QUATRO AUTORES PORTUGUESES ENTRE OS 100 MAIORES DA HISTÓRIA DA LITERATURA MUNDIAL, SEGUNDO HAROLD BLOOM

QUATRO AUTORES PORTUGUESES ENTRE OS 100 MAIORES DA HISTÓRIA DA LITERATURA MUNDIAL

Na segunda-feira, 14.10.2019, morreu Harold Bloom em New Haven com a idade de 89 anos; era um intelectual crítico literário americano que alcançou fama internacional com os seus escritos de crítica literária.

Na sua análise das obras literárias de relevo mundial colocou quatro portugueses entre os cem melhores criativos: Luís Vaz de Camões, Eça de Queirós, Fernando Pessoa e José Saramago.

Na sua obra “Génio” faz a sua listagem: https://sdi.letras.up.pt/uploads/pdfs/hbloom2.pdf

 

 

Coloco aqui uma imprescindível Recensão de Gonçalo Correia e Carlos Maria Bobone no Observador, de 14 e 15out2019

I

Morreu o famoso crítico literário norte-americano Harold Bloom

Nascido em Nova Iorque, tinha 89 anos e foi um dos mais famosos críticos literários da segunda metade do século XX. Defensor da supremacia do “cânone ocidental”, elogiou Saramago, Camões e Pessoa.

 

Morreu esta segunda-feira, num hospital em New Haven, Connecticut, o crítico literário norte-americano Harold Bloom. A morte foi confirmada pela mulher, Jeanne Bloom, noticia o The New York Times. Harold Bloom tinha 89 anos e era considerado um dos críticos mais influentes da segunda metade do século XX. A sua última aula universitária, em Yale, foi dada na passada quinta-feira.

Devoto em absoluto de William Shakespeare — a quem chegou a chamar “Deus” —, leitor compulsivo confesso, Bloom privilegiava, enquanto crítico, o gosto clássico, tanto na origem geográfica dos escritores (maioritariamente ocidentais) quanto na sua dimensão histórica. Aquilo que mais o ocupava e interessava era mesmo a reflexão sobre o “cânone ocidental”, para usar a expressão que utilizou

 

para dar título a uma das suas obras ensaísticas mais famosas, publicada em 1994, na qual analisava as obras que considerava cimeiras na história da literatura europeia e americana.

Especialmente avesso à avaliação das obras literárias tendo como critérios o posicionamento ético e político e as origens do seu autor, rejeitando em absoluto a função da arte como doutrinação, Harold Bloom foi um grande defensor “da superioridade literária de gigantes do Ocidente como Shakespeare, [Geoffrey] Chaucer e Kafka”, como lembra o The New York Times.

Os seus críticos, que Bloom incluía na lista de seguidores da “Escola do Ressentimento” (que cunhou), notavam que as grandes referências do erudito nova-iorquino eram sobretudo “brancas e masculinas”, acrescenta o jornal — mas não só, eram maioritariamente autores que não lhe eram contemporâneos. Entre os escritores com os quais conviveu temporalmente, poucos o cativaram. Philip Roth e Samuel Beckett são alguns exemplos dos poucos a quem reconhecia genialidade. Geoffrey Hill, Iris Murdoch, Cormac McCarthy e o português José Saramago (a quem, num momento de arrebatamento, chegou a chamar o maior romancista vivo e que numa entrevista considerou “um homem notável” e “homem iluminado”) também lhe mereceram elogios, assim como Eça de Queirós, por exemplo — que incluiu, tal como Fernando Pessoa e Luís Vaz de Camões, entre os cem autores maiores da história da literatura mundial, na obra Génio.

Perante a limitação do tempo eram os clássicos, sempre, que lhe ocupavam mais tempo. A Os Maias, por exemplo, chamou “um dos mais notáveis romances europeus do século XIX”, comparando-o com os maiores romances da história literária europeia.

 

II

Harold Bloom e o encanto quase sagrado da literatura

Carlos Maria Bobone escreve sobre um dos mais influentes críticos literários, que morreu aos 89 anos, e lembra que o cânone nunca é uma prisão, mas só uma forma mais rica de atingir a originalidade.

 

Carlos Maria Bobone Observador, 15out2019

 

 

 

Em Mimesis, um dos mais importantes livros que a crítica literária deu ao século XX, Auerbach defende que a literatura ocidental, ao contrário do que é dito habitualmente, depende muito mais da Bíblia do que da Odisseia. O modelo narrativo da Odisseia, explica Auerbach, é muito mais distante do ponto de vista natural do que o modelo bíblico. Enquanto a Odisseia aposta num mapeamento completo do espaço, mesmo que para isso tenha de suspender a ação, a Bíblia, e sobretudo o Pentateuco, privilegia o tempo, mesmo que este dê uma perceção fragmentária do que o rodeia; enquanto as personagens da Odisseia são sólidas, das da Bíblia só temos vislumbres; a Odisseia é um monumento, mas a Bíblia acabou por fazer mais escola.

Ora, não é de estranhar, portanto, que Harold Bloom, o mais famoso crítico literário dos últimos anos, combine um fortíssimo interesse literário pelo Pentateuco com uma vontade de realçar constantemente os méritos do cânone literário do Ocidente. É certo que, do ponto de vista histórico, a batalha pelo cânone tem uma oportunidade a que é difícil escapar. Um académico americano como Bloom, professor de literatura, terá passado os últimos anos do século com uma contestação permanente ao valor do cânone; seja pelas hermenêuticas ou estruturalismos mais rebarbativos, que condenam a autoria à quase irrelevância, seja pelo neo-marxismo universitário que olha para o indivíduo como um rasto burguês, seja pelos novos grupos identitários que reclamam do “eurocentrismo” do cânone ou da falta de representatividade das minorias na História da Literatura, a verdade é que o modelo tradicional da literatura, ou pelo menos de estudar literatura, foi ultra contestado desde meados do século vinte.

A obra de Bloom, embora tenha fases bem vincadas, pode sempre ser vista como uma defesa pouco canónica do cânone tradicional. Os seus primeiros livros são estudos monográficos sobre Shelley e Yeats, numa espécie de combate em duas frentes. O estudo monográfico sobre um autor, já o vemos, seria por si só uma espécie de provocação ao estruturalismo militante. Enquanto Edward Said, para citar um exemplo Americano, escreve sobre grandes campos ou temas literários, Bloom escreve sobre indivíduos; mas os livros de Bloom são também uma resposta a uma polémica que chega atrasada aos Estados Unidos. No princípio do século XX, há em França uma grande polémica entre Clássicos e Românticos que é, no fundo, uma polémica sobre a ordem.

Há uma tese sobre o Romantismo — de que Teófilo Braga nos dá um cheirinho no seu Romantismo em Portugal – que olha para este movimento como a recuperação daquilo que é próprio de cada povo, e que estaria abafado pelo cesarismo Romano.

