“PÁRTENON DOS LIVROS“ DA DOCUMENTA 14 EM KASSEL – UMA CENSURA DA CENSURA

 

António Justo

O Pártenon dos livros proibidos, no âmbito da Documenta 14, é uma obra de arte de protesto contra a censura praticada ontem e hoje em todo o mundo. Nele encontram-se, como que em mosaico, 50.000 livros proibidos, envolvidos por plástico a fazer de fachada do Pártenon, entre outros: “A Bíblia”, “Ulisses”, “Os Versos Satânicos”, O Principezinho, ” Os Sofrimentos do Jovem Werther “,” Alice no País das Maravilhas “, etc…

O Pártenon dos livros proibidos, encontra-se por 100 dias – o tempo da Documenta 14 – na praça Friedrichsplatz ao lado do Fridrericianum (antiga biblioteca), onde foram destruídos 350.000 livros num incêndio provocado pelo bombardeamento dos Aliados em 1941. No mesmo largo tinham sido queimados 2.ooo livros a 19.05.1933 no âmbito da “Acção contra o Espírito não-alemão “.

O Fridericianum foi concluído pelo Conde de Hesse-Kassel, Frederico II, em 1779; o edifício foi um dos primeiros museus públicos da Europa e também usado como biblioteca pública.

Muito do dinheiro, que Frederico recebia do aluguer dos seus soldados ao rei da Grã-Bretanha, para combater do lado britânico, na Guerra da Independência Americana, foi aplicado na criação de parques públicos e investido nas artes. Ainda hoje impressionam os parques e os muitos carvalhos com mais de 200 anos nos parques da cidade de Kassel.

O Pártenon dos livros proibidos, é uma réplica do formato do Pártenon de Atenas, o berço da democracia.

O objectivo da artista Marta Minujín, com o Pártenon dos livros proibidos,  era conseguir 100.000 livros proibidos oferecidos por pessoas privadas e por livrarias para o Pártenon .

Esta é certamente a melhor peça da Documenta 14.

António da Cunha Duarte Justo

Pegadas do Tempo

UM JOGO PERIGOSO ENTRE A COREIA DO NORTE E OS EUA

O contra-ataque verbal de Trump, tal como as acções do ditador Kim Jong Un, têm mais em vista distrair o povo dos USA e o povo da Coreia do Norte; a deslocação dos problemas do interior para o exterior facilita-lhes a governação.

O que de momento se observa tem também o objectivo de iniciar a legitimação de uma maior corrida ao armamento. Em tempos modernos a violência militar deve ser evitada pelo Conselho de Segurança da ONU. Juridicamente a Nato não estaria implicada numa guerra entre A Coreia do Norte e os USA. A União Europeia poderia assumir um papel de intermediário e convencer a China a moderar o perigo em via na Coreia do Norte. A tecnologia da Coreia do Norte depende da China.


Um anúncio de neutralidade por parte da China no caso de a Coreia do Norte lançar a primeira raquete revelar-se-ia como acto de oportunismo e renúncia a assumir responsabilidade global. Os actores que poderiam contribuir para uma solução pacífica do conflito são a Coreia do Sul, a China, a Rússia, o Japão e os USA.

António da Cunha Duarte Justo

Pegadas do Tempo

UMA MUÇULMANA EXEMPLAR – SEYRAN ATES

A Fundadora da primeira Mesquita inovadora: “Mesquita Averróis-Goethe”

 

António Justo

Seyran Ates, nasceu em Istanbul (1963); aos seis anos emigrou para a Alemanha; frequentou os estudos de direito em Berlim, especializando-se em direito penal e em direito de família. Já, durante os estudos, apoiava mulheres vítimas de violência caseira.

Como advogada defende vítimas de “crimes da honra”, mulheres casadas à força ou maltratadas pela família. Em 1984 um marido matou uma sua cliente no seu consultório; Ates ficou gravemente ferida e teve uma experiência de quase-morte. Apesar disso, Seyran Ates continuou a empenhar-se na defesa de mulheres oprimidas, conseguindo trazer para a opinião pública alemã um aspecto escuro de muitas mulheres que sofrem em silêncio devido à pressão patriarcalista.

Em 2006 abandonou a sua carreira de advogada, por algum tempo, devido a ameaças.

Depois de ter publicado o livro “O Islão precisa de uma revolução sexual” recebe contínuas ameaças de morte e e-mails transbordantes de ódio e ideias de abuso sexual, o que a levou novamente a abandonar a carreira de advogada em 2009.

