Elegia dos Muros

(Lágrimas do tempo entre Gaza e Jerusalém)

Entre muralhas arde o sol ferido,
no pó da história o sangue se derrama;
Gaza e Israel, dois rios divididos,
se buscam sempre, mas no meio a mesma chama.

Mãos são raízes presas na penumbra,
olhos, espelhos de uma dor partida;
o tempo curva o peso da lembrança,
mas não detém a marcha desta vida.

Israel cerca o fogo da negação,
Gaza ressoa em gritos sem perdão;
o povo, sempre o povo, se consome,
prisioneiro de mapas e de nome.

Se a voz nascesse pura e sem barreira,
se o olhar fosse ponte verdadeira,
flores murchariam no concreto frio,
e a história seria apenas o rio.

Mas o destino é férreo, colonial,
forja alianças no silêncio hostil,
traça nos céus constelações de exílio,
marca na carne o peso desleal.

E no entanto, no meio de pó e chama,
surge um fio de luz que nunca inflama:
vida que insiste em dançar no abismo,
chama que arde contra o fatalismo.

Talvez um dia os povos, não os mapas,
ergam seus cantos contra as frias capas;
talvez com lágrimas, mãos e memórias
reergam vivos o destino e as histórias.

Por fim a dor grávida de dois povos,
em tempos de respiração mais livre,
rasgada na racha cruel da dor,
trará à luz o amor que sempre vive.

E então o ódio murchará, cansado,
como flor que resiste ao duro concreto;
e a história, por um instante suspensa,
será apenas o sopro de quem ama.

António da Cunha Duarte Justo

Pegadas do Tempo

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109 INCENDIÁRIOS NA PRISÃO EM PORTUGAL

Em Portugal, 109 pessoas estão atualmente privadas de liberdade por crimes de incêndio florestal, segundo dados da Direção-Geral de Reinserção e Serviços Prisionais de 20 de agosto de 2025. Do total, 42 já cumprem pena definitiva, 39 aguardam julgamento em prisão preventiva, 24 foram considerados inimputáveis e estão internados em instituições psiquiátricas e 4 esperam que a decisão transite em julgado.

As penas aplicadas oscilam entre dois e oito anos de prisão efectiva, podendo ser agravadas em casos de dolo ou reincidência. Em situações de menor gravidade, alguns condenados cumprem penas suspensas com vigilância eletrónica, sobretudo nos meses de maior risco de incêndio.

Os perfis mais comuns entre os arguidos são de homens entre os 30 e 55 anos, muitas vezes associados a problemas de alcoolismo, perturbações psiquiátricas ou exclusão social. Uma parte significativa dos casos resulta de fogo posto com dolo, embora subsistam situações de negligência ligadas ao uso imprudente do fogo em atividades agrícolas.
Segundo órgãos de informação portuguesa o número de pessoas detidas por incêndio florestal em 2025 já chega a 94.
A Polícia Judiciária (PJ) deteve pelo menos 52 suspeitos deste crime até meados de agosto de 2025. Cerca de metade dessas detenções ocorreram em agosto.
A Guarda Nacional Republicana (GNR) fez 42 detenções em flagrante entre 1 de janeiro e 13 de agosto.

António da Cunha Duarte Justo
Pegadas do Tempo
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COMO A UNIÃO EUROPEIA ESCORREGOU NA PRÓPRIA NARRATIVA

A Bússola para um Futuro soberano e digno da UE

A recente cimeira em Washington Trump-Zelensky seguida de autoconviados europeus  e as eleições norte-americanas serviram como um espelho implacável para a União Europeia. A imagem refletida não é a de um bloco coeso e confiante, mas a de uma potência que, ao apostar tudo na demonização de figuras como Donald Trump e Vladimir Putin, compromete a sua própria soberania e relevância estratégica por muito tempo. A UE escorregou na sua própria baba, na narrativa pegajosa e simplista que criou e da qual agora não consegue libertar-se. Pelos vistos insiste em não arredar caminho para poder levantar-se.