Maurras, por outro lado, apontaria a forma Clássica (que, para ele, era também a forma Romana) como o modelo ideal para o surgimento da obra de arte. A ordem é que permite ao espírito tornar-se compreensível; não é possível haver originalidade no caos, porque tudo está no mesmo plano, o do nada; só a hierarquia e a submissão a um cânone é que permitem que o espírito se meça com aquilo que há. Esta polémica teve a particularidade de inverter os lados de uma contenda mais antiga; se o Romantismo foi, durante muito tempo, visto como a reação ao iluminismo e, por isso, como uma espécie de bastião católico, chefiado por Chateaubriand, o polemista de O Génio do Cristianismo, com a polémica Maurras inverteu a ordem: o modelo de Roma é o modelo clássico. A famosa afirmação de Eliot de que era clássico em literatura, monárquico em política e católico em religião percebe-se à luz desta polémica. Eliot é clássico por oposição aos românticos e, coerentemente, é católico, porque o modelo católico já não é o romântico, mas o clássico.

Ora, é pela influência de Eliot que esta polémica chega aos Estados Unidos, com os lados definidos da mesma forma. Bloom, com as suas defesas de Shelley ou Yeats, está no centro de um furacão. A literatura romântica – que tem a sua defesa do papel do indivíduo nos Heróis, de Carlyle – é atacada por um lado pela corrente clássica católica, por outro pela corrente progressista anti-individualista e anti-canónica.

Bloom faz uma defesa do cânone que, como acontecerá mais tarde com os seus livros de História da Literatura (Génio e O Cânone Ocidental), não interpreta o cânone de uma maneira muito canónica.

Isto, aliás, é bastante claro no modo como Bloom se interessa pela Bíblia. O interesse de um judeu pelo Pentateuco e pelos livros sapienciais poderia indicar o regresso a uma certa ortodoxia, a um modo de olhar para a literatura como mais uma manifestação da obra Divina; no entanto, cada livro de Bloom é mais polémico do que o outro. Desde o famoso Livro de J, que aventa a possibilidade de o escritor do Pentateuco ser uma mulher, a Jesus e Yahweh, em que se trata de uma espécie de parricídio ideológico em que a figura teológica de Jesus absorve um Yahweh de características muito diferentes, a posição de Bloom é muito clara: a riqueza da tradição e dos grandes livros sapienciais está na perda que há entre o texto e o leitor. Nunca se ultrapassa o cânone, porque o cânone não é feito de soma e de leituras completas atrás de leituras completas; os livros que tornaram Bloom mais famoso, apesar de serem vistos como uma defesa do cânone ocidental, são obviamente releituras do cânone. O que interessa em Génio e em O Cânone Ocidental é precisamente a leitura não canónica do cânone; aquilo que a sua doutoranda Camille Paglia fez em Personas Sexuais – a reorganização da ideia de sexualidade através de tipos diferentes de personalidade – vem daquilo que Bloom fez com a literatura. A sua organização dos grandes autores pelo tipo de génio, em que se pode associar Freud ao livro de Job e Boswell a Thomas Mann, tem o interesse de olhar para o Cânone, não no sentido histórico, mas na intemporalidade dos espíritos e das ideias de cada autor.

 

A escrita de Bloom tinha o encanto reverente de quem olha para a literatura como uma coisa quase sagrada e o interesse de despertar, pelas associações imprevisíveis, o interesse na justificação de cada ligação. Nem todas serão claras, nem todas serão as mais acertadas; mas, pelo menos, mostram que, de facto, o cânone nunca é uma prisão, mas só uma forma mais rica de atingir a originalidade.

 

III

O que Harold Bloom, autor de “O Cânone Ocidental”, escreveu sobre Fernando Pessoa

No livro em que definiu os autores que, para si, faziam parte do cânone ocidental, Bloom incluiu alguns portugueses. Pessoa foi, porém, o único a ter direito a algumas páginas, que aqui reproduzimos.

Observador, 15out2019

 

 

Harold Bloom considera que Fernando Pessoa foi o autor de um dos melhores poemas do século XX

 

Da longa carreira do crítico literário Harold Bloom, há um livro que se destaca. Publicado pela primeira vez em 1994, O Cânone Ocidental é um repositório de autores e obras ocidentais que, na opinião do norteamericano, são fundamentais e intemporais. A lista que surge no apêndice começa na antiguidade e acaba na idade moderna e incluiu escritores de várias nacionalidades, incluindo famosos portugueses, como Camões, Eça de Queiroz ou José Saramago. Foi, porém, apenas a Fernando Pessoa que Bloom, que morreu esta segunda-feira aos 89 anos, dedicou algumas páginas do volume, onde isolou e estudou as qualidades de 26 “autores canónicos”, isto é, “autoridades na nossa cultura”.

A escolha, como explicou no prefácio e prelúdio, não foi arbitrária. “Eles foram escolhidos tanto pela sua sublimidade como pela sua representatividade: é possível um livro acerca de vinte e seis escritores, mas não acerca de quatrocentos”, disse. “Com a maior parte deste vinte e seis autores, tentei confrontar diretamente a grandeza, e perguntar o que é que faz com que os autores e as obras se tornem canónicos. A resposta, muito frequentemente, acabou por ser o estranhamento, um modo de originalidade que ou não pode ser assimilado ou, então, tanto nos assimila que deixamos de vê-lo como estranho.”

Foi precisamente a originalidade do “espantoso poeta português Fernando Pessoa” que levou Bloom a incluí-lo num capítulo dedicado a Jorge Luís Borges e a Pablo Neruda, fundadores, juntamente com o cubano Alejo Carpentier, da “literatura hispano-americana do século XX”. Para o crítico, Pessoa tinha inventado algo fantástico que ultrapassava “qualquer criação de Borges” — os heterónimos, “uma série de poetas alternativos” para os quais “escreveu volumes inteiros de poemas”. “Pessoa não era nem louco nem mero ironista; é Whitman renascido”, defendeu o professor da Universidade de Yale, frisando as semelhanças entre a obra do poeta português e a do poeta norteamericano, autor de Folhas de Erva.

O Cânone Ocidental foi publicado pela primeira vez em Portugal em 2011 pela Temas e Debates

Neste aspeto, o crítico destacou “Ode Marítima”, de Álvaro de Campos, que considerou “um dos maiores poemas” do século XX. “Com excepção das melhores partes das obras de Neruda Residência na Terra e Canto Geral, nada que tenha sido composto na esteira de Whitman se equipara em invenção exuberante a Ode Marítima“, defendeu em O Cânone Ocidental, numa passagem que aqui reproduzimos na íntegra a partir da edição portuguesa da Temas e Debates, que vai na quinta edição:

 

Como contraste aos poetas latino-americanos, apresento o espantoso poeta português Fernando Pessoa (1888 -1935), que, enquanto invenção fantástica, ultrapassa qualquer criação de Borges. Nascido em Lisboa e descendente de judeus conversos, Pessoa foi educado na África do Sul e, tal como Borges, desde muito novo que era bilingue. Na verdade, até aos vinte e um anos escreveu poesia unicamente em inglês. Em termos de eminência poética, Pessoa iguala-se a Hart Crane, com quem muito se assemelha, sobretudo em Mensagem, uma sequência poética sobre a história portuguesa, afim a A Ponte de Crane. Poderosos como são muitos dos poemas líricos de Pessoa, eles constituem, porém, unicamente uma parte da sua obra; também inventou uma série de poetas alternativos – entre eles Alberto Caeiro, Álvaro de Campos, Ricardo Reis –, e para eles escreveu volumes inteiros de poemas, ou melhor, como eles. Dois deles, Caeiro e Campos, são grandes poetas, totalmente diferentes entre si e de Pessoa, para já não falar de Reis, que é um interessante poeta menor. Pessoa não era nem louco nem um mero ironista; é Whitman renascido, mas um Whitman que dá nomes separados a «o meu eu», «o eu verdadeiro» ou «eu, eu mesmo», e «a minha alma», e escreve maravilhosos livros de poemas para os três, assim como um volume à parte com o nome de Walt Whitman. Os paralelos estão demasiado próximos para serem coincidências, em particular porque a invenção dos «heterónimos» (um termo de Pessoa) se seguiu a uma imersão em Folhas de Erva. Walt Whitman, um dos duros, um americano, o «mim mesmo» de Canto de Mim Mesmo, torna-se Álvaro de Campos, um engenheiro naval português e judeu. O «eu verdadeiro» ou «eu, eu mesmo» torna-se o «guardador de rebanhos», o poeta pastoril Alberto Caeiro, enquanto a alma whitmaniana se transmuda em Ricardo Reis, um materialista epicurista que escreve odes horacianas.