A ativista de direitos humanos “vive em constante perigo de vida” porque se dedica à defesa da liberdade de outros. A muçulmana encontra-se sob proteção policial, dia e noite, com vários polícias.

 

Na luta por um rosto feminino para o Islão

 

A 16 de Junho de 2017, Seyran Ateş abriu a “Mesquita Ibn Ruschd-Goethe” em Berlin (um projecto de ligação da cultura árabe à cultura ocidental, daí o nome “Mesquita Averróis-Goethe”). É a primeira mesquita progressista na Alemanha; está aberta às correntes islâmicas sunita, xiita, alevita e sufi. O uso do nicab e do xador são proibidos por serem expressão de submissão ao homem e símbolo de um islão anacrónico (1).

Seyran Ates, quer uma mesquita onde o Corão não seja interpretado à letra e, assim, tornar possível uma interpretação moderna que  possibilitae uma educação para a liberdade, para a responsabilidade individual e para a paz universal.

As mesquitas na Alemanha não perdoam a Seyran Ates, ser a cofundadora da mesquita liberal Ibn-Rushd-Goethe-Mesquita onde rezam mulheres e homens uns ao lado dos outros e onde às vezes uma imã orienta a oração ritual.

Na imprensa da Turquia, Ates é apostrofada de “traidora da pátria e de terrorista”. “A repartição turca para os Assuntos Religiosos (Diyanet) incita a plebe mafiosa turca na Alemanha” (HNA) e  acusa Ates de querer modificar e reconstruir a religião.

Ates chama a atenção para a hipocrisia que, muitas vezes, se apresenta com duas caras:” Eles sorriem para ti e mentem-te na cara”.  É contra o uso do lenço islâmico (Hijab), contra os casamentos forçados e contra os crimes de honra. Também, devido à sua experiência amarga, desabafa: “Onde a Religião só serve a demarcação/separação, revela-se contra a democracia”.

A atitude de Seyran Ates torna-se numa ousadia promissora para o Islão (e para a paz na Europa) na medida em que lhe possibilita, por um lado,  a saída do gueto, o abandono do acorrentamento aos costumes da Arábia do século VII e, por outro, a abertura à pessoa, à feminidade,  à História e a outras culturas. No seu projecto, “Mesquita Averróis-Goethe, é apoiada por muçulmanos liberais de todo o mundo (2).

Entre outros louvores foi-lhe atribuída a condecoração Cruz Federal de Mérito, pelo Estado alemão.

 

Conclusão

 

A “Mesquita Averróis-Goethe é uma iniciativa válida e digna de imitação para tornar o islão compatível com a Europa e com outras culturas. O Islão só será reformado pela acção das mulheres. Nelas há que apostar para que não continuem a fomentar um estilo de cultura arcaica aliciante de instintos de homens árabes e doutras culturas! Só elas poderão trazer ao Islão um rosto feminino e recuperar a feminilidade que ele reprime e assim dar-lhe um rosto mais equilibrado e mais humano!

Também no surgir da Europa houve tempos em que a autoridade do grupo ou da instituição atafegava a personalidade individual e em especial a mulher (hoje isso acontece de maneira mais subtil e suave). Embora o ocidente tenha defendido sempre a dignidade de toda a pessoa humana, independentemente de ela ser mulher ou homem, os costumes e tradições reprimiam a mulher em relação ao homem. É importante que mulheres de cultura árabe, em contacto com a cultura ocidental, ganhem força e sejam motivadas a provocarem um desenvolvimento antropológico do islão de maneira a criar mais justiça, solidariedade e igualdade de trato entre homens e mulheres de modo a possibilitar, a cada qual, redefinir a sua ipseidade para agir a partir de uma liberdade responsável e humana porque individualizada.

Encontramo-nos todos no mesmo barco e se o islão não se muda toda a humanidade será retardada e se a sociedade ocidental não se mudar também, a personalização do indivíduo passará a ser abusada no sentido de o desumanizar, transformando-o novamente em mero objecto ou instrumento da instituição e da ideologia ad hoc. Cabe ao Cristianismo e à sociedade ocidental, que deram origem aos direitos humanos, à democracia e à tolerância do Homem como tal, tornar-se consciente do processo em via num momento em que as constelações de poder mundial se redefinem. Cada povo, cada cultura tem o seu valor específico a integrar na construção de sociedade mais justa e pacífica. Por isso todos devemos estar gratos quando uma mulher como a muçulmana Ates procura fazer com que o islão reconheça a feminidade como um vector do desenvolvimento, tal como o vector da masculinidade que se tem afirmado desequilibradamente! Não só a sociedade religiosa, mas também as sociedades seculares são responsáveis pelo que acontece: na Europa tem-se afirmado o islão do lenço e as estruturas governamentais colaboram com instituições muçulmanas duvidosas  interessadas apenas no poder e na hegemonia das mesquitas turcas na Alemanha (na colocação de professores de religião islâmica em escolas do Estado os Ministérios da Educação da Alemanha colaboram com a federação das mesquitas turcas (Ditib) que é apoiante de Erdogan e não apoia iniciativas que fomentem a integração ou impliquem renovação do islão; de maneira geral, apoiam o islão do lenço, e não dão  apoio aos defensores de um “protestantismo muçulmano”.

