A Matriz política masculina não pode ser Norma para a Instituição eclesial

Mulheres lutam por uma Instituição mais feminina

Por António Justo

A opressão sistémica das mulheres é um fenómeno universal que se observa em todos os sistemas ideológicos, económicos, políticos e religiosos, de todo o globo.  A desvalorização da mulher é a consequência lógica das sociedades com matriz masculina que apostam na sustentabilidade de estruturas patriarcais.

A instituição eclesial, à imagem da sociedade secular, tem-se orientado por padrões masculinos, considerando a feminilidade, como característica secundária, nas suas estruturas.  Já vai sendo tempo de se dar resposta à energia da feminilidade e de se praticar o evangelho (1) não se refugiando na estratégia máscula do divide para imperares; doutro modo fica-se numa de reservar a paternidade para a sociedade e a maternidade para a família: uma e outra são constitutivos de vida e devem igualmente estar presentes na sociedade. A matriz masculina da sociedade secular não pode ser norma de adaptação para a Instituição eclesial. O lugar do diálogo nela não é a sexualidade (entre homem e mulher) mas sim os princípios/energias feminilidade e masculinidade a nível de pessoa, de sociedade e instituições.  A “fragilidade” deve estar mais presente nos lugares “fortes”!…

Na Páscoa passada, muitos milhares de mulheres católicas fizeram uma “greve de igreja”, em toda a Alemanha, durante uma semana. A partir de Münster, na Vestefália, e com o apoio da Comunidade de Mulheres Católicas (Kfd), elas (integradas no movimento “Maria 2.0”), interromperam os seus cargos honorários nas paróquias e celebraram liturgias em torno das igrejas. Foram mais de 1.000 grupos, que organizaram vigílias, cultos e ações de protesto.

Com esta acção, as mulheres pretendiam dar rosto público ao seu descontentamento com as estruturas masculinas de poder na Igreja Católica. As mulheres exigem acesso a ministérios de ordenação, a abolição do celibato obrigatório para os sacerdotes seculares e uma revisão da moral sexual.

Posteriormente, as mulheres organizaram delegações para falarem com os bispos nas correspondentes dioceses.

Os seus protestos tiveram uma expressão feminina (2): As mulheres protestam por amor à Igreja, de dentro para dentro e de dentro para fora sem a atacar com a ideia numa igreja que querem também sua casa religiosa.

O Arcebispo de Hamburgo, Dom Stefan Heße, convidou o movimento “Maria 2.0” a participar no “Caminho sinodal” planeado pelos bispos e a apresentar as suas exigências de reforma (3).

É verdade que a Igreja católica está implantada em todas as culturas do mundo e por isso urge reconhecer a dignidade na diversidade das pessoas (homem e mulher) também na missão de libertar o ser humano, de levar a Boa Nova à humanidade e de descobrir possíveis melhoras e alertar para os perigos. A Igreja não é apenas uma instituição, ela é uma comunidade de vida de homens e mulheres congregadas em torno de Jesus Cristo (não pode ser dividida numa igreja petrina e numa igreja joanina).

A Igreja Católica, na sua qualidade de instituição mais beneficiadora da humanidade (4), sendo uma religião especialmente impregnada de feminilidade (Boa nova, liturgia e espiritualidade), seria mais conforme consigo mesma se no seu aspecto exterior de instituição reduzisse a predominância do rosto masculino (masculinidade) e desse lugar  a um maior equilíbrio entre as energias/princípios feminilidade e masculinidade.

A Igreja, que por natureza é de conotação feminina, precisa também de um olhar feminino a partir das suas instituições, numa atitude dialógica não só no que respeita às diferenças entre religiões e sociedades seculares, mas sobretudo no empenho pela presença e balance da feminilidade e da masculinidade nos presentes modelos de sociedade dominados pela masculinidade; o melhor paço seria começar por si mesma.

Torna-se uma contradição que sacerdotes e mulheres empenhados em reformar a Igreja tenham de sofrer pelo facto de a igreja oficial se encontrar demasiadamente distanciada da realidade. A promoção de mulheres nos ofícios da igreja não pode ser limitada a educadoras infância ou a referentes pastorais.