O Erro de Cálculo com Trump: Da Demonização à Dependência

Antes e após a eleição de Donald Trump em 2016, a grande máquina política e mediática europeia dedicou-se à sua caricaturização. Trump foi pintado não como um político de ruptura do padrão estabelecido, com uma agenda “America First”, mas como uma anomalia perigosa. Essa postura, foi profundamente incauta. Ignorou-se uma realidade fundamental: Trump não é um acidente, mas a expressão de uma corrente substancial da sociedade norte-americana (e de parte do mundo) , cansada do globalismo e do custo percebido de alianças que, na sua visão, penalizam os EUA.

Agora, perante a realidade da sua presença revinculada, a UE vê-se numa posição de profunda vulnerabilidade. A aposta emocional, que mobilizou a opinião pública interna, deixou de fora a preparação para um cenário de negociação dura com um parceiro que não se rege pela sentimentalidade diplomática de Bruxelas. O resultado foi uma cimeira onde a Europa, que tanto criticou Trump, se viu forçada a abordá-lo com cautela, quase com súplica, para assegurar compromissos básicos de economia e segurança. As quedas abruptas nas acções do setor de armamento alemão e britânico após a cimeira são um sintoma claro deste pânico: a perceção de que o guarda-chuva norte-americano pode não ser tão fiável expôs a fragilidade da autonomia estratégica europeia.

A Narrativa Simplista sobre Putin e a Ucrânia

O mesmo mecanismo de simplificação aplicou-se a Vladimir Putin. Retratado como um ditador expansionista e irracional, a narrativa pública europeia omitiu convenientemente as complexidades que levaram ao conflito. Raramente se discutiu com profundidade o expansionismo contínuo da NATO para Leste, que Moscovo vê como uma quebra de promessas feitas após a queda do Muro de Berlim. Ignorou-se o papel da UE e de alguns dos seus Estados-membros na promoção de mudanças de regime, como o Euromaidan em 2014, que alteraram dramaticamente o equilíbrio geopolítico na fronteira russa.

A razão repetida de que Putin ambiciona “submeter a Europa até Lisboa” é um exemplo perfeito de como se cria um preconceito útil. É uma projeção dos medos europeus, não uma análise estratégica credível. A Rússia é a maior nação do planeta, com recursos naturais inimagináveis e uma densidade populacional baixíssima (1). A ideia de que cobiça uma UE superpovoada, assoberbada por regulamentação e com tensões sociais crescentes é, no mínimo, questionável. Esta narrativa, no entanto, foi um ovo galado que vingou: serviu para mobilizar a opinião pública para uma guerra apresentada como um bem contra o mal, silenciando o debate sobre os custos reais e os objetivos finais.

E o preço foi alto. A UE impôs a si própria um embargo económico à Rússia, uma medida que, muitos argumentam, prejudicou mais a economia europeia do que a russa, um custo pago docilmente pelos cidadãos. Pior ainda, em 2022, a UE e o Reino Unido alegadamente bloquearam negociações de paz nascentes entre Kiev e Moscovo, numa altura em que um cessar-fogo seria mais viável. Agora, o mesmo bloco exige um cessar-fogo, mas apenas para dar tempo à Ucrânia de se rearmar; este cinismo estratégico que não escapa a muitos.

A Projeção e o “Divide et Impera” Moderno

No cerne deste problema está um vício de fundo: a projeção. A elite europeia, habituada a trabalhar com medos e a manipular a vontade popular em vez de a informar com factos, projetou os seus próprios métodos e ambições sobre a Rússia. A rectórica sobre “democratizar” a Rússia escondia, muitas vezes, a velha doutrina colonial de “dividir para reinar”, a esperança de que uma Rússia fragmentada em estados menores seria mais fácil de controlar e dos seus recursos mais fáceis de aceder.

