas pessoas, que se não tivesse sido a doença, não teriam atingido a celebridade que atingiram: Fernando Pessoa, Hermann Hesse, Sigmund Freud, Victor Hugo, Winston Churchill, Wolfgang Amadeus Mozart, Charles Chaplin, Napoleão Bonaparte, Abraham Lincoln, Elvis Presley, Woody Allen, e milhentos outros.

 

A criatividade de grandes artistas e personalidades mundiais foi, muitas vezes, alimentada pela doença bipolar.

 

Escrevo este artigo na continuação doutros textos “Distúrbio Bipolar ou Transtorno Bipolar” https://antonio-justo.eu/?p=1428 e “Distúrbio Bipolar”  https://antonio-justo.eu/?p=1200&cpage=1#comment-20291, para complementar aspectos tratados e comentários a eles feitos, e só com o sentido de ajudar. O motivo que me levou a escrever sobre isto foi o facto de conhecer grandes amigos que tinham esta doença e que viviam, por vezes, uma vida dupla de sofrimento a nível privado e de alegria a nível exterior.

Só nos podemos ajudar a nós mesmos ajudando os outros! Mas nós também fazemos parte do outro!

 

Aqui na Alemanha há muitos grupos de auto-ajuda e em Portugal e no Brasil também. Muitos são gratuitos, havendo outros em que se paga um contributo para despesas com programas próprios. No Porto há um grupo com o apoio duma médica especialista em depressões unipolares e bipolares: http://www.adeb.pt/

 

Se a doença for demasiado forte, chega a bloquear a pessoa. A fase depressiva pode matar a criatividade ou tornar a pessoa incapaz de se expressar artisticamente, por grandes fases. Importante é estar com eles porque sofrem muito embora não pareça. Os amigos são muito importantes e uma fé forte também. O diálogo na intimidade com Deus, ou com o universo, torna-se libertador e ajuda a tirar o gosto de azedo que a vida, por vezes, tem.

 

Quem tem a doença deve procurar assumi-la, não tendo vergonha de a ter. A vida dos chamados “normais” é, muitas vezes, mais “doente” ainda, que a daqueles que a normalidade considera doente. A esta, falta-lhes, por vezes, um pouco da sensibilidade que aqueles parecem ter a mais.

 

António da Cunha Duarte Justo

antoniocunhajusto@gmail.com

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Alimentação ecológica – Um Serviço à Humanidade


Dia Mundial da Alimentação

António Justo

Hoje celebra-se o dia mundial da alimentação. A Organização das Nações Unidas para a Agricultura e Alimentação (FAO) submeteu a comemoração do Dia Mundial da Alimentação, deste ano, ao tema “Cooperativas agrícolas alimentam o mundo”. Este constitui um pau de dois bicos se atendermos ao facto de muitas multinacionais ditarem os preços dos produtos agrícolas a cooperativas locais agrícolas, chegando até a força-las indirectamente a comprar-lhes as sementes e até pesticidas e adubos. Os arrendamento Leasing (locações) torna-se problemático.

 

O direito a uma alimentação saudável e equilibrada, num mundo já com 7 bilhões de habitantes, é tarefa difícil num tipo de sociedade cada vez mais centrado em grandes cidades.

O lema “Cooperativas agrícolas alimentam o mundo” seria muito de saudar se acompanhado duma política descentralizadora da produção e comercialização dos produtos alimentares; isto é, se se fomentasse mais a produção biológica e os biótopos locais e regionais.

 

Facto é que no mundo existem praticamente apenas 10 monopolistas que dominam o mercado mundial da alimentação. São as seguintes multinacionais: Nestlé, Kraft, Pepsico, P&G, Kelloggs, MARS, J, Unilever, JonsonJonson e CocaCola.

 

Monopolistas destroem a Paisagem e os pequenos Lavradores

 

Com o fortalecimento dos monopolistas e consequente redução da produção em poucas mãos, assiste-se também ao aumento das monoculturas e à diminuição de oferta de produtos e à destruição dos pequenos agricultores. Para se fortalecer os monopolistas os lóbis criam até leis sobre as medidas comerciáveis da banana, da maça, etc., para que as de tamanho mais reduzido e menos “luzidio” sejam impedidas, destruindo-se, assim, o pequeno lavrador e aqueles que não usam pesticidas. Os monopólios agrários vão contra a diversidade de produtos agrícolas, sendo difícil de avaliar as consequências para a saúde.

 

De facto, também dez multinacionais dominam três quartos do mercado das sementes. Monsanto (USA) domina 27% do mercado mundial. DuPont (USA) e Syngenta (CH), produzem também pesticidas. (Cf. www.saatgutfonds.de). Assim as multinacionais, entrelaçadas entre elas determinam o produto agrícola a comercializar e até a fornecimento do adubo e pesticida a utilizar..

