A CONFISSÃO COMO INSTRUMENTO DE INDIVIDUALIZAÇÃO NA CULTURA EUROPEIA

A Transformação do Mundo começa na Revolução silenciosa da Consciência

O processo de individualização da consciência humana, isto é, a emergência do eu autónomo em relação ao nós coletivo (à comunidade), constitui uma das transformações mais profundas e decisivas na história da mentalidade europeia e na formatação da sua jurisprudência, antropologia e sociologia. Esse desenvolvimento foi obra sobretudo da teologia e da filosofia seguida da política, sendo a Igreja Católica o principal agente na promoção da interioridade e da responsabilidade moral individual, que pouco a pouco conduz à individualidade de consciência.

Um dos mecanismos mais revolucionários e actuantes nesse processo foi a evolução do sacramento da Penitência, que passou de um acto litúrgico comunitário feito no início da missa, para uma confissão auricular privada. Essa mudança não foi só meditativa, como fomentou também uma nova estrutura de consciência, na qual o indivíduo, diante de Deus, assumia a sua culpa e liberdade, emancipando-se progressivamente da moral tribal ou dos senhores.

Neste artigo, procurarei analisar como a Igreja, ao confrontar-se com as sociedades germânicas baseadas em lealdades coletivas, instrumentalizou a confissão individual como meio de responsabilização pessoal, contribuindo decisivamente para a formação de uma consciência autónoma na Europa e para a autonomia das consciências individuais, criando assim a base para todas as aspirações emancipatórias.

A Moral Tribal e a Ausência de Interioridade ou Consciência própria

As sociedades pré-cristãs germânicas e celtas organizavam-se em torno de clãs e tribos, nos quais a identidade individual estava submersa no grupo; o indivíduo definia-se pela pertença à tribo e a obediência funcionava como lei natural interna de sujeição. A lealdade ao chefe e aos costumes ancestrais era o fundamento ético, não deixando espaço para uma noção de responsabilidade pessoal nem de pecado como ofenso pessoal a uma ordem que superasse de maneira transcendente a ordem dos costumes ou da chefia. A honra e a vergonha eram reguladas externamente, pela comunidade, e não por um exame de consciência interno.

Nesse contexto, a penitência pública, como era praticada nos primeiros séculos do cristianismo na liturgia da palavra, não produzia o mesmo efeito psicológico que nas sociedades romanizadas, já que a culpa permanecia um fenómeno coletivo. A Igreja, portanto, enfrentou o desafio de incutir uma moral baseada na responsabilidade individual em culturas que não concebiam o indivíduo fora do grupo. Este aspecto ainda se observa hoje a nível íntimo no islão. Só o desenvolvimento da consciência pessoal cria o espaço da subjectividade e este dá lugar à Liberdade.

A Revolução da Confissão Auricular: Interiorização da Culpa e da Graça

A partir do século VI, com a crescente influência do monaquismo irlandês, a prática da confissão privada, ou auricular, difundiu-se na Europa. O Penitencial de São Columbano (séc. VI) estabeleceu uma abordagem personalizada do pecado, no qual o penitente, em diálogo íntimo com o sacerdote, se confrontava com as suas faltas de maneira individualizada perante Deus.

Esse método representou uma ruptura radical com a ética tribal em favor da responsabilização pessoal: O pecador já não era apenas um membro do grupo que falhava, mas um eu que, perante Deus, assumia as suas ações criando-se nele um espaço interior próprio que comportava já liberdade. A alma tornava-se no local de encontro com o divino, onde a consciência individual se formava em paralelo com a consciência social. Dá-se assim a autonomia moral de modo que a autoridade última já não era o chefe tribal, mas a própria consciência, iluminada pela lei divina.

O historiador Michel Foucault constatou em “A História da Sexualidade”, que a confissão cristã foi uma das primeiras tecnologias do eu a exigir que o indivíduo verbalizasse os seus pensamentos mais íntimos, criando uma subjetividade interiorizada (1).

