A EUROPA SOB O JUGO DE TRUMP NA “FEIRA DA LADRA” POLÍTICA

Geopolítica, belicismo e a erosão da soberania à custa do humanismo original

Os acordos recentemente firmados entre a União Europeia e os Estados Unidos carregam a marca indelével de Donald Trump. Com tarifas de 15% para automóveis e outros produtos, a UE parece avançar, mais uma vez, em direção à sua própria insignificância geopolítica. Mas os números revelam um cenário ainda mais preocupante: a Europa comprometeu-se a comprar 750 mil milhões de dólares em energia dos EUA, a investir 650 mil milhões no mercado americano e a adquirir centenas de milhares de milhões em equipamento militar. E, ao mesmo tempo, abre seus mercados sem tarifas para Washington.

A estratégia europeia, alinhada com o belicismo germânico-francês e o utilitarismo económico britânico, canaliza os orçamentos dos Estados-membros — incluindo os mais pequenos — para uma guerra política (1) que não é sua. No fim de contas, a UE subsidia o imperialismo norte-americano, importando material bélico que não possui, numa tentativa vã de se afirmar como potência militar. Por seu lado, Bruxelas parece aplicar, a nível interno, o que se poderia chamar de “imperialismo mental”: uma dominação que vai além da economia, moldando as consciências através de políticas e Media alinhados.

Trump é o senhor do jogo

Donald Trump, o negociador implacável, mantém-se como o grande condutor deste tabuleiro geopolítico. No início do conflito ucraniano, mostrou-se favorável a negociações — sabia que sairia beneficiado. Mas, ao perceber que Berlim, Paris e Londres estavam totalmente comprometidas com a escalada bélica, viu a oportunidade de reforçar a sua influência. Agora, a UE segue o seu ditado, entregando a soberania em troca de uma suposta proteção.

A Europa, outrora berço do humanismo, parece hoje reduzida a um regime autoritário-militarista, traindo a sua tradição latina em favor do pragmatismo anglo-saxónico. Os líderes europeus, enredados em jogos de poder, pouco se importam com os mortos na Ucrânia, na Rússia ou em Israel/Gaza. O que lhes interessa são matérias-primas, estratégias de medo e a manutenção de um sistema que beneficia magnatas económicos e políticos.

A desconstrução da Europa

A União Europeia, nas mãos de tecnocratas globalistas, perdeu qualquer vestígio de consciência europeia. Em vez de defender a sua cultura e tradição humanista, entrega-se a negócios globais que a enfraquecem. O povo, vítima deste “polvo global”, é manipulado por narrativas pós-factuais, emocionalmente carregadas, que justificam as más intenções dos que estão no poder.

Enquanto Trump personifica o imperialismo económico tradicional, Ursula von der Leyen encarna o imperialismo mental; este é ainda mais perigoso, porque combina opressão material com dominação psicológica. Os cidadãos, formatados por uma ideologia que não questionam, tornam-se cúmplices involuntários de sua própria subjugação.

Encontramo-nos na feira da ladra geopolítica

A Europa desmonta-se a si mesma. Os anglo-saxónicos e a Alemanha defendem, na prática, apenas os seus interesses económicos e bélicos, aplicando a velha máxima do “dividir para reinar”. Se com o século XVI começou na Alemanha a divisão da Europa entre espírito germânico nórdico e alma latina com a imposição do espírito germânico, no século XXI dá-se um passo em frente através do desenraizamento cultural geográfico passando-se ao processo da dominação mental. Não será de admirar que a China nos levará um dia a redescobrir que éramos o berço do humanismo.

Os povos europeus, humilhados, mas de cabeça erguida por se relacionarem com Trump, assistem à transformação das suas sociedades numa “feira da ladra”, onde se negoceia soberania, dignidade e futuro. Resta perguntar: haverá resistência possível, ou a Europa já aceitou o seu papel de vassalo? A Europa ao negar as suas origens perde o seu rumo e sentido.

