Eu… cavo.
Sempre a cavar…
Uma cova,
que um dia me há receber,
não de terra, mas feita de palavras.
Daquelas que disse…e das outras,
que… nunca ousei dizer.
Ah, quantas manhãs perdidas!
Nas vielas estreitas
do meu próprio pensamento,
enquanto a vida,
esse rio sem pressa,
me chamava, chamava… em vão.
Pára! Escuta! Olha!
O mundo não cabe
nos teus planos desenhados a lápis.
Vês ali a amendoeira floresce.
E ouves o silêncio
entre dois gritos de pavão?
Isso… também eras tu,
e deixaste-o morrer
sem sequer lhe tocares.
Deus não construiu o mundo
com regras de gramática
Ele escreveu com luz,
não com cinzel em pedra.
Ele é puro verbo,
sem objecto, nem parêntesis.
E do seu sonho nasceram,
o arco-íris, a espiga,
este anseio meu e teu
que não cabe em regra nenhuma.
Contempla as escrituras,
mas não te enterres em ideias!
Não te expulses, tu mesmo, do Éden!
Solta as asas que manténs cativas…
Pois a alma vive do assombro
de ser vento, fogo,
e semente despenteada
ao sol do impossível.
António CD Justo
Pegadas do Tempo
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