Urge impulsionar uma marca católica em que as mulheres pertencem a uma igreja fraternal, onde cada um possa determinar e viver a sua vocação e ter o seu projecto de vida sem exclusão. Para isso não é preciso mudar a Bíblia; o Evangelho tem fundamentos suficientes para a revalorizar; por outro lado, se for dado espaço relevante às mulheres na sociedade surgirá consequentemente uma outra imagem da mulher.

Ainda não há consenso na Igreja sobre o sacerdócio para mulheres. Mas uma coisa há que advertir e ter em conta: o poder espiritual não deve ser exercido em padrões seculares e profanos.

Não podemos viver de uma esperança sempre adiada. O critério homem não pode ser exclusivo e além disso vivemos num tempo em que a matriz machista da sociedade se questiona e em que a teologia feminina pode fazer a ponte para a feminilidade do Evangelho. O que continua em jogo é uma visão de domínio do princípio da masculinidade sobre a feminilidade e uma teologia. não se trata aqui de seguir uma teologia hipercrítica que depende demasiado da cabeça, mas colocar no centro a fé como um indicador de e para Jesus.

É claro que as igrejas não cresçam por ajuste ao gosto do tempo, mas sim através da fidelidade ao Evangelho. Urge estarmos mais atentos às mulheres na bíblia de modo a não serem mal-interpretadas pelos homens (o que aconteceu em relação por exemplo a Madalena, a apóstola dos apóstolos)

Uma mudança de moral não implica necessariamente uma mudança de doutrina, dado uma teologia interpretativa correspondente às sociedades em que se encontravam incardinada ter sistematicamente desvalorizado o papel da feminilidade na mulher para, compensatoriamente, a expressar na liturgia e no culto mariano.

Seria um equívoco condicionar o princípio da masculinidade e da feminilidade aos papeis assumidos com base na tradição de reduzir os dois princípios a uma sexualidade de caracter funcional ou de confundir masculino e feminino (homem e mulher) com masculinidade e feminilidade. A Doutrina da Igreja não pode ser condicionada à moral sexual e menos ainda à matriz económico-política de mera masculinidade. (As lutas que se observam na praça em relação a homossexuais e lésbicas dão testemunho praticamente só da afirmação da masculinidade ou da afirmação de um polo contra o outro; neles falta a energia/princípio da feminilidade.)

Através de exclusão das mulheres, as lesões surgem e tornam-se cada vez mais dolorosas; não basta pregar a misericórdia, é preciso refletir sobre a mensagem cristã integral e praticá-la também a nível institucional (sabendo muito embora que é da natureza de toda a instituição humana ter um caracter masculino predominante!).

Porque esperar pela mudança só depois da morte; porque ter de gastar tantas energias na defesa de mudanças necessárias e que nem sequer contradizem o espírito que possibilitou os evangelhos há 2.000 anos.

O que falta praticar é Jesus Cristo. Ganhamos todos, homens e mulheres, com uma maior presença da feminilidade em cada pessoa e na humanidade.

(Este texto fará parte de um livro que há já muitos anos tenho à espera de ser publicado)

© António da Cunha Duarte Justo

Teólogo e Pedagogo

In “Pegadas do Tempo”

A IGREJA CATÓLICA É A MAIOR INSTITUIÇÃO BENFAZEJA DA HUMANIDADE

Ao Serviço de todo o Humano sem ter em conta Raça ou Ideologia

António Justo

A Agência Ecclesia noticia que a população católica mundial passou de 1 bilhão e 196 milhões no ano de 2010 para 1 bilhão e 313 milhões no final de 2017. A Europa conta com cerca de 22% da população católica mundial. O número de clérigos no mundo é” igual a 466.634, com 5353 bispos (3.992 diocesanos e 1.245 religiosos), 415.792 sacerdotes (281.297 diocesanos e 134.495 religiosos) e 46.312 diáconos permanentes (43.954diocesanos e 612 religiosos”. Religiosas (freiras): 682.729; Religiosos não sacerdotes: 54.559; Missionários leigos: 368.520. Seminaristas menores: 78.489 diocesanos e 24.453 religiosos; Seminaristas maiores:  116.939 diocesanos e religiosos; Catequistas: 3.264.768.