António da Cunha Duarte Justo

Pegadas do Tempo

 

(1) Segundo o European Council on Foreign Relations (ECFR), a dependência europeia em equipamento militar dos EUA aumentou 42% desde 2022.

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EM NÓS AS CICATRIZES DO UNIVERSO

(Feminilidade e Masculinidade sob as Circunstâncias

entre o Suspiro e o Canto )

 

Tu, noite minha — manto de silêncio e estrelas,

o céu se curva sobre meu corpo em ruína.

Sou o deserto que clama por rios,

a sede infinita, na gramática do universo.

 

Meu coração é um vaso de argila rachada:

o infinito a escorrer em gotas de desejo.

Busco-te na sombra que me habita (1),

na carne que arde e não se ateia.

 

Somos véus do mesmo mistério rasgado,

tu, o rio que afoga, eu, o fogo que invade.

Mas vivemos como sóis apartados,

órbitas cegas, danças do acaso.

 

Ah, se fôssemos mapa e bússola,

o masculino e o feminino entrelaçados

como tinta e pergaminho, brasa e lenha!

Mas somos dois cântaros vazios,

ecoando a mesma canção quebrada.

 

O amor não é só véu, não é só prece:

é o dedo que traça o sulco das costas,

o sopro que desata o nó do tempo.

É o corpo que se faz altar,

a encarnação em cada movimento.

 

(Quem nos ensinou a temer a chama?

Quem secou os rios, quem apagou a fogueira,

deixando-nos sombras de um nome antigo?)

 

Em ti, mulher, não busco só o ventre,

sonho a união que Maria anunciou,

espírito e matéria fundidos,

vinho e água no cálix da aurora.

 

Somos o cosmos em miniatura,

dois pavios na mesma labareda,

dois rios no mesmo leito.

Deixa-me ser a lança que fende o abismo

e nele se perde,

para que enfim sejamos inteiros.

 

No fim, restará apenas o Silêncio,

aquele em que Deus diz o nome

que tu e eu não ousámos chamar.

Até lá, seguimos escrevendo

com lábios de sal e mãos trémulas

o poema que só juntos poderemos assinar.

António da Cunha Duarte Justo

Pegadas do Tempo

 

(1) Somos a sombra de Deus.

Em nós, as circunstâncias são o cadinho onde alma, corpo e espírito, feminilidade e masculinidade se podem fundir.

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HUMANISMO INTEGRAL GEOPOLÍTICO

Complementaridade contra Imperialismos de Esquerda e Direita

A civilização ocidental assemelha-se hoje a um Filho Pródigo obstinado, que, seduzido por quimeras de liberdade, trocou a segurança do lar paterno pela errância dos caminhos perdendo-se a olhar para as estrelas (1). Como ele, vivemos uma crise de identidade coletiva, perdidos numa fuga sem rumo que nos esgota e nos impede de reconhecer não só o caminho de regresso, mas até a própria casa que abandonámos.

A questão mais gritante que se põe hoje a toda a humanidade reduz-se a como superar o conflito esquerda-direita (tradicionalistas-progressistas), ocidente-oriente e OCDE-BRICS de maneira a servir-se a humanidade e não agrupamentos de interesses. Povo, governantes e intelectuais têm de desenvolver um projecto comum de paz.

A crise ocidental, marcada pelo vazio espiritual do turbo-capitalismo e pelo radicalismo do socialismo ideológico, exige uma reintegração da tradição humanista cristã, mas sem nostalgia tradicionalista nem progressismos desintegrados.