 

A industrialização da agricultura, concentrada em poucas firmas, leva também à monocultura destruindo assim a individualidade da paisagem, ameaçando o sistema ecológico. Uma investigação da Universidade Mochigan 2007 revela que se se procedesse à conversão da produção mundial de alimentos, em vigor, em agricultura biológica, verificar-se-ia um aumento na produção de alimentos em 50%, o que corresponderia a 4381 quilocalorias por pessoa e por dia.

 

Também a produção (reprodução) de sementes ecológicas protegeria a variedade de produtos vegetais e contribuiria para que os pequenos lavradores do interior se afirmassem não precisando de emigrar. As multinacionais fomentam apenas a produção de espécies (sementes) que necessitam de fertilizantes artificiais e pesticidas para terem boas produções e aumentarem os lucros especulativos. Na competição da manipulação biológica seria importante que os Estados se preocupassem em colaborar com universidades na produção de novas variedades de sementes adaptadas à mundivisão ecológica. Por enquanto, a compra de produtos biológicos ainda é um luxo, dado estes custarem, pelo menos, o dobro dos produtos agrícolas industriais. Os monopolistas fomentam a criação de verdadeiros campos de concentração de galinhas, porcos, etc. e roteamento de florestas. A humanidade ainda não chegou ao consumo alimentar.

 

Para se comer de consciência tranquila não chega um tratamento humano dos animais segundo as espécies a consumir. Além doutros aspectos, é preciso ter-se em conta o emprego da penicilina e hormonas no tratamento dos animais. A consequência do consumo de produtos, com tais ingredientes, vê-se já nas pessoas que cada vez se tornam maiores; há consequências que só podem ser observadas passadas várias gerações. Teologicamente poder-se-ia dizer que a Redenção de Cristo também se deu para os animais.

 

Depois da segunda guerra mundial desenvolveram-se as monoculturas com a industrialização da alimentação com a criação de espécies híbridas. Assiste-se a um êxodo das famílias do campo para as cidades. Neste ambiente os monstros da economia cada vez se afirmam mais contra os biótopos naturais.

 

O consumo de recursos para produzir um quilo de carne é hoje quatro vezes mais do que o que se precisaria para a produção de alimentação com cereais. A importação de soja para alimentar os animais destrói a floresta amazónica da américa do sul.

 

A aberração do comércio está também no facto da indústria e comércio alimentar se encontrarem nas mãos de accionistas que ganham imenso com a especulação de produtos alimentares. Um efeito colateral do grande negócio pode ver-se também no facto da produção dos peitos de frangos se reservar para a Europa rica sendo os restos exportados para África, a preços naturalmente baixos, destruindo, deste modo, os mercados locais africanos.

 

 

Urge criar uma nova ordem económica de comércio justa e humana, especialmente no que respeita à produção e comercialização de alimentos. O consumidor tem o poder de reduzir o consumo de carne e optar por produtos regionais, por amor ao solo, aos animais, às águas e ao ar. Só o consumidor poderá, através duma compra consciente, contribuir para se mudar o sistema da concorrência actual num sistema de cooperação a favor do bem-comum.

 

António da Cunha Duarte Justo

antoniocunhajusto@gmail.com

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A Alma da Europa sofre – O seu Corpo também

QUINQUAGÉSIMO ANIVERSÁRIO DO CONCÍLIO VATICANO II

António Justo

Há 50 anos (11 de Outubro 1962) a Igreja Católica apostou no aggiornamento. João XXIII convocou os bispos de todo o mundo a reunirem-se em Roma, em concílio (2.400 bispos de todo o mundo, acompanhados de 200 teólogos e 100 observadores doutras confissões cristãs, cf. HNA de 15.10.2012).

 

Na abertura do Concílio, o Papa João XXIII deixou o trono em que era transportado e seguiu a procissão a pé.

 

O Vaticano II começou por reformar a liturgia passando o sacerdote a celebrar a missa de cara virada para a comunidade. A língua litúrgica (latim) deu lugar às línguas vernáculas. A primeira ordem maior – Diácono – precedente da ordenação do padre e da consagração de bispo, passa a ser acessível a homens casados. Intensifica-se o diálogo com outras confissões cristãs (ortodoxos e protestantes) através do movimento ecuménico. Os judeus passam a ser vistos como irmãos mais velhos dos cristãos.

 

Com o concílio a Igreja procurou reconciliar-se com o mundo moderno reconhecendo a liberdade religiosa e empenhando-se no diálogo com outras religiões. O reconhecimento da Igreja católica da liberdade religiosa fundamenta-se no Novo Testamento e no facto de cada ser humano, segundo a doutrina cristã, (imagem e filho de Deus) ser portador do gene divino e como tal a sua dignidade ser intocável e ter liberdade de consciência. A igreja institucional precisou de muito tempo para reconhecer na prática, os valores cristãos que a revolução francesa secularizou. Facto é que uma religião como o Islão, que não reconhece a dignidade humana ao indivíduo, não permitindo consequentemente a liberdade religiosa à pessoa, critica o catolicismo de se ter comprometido demasiado com o modernismo e acusa a “imoralidade” ocidental como consequência da liberalização.

