O Voto dos Emigrantes não chega para legitimar mas questiona
A cerimónia de tomada de posse da Comissão Nacional de Eleições (CNE), no dia 25 de julho de 2025, trouxe à luz um problema que há muito se arrasta: a relação frágil entre a democracia portuguesa e os seus emigrantes. O Presidente da Assembleia da República (PAR) abordou, com pertinência, a alarmante abstenção de 80% e os 30% de votos nulos entre os portugueses no estrangeiro. Estes números não são apenas estatísticos, (1) eles são um grito de desencanto, um sintoma de um sistema que falha em incluir quem, mesmo longe, não só mantém Portugal no coração como concorre substancialmente para o seu desenvolvimento.
Mas por que razão os emigrantes portugueses, uma comunidade vibrante e economicamente relevante, se afastam das urnas? E o que diz este afastamento sobre a saúde da nossa democracia?
Quais são as Barreiras que afastam os Emigrantes das Urnas
O discurso do PAR identificou alguns dos obstáculos que desencorajam a participação eleitoral:
Uma burocracia excessiva exigindo registo prévio, prazos curtos e a necessidade de deslocação a consulados distantes transformam o ato de votar num verdadeiro obstáculo, não num direito; a falta de informação concorre para que muitos emigrantes desconheçam o impacto do seu voto ou desconfiam da eficácia do sistema político; o desencanto com a política que vem da sensação de que os partidos veem a diáspora como um alibi eleitoral, e não como uma comunidade com necessidades específicas, mina a confiança.
Se o voto não produz efeitos visíveis, por que razão haveriam os emigrantes de se dar ao trabalho?
O que podemos aprender com outros Países?
Portugal não está sozinho neste desafio, mas outros países encontraram soluções eficazes que poderiam servir de inspiração:
O Brasil: tem voto facultativo e simplificado, registo automático (sem renovação anual), voto presencial em consulados ou por correio; em 2022, cerca de 700 mil brasileiros no exterior votaram.
A França: tem voto por procuração (um eleitor pode delegar o seu voto a outro), tem equipas consulares móveis que se deslocam a cidades sem representação; em 2022, 50% dos franceses no Reino Unido votaram por procuração.
A Estónia: tem voto online seguro desde 2005 (com ID digital ou telemóvel) e deste modo redução drástica de custos logísticos; a participação dos emigrantes subiu de 6% (2005) para 44% (2023).
A Itália: tem 12 deputados e 6 senadores eleitos exclusivamente por emigrantes e deste modo representação direta no Parlamento, os partidos apresentam listas específicas para o exterior; em 2022, a participação foi de 30% (acima da média europeia).
Os EUA: têm voto postal em massa devido a envio automático de cédulas em alguns estados e a prazos longos (até 2 meses antes da eleição); em 2020, 65% dos votos de americanos no exterior foram postais.
O que falta a Portugal? Vontade política
Os exemplos internacionais mostram que há soluções. Mas em Portugal, o problema persiste por falta de acção.
O voto eletrónico, já testado com sucesso noutros países, poderia ser implementado progressivamente e alguma região ou país de emigração poderia servir como início experimental.
O voto postal universal (hoje restrito a casos excepcionais) deveria ser uma opção normal real, sem necessidade de justificação. Poderia fazer parcerias com serviços postais internacionais (ex.: DHL) para entrega segura.
Consulados móveis, como os da França, poderiam chegar a comunidades distantes.
Mais deputados da emigração (4 são claramente insuficientes) e debates parlamentares focados na diáspora.
Mas há um obstáculo maior: interesses partidários.
Razão por que o PS e Outros resistem à Mudança?
Rumores insinuam que os partidos tradicionais temem que a facilitação do voto no estrangeiro beneficie forças políticas mais centristas ou contestatárias. Os resultados das últimas legislativas confirmam essa tendência: O CHEGA venceu nos dois círculos da emigração (26% dos votos), a AD ficou em segundo lugar (16%), o PS, pela primeira vez, não elegeu nenhum deputado pela diáspora (2).
Deputados eleitos na Europa: José Dias Fernandes pelo CHEGA e José Manuel Fernandes pela AD.
Fora da Europa: Manuel Magno Alves pelo CHEGA e José de Almeida Cesário pela AD.
Se o sistema continuar a dificultar o voto, a abstenção manter-se-á alta e a legitimidade democrática, baixa.
A Diáspora merece mais que Promessas
A intervenção do Presidente da AR foi um primeiro passo, mas precisa de ações concretas:
Simplificar o voto (eletrónico, postal, por procuração), aproximar as instituições das comunidades emigrantes e combater a desinformação e envolver as associações da diáspora e jornais de papel ou online com verdadeira incidência no meio dos emigrantes.
Os emigrantes não são apenas “portugueses de segunda categoria”, são um pilar económico e cultural do país. Se a democracia portuguesa quer ser verdadeiramente inclusiva, tem de olhar para além-fronteiras.
Caso contrário, continuaremos a assistir a um divórcio perigoso entre Portugal e os seus filhos espalhados pelo mundo e a desperdiçar uma potencialidade já inserida nos diversos países. Eles são os verdadeiros embaixadores de Portugal.
Urge usar a diáspora como força económica e política. Se Portugal soubesse aproveitar o potencial da sua diáspora, não só eleitoral, mas também económico e cultural—poderia tornar-se num caso de estudo em democracia inclusiva. Basta querer e agir. Continuar encerrados em meros interesses de imagens individuais e partidárias (3) corresponderia a continuar cada vez mais na mesma. Os partidos ainda se sentem tão seguros que se permitem exigir dos votantes sacrifícios desproporcionados. Encontramo-nos num processo de desenvolvimento cívico em que as instituições quer sejam religiosas quer políticas (se se querem afirmar-se) têm de se dirigir ao povo e não o povo a elas.
António da Cunha Duarte Justo
Pegadas do Tempo
(1) Inscritos estavam 1.584.722. Votos em branco: 1,39 % com 87.598 votos; Votos nulos 2,73 % que representa 172.379. Só chegaram a Portugal 18,77% dos votos dos emigrantes e houve mais de 113 mil votos dos emigrantes nulos o que corresponde a 32 % da votação final. Ver entre outros https://pt.wikipedia.org/wiki/Elei%C3%A7%C3%B5es_legislativas_portuguesas_de_2025_no_Estrangeiro
(3) O Ensino da Língua Materna: https://antonio-justo.eu/?p=10089