Estações missionárias com sacerdote residente: 1.864; Estações missionárias sem sacerdote residente: 136.572; Institutos seculares masculinos: 654; Institutos seculares femininos: 24.198.

Segundo as Estatísticas do Vaticano (1) a Igreja administra no mundo 5.158 hospitais;” 73.580 escolas maternais, frequentadas por 7.043.634 crianças; 96.283 escolas de ensino fundamental com 33.516.860 alunos; 46.339 institutos de educação secundária, com 19.760.924 estudantes. Acompanha ainda 2.477.636 alunos de escolas superiores e 2.719.643 estudantes universitários”.

Os institutos de beneficência administrados pela Igreja encontram-se na “ maioria na América (1.501) e na África (1.221); administra 16.523 postos de saúde, grande parte deles na África (5.230), América (4.667) e Ásia (3.584); 612 leprosários distribuídos principalmente na Ásia (313) e África (174); 15.679 casas para idosos, doentes crônicos e pessoas com deficiência, em maioria na Europa (8.304) e América (3.726); 9.492 orfanatos, a maioria na Ásia (3.859); 12.637 jardins de infância, e o maior número deles está na Ásia (3.422) e América (3.477); 14.576 consultórios matrimoniais, a maioria na Europa (5.670) e América (5.634); 3.782 centros de educação ou reeducação social e 37.601 instituições de outros tipos”.

Voltaire, que era inimigo da Igreja, referindo-se às irmãs católicas da França (“Santas Casas de Misericórdia” que foram fundadas pela Igreja em todo o mundo), dizia: “talvez não haja nada maior na terra do que o sacrifício da juventude e da beleza, realizado pelo sexo feminino para trabalhar nos hospitais para aliviar a miséria humana”.

A caridade ensinada por Cristo, de caracter universal, porque independente de profissão política ou religiosa, foi “algo novo” no mundo antigo e torna-se algo combatido no mundo pós-moderno… Tenho muitos colegas religiosos que, renunciando a enriquecer como eu, dedicam a sua vida inteira ao serviço dos pobres e à promoção do bem e do saber em meios que se não fossem eles viriam o  seu  progredir adiado por muito tempo.  São testemunhos do altruísmo num mundo que os ignora ou despreza porque o negócio desse mundo extremamente secularizado se tornou prisioneiro do egoísmo e da ideologia.

A Igreja benfazeja existe mas ninguém fala do bem dela porque é combatida pelo marxismo cultural que tomou conta do zeitgeist que se procura definir como oportuna crença em nome do superego e da emancipação que se quer, não ao serviço da autonomia e da comunidade humana, mas apenas ao serviço do “pensar politicamente correcto”  criado pelo sistema europeu de ideologia secular materialista e que se arroga o direito de supervisionar a opinião pública e de colonizar culturalmente outros povos sob o pretexto de progresso.

O cristianismo, como Igreja cristã, é certamente “a maior e mais alta forma de organização do espírito humano que existiu até hoje”, reconhecia já o filósofo e psiquiatra Karl Jaspers. É, de facto, a mais antiga instituição da humanidade! Hoje há organizações e filosofias (sobretudo marxistas) que querem varrer com a Igreja (porque como instituição possibilita a sustentabilidade do cristianismo na História) porque a consideram um empecilho ao seu intento de implementar na humanidade uma cultura materialista em que o indivíduo se torne mero objecto da História, simples sujeito/cliente, ao contrário do cristianismo que considera a pessoa humana como soberana e divina!

Geralmente, os Media, seguindo o zeitgeist do marxismo cultural, não gostam de falar da Igreja e se o fazem viram os seus holofotes apenas para o que corre mal. Como consciência da humanidade ela incomoda quem se quer orientar pelo capital e por ideologias materialistas; para estas o modelo é o socialismo-capitalista chinês.