De facto, o ser humano, antes de ser membro de uma sociedade religiosa, étnica, política ou cultural, é Homem e como tal traz em si a ferocidade selvagem mais ou menos escondida, tal como a gene divina. O problema é que todos cheiramos a Homem e não queremos reconhecer a maldade latente que em nós trazemos e depois procuramos justificá-la ou desculpá-la para passar o assunto ad acta! A discussão é importante e mais importante é ainda o testemunho que Ates mostra.

 © António da Cunha Duarte Justo

Teólogo e Pedagogo

Pegadas do Tempo

  • (1) Há dias , no fim de uma aula, um simpático muçulmano trintanão, dirigiu-se a uma colega professora de alemão, dos seus 50 anos, e disse-lhe: porque é que pinta os lábios e se veste assim, se já é casada? Na sua mentalidade genuína até tinha lógica a sua pergunta! Porque precisa uma mulher casada de se arranjar de maneira atractiva se já tem um homem a quem pertence?! Porque traja assim, se isso é uma manifestação de liberdade e como tal uma provocação aos homens que, por natureza, andam à caça e mais à solta?!
  • (2) As mentalidades relativas a matrizes religioso-culturais formadoras de identidade (individual e cultural) não se mudam em poucas gerações. Durante a Idade Média a sociedade e cada indivíduo (de uma maneira geral) vivia, em grande parte, de maneira inconsciente no ventre da comunidade pois a individualidade ainda se encontrava em gestação. Houve, naturalmente, muitas excepções que tinham a ver com a posição e papel social de elites, que possibilitaram uma burguisação da consciência da pessoa. A Idade Média no renascimento (processo de emancipação) deu à luz o indivíduo como personalidade com autoridade própria (autonomia que só a sociedade industrializada concretizou a nível político com a democratização). Como se vê a pessoa “autónoma” é parida no século XV-XVI e demorou cinco séculos a produzir a pessoa autónoma de extremismos egoístas que hoje exagera em relação à comunidade tal como antes a comunidade (instituição) exagerava em relação ao indivíduo. O Islão ainda se mantem hoje nos princípios da sua Idade Média, quanto ao seu ser antropológico. O contacto íntimo dos muçulmanos imigrados com a Europa leva as pessoas mais sensíveis a descobrir-se como pessoas: a iniciar um processo que não poderá ser de renascimento porque a filosofia muçulmana não possui nela o factores que provocariam um renascimento, mas a capacidade de se abrir a outras mundivisões sociológicas e antropológicas; foi isto o que aconteceu a Ates. Ela estaria com alguns poucos no princípio do “protestantismo” muçulmano – a época propícia para produzir hereges e protestantes! Por isso, a nossa missão é dupla: apoiar as pessoas ousadas que, ao descobrirem-se como pessoas, descobrem os direitos humanos e apresentar uma análise crítica à doutrina muçulmana. Esta teima em oprimir a mulher e em afirmar-se e definir-se pelo contra em relação a outras culturas. Esta matriz fundamental, que parte do princípio que só uma sociedade do homo religiosus é legítima, terá de ser reestruturada num modelo de mundivisão que permita uma nova concepção de Homem e de sociedade, o que pressuporá uma opção pela inclusão e o distanciamento de uma mundivisão baseada nas estruturas mentais e sociais “árabes” do século VII. É triste ver como uma sociedade ocidental se comporta em relação ao Islão dos imigrantes: hipocritamente fecha os olhos e não quer saber porque saber (e não só levianamente opinar) tornar-nos-ia mais responsáveis e levar-nos-ia a ajudar mais as mulheres a libertarem-se da sua situação de escravizadas e de transmissoras dos padrões patriarcalistas islâmicos;  também não deixaríamos os imigrantes muçulmanos abandonados a si mesmos e tomaríamos medidas para que a colonização interna entre os muçulmanos, que se processa no ocidente, não ficasse entregue a mesquitas e grupos radicais apoiados pela Arábia Saudita, Qatar ou um islão de lenço turco. Infelizmente a esclarecida Europa continua interessada em cobrir a ignorância porque dela vive melhor a “boa” gente.