O processo de individuação da consciência individual foi-se processando durante a Idade Média onde pessoa e sociedade viviam na atmosfera do nós (comunidade) à custa do eu (indivíduo); a sobrevalorização da comunidade atafegava a individualidade mas pouco a pouco a ideia da filiação divina acompanhada da Confissão, geraram a pessoa humana com consciência autónoma frutificando no renascimento e ganhando especial expressão no protestantismo (2) .

O surgir da Ipseidade (mesmidade do eu): O Eu como Essência diante do Divino

A noção agostiniana daquilo que é o mais íntimo de mim mesmo (interior intimo meo) já havia preparado o terreno para uma concepção do homem como ser dotado de uma interioridade sagrada. A confissão auricular aprofundou essa ideia, fazendo da alma um espaço onde o indivíduo, na sua ipseidade (a “mesmidade” do eu), se confrontava com a transcendência e com o agir sociopolítico.

Essa dinâmica teve três consequências fundamentais decisivas: alcança a soberania da consciência individual. O indivíduo passou a ser julgado não apenas pelas suas ações externas, mas também pelas suas intenções internas. Dá-se também a relativização das instituições humanas pois se a alma respondia diretamente a Deus, então nenhuma autoridade terrena, nem mesmo o grupo tribal, podia reivindicar soberania absoluta sobre ela. Na sequência acentua-se a liberdade pessoal porque o indivíduo, ao reconhecer-se como sujeito moral autónomo, ganhou as bases para um processo emancipatório que se expressou de maneira relevante no protestantismo e culminaria, séculos depois, no Iluminismo e na noção de direitos humanos.

A Igreja como Agente Paradoxal da Modernidade

A prática da confissão individual foi, assim, um dos grandes fatores de individualização na Europa medieval, tornando-se como o ventre progenitor do eu que deixa de ser mera sombra da comunidade. A Igreja ao substituir a penitência pública pelo exame de consciência privado, não só se adaptou às mentalidades tribais, mas transformou-as, criando as condições para o surgimento de uma consciência pessoal autónoma.

Paradoxalmente, a mesma instituição que muitas vezes é associada politicamente ao autoritarismo foi certamente a principal promotora da interioridade e da responsabilidade individual, valores que mais tarde se desdobrariam na cultura moderna. A confissão, nesse sentido, não foi apenas um sacramento religioso, mas um ato revolucionário que ajudou a forjar o eu ocidental (a consciência individual e cultural-social).

O cristianismo, na sua vocação de aculturação e inculturação, ergueu-se como ponte entre mundos, buscando elevar costumes fechados e religiosidades cingidas por fronteiras estreitas. Pretendia libertar a moral das amarras do hábito e do peso dos usos herdados, conduzindo-a do círculo apertado de uma ética local à vastidão de uma moral aberta, cuja finalidade não se esgota na coesão social, mas se cumpre na dignidade do indivíduo que, em plena consciência, se torna autor e juiz de si mesmo.

Formar consciências livres e soberanas era a sua meta. Por isso, mais do que confiar apenas na razão que disseca e argumenta, acolheu a intuição, esse olhar interior que não se perde em utopias de salvação universal, mas se ancora na certeza de que Deus habita no mais íntimo de cada ser humano, como uma gene divina e a salvação individual e universal começa por aí. Só Ele conhece o nosso ser até ao fundo, e o verdadeiro saber é a aventura de descobrir-se a si próprio. A transformação social de qualidade, não brota de decretos ou sistemas, mas da lenta e silenciosa evolução da consciência individual.

Hoje, a fé vê-se sacudida pelo vento de um modernismo impetuoso, ferida também pela quietude excessiva em que se deixou adormecer. A espiritualidade cristã, porém, é movimento, é crescimento contínuo; não se compraz num esoterismo fechado, servido à la carte, nem na redução de todas as sendas da existência ao culto do próprio ego.