António da Cunha Duarte Justo

In “Pegadas do Tempo”

 

PORTUGAL TAMBÉM MERECERIA UMA ALTA CONSCIÊNCIA NACIONAL

Ramalho Eanes descreve a Realidade portuguesa de maneira lúcida

Por António Justo

O Portugal republicano traz consigo um problema que o tem impedido de se tornar numa república adulta com eficiência semelhante à da república Suiça ou de outros países europeus pequenos.

As elites portuguesas, demasiadamente ocupadas na defesa dos interesses de grupos corporativos, não têm contribuído para a formação de uma consciência nacional própria; por isso falta a Portugal uma instância ética de moral social. Isto fomenta  um discurso paralelo não analítico, meramente emocional,  puramente tudo de escape.

Na falta de uma consciência pública nacional, os governantes passam a ser a única referência para o povo (originando-se um discurso político-social à semelhança do futebol). Por isso, um povo tornado população, abdica de se ocupar do interesse colectivo e passa a estar apenas atento aos cães de guarda do sistema que seguem como ovelhas bem-educadas e habituadas a confundir a voz daqueles com a voz de Portugal.

O que o ex-presidente Ramalho Eanes disse na sua conferência de 24.06.2019 sobre “Portugal: as crises e o futuro” (1), descreve, de maneira preclara, a realidade de Portugal: facto este que o povo não pode reconhecer, devido ao nevoeiro do “pensar politicamente correcto” a que está submetido, e que os políticos não querem ver para continuarem na apagada e vil tristeza do “continue-se assim”; por isso impede-se um discurso crítico que vá estragar o grande negócio que a corrupção proporciona às corporações políticas, económicas e culturais  que beneficiam dela!  Além disso, a classe determinante serve-se do complexo de inferioridade de muitos educados a não tolerar sequer crítica construtiva porque “Portugal é o melhor”! Em vez de se implementar a formação de uma consciência ética social portuguesa, os interesses de grupos portugueses organizados em corporações estão empenhados em criar na opinião pública um patriotismo rasteiro de adeptos.

Muitos censuram o atual Presidente por não colocar na ordem do dia o tema da corrupção, como faz o ex-presidente. O senhor presidente da república é, porém, uma peça do sistema e como tal mais interessado em branquear as constatações de organizações independentes que apontam para o problema de Portugal. Quer-se um Portugal para “inglês ver” e para alguns beneficiados do sistema poderem passear por instituições estrangeiras de rosto levantado. O atual presidente, Rebelo de Sousa, considera a questão “sensível” porque sabe que se a sociedade portuguesa tomasse o assunto da corrupção a sério isso teria repercussões internacionais, ao chamar a atenção do jornalismo internacional (Este fala do que os jornalistas internos falam!). Por isso importa abafar a questão. Falar de corrupção incomoda o negócio e incomodaria os rostos lavados que se querem em Bruxelas. (Por vezes ganha-se a impressão que Bruxelas premeia portugueses que não fizeram bom serviço na defesa dos interesses do país!)

Dizer o que o ex-presidente constata não cai bem nos ouvidos de um patriotismo balofo de que bem vivem os que deveriam notar o que se passa, mas parece ser melhor viver-se desapercebido à custa do Estado alimentado por contribuintes demasiadamente explorados.

Algumas frases do ex-presidente Ramalho Eanes, que marcam um testemunho fidedigno do que se passa em Portugal: “A corrupção é uma “epidemia que grassa pela sociedade” onde “o mérito foi substituído pela fidelidade partidária” num Estado onde “a administração pública foi colonizada” pelos partidos, sobretudo pelos do “arco do poder”.

“Não há uma crise da democracia nem do regime, mas há uma crise da representação” e onde a relação entre eleitores e eleitos é “praticamente inexistente”.

Os deputados reduzem-se a serem “mais delegados dos partidos do que representantes dos eleitores”. Por isso “muitos eleitores não se sentem representados no poder político”. Também a Justiça e as contas públicas não escaparam ao olhar atento do General.

Que faz o senhor Presidente da república? (3)

Homens como Eanes precisam-se em todos os sectores da sociedade; um papel especial seria de esperar das artes, para se poder formar uma consciência nacional a que todos devam prestar contas (Estas por vezes encontram-se sob a dependência da promoção partidária ou pública e, deste modo condicionadas à subserviência do oportuno).