As elites políticas, falhadas em conceitos e vontade, insistem em modelos anacrónicos, alimentados por uma cultura belicista que manifesta cada vez mais os desvios geopolíticos da Europa e do Ocidente (2). A democracia, sabotada por dentro, clama por uma reorientação urgente: um modelo sustentável, humanista e pacífico, que harmonize os valores cristãos ocidentais com eficiência económica adaptativa e uma diplomacia de poder suave, inspirada, mas não copiada, da estratégia chinesa, e enraizada na nossa tradição cultural (modelo católico aberto). A solução, ético-humanista, passaria por resgatar a Doutrina Social da Igreja (Leão XIII, Rerum Novarum; João Paulo II, Centesimus Annus), mas articulada com contribuições laicas como propõe Amartya Sen (Desenvolvimento como Liberdade, 1999): economia social de mercado com foco em capacitação humana e Roger Scruton (Como Ser um Conservador, 2014): conservadorismo não reacionário, baseado em instituições orgânicas. Para que isto se concretizasse, no que toca à EU, teria a Alemanha e Bruxelas de deixar de usar, para defesa do seu imperialismo,  a sua força económica como meio aguerrido e instrumento de boicote a países  que não se deixem subjugar aos interesses do seu bloco e sistema (ex. EU pune a China por esta não se alinhar na sua política contra a Rússia: quem suporta os custos do castigo são os povos europeus e chineses).

 

Para além dos Imperialismos: Um novo Paradigma de Poder suave

A alternativa aos imperialismos de direita (neoliberalismo globalizante) e de esquerda (hegemonia progressista transnacional) pressupõe  um Humanismo Integral Geopolítico não imperialista. Nesta fase da história tratar-se-ia de elaborar um projecto que implicasse:

– Recuperar a Ética Política: Reintegrar no debate público princípios como dignidade humana, subsidiariedade e bem comum, articulando-os com as exigências da pós-modernidade, sem dogmatismos. Um exemplo inspirador é o Projeto Ética Global de Hans Küng (3), que, adaptado à geopolítica, poderia fomentar um novo diálogo entre nações.

– Criar-se uma Economia Social de Mercado com alma; contra o turbo-capitalismo e o coletivismo autoritário, urge uma economia enraizada em valores transcendentais, próxima da Doutrina Social da Igreja, integradora de contribuições laicas.

– Poder complementar de Co-Criação pacífica: O Ocidente deve aprender com a China que exerce uma projeção cultural não impositiva (Confúcio, infraestruturas globais), mas substituir o pragmatismo chinês por um soft power de complementaridade e humanismo: universidades (Modelo Erasmus), ONG e media que promovam diálogo intercultural e não monocultura ideológica; a nível de Media seria de, para isso, substituir CNN por plataformas como Arte (canal franco-alemão de cultura profunda que mantem uma certa neutralidade).

Diplomacia das Ideias e Multilateralismo Civilizacional

Um multilateralismo Civilizacional nas pegadas da tática cultural de Carlos Magno, pressuporia uma reactivação das redes académicas com colaborações entre culturas e blocos geopolíticos e a nível regional colaboracoes de lusofonia (4), luso-hispânicas, anglo-americanas e europeias, destacando a herança greco-romana, judaico-cristã e moderna, sem eurocentrismos ou hegemonismos. A solução não está na competição de blocos, mas num multilateralismo civilizacional, onde EUA, Europa, Rússia e China actuem como polos cooperativos, não antagonistas.

Tecnologia com alma: A Quarta Via

Tanto a dependência do capitalismo de vigilância como o controlo estatal chinês exige uma Quarta Via Tecnológica: descentralizada, com ética e centrada no humano. Adoptar o pragmatismo chinês em IA e infraestruturas, mas vinculando-o a uma regulamentação que proteja a autonomia individual contra os Estados e algoritmos desalmados.

O Ocidente e a China como Espelhos

O Ocidente não precisa de se tornar China, mas a China pode lembrá-lo de suas raízes humanistas cristãs. Purificando os excessos materialistas (capitalistas e socialistas), ambas as civilizações podem construir um Poder suave de cooperação. O Humanismo Integral Geopolítico é o antídoto contra a fragmentação identitária e a guerra ideológica, propondo uma ordem baseada em valores perenes, adaptados ao século XXI.

