“Uma Economia sem Ética conduz à catástrofe”
António Justo
Precisamente no dia anterior à abertura da Cimeira G-8, Bento XVI publicou a encíclica “Caritas in Veritate”(Amor em Verdade). Nela, o Papa reclama uma nova ordem mundial de finanças com novas regras para o comércio. A crise proporciona a oportunidade de “requer uma nova e profunda reflexão sobre o sentido da economia e dos seus fins bem como uma revisão profunda e clarividente do modelo de desenvolvimento, para se corrigirem as suas disfunções e desvios. Na realidade, exige-o o estado de saúde ecológica da terra; pede-o sobretudo a crise cultural e moral do homem, cujos sintomas são evidentes por toda a parte.”
Neste sentido sugere: “Para não se gerar um perigoso poder universal de tipo monocrático, o governo da globalização deve ser de tipo subsidiário, articulado segundo vários e diferenciados níveis que colaborem reciprocamente… urge a presença de uma verdadeira Autoridade política mundial… A referida Autoridade deverá regular-se pelo direito, ater-se coerentemente aos princípios de subsidiariedade e solidariedade, estar orientada para a consecução do bem comum comprometer-se na realização de um autêntico desenvolvimento humano integral inspirado nos valores da caridade na verdade. Além disso, uma tal Autoridade deverá ser reconhecida por todos, gozar de poder efectivo para garantir a cada um a segurança, a observância da justiça, o respeito dos direitos. Obviamente, deve gozar da faculdade de fazer com que as partes respeitem as próprias decisões, bem como as medidas coordenadas e adoptadas nos diversos fóruns internacionais.”
E continua; “As actuais dinâmicas económicas internacionais, caracterizadas por graves desvios e disfunções, requerem profundas mudanças inclusivamente no modo de conceber a empresa…a gestão da empresa não pode ter em conta unicamente os interesses dos proprietários da mesma…” Deve “conceber o lucro como um instrumento para alcançar finalidades de humanização do mercado e da sociedade…É preciso evitar que o motivo para o emprego dos recursos financeiros seja especulativo.”
As finanças devem estar ao serviço de todos: “o primeiro capital a preservar e valorizar é o homem, a pessoa, na sua integridade: « com efeito, o homem é o protagonista, o centro e o fim de toda a vida económico-social »
Bento XVI admoesta os políticos a usar o seu poder no sentido dum mundo social, justo e fraternal vincado de verdade e amor. Apela para a coerência dizendo: “não pode ter sólidas bases uma sociedade que afirma valores como a dignidade da pessoa, a justiça e a paz, mas contradiz-se radicalmente aceitando e tolerando as mais diversas formas de desprezo e violação da vida humana, sobretudo se débil e marginalizada“… “Em muitos casos, os pobres são o resultado da violação da dignidade do trabalho humano, seja porque as suas possibilidades são limitadas (desemprego, subemprego), seja porque são desvalorizados os direitos que dele brotam, especialmente o direito ao justo salário, à segurança da pessoa do trabalhador e da sua família”… “Sem verdade, sem confiança e amor pelo que é verdadeiro, não há consciência e responsabilidade social, e a actividade social acaba à mercê de interesses privados e lógicas de poder, com efeitos desagregadores na sociedade, sobretudo numa sociedade em vias de globalização que atravessa momentos difíceis como os actuais.”
Amor ao próximo e responsabilidade pela criação são mais importantes que o lucro pessoal: “As modalidades com que o homem trata o ambiente influem sobre as modalidades com que se trata a si mesmo, e vice-versa…É necessária uma real mudança de mentalidade que nos induza a adoptar novos estilos de vida, nos quais a busca do verdadeiro, do belo e do bom e a comunhão com os outros homens para um crescimento comum sejam os elementos que determinam as opções dos consumos, das poupanças e dos investimentos”
Uma sociedade não pode funcionar mesmo que todos observem direitos e obrigações. Além disto são necessários valores como misericórdia, gratidão, respeito perante a dignidade das pessoas. “A « cidade do homem » não se move apenas por relações feitas de direitos e de deveres”.
Apela também para a consciência de que “comprar não é apenas um acto económico, mas é sempre um acto moral”. Verdadeiro desenvolvimento não é apenas obra do Homem mas uma oferta de Deus.
A encíclica não se perde no concreto. Desenvolve a filosofia base para uma economia justa desenvolvendo temas que passam pela actividade sindical, emigracao, intercultura desenvolvimento e outros. “Há urgente necessidade moral de uma renovada solidariedade, especialmente nas relações entre os países em vias de desenvolvimento e os países altamente industrializados.”
A encíclica identifica em cada pessoa o dever de usar racionalmente da liberdade que lhe foi dada.
Uma carta de alta actualidade para o globalismo contra a mentalidade do lucro e a falta de moral e de ética no mundo económico-financeiro. “Toda a economia, todas as finanças têm de ser usadas como instrumentos segundo medidas éticas, de modo a criarem condições adequadas para o desenvolvimento do Homem e dos povos”.
Esclarece que a globalização não é o mal em si, o que precisa é de novas regras: “ a globalização a priori não é boa nem má. Será aquilo que as pessoas fizerem dela. Opor-se-lhe cegamente seria uma atitude errada, fruto de preconceito, que acabaria por ignorar um processo marcado também por aspectos positivos.”
Esta encíclica segue a tradição das encíclicas sociais que são o fundamento da doutrina social católica. O Papa cita, entre outras, a Rerum Novarum (1891, sobre as Coisas Novas) onde é criticada a situação dos trabalhadores; Pacem in Terris (1963, Paz na Terra) que apresenta o bem-comum mundial como o objectivo mais importante da acção política; Laborem excercens (1981, Trabalho Humano) onde se acentua a prioridade do Homem e dos direitos do Homem também no processo produtivo. Estas encíclicas, independentemente de algum conteúdo religioso deveriam constituir leitura obrigatória para políticos, sociólogos, patrões, sindicalistas etc.
“O Papa? Quem é ele? Quantas divisões é que tem?” gozava Estaline. Os sistemas passam e a Igreja continua. Na realidade Estaline e o seu sistema socialista encontram-se no caixote do lixo da História com a ajuda de João Paulo II. Quem opta pelo indivíduo e não pelas ideologias persiste na História.
António da Cunha Duarte Justo
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