Pessoa deu a cada um dos três poetas uma biografia e uma fisionomia, permitindo que se tornassem independentes dele, e de tal maneira que ele próprio se juntou a Campos e a Reis no anúncio de que Caeiro havia sido o seu «mestre» ou precursor poético. Pessoa, Campos e Reis foram todos influenciados por Caeiro, não por Whitman, e Caeiro não foi influenciado por ninguém, sendo um poeta «puro» ou natural, com pouca ou nenhuma educação, e que morreu com a idade altamente romântica de vinte e seis anos. Octavio Paz, um dos paladinos de Pessoa, resumiu este poeta quádruplo com uma requintada economia: «Caeiro é o sol em cuja órbita Reis, Campos e Pessoa (ele próprio) gravitam. Em cada um há partículas de negação ou irrealidade. Reis acreditava na forma, Campos na sensação, Pessoa em símbolos. Caeiro não acredita em nada. Ele existe.»

A investigadora portuguesa Maria Irene Ramalho de Sousa Santos, que se afirmou como a crítica canónica de Pessoa, interpreta os heterónimos deste como a sua «leitura, meio em cumplicidade com Whitman e meio em aversão, não só da poesia de Whitman, mas também da sexualidade e das ideias políticas de Whitman».

O homoerotismo mal reprimido de Pessoa emerge no furioso masoquismo de Campos, o que não é nada whitmaniano; e a ideologia democrática de Folhas de Erva era inaceitável para um monárquico visionário português.

Embora Ramalho de Sousa Santos faça o possível por eludir a angústia da contaminação de Pessoa por Whitman, as ansiedades da influência não são fáceis de escamotear. Tal como D. H. Lawrence em Studies in Classic American Literature, Pessoa-Campos manifesta uma enorme ambivalência em relação aos ambiciosos abraços whitmanianos do cosmo e de todos quantos nele existem; e contudo Pessoa parece saber, muito melhor do que os críticos que o idealizam, que é impossível separar os seus eus poéticos dos de Whitman, apesar da prodigiosa ficção dos heterónimos. Até mesmo Ramalho de Sousa Santos, após uma tentativa de rodeio feminista dos fardos da influência, regressa brilhantemente às cruéis realidades da filiação temporal, do romance de família poético:

A partir do diálogo implícito em Whitman entre o eu e o «eu, eu mesmo», Pessoa esculpiu duas imagens da voz explicitamente distintas. Whitman, mais cedo, por intermédio de uma consciência conectiva, orgânica, foi capaz de entrelaçar estas duas vozes num todo dinâmico. Pessoa, chegando meio século depois, imerso nas correntes do pensamento contemporâneo e bem informado acerca de Nietzsche, Marinetti e sobretudo Pater, que ele havia traduzido em parte, tinha necessidade de descobrir uma nova estratégia para exprimir o eu à maneira de Whitman, tanto técnica como filosoficamente. Ao detectar dois eus potencialmente opostos em Folhas de Erva, e sobretudo em Canto de Mim Mesmo, Pessoa encontrou a maneira de inscrever poeticamente o fluxo perpétuo de uma única consciência; uma consciência em estonteante movimento para a frente e para trás entre duas atitudes essenciais para com o Ser. Juntos, Caeiro e Campos re-entoam o Canto de Mim Mesmo como um dueto, com a voz principal do solista para sempre ensombrada pela presença impalpável do outro. Ler uma persona como uma parte essencial da outra proporciona uma nova leitura dos heterónimos.

Segundo esta perspectiva, com a qual eu estou em consonância, Pessoa aceita o papel que desempenha no drama da influência poética, mas leva a leitura de Whitman a um grau de consciência mais elevado ao exteriorizar a cartografia psíquica do seu precursor em termos de dois poetas fictivos. Quero primeiramente aplicar esta leitura a poemas de Caeiro e Campos, e depois voltar atrás, a Neruda, cuja diversidade poética tem desencadeado tantos comentários críticos. Quando

Ricardo Neftalí Reyes assumiu o pseudónimo Pablo Neruda e escolheu Walt Whitman como pai adoptivo, deu por si só o primeiro passo em direcção ao princípio heteronímico de Pessoa. Quer Canto Geral venha ou não a ser confirmado com o decorrer do tempo como o canto geral da América, destituindo Folhas de Erva, como alguns dos seus admiradores profetizam, há também um enorme corpus da poesia de Neruda que é distinto da sua épica enciclopédica. A relação entre os volumes e as fases da sua variada carreira é imensamente whitmaniana no sentido em que eus nerudianos muito diferentes se manifestam nos poemas, tal como Caeiro e Campos são imensamente diversos e, mesmo assim, continuam a ser eus whitmanianos. Caeiro, tal como o «eu verdadeiro» de Whitman, está tanto dentro como fora do jogo, assistindo a ele e com ele se admirando:

Deste modo ou daquele modo, Conforme calha ou não calha, Podendo às vezes dizer o que penso, E outras vezes dizendo-o mal e com misturas, Vou escrevendo os meus versos sem querer, Como se escrever não fosse uma coisa feita de gestos, Como se escrever fosse uma coisa que me acontecesse Como dar-me o sol de fora.

Procuro dizer o que sinto Sem pensar em que o sinto. Procuro encostar as palavras à ideia E não precisar dum corredor Do pensamento para as palavras.

Nem sempre consigo sentir o que sei que devo sentir. O meu pensamento só muito devagar atravessa o rio a nado Porque lhe pesa o fato que os homens o fizeram usar.

Procuro despir-me do que aprendi, Procuro esquecer-me do modo de lembrar que me ensinaram, E raspar a tinta com que me pintaram os sentidos, Desencaixotar as minhas emoções verdadeiras, Desembrulhar-me e ser eu, não Alberto Caeiro, Mas um animal humano que a Natureza produziu.

O eu verdadeiro de Whitman não escreveu Folhas de Erva; o Eu verdadeiro de Whitman escarneceu do duro Walt em «Indo na Maré Baixa com o Oceano da Vida», após ter passado pelo seu êxtase masturbatório em Canto de Mim Mesmo. A intuição de Pessoa ensinou -lhe o género de poema que o «eu, eu mesmo» whitmaniano podia ter escrito: involuntariamente, a expressão do animal humano ou homem natural – com o saber, o recordar e as representações passadas dos sentidos, todos eles abandonados. Poderá existir um poema assim? Certamente que não, e Pessoa, é claro, sabia-o; mas os poemas de Caeiro são uma tentativa fascinante de escrever o que não pode ser escrito. No outro limite da expressão – a rapsódia autoglorificante do duro, demoníaco Walt –, Pessoa coloca o afrontoso Campos, como aqui na sua «Saudação a Walt Whitman»:

Portugal-Infinito, onze de Junho de mil novecentos e quinze… Hé-lá-á-á-á-á-á-á!