PARA UM DISCURSO MAIS AFERIDO ENTRE PRODUÇÃO E REIVINDICAÇÃO

Comparação do PIB (produto interno bruto) e PPC (poder de compra per capita) entre alguns países europeus e lusófonos

 

A comparação dos salários mínimos entre países pode ser um estímulo para maior equidade, mas também para maior competição.   Nas comparações e tomadas de conclusões é importante ter-se em conta não só o PIB (1) mas em especial a paridade do poder de compra (PPC) entre os países (2).

A Suiça, com 8,3 milhões de habitantes (dos quais 2 milhões de estrangeiros) e uma área de 41 285 km², consegue ser a 23ª economia do mundo, com um PIB nominal por cabeça de 79.242 US$ e com um poder de compra per capita (PPC) de 59.561 US$. Portugal tem um PIB de 19.832 US$ e um poder de compra de 28.933 US$ (dados relativos a 2016)!

Comparação de países em relação ao produto interno bruto per capita (PIB)

O Luxemburgo tem um PIB   de 103.199 US$, a Suiça 59.561 US$, a Alemanha 41.902 US$, a França 38.128 US$, a Espanha 26.609 S$, Portugal 19.832 US$ , Brasil 8.727 US$, Angola 3.501 US$,  Cabo Verde 3.078 US$,  Timor Leste 2.102 US$, Guiné-Bissau 595 US$, Moçambique 392 US$

Comparação de países em relação ao poder de compra per capita (PPC)

A PPC tem em conta tanto as diferenças de rendimentos como as diferenças no custo de vida. Quanto mais fraco for o Dólar maior é o poder de compra dos países de moeda mais forte.

O Luxemburgo tem um PPC   de 104.003 US$, a Suiça 58.561 US$, a Alemanha 48.111 US$, a França 42.314 US$, a Espanha 36.416 US$, Portugal 28.933 US$, Brasil 15.242 US$, Angola 6.844 US$, Timor Leste 4.187 US$, Cabo Verde 6.662 US$, Guiné-Bissau 1.730 US$, Moçambique 1.215 US$.

 

Quando se fazem comparações entre países, para não cairmos em fantasias aleatórias, temos de considerar o poder de produção de um país, o poder de consumo, a realidade geográfica, política, social e cultural que levam um país a ser mais ou menos equilibrado em relação ao que produz e consome. Para se mais distribuir é preciso produzir mais; isto independentemente da justiça/injustiça real ou sentida em relação à distribuição da riqueza!

 

  • 1. O PIB (produto interno bruto) é a soma dos bens e serviços (quantificado em dinheiro) que (no caso) um país produziu num ano per capita. É o termómetro da economia, da riqueza produzida num país ou região.
  • 2. Na comparação a fazer-se a PPC tem em conta as diferenças de rendimentos e as diferenças no custo de vida dos países (além destes fatores de diferenciação há outros a ter em conta quando se fazem afirmações sobre ordenados e sobre nível de vida).

António da Cunha Duarte Justo

Pegadas do Tempo

 

 

O CONTO DAS FADAS DAS LABAREDAS DOS FOGOS

 

A Política é inocente – A Responsabilidade é do Mexilhão

António Justo

De Pedrógão Grande ressoa o eco da voz dos 64 mortos, dos 254 feridos e dos animais queimados sem conta – todos a bradar por compaixão que abrace a sua dor. São vozes que se elevam aos céus à procura daquela consolação que em vão se encontra num Estado antiquado, porque orientado para os interesses de corporações onde se não reconhecem as necessidades do cidadão nem da população rural e urbana.

Pelo que se observa nos Média, os grupos políticos, do governo e da oposição, procuram fazer o seu aproveitamento político à luz do clarão de Portugal em chamas.

Já não chega o cheiro e o fumo dos pinheiros e dos eucaliptos, a ele vem juntar-se o fumo da tocha de cada agremiação, para iluminar a própria capelinha e distrair do adro que se encontra a arder! Há gente bravia mais interessada no fogo social, e para atear mais o fogo, serve-se até do papel de jornais que antes eram da sua estimação. Em épocas de eleições quem põe o dedo nas chagas da nação não escapa sem ser chamuscado como porco na fogueira do vizinho.

 

 

Porque incriminar governos ou partidos se o culpado é quem vota?