O verdadeiro equilíbrio exige um conservadorismo vivo, que saiba abrir-se à criatividade e ao novo, não como moda efémera, mas como salto ousado para o desconhecido com sentido. Neste ponto, tanto o wokismo como um tradicionalismo imóvel se encontram partilhando extremismos, oportunismos e medos que asfixiam a criação e detêm o desenvolvimento do homem e da comunidade.

A pessoa desperta não clama por revolução nem por contrarrevolução. A sua revolução é íntima, invisível aos olhos apressados, mas fecunda. É o balanço harmonioso entre opostos, movimento que gera vida, respiração que conduz ao horizonte de uma cultura da paz.

António da Cunha Duarte Justo

Teólogo e Pedagogo

Pegadas do Tempo

 

(1) Henri-Louis Bergson (1859–1941), com a teoria do élan vital, procurou unir ciência e filosofia, acabando por aproximar-se do catolicismo. Rejeitou explicações mecanicistas, defendendo que a evolução tende para formas mais complexas, culminando no ser humano. Para Bergson, é a intuição e não apenas a razão analítica que permite o contacto directo com o núcleo da realidade. Deus está no íntimo de cada pessoa, e a salvação resulta dos dons divinos e da liberdade humana. Como a natureza não possui essência divina, restam duas opções: ou reconhecer Deus ou divinizar a natureza. Esta última opção leva ao panteísmo.

(2) Lutero garante a Emancipação como Princípio impulsionador da Idade Moderna: https://www.amazon.com/garante-Emancipa%C3%A7%C3%A3o-Princ%C3%ADpio-impulsionador-Moderna-ebook/dp/B076859PZT

Bibliografia

FOUCAULT, Michel. A História da Sexualidade, Vol. 1: A Vontade de Saber:

TAYLOR, Charles. As Fontes do Self: A Construção da Identidade Moderna.

DELUMEAU, Jean. A Confissão e o Perdão: As Dificuldades da Confissão nos Séculos XIII-XVIII.

ELIADE, Mircea. O Sagrado e o Profano.

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O APÓSTOLO DOS GERMÂNICOS E O CARVALHO QUE DEU LUGAR À IGREJA

A confissão como ferramenta de individualidade

Diante da poderosa estátua de Bonifácio em Fritzlar, senti o peso da história: São Bonifácio (672–754), o “Apóstolo dos Germânicos”, não só derrubou o carvalho sagrado de Donar (Thor), que os germánicos adoravam. Com a sua madeira, Bonifácio construiu uma capela, simbolizando a afirmação do Cristianismo sobre o paganismo. A estátua aqui retrata esse momento: ele segura um machado, sobre o tronco do carvalho e ao lado, uma árvore estilizada sustenta uma igreja, como metáfora de como a fé se enraizou na região.
A sua acção também enfrentou a resistência feroz de povos que viviam sob a lei coletiva dos chefes tribais.
A sua morte foi trágica, foi martirizado por guerreiros frísios em 754, mas o seu sangue, como diz a tradição, tornou-se “semente de cristãos”. A capela construída com a madeira do carvalho (onde hoje está a Catedral de Fritzlar) simboliza essa vitória: a fé que brotou onde a força pagã se dobrou.
Mas a conversão não foi só sobre destruir símbolos. Os germânicos, acostumados a obedecer aos líderes, resistiam à ideia de uma fé pessoal. A Igreja, empenhada no desenvolvimento da individuação humana,utilizou, então, a confissão auricular, que se resume a um acto íntimo entre o crente e Deus, para cultivar algo revolucionário: a individualidade da consciência. Era um passo além da lealdade tribal; era a alma diante do divino e que se colocava soberana acima de qualquer instituição humana.
Esta estátua captura tudo: o machado na mão, o tronco do carvalho vencido, e a árvore que sustenta a Igreja. Metal e pedra contando uma história de coragem, sacrifício e transformação.
Aqui, onde Bonifácio plantou a cruz, nasceu uma nova Europa.
Por um lado, Carlos Magno a nível cultural e político e por outro Bonifácio com as ordens religiosas foram os grandes impulsionadores e criadores da Europa.
António da Cunha Duarte Justo
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QUINTA OUTEIRO DA LUZ NA BRANCA – AVEIRO

O Lugar onde a Alma  respira e repousa

Quero guardar na memória a paisagem vista das alturas da Branca: o crepúsculo dourado, o cintilar das estrelas e o bailado suave das luzes na noite.