De aqui de Portugal, todas as épocas no meu cérebro, Saúdo-te, Walt, saúdo-te, meu irmão em Universo, Eu, de monóculo e casaco exageradamente cintado, Não sou indigno de ti, bem o sabes, Walt, Não sou indigno de ti, basta saudar-te para não o ser… Eu tão contíguo à inércia, tão facilmente cheio de tédio, Sou dos teus, tu bem sabes, e compreendo-te e amo-te, E embora te não conhecesse, nascido pelo ano em que morrias, Sei que me amaste também, que me conheceste, e estou contente. Sei que me conheceste, que me contemplaste e me explicaste, Sei que é isso que eu sou, quer em Brooklin Ferry dez anos antes de eu nascer, Quer pela Rua do Ouro acima pensando em tudo que não é Rua do Ouro, E conforme tu sentiste tudo, sinto tudo, e cá estamos de mãos dadas, De mãos dadas, Walt, de mãos dadas, dançando o universo na alma.

Ó sempre moderno e eterno cantor dos concretos absolutos, Concubina fogosa do universo disperso, Grande pederasta roçando-te contra a adversidade das coisas, Sexualizado pelas pedras, pelas árvores, pelas pessoas, pelas profissões, Cio das passagens, dos encontros casuais, das meras observações, Meu entusiasta pelo conteúdo de tudo, Meu grande herói entrando pela Morte dentro aos pinotes, E aos urros, e aos guinchos, e aos berros saudando Deus!

Cantor da fraternidade feroz e terna com tudo, Grande democrata epidérmico, contíguo a tudo em corpo e alma, Carnaval de todas as acções, bacanal de todos os propósitos, Irmão gémeo de todos os arrancos, Jean-Jacques Rousseau do mundo que havia de produzir máquinas,

Homero do insaisissable do flutuante carnal, Shakespeare da sensação que começa a andar a vapor, Milton-Shelley do horizonte da Electricidade futura! Íncubo de todos os gestos, Espasmo pra dentro de todos os objectosforça, Souteneur de todo o Universo, Rameira de todos os sistemas solares…

Esta fantasia de 1915 continua vibrantemente por mais de duzentos versos, e é acompanhada por duas extravaganzas whitmanianas mais longas, «Ode» e Ode Marítima, esta última com trinta páginas de extensão, e que é a obra-prima de Campos, bem como um dos maiores poemas do século. Com excepção das melhores partes das obras de Neruda Residência na Terra e Canto Geral, nada que tenha sido composto na esteira de Whitman se equipara em invenção exuberante a Ode Marítima. A «Saudação a Walt Whitman», cuja sublime ambivalência excede D. H. Lawrence enquanto reacção-formação whitmaniana («Rameira de todos os sistemas solares»), termina abençoando Whitman como o «Amante impotente e fogoso das nove musas e das graças».

Saudando Whitman quinze anos mais tarde (em 1930, no ano da publicação de A Ponte, de Hart Crane), Federico García Lorca escreve uma «Ode a Walt Whitman», no seu surrealista Poeta em Nova Iorque, que é muito pobre quando comparada com os cantos de Campos. Mas isto é compreensível, porque Lorca, ao contrário de Pessoa, conhecia Whitman só em segunda mão, e imaginava-o um «velhote encantador» com «as tuas barbas cheias de borboletas». Pessoa-Campos, impregnado de Whitman e por ele inflamado, combate pela sua vida poética, em parte através da estratégia borgesiana (antes de Borges) de se tornar Walt Whitman, tal como o Pierre Menard de Borges se tornou Cervantes a fim de usurpar a autoria de Dom Quixote.

Neruda percebeu, pelo menos nos seus próprios poemas whitmanianos, que o poeta de Folhas de Erva era evasivo, tímido, defensivo, invariavelmente metamórfico. Tal como foi observado por Frank Menchaca, «Neruda também deve ter percebido que o eu que se afirma estar francamente disponível em toda a parte da poesia de Whitman, em lado nenhum consegue ser encontrado». A morte é talvez uma parte daquele «lado nenhum», tanto em Whitman como em Neruda, mas é um dos temas na obra de Neruda em torno do qual o Whitman que trata das feridas tende a pairar. Residência na Terra, que é a culminação da sua poesia inicial, mostra Neruda confrontandose com a tristeza à maneira do Whitman elegíaco que se contempla a si mesmo como parte do movimento do mar. Neruda comentou que «É uma poesia sem saída», e insistiu no facto de que saíra do desespero unicamente graças às suas actividades em defesa do condenado lado republicano na Guerra Civil de Espanha. Leo Spitzer, um dos que pertencem à dupla mão-cheia de críticos modernos eruditos que valem a pena, descreveu Residência na Terra como uma «enumeração caótica», a qual seria o Whitman mais sombrio fora de controlo, o processo criativo whitmaniano reduzido ao que Spitzer apelida de «actividades desintegradoras», ou o whitmaniano indo na maré baixa com o oceano da vida.

Em termos dos heterónimos de Pessoa, os poemas de Residência na Terra são escritos pelo elemento Caeiro preso em Campos, um Whitman encurralado dentro de si mesmo. Talvez isto seja mais evidente na conclusão do beco sem saída intitulado «Walking Around», que foi esplendidamente traduzido para inglês por W. S. Merwin:

Por isso a segunda-feira arde como petróleo quando me vê chegar com cara de prisão, e uiva no seu decurso qual uma roda ferida, e dá passos de sangue ardente rumo à noite.

E empurra-me para certos recantos, para certas casas húmidas, para hospitais onde os ossos saem pela janela, para certas sapatarias com odor a vinagre, para ruas espantosas como fendas.

Há pássaros cor de enxofre e horríveis intestinos pendurados nas portas das casas que odeio, há dentaduras esquecidas numa cafeteira, há espelhos que deveriam ter chorado de vergonha e espanto, há guarda-chuvas em toda a parte, e venenos, e umbigos.

Passeio calmamente, com olhos, com sapatos, com fúria e esquecimento, passo, atravesso escritórios e lojas ortopédicas, e pátios onde há roupa pendurada num arame: cuecas, toalhas e camisas que choram lentas lágrimas sórdidas.

No seu aspecto mais vigoroso, Canto Geral é o antídoto derradeiro para esta versão suicida de whitmanismo em Neruda. Roberto González Echevarria apelidou Canto Geral de «poética da traição», sombriamente profética do pathos terrível da morte de Neruda, em 23 de Setembro de 1973, doze dias depois dos massacres que tiveram início com o assassínio do seu amigo, o presidente Salvador Allende, pelos militares chilenos. Traição é apenas um tema menor em Whitman, cujos envolvimentos políticos são demasiado sobrevalorizados no mau momento da crítica que agora atravessamos, no qual tudo tem sido politizado. Mas a traição, quer da República espanhola quer do Chile pelos militares, era uma libertação poética para Neruda, emancipando-o do lado sombrio que ele partilhava com Whitman sem possuir a capacidade preternatural de Whitman para gerar, agora e sempre, um nascer de sol para ele mesmo. A lição derradeira da influência de Whitman – em Borges, Neruda, Paz e tantos outros mais – pode muito bem ser a de que só uma originalidade tão descomedida quanto a de Pessoa é que podia ter esperança de contê-la sem perigo para o eu poético ou para os eus poéticos.