Resumindo: humanismo integral geopolítico não significa um retorno ao passado (5), mas uma reconstrução seletiva contra o imperialismo liberal e o imperialismo progressista.

As diferentes economias e os valores de uma cultura não devem ser usados como escudos contra a outra, como, lamentavelmente, a NATO tem feito. Vai sendo tempo de regressar a casa!

António da Cunha Duarte Justo

Pegadas do Tempo

(1) Referência à parábola bíblica do Filho Pródigo (Lc 15,11-32), metaforizando o afastamento do Ocidente das suas raízes.

(2) A degradação do capitalismo financeiro (Wolfgang Streeck, How Will Capitalism End?, 2016) e o colapso do socialismo real (Leszek Kołakowski, Main Currents of Marxism, 1976) deixaram um vazio preenchido pelo niilismo consumista e ideologias identitárias que mais não são que a a luta entre socialismo e cultura tradicional e a reaccao a um globalismo neoliberal desenfreado que ameaça levar de enxurrada tudo que era essencial à pessoa e à sociedade.

(3) Hans Küng, Projeto Ética Global (1990), proposta de ética universal baseada em valores partilhados por religiões e filosofias. No seu livro Global Ethics Project (1990), Hans Küng descreveu o propósito da ética global da seguinte forma: “Sem um consenso básico mínimo sobre certos valores, normas e atitudes, a coexistência humana não é possível nem numa comunidade pequena nem numa comunidade maior. “Hans Küng iniciou o projeto Ética Global (1990) e fundou a Fundação Ética Global em 1995. O objetivo é incentivar as pessoas de todo o mundo a refletirem sobre as suas tradições de responsabilidade mútua e pelo planeta Terra, de forma a garantir a sobrevivência da humanidade e a paz no século XXI. O requisito fundamental resumir-se-ia na Regra de Ouro comum: “Faz aos outros o que gostarias que te fizessem a ti”.

(4) Comunidade dos Países de Língua Portuguesa (CPLP) Angola, Brasil, Cabo Verde, Guiné-Bissau, Guiné Equatorial, Portugal, Moçambique, São Tomé e Príncipe e Timor-Leste. Fomentar-se o diálogo inter-civilizacional, inspirado em Samuel Huntington (O Choque de Civilizações, 1996), mas com enfoque na cooperação (ex.: alianças luso-afro-brasileiras).

(5) Os grandes males a superar são o imperialismo liberal e o imperialismo progressista. A nível de literatura contra o imperialismo neoliberal temos a Doutrina Social da Igreja e autores como Karl Polanyi (A Grande Transformação, 1944) onde alertou para a modificação da vida pelo mercado e como solução teríamosuma economia enraizada na ética (como propõe Luigino Bruni em Civilização do Mercado, 2019); contra o imperialismo progressista temos Doutrina Social da Igreja e autores como Christopher Lasch (A Revolta das Elites, 1994) que criticou a classe meritocrática globalista e como antídoto teríamos o comunitarismo (Amitai Etzioni) e distributismo (G.K. Chesterton). A superação dos imperialismos pressupõe uma tática de acção contra o imperialismo de direita (neoliberalismo globalista homogeneizante), defendendo pluralidade de modelos económicos dentro de uma ordem multilateral com o consequente fomento das relações comerciais entre países e blocos, ao contrário do que faz o ocidente através dos seus bloqueios e sanções comerciais e contra o imperialismo de esquerda (hegemonia progressista transnacional), resgatando as autênticas tradições locais (ex.: solidariedade comunitária cristã, guildas medievais) como antídoto ao centralismo burocrático.