 

Desde o Concílio tem havido grandes discussões e controvérsias entre a ala conservadora e a ala progressista da Igreja. Em águas agitadas da História, em momentos de transição, como aqueles em que nos encontramos, não é fácil chegar-se a compromissos na base da consideração das duas alas entre si. Um problema grande para a eclésia é o facto de muitos dos seus filhos prescindirem da comunidade e se arrogarem a apresentar o seu conceito de igreja como um conceito absoluto (no caso um absolutismo contra outro), quando segundo a mística católica se deve pensar e agir não só a partir do eu mas especialmente a partir do nós (cf. Trindade). Deparamos, por vezes, com uma tendência absolutista por parte da estrutura e um individualismo absolutista por parte de muitos dos seus críticos. De que há falta são personalidades fortes dentro da eclésia. Por todo o lado se encontram indivíduos célebres aplaudidos e feitos por esta ou aquela ideologia sem preocupação pela comunidade, que como o individuo é fraca, precisando os dois de ajuda. A ordem do dia para uns e outros poderia ser: ter compaixão uns dos outros na empresa da metanoia individual e eclesial!

 

De facto, os conservadores, se não o dizem podem pensar o seguinte: o que os progressistas exigem do Vaticano já se encontra praticado pela igreja evangélica e esta parece ter ainda mais dificuldade em congregar gente no serviço religioso do que os católicos. Por outro lado, se a Igreja Católica se aproxima mais da prática protestante isso corresponde, ao mesmo tempo, distanciar-se da Igreja Ortodoxa e das outras religiões. Por outro lado, o conservadorismo e autoritarismo reinante entre os muçulmanos têm ajudado os maometanos a afirmar-se nos meios seculares europeus. Também se observa nos meios progressistas (Europa e USA) uma mentalidade racionalista por vezes à margem da fé! Uma razão sem fé é fria e uma fé sem razão é escura. A desarmonia já se encontra no ser de cada pessoa. Para uns a necessidade de salvação manifesta-se numa aspiração individualista e para outros numa ideia colectivista. A situação da igreja institucional não é de invejar. Dará erros se se orientar para o conservadorismo e errará se se movimentar para o progressismo. O único elo que dará consistência a uma igreja diferenciada é o amor. Sempre que o amor falte na relação seja da parte institucional ou da parte individual, perderam as duas partes a razão, porque o que mantem a relação entre o tu e o eu é o nós (o paráclito). Deixa de haver acção para se passar à reacção e a reacção fomenta a entropia.

 

A ideologia torna-se cada vez mais forte, querendo uma minoria europeia e americana impor a sua mundivisão como a medida da renovação sem considerar a visão doutras igrejas cristãs fora do Ocidente. Muitas vezes parece confundir-se ideologia com fé. Por outro lado seria possível uma igreja petrina forte em que as igrejas locais tivessem mais poder de iniciativa.

 

Um outro problema institucional é o facto de, no cristianismo, um bispo por poder sacramental estar à frente duma igreja e poder continuar igreja mesmo separando-se da Igreja mãe. (Em 1970 o bispo Marcel Lefebvre não aceitou a celebração da missa em vernáculo fundando a Fraternidade Sacerdotal Pio X que exige o regresso às práticas anteriores ao Vaticano II). O Papa para os não perder tem-se esforçado dando-lhes a mão, mas ao fazê-lo descontenta aqueles que querem uma igreja mais ao modo do mundo moderno. Isto torna mais difícil as conversações e os consensos. Por isso até uma minoria de bispos pode condicionar a tomada de decisões a nível do Vaticano. Também a mim me custa verificar que a Igreja Católica não dê mais um passo abrindo o diaconado às mulheres. Um presbiterado, demasiado masculino, não se encontra muitas vezes preparado para um mundo que embora de comportamento macho afectado, é, na sua alma, feminino.

 

Parece ser óbvio que a Igreja petrina se abra mais no sentido da Igreja joanina.

O catolicismo, primeiro modelo e ideal global de comunidades orgânicas complementares, tem a consciência de ser uma comunidade de crentes (Communio) no mundo e não uma cultura que se quer impor ao mundo.

 

 

O desenvolvimento da personalidade humana inerente ao cristianismo é único numa fenomenologia das culturas. Naturalmente que uma religião que fomenta o Homem adulto não pode comportar-se como outras culturas que o querem súbdito.

 

É doloroso verificar-se como a Igreja Católica é atacada, quando ela continua a ser a garante da memória da Boa Nova que dá consistência a um mundo ocidental desorientado. Uma cultura, uma civilização precisa, para subsistir, não só da masculinidade da política e da economia (corpo) mas também da feminidade da religião (alma). Portugal atingiu o apogeu da sua história no momento em que melhor soube unir os dois elementos (corpo e alma) no seu agir (Formação da nacionalidade e Descobrimentos).

 

 

António da Cunha Duarte Justo

Antoniocunhajustogmail.com

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