 

 

Excerto retirado de O Cânone Ocidental, tradução, introdução e notas de Manuel Frias Martins, Lisboa, Temas e Debates, 5.ª edição, 2013

 

 

OUTONO A ACENAR

O vento outonal, à hora do cair das folhas,

no seu bulício, traz um fragor de mar!

 

Na costa, do meu ser, surge então,

uma ressonância de ondas

(onde se ergue) um delírio de dança de despedida.

 

Nela as cores do sol poente,

bramam folhas de lembranças,

a cair, nos caminhos, que outros limpam!

 

Antes do Inverno, o mar chama,

a apontar para a noite

que engendra novos sonhos…

em saudades que ficam,

nas cores que se vão

num olhar preso

pendurado no horizonte.

 

© António da Cunha Duarte Justo

In Pegadas do Espírito, , http://poesiajusto.blogspot.com/2019/10/outono-acenar.html?view=sidebar

DAS MULHERES NA SOCIEDADE E NA IGREJA E DOS USOS E COSTUMES QUE AS OPRIMEM

A Igreja tem uma Face feminina ainda escondida

Por António Justo

Nas sociedades islâmicas os valores culturais sobrepõem-se aos direitos humanos individuais e o homem tem um estatuto superior ao da mulher. Na sociedade ocidental embora haja igualdade de dignidade e de direitos, na prática social há discriminação; também no catolicismo não se aceitam mulheres no clero pelo facto de serem mulheres.

Na controvérsia sobre a integração das mulheres no clero, o Papa Francisco pretende dar um passo qualitativo no sentido de lhes possibilitar a sagração, mas sofre oposição por parte de ultraconservadores na igreja e é até difamado por grupos políticos que fazem campanhas contra ele por temerem a sua influência em vários campos sociais.

O obstáculo maior à inclusão das mulheres no clero tem sido o argumento da tradição. O mais importante, porém, a registar para atenuar um tradicionalismo exagerado vem da mensagem libertadora de Jesus e do facto de ter havido mulheres discípulas de Jesus, e suas provadas funções na igreja primitiva. Só com o tempo foram impedidas de ocuparem funções de direcção nas comunidades.

A matriz sociológica masculina antes implantada pelo nomadismo e depois pela situação bélica dos povos de outrora valorizavam o papel do homem de modo a conduzirem à marginalização sistemática das mulheres (à segregação da feminilidade). Seguindo o espírito da sociedade (Zeitgeist) também na Igreja a acção das mulheres, como discípulas de Jesus e como orientadoras de comunidades, foi deitada ao esquecimento para mais facilmente se poder justificar a violência do poder da masculinidade (economia, política e religião dão-se as mãos). Chega até a ser cultivada a desconstrução teológica da imagem de Madalena, a” apóstola dos apóstolos”, de maneira a ser interpretada e adaptada à ordem social e ao espírito de cada época segundo a norma masculina vigente.

Tanto a exclusão das mulheres do ministério sacerdotal como a determinação do celibato obrigatório para todos os padres, têm como pano de fundo interesses estratégicos do poder institucional masculino (também uma consequência lógica do Constantinismo, mas de não menosprezar o contraponto da “feliz culpa” que tem como consequência a globalização da cristandade!).

É cristãmente trágico constatar-se nesta religião libertadora, como nela, ao longo da História, a mulher e mulheres conscientes e fortes foram impedidas de afirmar a feminilidade em funções de poder na Igreja petrina. A Igreja também tem uma face exterior feminina, mas na controvérsia teológica esta tarda a ser reconhecida. Pelos vistos apesar da razão, o poder é o último a ceder!

Maria de Magdala (a Madalena com histórias populares virados para a lenda e para a sua desconstrução moral através do resumo nela de outras Marias seguidoras de Jesus) esteve presente em todos os momentos decisivos da vida de Jesus. O grupo das mulheres (discípulas) mostrou-se, no seguimento e anúncio de Jesus, mais arrojado que o dos homens.

No episódio das irmãs Marta e Maria ( (João 11:1-45 ) Jesus louva Maria por se querer instruir na missão de discípula e admoesta Marta por ainda se encontrar demasiadamente presa ao papel caseiro atribuído à mulher. Maria (Madalena), mulher consciente e forte, não se deixou limitar às funções caseiras para se preparar para o apostolado ativo, seguindo Jesus, com a mesma atitude dos homens. Jesus confirma Maria na sua vocação de apóstola dizendo: “Maria escolheu a melhor parte e esta não lhe será tirada”. Os tradicionalistas que defendiam o papel de Marta para a mulher na sociedade, conseguiram, contudo, que a tradição e a força do hábito dos costumes dominassem sobre a mensagem evangélica de libertação. O Édito de Constantino, ao reconhecer a oficialidade do cristianismo, fez o resto.

Também Hipólito de Roma (170-236) testemunha que Madalena era a “apóstola dos apóstolos” (João 20:17); dignidade esta que o Papa Francisco reconhece, na sua qualidade de discípula de Jesus, mas a que falta o reconhecimento na prática através da atribuição do inerente ministério sacerdotal também a mulheres (De facto seria pobre uma Igreja de homens que só manifestasse admiração e louvor pelas mulheres).

Grande é a multidão de mulheres relevantes na História da Igreja (1). O espírito do tempo tinha uma percepção androcêntrica da realidade que era vista na perspectiva dos homens e das suas atividades. É natural que a nossa percepção seja sempre autobiográfica e circunstancial pelo que, também os teólogos não escaparam à realidade ambiental que os circundava e mais não fizeram que interpretar os escritos e a realidade da igreja primitiva segundo a sua condicionada observação que levava a uma interpretação dos factos considerada real.

O exegeta Bernhard Heininger refere que (2)  “um quarto de todos os colaboradores de Paulo nomeados no Novo Testamento são mulheres”. Na sua opinião, a prescrição do silêncio na Primeira Carta aos Coríntios é uma interpolação pós-paulina e encontra-se em contradição com outras afirmações de Paulo. Uma teologia demasiadamente masculinizada apoiava-se em cartas pastorais de Paulo, que segundo exegetas não proviriam dele. É interessante a observação de que Paulo, na carta aos Coríntios, permitia o divórcio a mulheres no caso de os maridos não estarem de acordo com o empenho das mulheres na comunidade.

A apóstola Febe, que presidia à comunidade doméstica de Cencreia é referida por Paulo com o título de diácono.  Paulo trata-a como irmã e refere também que Áquila e Prisca eram muito activas na comunidade de Corinto e Roma. Paulo diz que conheceu o Messias através de Prisca. Também Lídia era a chefe de um grupo de mulheres (Atos dos Apóstolos, 16) e também Tabita propagava a fé no messias. No último capítulo da Carta aos Romanos, o apóstolo Paulo pede para saudar o casal Andrónico e Júnias, que “estiveram comigo na prisão, são apóstolos respeitados que confessaram Cristo antes de mim”.

A respeito de Júnia, João Crisóstomo (344-407 d.C) escreveu: “Quão grande deve ter sido a sabedoria desta mulher que foi achada digna do título de Apóstola”.