A falta de uma consciência nacional geral leva o corporativismo português a narrar os factos sem ligar a eles e deste modo a fomentar a atitude do ninguém liga. Por isso a integridade deste ex-presidente não encontra eco eficiente. Precisa-se de pessoas de intervenção que expressem os interesses do país e o sentimento do povo e formem também a sua consciência; doutro modo anda tudo à deriva de qualquer fala-barato, como se a opinião pública se reduzisse a ouvintes de um relato à maneira do futebol!

© António da Cunha Duarte Justo

Pegadas do Tempo

O MELHOR PROFESSOR DO MUNDO EM 2019

Exemplo de Inclusão pedagógica

António Justo

Global Teacher Award (1) premiou o pedagogo Peter Tabichi, do Quénia, com um milhão de dólares. Ele foi considerado o melhor entre os 10.000 professores nomeados de 179 países.

O monge pedagogo ensinava 58 alunos numa escola de uma aldeia Queniana e dá 80% do seu ordenado para os alunos mais pobres; deles, um terço são órfãos ou só têm pai ou mãe. A vida de seus alunos era muitas vezes caracterizada pelo abuso de drogas, gravidez na adolescência, desistências escolares e suicídios.

Naquela escola só havia um computador e uma ligação de internet, que nem sempre funcionava. Apesar disso o padre fundou um clube de computador. Criou também um clube de talentos tendo com eles ganhado um prémio da Academia Real para Química; além disso dirige um grupo pela paz onde se encontram representadas as 7 tribos da região.

Peter Tabichi (1) “e quatro colegas também dão aulas particulares de Matemática e Ciências a alunos com fraco aproveitamento, fora da sala de aula e nos fins-de-semana, onde Peter visita as casas dos alunos e encontra as suas famílias para identificar os desafios que enfrentam.  Ao fazer seus alunos acreditarem em si mesmos, Peter melhorou dramaticamente o desempenho e a autoestima de seus alunos. As matrículas dobraram para 400 em três anos, e os casos de indisciplina caíram de 30 por semana para apenas três. Em 2017, apenas 16 dos 59 alunos foram para a faculdade, enquanto em 2018, 26 alunos foram para a universidade e para a faculdade. O desempenho das meninas, em particular, foi impulsionado, com as meninas liderando agora os meninos em todos os quatro testes estabelecidos no ano passado”.

O melhor caminho para sair da pobreza é a formação. Esta foi a missão que muitos padres e missionários levaram a terras por onde passavam e passam: um bem à humanidade de que ninguém fala (Tenho colegas que admiro porque trabalham em países da lusofonia (3), oferecendo a sua vida e seu usufruto às populações com o mesmo espírito deste monge). Peter Tabichi considera o sucesso de seus alunos como seu estímulo pessoal; confessa: “ver como meus alunos adquirem conhecimento, habilidades e confiança é minha maior alegria. Quando eles se tornam criativos e produtivos na sociedade, isso também me leva a uma grande satisfação”. Faz lembrar a pedagogia salesiana de Dom Bosco.

O Presidente da República de Quénia, Uhuru Kkenyatta, elogiou o empenho do monge franciscano e disse: “Peter, sua história é a história da África, um jovem continente cheio de talento”.

O sacerdote, no seu discurso de agradecimento, prognosticou: “A África produzirá cientistas, engenheiros e empresários cujos nomes serão um dia famosos em todas as partes do mundo. E as raparigas serão uma grande parte da história.”

O padre acrescentou humildemente que só estava ali devido aos seus alunos.

António da Cunha Duarte Justo

Pegadas do Tempo,

UMA ÉTICA MUNDIAL PARA A CULTURA DA PAZ – Mudança do paradigma institucional para o individual

Pensar e agir em Contexto de Globalização implica fomentar um Humanismo plural

Por António Justo

Na qualidade de professor de ética na Alemanha, onde tinha alunos cristãos, ateus, hindus e muçulmanos, vi-me confrontado a ter de distinguir melhor entre Moral e Ética na disciplina que lecionava, devido às diferentes “morais” de proveniência dos alunos e à óbvia necessidade de adquirirem um mínimo de valores éticos comuns para os habilitar para um adequado relacionamento intercultural no dia-a-dia e obterem a suficiente compreensão para respeitarem as diferentes morais e crenças. Pelo que observamos a nível mundial, as culturas encontram-se com problemas irresolvidos e a civilização ocidental passa um momento axial da sua História (ou sua negação), o que a leva a uma crise de sentido do Homem e da civilização.