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NAS SOMBRAS DO CARMELO DE COIMBRA

(A sorver a mística do génio cristão)

 

Miniatura sou do Universo criado,

espelho quebrado onde Deus se contempla,

gota que transporta o mar sem o conter,

pó da terra a arder com sede do Infinito.

 

Na carne frágil que me delimita,

arde-me o eco do Verbo Encarnado,

e o limite que me cerra é o mesmo

que me abre ao abismo do Seu Mistério.

Pois sei, na vivência sentida,

que o corpo é cárcere e sacrário,

e que a Palavra, feita carne em mim,

não repousa até ser chama consumida,

até ser rio dissolvido no regaço de Deus.

 

 

O masculino e o feminino,

não são vestes da terra, mas sopros do Céu,

duas faces do Mesmo que não tem rosto,

duas labaredas que se buscam

na noite escura dos sentidos,

no silêncio onde o Espírito fala.

O fogo que delimita, que penetra, que protege,

é o selo do Cristo sobre o meu ser.

O rio que acolhe, que dissolve, que nutre,

é o seio materno do Mistério,

onde me perco e me encontro,

onde me anulo e renasço.

 

E eu, pequeno, finito na sombra,

sou parte dessa dança,

sou barro que geme sob o peso da Luz,

sou sede insaciável do que me ultrapassa,

sou carne em combate com a promessa,

sou verbo em gestação,

sou lágrima e riso no parto da Eternidade.

 

 

Ah, se o mundo atendesse

E os ventos gritassem

que no seio ferido da mulher esquecida,

Deus planta a sua tenda,

e que o feminino não é sombra, mas sagrado,

não o calariam, nem o negariam,

antes cairiam de joelhos,

porque onde o ventre acolhe,

o Espírito sopra,

e onde a carne se curva,

o Verbo habita.

 

 

Que se calem os juízos do mundo,

eu encontrei o meu Cristo:

Ele faz-Se limite para habitar-me,

eu faço-me nada para O possuir.

E no abraço que excede o corpo e o tempo,

sou ferido pela lança do Fogo,

sou diluído no rio da Misericórdia,

sou, na minha territude,

a miniatura do Universo reconciliado,

a centelha perdida que o Amor recolhe,

a carne que já não teme ser barro,

pois é no limite que Deus Se revela,

é no limite que Deus me consome.

António da Cunha Duarte Justo

Pegadas do Tempo

https://poesiajusto.blogspot.com/

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RAZÕES DO MUNDO NÃO-OCIDENTAL SE ESTAR A VOLTAR PARA A CHINA

Declínio do “Poder Duro” Ocidental perante a Arte Chinesa de se afirmar pelo “Poder Suave”

Ao observarmos a política internacional assistimos a dois caminhos do poder global: Ocidente e as armas com a estratégia do Hard Power e a China com a diplomacia (Soft Power).

Os Estados Unidos são, há décadas, a nação que mais gasta em armamento no mundo! É um colosso militar cujo orçamento bélico em 2023 ultrapassou 886 mil milhões de dólares (1). Esse valor supera os gastos combinados dos dez países seguintes na lista, incluindo a China. Esta investiu cerca de 292 mil milhões de dólares no mesmo período. No entanto, apesar dessa máquina de guerra inigualável, é a China que, com astúcia e estratégia paciente, vem conquistando os corações e as mentes no Sul Global. Isto tem vindo a colocar dúvidas a muitos pensadores ocidentais sobre o próprio modelo e estratégia que se tem expressado através de imposição da força por armas, controlo dos estados e sanções económicas. Os EUA e a EU (cf. a sua viragem militarista) seguem uma estratégia de poder autocrático, agressivo enquanto a China segue uma estratégia de poder mais suave.

O Domínio Militar (Poder Duro) contra o Poder Suave

Os EUA sustentam 800 bases militares em mais de 70 países, um império de projeção de força que, em vez de atrair, muitas vezes intimida ou gera ressentimento. Entretanto, a China, sem disparar um único tiro, expande a sua influência através do Poder suave.