A estratégia da NATO de impor valores à força, apoiando revoltas e mudanças de regime em nome da democracia, é percebida por Moscovo e por outros BRICS como a continuação do imperialismo ocidental por outros meios, um imperialismo mental, como bem se pode observar se temos em conta anúncios de funcionários da EU e da NATO.

A Hora da Soberania do Real

A UE encontra-se agora numa encruzilhada humilhante. Zelensky, outrora apresentado como herói indiscutível, é cada vez mais uma “bola de jogo” num conflito cujo fim parece cada vez mais distante. Putin, o “diabo” absoluto, é agora recebido com tapete vermelho em capitais mundiais, forçando a Europa a um realinhamento pragmático para o qual não está preparada.

O grande desafio para a UE não é Trump nem Putin. O verdadeiro desafio é superar a sua própria infantilização política, a dependência de narrativas emocionais e a arrogância de acreditar que pode ditar a ordem mundial através da projeção do seu poder normativo ou dos seus “valores mais altos”. Para evitar escorregar de novo na sua própria baba, Bruxelas precisa urgentemente de uma visão de estadista: realista, soberana, baseada em interesses nacionais claros e no respeito pelo mundo multipolar que emerge. Só assim poderá deixar de ser um actor que reage às crises e passar a ser um que as previne. O debate sério que precisamos deve começar por aqui.

O Espelho da Química Velha

A União Europeia assemelha-se a um alquimista que, obcecado por transformar o mundo à sua imagem, passou décadas a misturar os elementos da sua própria narrativa, uma pitada de medo, uma medida de demonização, um litro de superioridade moral. O resultado não foi ouro, mas uma cola pegajosa e ilusória, uma “química velha” com a qual revestiu os seus espelhos.

Ao olhar para estes espelhos, a UE não via o mundo real, com as suas complexidades e nuances. Via apenas o reflexo que ela própria tinha fabricado: um Trump caricatural, um Putin demoníaco, e uma imagem heroica de si própria como bastião incontestável da virtude.

O problema é que a realidade tem o hábito teimoso de não se deixar colar. Quando Trump regressou, não era o monstro do espelho, mas um negociador pragmático. Quando Putin resistiu, não era o demónio expansionista, mas um adversário geopolítico astuto, a receber tapete vermelho noutras paragens. A cola ilusória começou a soltar-se, e os espelhos, um a um, a caírem e a partirem-se.

Agora, a UE não se debate apenas com os estilhaços no chão. Debate-se com o facto de ter ficado presa no próprio adesivo que fabricou, escorregando no resíduo pegajoso da sua própria miragem. A única forma de se libertar não é procurar cola nova para criar outro espelho. É ter a coragem de olhar, finalmente, para a superfície dura, lisa e implacável da realidade. Só assim poderá deixar de ser o alquimista iludido e passar a ser o arquiteto de um futuro soberano.

A Bússola para um Futuro soberano e digno

O renascimento europeu exigirá mais do que estratégia; exigirá uma volta às suas raízes mais profundas. A Europa precisa de se re-situar, sim, não só geopoliticamente, mas, sobretudo, espiritualmente. A sua bússola já está gravada na sua história: a dignidade soberana do indivíduo, presente no humanismo cristão; a solidez das estruturas e da governação, testada pelo genius romano e católico; e a busca eterna pela ética e pelo bem comum, inaugurada pela filosofia grega. Redescobrir esta tríade de valores não é nostalgia; é a chave para forjar uma identidade forte e compassiva no mundo multipolar que agora se demarca.