Em Roma, o acesso aos aposentos das mulheres era proibido aos homens, por isso só as mulheres podiam ter sido anunciadoras do Evangelho. A ciência bíblica tem de investigar mais para colocar o papel das mulheres a uma nova luz no sentido de uma tradição mais esclarecedora e justa. Urge dar o exemplo para continuar na vanguarda da História.

Há filmes feitos por homens, na tradição da masculinidade, que reduzem Maria Madalena a uma companheira afectiva de Jesus ou a uma sedutora, para assim corroborarem as comuns imagens de mulher em função de uma sociedade de poder masculino adverso à feminilidade/espiritualidade. Também é de compreender que muitos teólogos ao longo da História seguissem os mesmos parâmetros de cariz masculina porque, envolvidos no Zeitgeist e nas estruturas de poder, certamente, não se encontravam suficientemente livres nem iluminados pela mensagem libertadora do evangelho; a luz do Zeitgeist era mais forte; assim interpretavam as atividades das discípulas de Jesus orientados pelo molde expresso pelos usos e costumes das respectivas épocas, que reduzia a imagem da mulher a uma missão subsidiária e a uma posição social de auxiliar. 

Custava a uma sociedade patriarcal compreender o facto de o testemunho da ressurreição ter sido feito por mulheres. Como poderia Deus ter confiado tal missão a Madalena (3) e não a Pedro? A inculturação da mensagem cristã é legítima, mas se se fica por aí emperra-se o andar da História e limita-se a mensagem evangélica ao crivo de tradições e correspondentes argumentos de caráter oportuno que provocam a discriminação da mulher através do limite de funções. A figura de Teresa de Ávila (1515) mostra-nos como uma mulher previa o desenvolvimento que hoje estamos a tentar concretizar (4).

Também no sec. XVI   (5) Maria Ward afirmava que a diferença entre mulher e homem não é tanta como é feita. O que vale “não é a verdade do homem (veritas hominum) ou a verdade das mulheres, mas sim a verdade do Senhor (veritas domini Jesus). Quando falhamos, vem da falta de verdade e não de sermos mulheres… Espero em Deus que vejamos que as mulheres farão muito no tempo que virá”(6). (Pelos vistos a voz de Deus tem sido dificultada em ser ouvida no sentido das mulheres!).

Muitos movimentos feministas não respondem à realidade da Mulher integral feita de feminilidade e masculinidade; fixam-se apenas nas questões funcionais e de sexo, talvez, na sua luta, não conscientes de que estão servindo o pensamento e o modelo patriarcal (parte da luta pode ser vista como resposta, mas não como solução). Não chega ter em mira apenas a igualdade de oportunidades de mulheres e homens, mas também os valores ou princípios que têm determinado o modelo de sociedade vigente ao orientar-se apenas pelo princípio/energia da masculinidade ignorando o princípio/energia feminilidade que tem de ser também constitutivo da realidade social e individual (independentemente do ser existencial homem ou mulher), se é que queremos uma sociedade mais pacífica e mais justa.

Em todas as sociedades e ideários dominantes no mundo ainda se nota um medo inibidor perante as mulheres devido, certamente, a um temor cultural transmitido e adquirido; este temor, aliado a uma certa fraqueza natural passou ao inconsciente social criando no homem a ideia imperceptivel de que se não conseguir “domesticar” a mulher, sentir-se-á inseguro e perdido; como resposta a esse medo o homem e com ele a sociedade – construída sobre as bases do princípio da masculinidade –  têm construído estratégias culturais de opressão  que, no fundo, têm como objetivo defender o homem da concorrência do outro homem ( este medo dela encontra-se especialmente expresso no islão que subjuga a mulher de maneira proporcional ao medo e ao instinto de domínio). Uma coisa é certa, apesar da agressividade da masculinidade hodierna (uma crise de machismo) delineia-se já no horizonte a descoberta do princípio da feminilidade como solução para o alvorar de uma nova sociedade. Delas, as mulheres, como expressão mais manifesta do princípio da feminilidade, terão um grande papel numa revolução do islão e numa renovação fundamental da sociedade ocidental, a começar pela Igreja. As mulheres que se encontram na cena política ainda não podem funcionar como exemplo integral porque se encontram empenhadas na continuação da sociedade de matriz baseada no princípio da masculinidade. Como se dedicam apenas em aplicar as modalidades ditadas melo modelo político vigente apenas preparam os caminhos para a continuação de uma concorrência mais equilibrada entre mulheres e homens; de resto, nesta situação o princípio da feminilidade ainda é mais menorizado porque em vez de se partir do aspecto orgânico e integral continua-se a servir apenas a funcionalidade (a parte exterior, não se passando da fenomenologia adiante)!

Já foi dito muito sobre a subjugação da mulher, mas ainda não é visto nem reconhecido por todos. O que mais me legitima a tratar do tema é a feminilidade que fala também em mim e o desejo de fomentar a concretização do reconhecimento da masculinidade e da feminilidade tal como se encontra realizada no protótipo Jesus Cristo a nível humano e cósmico.

Uma igreja universal inclui necessariamente nela o princípio da masculinidade e da feminilidade, sendo por isso uma igreja (petrina e joanina) dos homens e das mulheres, e, como tal, não poderá deixar-se levar pela acentuaç1bo, no seu agir por meros critérios de inculturação; de facto quer os diversos quer os mesmos dons, se encontrarem simultaneamente quer na expressão masculina quer feminina. O todo é mais que a parte. Precisamos de todos, de homens e mulheres de ortodoxias e de ortopraxias num mundo mais aberto e ainda a fazer-se.

No fim de ter escrito este artigo e ao relê-lo notei como sou também dominado pela matriz da masculinidade. De facto, notaram os eleitores a maneira como procurei convencer, convencer à maneira masculina nomeando autoridades como se não chegasse a fé, a razão e o entusiasmo por Jesus Cristo e a sua boa nova de libertação como argumento para se verem as coisas (isto é naturalmente ainda tolerável num período de transição da pura masculinidade para uma equilibrada sociedade em que quer o princípio da feminilidade e o da masculinidade se harmonizem!).

Ontem 15 de Agosto comemorou-se a Assunção de Nossa Senhora; certamente uma data e uma comemoração apontar para uma realidade importante. Mas quando começaremos nós a olhar também um pouco mais para a Terra? Porque não se passa, na Igreja, a criar a possibilidade de mulheres também fazerem parte do clero?

Por vezes chega-se a ter a impressão que tanto louvor a Nossa Senhora e a santas se pode tornar num perigo de um deslouvor (impedir honras e cargos) das mulheres na Terra, impedindo-as de ascender ao sacerdócio jerárquico. A feminilidade e a masculinidade não se reduzem ao sexo; as duas energias pertencem juntas! Seria oportuno olhar para o Céu sem esquecer a Terra; doutra maneira continuaremos a praticar a visão antiga do Olimpo lá em cima para alguns e o Sheol para os enlameados terráqueos.

Vai sendo tempo de se abandonar uma praxis baseada na ambivalência de papéis! Padres e pessoas com cargos de responsabilidade nas bases começarem a trabalhar pastoralmente mais em conjunto com freiras, mulheres exemplares num espírito colegial de repartição da missão de evangelizar sem medo de escandalizar pois só assim se consegue, numa comunhão sacerdotal participada no Espírito Santo, progredir no anúncio e prática do Evangelho que é promessa de bem para toda a humanidade. Talvez assim se fossem destruindo barreiras.