Urge construir uma sociedade com pessoas de boa vontade, dispostas a criar uma comunidade e um mundo de todos para todos e para isso é óbvio apostar-se na juventude como os melhores obreiros do novo mundo, uma geração comprometida com o desenvolvimento social e humano.

A Dignidade humana e consequente respeito pela pessoa é o valor primeiro a ter de ser reconhecido e integrado, como princípio ético, em todas as culturas e Estados; toda a discriminação vem da desconsideração de tal princípio ético. Dado as diferentes instituições humanas se regerem quase só pela negociação de interesses entre elas (e de corporações dentro delas) , é necessário que pessoas e grupos (em cada Estado e outras  instituições) lutem para que a nova perspectiva ética, (que parte do interesse  da pessoa e não tanto, como até agora, do interesse das instituições), seja concretizada nas instituições (a dignidade humana como seu constitutivo e primeiro objectivo)  e também através delas. Só assim se poderá chegar a uma prática comum do “não faças aquilo que não queres que seja feito a ti”.

Observa-se um esforço crescente no sentido de se estabelecer uma ética global (Direito ético) sobre a moral própria (Direito moral) de civilizações, religiões, culturas e nações. O intento revela-se de muita urgência para se poder chegar a um mínimo de consenso na relação dos povos entre si, para que se estabeleça um código de valores ou princípios éticos comuns que venham a influenciar a feitura das leis dos diferentes Estados. Este esforço não deve cair na tentação de aplanar culturas e morais por uma rasoura só racional e de pretensões materialistas hegemónicas escondidas a pretexto da racionalidade.

O direito ético (nível de reflexão) é diferente do direito moral (leis morais culturais, decálogo). Os princípios éticos (gerais e abstractos) estão para a constituição do país, como esta está para as leis e tribunais no trato directo da conduta concreta (moral) do cidadão (1). A ética seria a filosofia crítica da moral e a moral seria a ética aferida e aplicada na vida concreta (diferentes regiões e culturas). Neste âmbito os mitos de diferentes culturas e suas narrativas encobrem em si verdades universais comuns a ser exploradas.

 

O surgir de compromissos globais

Hans Küng, com o “Global Ethic Project”(2), activou fortemente a discussão mundial sobre a necessidade de um consenso básico de valores, atitudes e padrões para um Ética Global. No seu programa “Projeto Ética Global”, publicado em 1990, formulou três convicções básicas: “Não há sobrevivência sem uma ética global. Não há paz mundial sem paz religiosa. Não há paz religiosa sem diálogo religioso (Não há diálogo entre religiões sem pesquisa básica nas religiões.)”.

O Parlamento das Religiões Mundiais reunido em Chicago adoptou a Declaração (3) a favor de uma ética global, a 4 de setembro de 1993. 200 representantes de todas as religiões assinaram a declaração. Concordaram com elementos centrais de uma ética comum, assumindo o princípio da humanidade como regra de ouro e as directrizes: não violência, justiça, veracidade, parceria e direitos iguais para homens e mulheres.

Uma ética concebida à margem da espiritualidade não assume um caracter de sustentabilidade porque não se encontra ligada a um princípio superior e, na consequência, uma ética artificialmente racional traz em si o cunho da transitoriedade. Um princípio resultante de eleição democrática está sempre dependente de interesses geralmente não justificados pela natureza e o caracter espiritual fica perdido entre a luta de interesses corporativos no meio da polis. Também o argumento de que há ateus não é suficiente para se optar por uma ética meramente racional. Daí a importância do respeito da moral de caracter religioso-cultural nas diferentes regiões.

