Cavo,
sempre a cavar…
A campa que me há-de levar
é feita de palavras que disse
e das que deixei de dizer.
Ah, quantas manhãs perdidas
nos becos da mente estreita,
enquanto a vida,
rio sem pressa,
me chamava em vão!
Pára, escuta e olha,
o mundo não cabe
nos teus planos a lápis.
Vês a amendoeira em flor?
Ouves o silêncio
entre duas notas de pavão?
Isso também eras tu,
e deixaste-o morrer
sem lhe tocar.
Deus não construiu o mundo
com regras de gramática
Deus escreveu em luz,
não em lápide,
Ele é puro verbo, sem complemento,
e do seu sonho nasceu
o arco-íris, a espiga,
e este anseio meu e teu
que não cabe em nenhum esquema.
Observa as escrituras
não te sepultes nas ideias,
não te expulses do Éden!
Solta as asas que tens cativas,
a alma é para o assombro
de ser vento, fogo,
e semente desgrenhada
ao sol do impossível.
António CD Justo
Pegadas do Tempo
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