 

O que interessa já não parece ser a realidade dos factos, mas sim a discussão postfactual destinada a alentar as lógicas de cada ideologia. Nesta, o devoto do partido padroeiro queixa-se da luz da capelinha vizinha onde o fogo que queima também ilumina.

Entrementes, nos montes e vales da Pólis, ventos de fervores e fervuras queimam também o possível verde que ainda resta nalguma terrinha ou em capela perdida.

Ao lado, embrulhados nos cobertores do seu narcisismo, parlamentos e governos vão dormindo o sono dos eleitos, na segura consciência habitual de que nem o fogo da corrupção nem a fuligem das queimadas da sociedade chegam ao parlamento. A firma encontra-se em concurso, basta distribuir os dividendos.

Controle-se o Parlamento que não controla os governos nem faz leis que defendam a floresta nem ataquem o fogo da corrupção. A responsabilidade está em quem vota e entra no jogo de culpar ou desculpar governo ou oposição em vez de se ocupar dos factos, da realidade, das pessoas e da nação. Enquanto cada um e cada grupo continuar no jogo de aplaudir o jogo do seu clube favorito aceita implicitamente que o país é relvado e o povo é quem perde porque não tem claque nem joga. Aceita-se um Estado faz de conta, reduzido a duas equipas de jogadores que apostam no barulho da assistência, de um lado a gritar pénalti e do outro a gritar fora de jogo.

O trágico da tragédia está na habitual conversa pegada, no discurso da culpa da desculpa culpada que, como força autónoma, distrai das vítimas, dos factos, da natureza e da irresponsabilidade de governos sucessivos sustentados pelas bocas do mundo e desculpados pela culpa das craques apenas interessadas em ver o jogo e em satisfazer os sentimentos de desdém e de apreço.  Os jogadores vão ganhando o seu; o avanço do país não importa, o que ele produz chega para os poucos e o povo mete-se no atrelado da União Europeia.

No meio de tudo isto, o povo tornou-se imune e independente dos jornais que não lê, pois, acredita apenas na percepção sensorial, guiada pelo instinto de que os jornais de referência discutem os interesses doutros polos que se servem deles como ilustração. Se Portugal continua a arder desta maneira deve-se à incúria de todos os governos, partidos e povo distraído. O Estado tem poupado à custa das regiões do interior e dos mais fracos e agora discutimos todos sobre o sexo dos anjos ou sobre a culpa dos jornalistas e do adversário. Tudo isto não interessa à floresta nem ao povo porque serve para atear outras labaredas na cuca da lenha que fica dos fogos.

Na Alemanha a política também fez erros ao não calcular os perigos em torno da G20, mas teve vergonha pelo que aconteceu nas ruas de Hamburgo e logo o Estado colocou 40 milhões de euros no fundo de ajuda para indemnização dos danificados, e isto independentemente das verbas que os seguros têm de pagar. A nossa sociedade, pelo que se vê nos Média, não pode ir à frente porque em vez de nos preocuparmos com os factos e com a realidade, preocupamo-nos em desculpar ou em acusar alguém: o centro do interesse e da preocupação não está na resolução objectiva do problema, mas na atribuição da culpa. Pelo que consta, o povo inocente conseguiu juntar já 13 milhões de euros enquanto o Estado esfrega os olhos na esperança de os factos servirem de bombo para atrair povo para a sua festa! Em política o povo é uma miragem, apenas presente na ideologia! O poder das corporações em volta do Estado é demasiado forte tornando-se nos eucaliptos do Estado não deixando crescer nada ao lado.

Em questão de Jornais, partidos e de opiniões observa-se o fenómeno generalizado de “cada macaco em seu galho” defender de olhos fechados o seu próprio interesse. Cada um tem o seu público e a sua clientela numa sociedade não acostumada à réplica. Cada um só lê um jornal por questões de segurança (Porque não ler os jornais dos deuses e dos diabos para abrir as perspectivas, andando mais desinformados!). Por isso em vez do discurso controverso sobre a coisa pública opta-se pelo discurso da má língua e do maldizer de uns e de outros; o ditado da opinião faz parte do argumento de um ter sempre razão numa lógica construída nos parâmetros de serviço a um clubismo em que tão regaladamente se vive.

Muitas vezes, no discurso público tenho a impressão de nos encontrarmos em becos sem saída num discurso de beco sem saída que apenas reage tornando-nos a todos reacionários com rosto de progressistas. Estaríamos todos tramados com tanta trama se não fossem uma nova mentalidade da juventude que começa a surgir

© António da Cunha Duarte Justo

Pegadas do Tempo