Também aqui seria de aplicar, a nível global, o princípio da civilização cristã: a Deus o que é de Deus (ao povo o que é do povo) e a César o que é de César. Este princípio implicaria o estabelecimento de uma cultura de paz que reconhece a complementaridade de culturas, instituições e pessoas, o que tornaria como consequente a instituição de uma ética global vinculativa para todos os povos (missão secular) e o outro princípio, ao povo o que é do povo (a Deus o que é de Deus), implicaria, também a nível de supraestruturas, o respeito e reconhecimento da sua cultura e religião. Estas enchem com vida a Ética.

 

Para compreender a discussão entre conservadores e progressistas

Para se compreender o valor e a necessidade do estabelecimento de um código ético universal é relevante partir-se da distinção entre ética e moral (4).

Na linguagem cotidiana costuma-se usar ética e moral (moralidade) quase com o mesmo significado. Com o desenvolvimento da globalização e de novas possibilidades científicas (manipulação do gene, inseminações artificiais, etc.) a política precisa de uma moral propriamente secularizada (ética) em termos gerais; isto possibilita um maior discernimento necessário numa sociedade cada vez mais intercultural e de expressão científica. Enquanto a moral consta de um sistema de normas tendentes a levar a um comportamento moral e a acções concretas, a ética é a ciência (filosofia moral) deles e tem como objeto o esclarecimento e análise crítica da moralidade na base de princípios éticos fundamentais: não julga mas classifica de ético ou não ético, enquanto a moral julga. A ética passa a ter um caracter mais científico (político) e a moralidade um caracter mais religioso (cultural).

Uma coisa é o direito constitucional – os valores da sociedade como critérios objectivos de orientação – (por exemplo a Constituição Nacional a nível político, e a nível religioso o Papa em contexto universal que garante uma visão católica unitária) e outra coisa são as leis (uma espécie de pastoral) que a interpretam e aplicam num aferimento com a realidade concreta.

As leis são como que o compromisso entre os princípios gerais (constituição, dogmática, etc.) e o comportamento do povo; por isso a lei chega, por vezes, a ser inconstitucional (caso do aborto) e tacitamente aplicada em razão do contexto social. (Neste caso, a constituição estatal por razões de ética proíbe o matar, mas cede quanto à moral). A ética, sem perder de vista a realidade geral das diferenças a ser integradas, permite, por outro lado, paulatinamente uma mudança cultural…

O assumir de uma ética universal corresponde a adoptar como que uma doutrina comum por que se teriam de orientar as Constituições dos países; como acontece com a dogmática e a pastoral a nível de Igreja.

Assim a supraestrutura (p.ex. Estado) ao assumir, a nível internacional, compromissos de caracter ético (credo), portanto constitucional, terá de o aplicar concretamente, na legislação (ministério da justiça e tribunais). Hoje já é visível o efeito da aceitação do princípio ético da dignidade humana, dos direitos humanos e da não descriminação e os efeitos tornam-se, por vezes, inesperados porque tocam com toda a matriz social.  O estabelecimento de uma ética universal tem consequências na feitura das leis nacionais; estas terão de ser aferidas aos princípios éticos acordados (a Igreja católica, como única organização orgânica de caracter global tem aqui um significado especial; por outro lado ao aplicar no concreto o princípio ético da dignidade humana e dos direitos humanos, que ela mesmo difundiu, terá de rever certas posições).

O acordo de uma ética global seria uma maneira indirecta de estabelecer também na civilização muçulmana a igualdade entre Homem e Mulher (a moral islâmica mudar-se-ia a partir de dentro). De notar já as consequências que o princípio ético da dignidade humana e da não discriminação provoca na legislação concreta dos países da Europa. A não discriminação da pessoa provoca mudanças profundas no conceito de família e no trato jurídico.

No cristianismo torna-se fácil compreender a distinção entre “convicções éticas e convicções morais” porque o cristão adulto deve estar na disposição de distinguir entre a atitude certa para com a vida e a atitude errónea tomada irreflectidamente e na compreensão de que a decisão foi tomada de maneira imponderada e em dependência psicológica ou moral. Neste caso embora a atitude não tenha sido objectivamente certa (isto é, tenho sido eticamente má) moralmente foi boa porque agiu segundo a própria convicção.