De facto, vivemos num mundo onde, se não fosse o erro, não se avançaria!  Por isso, numa nova mentalidade a criar-se não há culpas nem censuras a distribuir a este ou àquele. A missão é grande: temos mais que indicações suficientes para continuarmos a tradição de errar para podermos avançar; importante é criar espaço em cada um para que a mensagem e o chamamento possam ser ouvido. Cristo não nos pediu para andarmos por caminhos seguros, ele disse que era o caminho e, para o seguir, é necessário ter a coragem de se andar sobre as águas sem o medo de sucumbir!

É trágico, que a Igreja que deu tanto à humanidade e tem tanto para dar, perante tanto medo de errar, perca muitas vezes o comboio da História, ficando demasiado tempo nos apeadeiros de uma moralidade sexual descontextuada; no caso é fatídico para a mulher, no sentido do desenvolvimento da sociedade e da eclésia santa. Os factores “sexo” e “medo” foram sempre instrumentos privilegiados usados pelas potestades na intensão de manter os pretendidos súbditos de maneira sustentável.

Olhemos para as mensagens religiosas e para os mitos, eles já nos disseram tudo, o problema é que a sua mensagem ainda não chegou a todo o lado!

No sentido eclesial o poder não pode continuar a ser unilateralmente ligado ao homem e ainda por cima de forma sacralizada (Clero). Como mensagem evangélica e eclesial estamos à frente do mundo, não há nada que justifique andar atrás dele! Há que criar uma nova pedagogia e fomentar as capacidades da feminilidade/espiritualidade e o desenvolvimento da personalidade ainda antes da transmissão de saberes. Urge uma nova educação baseada nos princípios da feminilidade e da masculinidade e não uma focalização nas suas exterioridades no sexo masculino e sexo feminino.

Mulheres ligadas à Igreja, devem preparar-se e apostar mais no estudo da filosofia, da teologia e da administração institucional. As universidades católicas, instituições eclesiais e até cargos nos colégios episcopais esperam por vós; as freiras deveriam prestar aqui uma especial atenção, doutro modo uma masculinidade desequilibrada continuará a adiar o futuro com o argumento que a mulher não está preparada; a aurora de novos tempos já se faz sentir: preparai-vos para assumir funções sacerdotais.

(Este artigo faz parte de um livro sobre masculinidade e feminilidade que há anos espera por ser dado a lume)

© António da Cunha Duarte Justo

Teólogo e Pedagogo

In “Pegadas do Tempo”

A Matriz política masculina não pode ser Norma para a Instituição eclesial

Mulheres lutam por uma Instituição mais feminina

Por António Justo

A opressão sistémica das mulheres é um fenómeno universal que se observa em todos os sistemas ideológicos, económicos, políticos e religiosos, de todo o globo.  A desvalorização da mulher é a consequência lógica das sociedades com matriz masculina que apostam na sustentabilidade de estruturas patriarcais.

A instituição eclesial, à imagem da sociedade secular, tem-se orientado por padrões masculinos, considerando a feminilidade, como característica secundária, nas suas estruturas.  Já vai sendo tempo de se dar resposta à energia da feminilidade e de se praticar o evangelho (1) não se refugiando na estratégia máscula do divide para imperares; doutro modo fica-se numa de reservar a paternidade para a sociedade e a maternidade para a família: uma e outra são constitutivos de vida e devem igualmente estar presentes na sociedade. A matriz masculina da sociedade secular não pode ser norma de adaptação para a Instituição eclesial. O lugar do diálogo nela não é a sexualidade (entre homem e mulher) mas sim os princípios/energias feminilidade e masculinidade a nível de pessoa, de sociedade e instituições.  A “fragilidade” deve estar mais presente nos lugares “fortes”!…

Na Páscoa passada, muitos milhares de mulheres católicas fizeram uma “greve de igreja”, em toda a Alemanha, durante uma semana. A partir de Münster, na Vestefália, e com o apoio da Comunidade de Mulheres Católicas (Kfd), elas (integradas no movimento “Maria 2.0”), interromperam os seus cargos honorários nas paróquias e celebraram liturgias em torno das igrejas. Foram mais de 1.000 grupos, que organizaram vigílias, cultos e ações de protesto.

Com esta acção, as mulheres pretendiam dar rosto público ao seu descontentamento com as estruturas masculinas de poder na Igreja Católica. As mulheres exigem acesso a ministérios de ordenação, a abolição do celibato obrigatório para os sacerdotes seculares e uma revisão da moral sexual.

Posteriormente, as mulheres organizaram delegações para falarem com os bispos nas correspondentes dioceses.

Os seus protestos tiveram uma expressão feminina (2): As mulheres protestam por amor à Igreja, de dentro para dentro e de dentro para fora sem a atacar com a ideia numa igreja que querem também sua casa religiosa.

O Arcebispo de Hamburgo, Dom Stefan Heße, convidou o movimento “Maria 2.0” a participar no “Caminho sinodal” planeado pelos bispos e a apresentar as suas exigências de reforma (3).

É verdade que a Igreja católica está implantada em todas as culturas do mundo e por isso urge reconhecer a dignidade na diversidade das pessoas (homem e mulher) também na missão de libertar o ser humano, de levar a Boa Nova à humanidade e de descobrir possíveis melhoras e alertar para os perigos. A Igreja não é apenas uma instituição, ela é uma comunidade de vida de homens e mulheres congregadas em torno de Jesus Cristo (não pode ser dividida numa igreja petrina e numa igreja joanina).

A Igreja Católica, na sua qualidade de instituição mais beneficiadora da humanidade (4), sendo uma religião especialmente impregnada de feminilidade (Boa nova, liturgia e espiritualidade), seria mais conforme consigo mesma se no seu aspecto exterior de instituição reduzisse a predominância do rosto masculino (masculinidade) e desse lugar  a um maior equilíbrio entre as energias/princípios feminilidade e masculinidade.

A Igreja, que por natureza é de conotação feminina, precisa também de um olhar feminino a partir das suas instituições, numa atitude dialógica não só no que respeita às diferenças entre religiões e sociedades seculares, mas sobretudo no empenho pela presença e balance da feminilidade e da masculinidade nos presentes modelos de sociedade dominados pela masculinidade; o melhor paço seria começar por si mesma.

Torna-se uma contradição que sacerdotes e mulheres empenhados em reformar a Igreja tenham de sofrer pelo facto de a igreja oficial se encontrar demasiadamente distanciada da realidade. A promoção de mulheres nos ofícios da igreja não pode ser limitada a educadoras infância ou a referentes pastorais.

Urge impulsionar uma marca católica em que as mulheres pertencem a uma igreja fraternal, onde cada um possa determinar e viver a sua vocação e ter o seu projecto de vida sem exclusão. Para isso não é preciso mudar a Bíblia; o Evangelho tem fundamentos suficientes para a revalorizar; por outro lado, se for dado espaço relevante às mulheres na sociedade surgirá consequentemente uma outra imagem da mulher.

Ainda não há consenso na Igreja sobre o sacerdócio para mulheres. Mas uma coisa há que advertir e ter em conta: o poder espiritual não deve ser exercido em padrões seculares e profanos.