A china empenha-se na construção de infraestruturas resilientes como a Iniciativa do Cinturão e Rota (BRI), um projeto faraónico de  um bilião de dólares em infraestruturas, estendendo-se da Ásia à África e América Latina; realiza acordos comerciais tornando-se  o maior parceiro comercial da África com 282 mil milhões de dólares em 2023 (2), da América Latina com 450 mil milhões em 2022 (3) e da ASEAN com 975 mil milhões em 2023. No que se refere a investimento e diplomacia cultural a China tem 550 Institutos Confúcio espalhados pelo mundo, enquanto os EUA têm 210 Centros Culturais Americanos, conforme dados do US State Department e Hanban.

Guerra contra o Desenvolvimento

Enquanto os EUA gastam 3,5% do seu PIB em defesa, a China aplica apenas 1,6%, mas investe massivamente em sectores que consolidam a sua liderança geoeconómica. A atestá-lo temos a Tecnologia 5G: A Huawei domina 60% do mercado global de infraestrutura 5G (4). No que se refere a energias verdes, a China controla 80% da produção global de painéis solares e 70% das baterias de lítio (5). No que toca à moeda digital o yuan digital já é testado em 15 países, ameaçando a hegemonia do dólar (6).

A Atractividade do Modelo Chinês

O mundo não-ocidental, especialmente África, Ásia e América Latina, não quer mais lições de democracia ocidental acompanhadas de bombas. Quer estradas, portos, empréstimos sem condições políticas nem bloqueios económicos. A China oferece isso, enquanto os EUA seguem presos a um ciclo de intervenções militares fracassadas (Iraque, Líbia, Afeganistão, Síria) e a sanções que alienam aliados, como tem acontecido com a União Europeia.

Os tanques e caças americanos garantem domínio militar, mas a sedução do mundo pós-ocidental do Sul Global faz-se com vias-férreas, 5G e acordos sem moralismos. A China antecipou-se apercebendo-se a tempo disso e os números provam que está a vencer.

No meio de tudo isto, a União Europeia, que se sente impotente entre os EUA e a Rússia/China, em vez de procurar novas oportunidades e criar uma nova via no sentido de um novo universalismo, renuncia à sua vocação original e a um papel de futuro relevante na história, para se subjugar ao militarismo dos EUA. O poder duro ocidental do palco de Bruxelas encontra-se, tão alheado da realidade geopolítica e do sentir das populações, que não arreda pé da militarização da Europa caindo no diletantismo de, para isso, impor às populações 5% do PIB para armamento.

António da Cunha Duarte Justo

Pegadas do Tempo

Ps: Entre os 15 maiores construtores mundiais de armamento, os primeiros cinco são dos EUA e em sexto lugar surge uma empresa inglesa (aliada dos EUA)https://scontent-fra3-1.xx.fbcdn.net/v/t39.30808-6/524405245_10228549968750370_5098925636528391561_n.jpg?_nc_cat=105&ccb=1-7&_nc_sid=bd9a62&_nc_ohc=ImCBS0jaakMQ7kNvwGI1uy-&_nc_oc=AdnX9LU5RsLWdlQxbalC5sgrNtQhczb9ELh7WBjqi1HzoWU9HItUSG8viGo45hfiFi9T08P39sAbEPRucVQLM7Do&_nc_zt=23&_nc_ht=scontent-fra3-1.xx&_nc_gid=-wktlpyKOV_q2Yy_ZDXE2A&oh=00_AfRSvhgEJb21IDqFWFsTwJ03OiJ6o1EA70JILBi9-PTd4Q&oe=688A7B0C

(1) Ver no Stockholm International Peace Research Institute (SIPRI).

(2) Segundo o China-Africa Research Initiative

(3) in CEPAL

(4) in Dell’Oro Group

(5) IEA: International Energy Agency

(6) in Atlantic Council.

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