Por isso, segundo o catolicismo, é preciso ser-se mesmo adulto para se poder cometer um “pecado mortal” porque este se define como “uma falta contra a razão, contra a verdade livre e contra a consciência reta que fere a natureza do homem e ofende a solidariedade humana” : para isso é preciso juntar-se os três critérios ao mesmo tempo: a gravidade da matéria, o pleno conhecimento e pleno consentimento. Doutro modo faz algo mal mas sem culpa (consciência errónea). Também a obediência a uma lei civil pode basear-se em princípios (obediência cega) que não correspondam à ética.

Como se vê, a Ética tem com objecto de exame a razão, os argumentos racionais e compreensíveis. Isso torna a ética um assunto de lógica porque se age no sentido do bem com argumentos racionais. A moral tem uma conotação mais religiosa (vem de cima) por fundamentar as suas acções num fundamento a priori que é Deus. Por outro lado, a consciência cristã, ao ter a referência a Deus, não desliga a razão pelo que Deus passa a representar um argumento objetivo. Obediência a Deus corresponde à obediência à razão/consciência. Não chega seguir-se o argumento de autoridade, seja ele o dogma, a Constituição do Estado ou uma instituição religiosa. Facto é que nem a instituição religiosa nem o Estado podem justificar isenção de erro. Tanto o cristão como o não cristão que possui uma atitude moral bem pensada, justificada e reflectida e age segundo ela, procede moral e eticamente bem porque pode justificar o seu comportamento. Daqui a necessidade de treinar a pessoa para não se tornarem escravos morais nem da lei nem da autoridade.

Com tudo isto não se dissipa, porém, uma outra questão em relação à razão ética. O facto de eu poder apresentar logicamente a minha posição ética não quer dizer que posições opostas à minha lógica deixam de ser éticas; isto leva a justificar-se a ética também como estudo da moral.

 

Concluindo: elaborar uma ética baseada num humanismo plural

É natural que, numa sociedade cada vez mais pluralista, o Estado não queira permitir que uma religião ou mundivisão determine o que é bem ou mal na polis.  O Direito tem que organizar juridicamente essas relações. Cada vez serão mais naturais as comissões de ética e não de moral (5)!

A declaração dos direitos humanos em 1948 está agora a provocar grandes mudanças em vários ramos do Direito. A cidadania (a consciência dos direitos humanos) é a palavra de ordem da contemporaneidade..

É interessante verificar-se como a convenção dos refugiados ( imigração) leva a novas interpretações das leis em casos concretos, e como estas interpretações se tornam, por sua vez, em fonte de direito para novos julgamentos.

No caso concreto de uma possível acção criminal cometida por um afegão na Alemanha, este pode contar com uma pena menor, dado o juiz ter de considerar na sua sentença, os direitos humanos do acusado e, nesse sentido, ter de interpretar a lei, no contexto histórico, sociológico e valores morais religiosos, culturais e a formação individual do arguido. O juiz terá de sentenciar, pelo mesmo crime, uma pena mais leve a ele do que a um cidadão alemão. Isto legitimaria, a termos, numa sociedade aberta, diferentes tratos entre os diferentes grupos de uma mesma sociedade. A subjectivação da justiça contribui por outro lado para o fomento de ressentimentos e sentimentos de injustiça da Justiça. Neste sentido passaria a haver uma discriminação positiva das minorias.

Temos todos de nos dar as mãos e reconhecer a complementaridade. Sem esforço nem espiritualidade não haverá ética que perdure. Razão e fé (crença) terão de andar de mãos dadas.

O cristianismo, ao iniciar a crença num Deus único universal para todos, criou o fundamento para a aceitação de uma ética global ancorando a cidadania (dignidade humana) já não numa lei, raça ou Estado, mas na natureza humana onde toda a pessoa independentemente de crença ou religião, tem filiação divina comum. Deste modo deu-se origem a um humanismo plural. Com as iniciativas pela criação de um código ético universal encontra-se já em via uma mudança do paradigma institucional para o individual. O protótipo de toda a pessoa é Jesus Cristo.

© António da Cunha Duarte Justo

Teólogo e Pedagogo

In “Pegadas do Tempo”