António da Cunha Duarte Justo

Pegadas do Tempo

 

(1) O argumento amplamente propagado de que a Rússia queria atacar a Europa Ocidental e avançar até Lisboa. O que pensamos saber sobre a Rússia é moldado por manchetes, e não por factos concretos. O maior país do mundo, com 17 milhões de km² e 150 milhões de habitantes (8,5 habitantes por km²), com recursos naturais ilimitados, petróleo, gás natural, minérios, metais preciosos, urânio e a Rússia produz também anualmente cerca de 150 milhões de toneladas de cereais); Neste contexto, o que deveria querer a UE, hiper-regulamentada, pobre em matérias-primas, densamente povoada e com enormes tensões sociais e económicas? A ideia de ataque da elite europeia à Rússia revela o seu próprio padrão que está a ser projetado. Quem tentou garantir a sua segurança em direção ao leste?

Democratizar a Rússia a partir do Ocidente era a ideia americano-europeia para dividir a Rússia em estados individuais, a fim de facilitar o acesso às matérias-primas. Esta é a continuação do antigo princípio das potências coloniais, o princípio de dividir para reinar. O princípio da NATO é impor os nossos valores, independentemente do custo, mesmo que a estratégia seja apoiar a revolta em povos onde o sistema não serve os seus próprios interesses. Bruxelas está habituada a trabalhar com projeções e medos e, a partir dos interesses das elites políticas, segue-se uma estratégia de manipular a vontade do povo, em vez de transmitir fatos puros, para que o povo.

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COM O FADO NA ARAGEM DO MAR

Minha terra, meu eu, já não canta,

voz roubada pelo sal dos adeuses

absorta na marcha lenta das sombras

que se desfazem em névoa e silêncio.

 

Perde-se na onda de um amanhecer pálido,

onde o sol, doente de exílio,

se dissolve em pranto sobre as águas.

Olha para um céu feito de espelhos quebrados,

cada fragmento, um mapa de um porto perdido,

canto de sereia afogado no tempo.

 

Meu eu, tecido de mar e vento,

véu de luto sobre o peito do mundo

esvai-se na espuma da onda,

leito frio onde a memória se deita

e sonha com o fogo que outrora a aquecia.

 

Tanta procura! Chama extinta na brisa,

farol apagado pelo ruir do mar,

que canta, em segredo, a litania das marés:

Vem, sente o abraço da solidão,

este sal que cicatriza a alma,

este infinito estelar que nos veste de eternidade.

 

E eu, náufrago de mim mesmo,

alongo a mão na voz do mar,

frágil barco de palavras à deriva

enquanto o fado, na aragem,

me ensina a morrer e renascer.

 

António da Cunha Duarte Justo

Pegadas do Tempo

 

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HUMANIDADE MINHA PÁTRIA

 

O vento traz folhas que o tempo despe,

como cartas sem destino a flutuar.

Cai a tarde em tons de barro e orvalho,

que a terra, em segredo, aprende a guardar.

 

O outono chega, desnuda o encanto,

e as árvores, tristes, confessam ao vento:

Somos raízes do mesmo desterro,

somos silêncio onde canta o lamento.

 

Sou um só, sem estar sozinho:

em mim acenam os que o outono apagou.

Os sem nome, os de mãos calejadas,

os que a história, em silêncio, negou.

 

Eis o chão que não escolhe sapatos,

o rio que bebe o pranto e o suor.

A pátria é esta voz que não tem dono,

é o canto que nasce da mesma dor.

 

Mas vejam comigo! Das ruínas do frio,

Se ergue um lustre de vozes no ar.

Não são reis, não são heróis de mármore,

são as mãos que sabem semear.

 

O povo de baixo, tecelão da aurora,

tece a luz que os palácios não veem.

Cada passo seu é um verso no chão,

cada pranto, um rio que flui para além.

 

Moderam o mundo com melodia,

não com espadas, mas com pão.

Harmonia é a lei que não se escreve,

é o abraço que cura a divisão.

 

Humanidade, minha pátria sem fronteiras,

o teu nome é plural, o teu cheiro é mar.

Em ti, o exílio vira lar,

e o lar é onde todos podem ficar.

 

António da Cunha Duarte Justo

Pegadas do Tempo

https://poesiajusto.blogspot.com/2025/08/a-humanidade-e-minha-patria.html

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