Não podemos viver de uma esperança sempre adiada. O critério homem não pode ser exclusivo e além disso vivemos num tempo em que a matriz machista da sociedade se questiona e em que a teologia feminina pode fazer a ponte para a feminilidade do Evangelho. O que continua em jogo é uma visão de domínio do princípio da masculinidade sobre a feminilidade e uma teologia. não se trata aqui de seguir uma teologia hipercrítica que depende demasiado da cabeça, mas colocar no centro a fé como um indicador de e para Jesus.

É claro que as igrejas não cresçam por ajuste ao gosto do tempo, mas sim através da fidelidade ao Evangelho. Urge estarmos mais atentos às mulheres na bíblia de modo a não serem mal-interpretadas pelos homens (o que aconteceu em relação por exemplo a Madalena, a apóstola dos apóstolos)

Uma mudança de moral não implica necessariamente uma mudança de doutrina, dado uma teologia interpretativa correspondente às sociedades em que se encontravam incardinada ter sistematicamente desvalorizado o papel da feminilidade na mulher para, compensatoriamente, a expressar na liturgia e no culto mariano.

Seria um equívoco condicionar o princípio da masculinidade e da feminilidade aos papeis assumidos com base na tradição de reduzir os dois princípios a uma sexualidade de caracter funcional ou de confundir masculino e feminino (homem e mulher) com masculinidade e feminilidade. A Doutrina da Igreja não pode ser condicionada à moral sexual e menos ainda à matriz económico-política de mera masculinidade. (As lutas que se observam na praça em relação a homossexuais e lésbicas dão testemunho praticamente só da afirmação da masculinidade ou da afirmação de um polo contra o outro; neles falta a energia/princípio da feminilidade.)

Através de exclusão das mulheres, as lesões surgem e tornam-se cada vez mais dolorosas; não basta pregar a misericórdia, é preciso refletir sobre a mensagem cristã integral e praticá-la também a nível institucional (sabendo muito embora que é da natureza de toda a instituição humana ter um caracter masculino predominante!).

Porque esperar pela mudança só depois da morte; porque ter de gastar tantas energias na defesa de mudanças necessárias e que nem sequer contradizem o espírito que possibilitou os evangelhos há 2.000 anos.

O que falta praticar é Jesus Cristo. Ganhamos todos, homens e mulheres, com uma maior presença da feminilidade em cada pessoa e na humanidade.

(Este texto fará parte de um livro que há já muitos anos tenho à espera de ser publicado)

© António da Cunha Duarte Justo

Teólogo e Pedagogo

In “Pegadas do Tempo”

A IGREJA CATÓLICA É A MAIOR INSTITUIÇÃO BENFAZEJA DA HUMANIDADE

Ao Serviço de todo o Humano sem ter em conta Raça ou Ideologia

António Justo

A Agência Ecclesia noticia que a população católica mundial passou de 1 bilhão e 196 milhões no ano de 2010 para 1 bilhão e 313 milhões no final de 2017. A Europa conta com cerca de 22% da população católica mundial. O número de clérigos no mundo é” igual a 466.634, com 5353 bispos (3.992 diocesanos e 1.245 religiosos), 415.792 sacerdotes (281.297 diocesanos e 134.495 religiosos) e 46.312 diáconos permanentes (43.954diocesanos e 612 religiosos”. Religiosas (freiras): 682.729; Religiosos não sacerdotes: 54.559; Missionários leigos: 368.520. Seminaristas menores: 78.489 diocesanos e 24.453 religiosos; Seminaristas maiores:  116.939 diocesanos e religiosos; Catequistas: 3.264.768.

Estações missionárias com sacerdote residente: 1.864; Estações missionárias sem sacerdote residente: 136.572; Institutos seculares masculinos: 654; Institutos seculares femininos: 24.198.

Segundo as Estatísticas do Vaticano (1) a Igreja administra no mundo 5.158 hospitais;” 73.580 escolas maternais, frequentadas por 7.043.634 crianças; 96.283 escolas de ensino fundamental com 33.516.860 alunos; 46.339 institutos de educação secundária, com 19.760.924 estudantes. Acompanha ainda 2.477.636 alunos de escolas superiores e 2.719.643 estudantes universitários”.

Os institutos de beneficência administrados pela Igreja encontram-se na “ maioria na América (1.501) e na África (1.221); administra 16.523 postos de saúde, grande parte deles na África (5.230), América (4.667) e Ásia (3.584); 612 leprosários distribuídos principalmente na Ásia (313) e África (174); 15.679 casas para idosos, doentes crônicos e pessoas com deficiência, em maioria na Europa (8.304) e América (3.726); 9.492 orfanatos, a maioria na Ásia (3.859); 12.637 jardins de infância, e o maior número deles está na Ásia (3.422) e América (3.477); 14.576 consultórios matrimoniais, a maioria na Europa (5.670) e América (5.634); 3.782 centros de educação ou reeducação social e 37.601 instituições de outros tipos”.

Voltaire, que era inimigo da Igreja, referindo-se às irmãs católicas da França (“Santas Casas de Misericórdia” que foram fundadas pela Igreja em todo o mundo), dizia: “talvez não haja nada maior na terra do que o sacrifício da juventude e da beleza, realizado pelo sexo feminino para trabalhar nos hospitais para aliviar a miséria humana”.

A caridade ensinada por Cristo, de caracter universal, porque independente de profissão política ou religiosa, foi “algo novo” no mundo antigo e torna-se algo combatido no mundo pós-moderno… Tenho muitos colegas religiosos que, renunciando a enriquecer como eu, dedicam a sua vida inteira ao serviço dos pobres e à promoção do bem e do saber em meios que se não fossem eles viriam o  seu  progredir adiado por muito tempo.  São testemunhos do altruísmo num mundo que os ignora ou despreza porque o negócio desse mundo extremamente secularizado se tornou prisioneiro do egoísmo e da ideologia.

A Igreja benfazeja existe mas ninguém fala do bem dela porque é combatida pelo marxismo cultural que tomou conta do zeitgeist que se procura definir como oportuna crença em nome do superego e da emancipação que se quer, não ao serviço da autonomia e da comunidade humana, mas apenas ao serviço do “pensar politicamente correcto”  criado pelo sistema europeu de ideologia secular materialista e que se arroga o direito de supervisionar a opinião pública e de colonizar culturalmente outros povos sob o pretexto de progresso.

O cristianismo, como Igreja cristã, é certamente “a maior e mais alta forma de organização do espírito humano que existiu até hoje”, reconhecia já o filósofo e psiquiatra Karl Jaspers. É, de facto, a mais antiga instituição da humanidade! Hoje há organizações e filosofias (sobretudo marxistas) que querem varrer com a Igreja (porque como instituição possibilita a sustentabilidade do cristianismo na História) porque a consideram um empecilho ao seu intento de implementar na humanidade uma cultura materialista em que o indivíduo se torne mero objecto da História, simples sujeito/cliente, ao contrário do cristianismo que considera a pessoa humana como soberana e divina!

Geralmente, os Media, seguindo o zeitgeist do marxismo cultural, não gostam de falar da Igreja e se o fazem viram os seus holofotes apenas para o que corre mal. Como consciência da humanidade ela incomoda quem se quer orientar pelo capital e por ideologias materialistas; para estas o modelo é o socialismo-capitalista chinês.

António da Cunha Duarte Justo

In “Pegadas do Tempo”