Das varandas da Quinta Outeiro da Luz (1), o olhar perde-se num horizonte marítimo que se estende de Espinho até para além de Aveiro, uma vastidão de mar e céu que toca o interior da pessoa com a delicadeza de um sussurro divino.

Cada pôr-do-sol é um versículo do livro da Criação: uma revelação única, irrepetível, como se o cosmos se abrisse em cor e silêncio para nos dizer algo que nenhuma linguagem humana ousa traduzir. Aqui, como em lugares especiais de Portugal, a paisagem revela-se música no coração.

Ali, ao entardecer, após um dia de lides cumpridas, a contemplação não é fuga, mas mergulho.

Não é o mundo que se abandona, mas sim o mundo que se revela na sua nudez plena, no seu erotismo sagrado, um apelo a olharmos para além de nós mesmos.

À noite, sob o lençol das estrelas, o peito recolhe o universo. Os astros cintilam como seios femininos a roçar a alma, contando histórias de vidas que arderam em pensamento e paixão, numa mesma voz unida de filósofos, santos, trabalhadores, buscadores do eros e peregrinos do Espírito.

Cada estrela é uma memória. Cada brisa é um sopro de quem já passou.

E no repouso e silêncio, tudo vive, mais intensamente que no alarido do dia.

A natureza, aqui, não é cenário, é templo da alma e do corpo.

O mar, o vento, o crepúsculo e as constelações convergem para dentro do ser, insuflando-o como pulmão cósmico.

Há uma espiritualidade que nasce do contacto com o real, não como ideia, mas como carne vibrante.

O eros, aqui, não é apenas desejo, é ligação, pertença, escuta.

É no silêncio contemplativo que o ser reencontra a sua morada.

Não há doutrina mais profunda do que esta: estar diante do mundo com olhos nus, peito aberto e alma porosa.

A vida, enfim, respira-se, enfiando-se por nós dentro.

António da Cunha Duarte Justo

Pegadas do Tempo

(1) https://quinta-vacations.com/pt/home-portugues/

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O PÊNDULO E A PRAÇA

Parábola iniciática

Havia, na velha cidade de Bruxelas, um grande relógio no alto da torre da praça. O seu pêndulo, pesado e dourado, oscilava com precisão, marcando as horas que os poderosos decretavam. O Relojoeiro, homem de mãos finas e discurso polido, ajustava os seus mecanismos com ar solene, afirmando que só ele conhecia o ritmo certo do tempo.

Mas o povo, em baixo, sentia nas costas a sombra e o peso daqueles ponteiros. Alguns murmuravam que o relógio atrasava, outros que adiantava e os mais ousados diziam que marcava apenas a hora que convinha ao Relojoeiro.

Um dia, um vento forte soprou das ruas estreitas, trazendo consigo vozes desconhecidas. Eram os Andarilhos, homens e mulheres de passos inquietos, que não se curvavam ao tique-taque da torre. Gritavam que o relógio estava quebrado, que o seu ritmo não era o de todos, mas apenas o dos que o controlavam.

O Relojoeiro, perturbado, chamou os Guardiões do Mecanismo. “Estes ventos são perigosos,” advertiu. “Se deixarmos que soprem livremente, o pêndulo perderá o seu curso, e o caos instalar-se-á!” E assim, começaram a amarrar cordas ao pêndulo, a vedar janelas, a calar bocas, tudo em nome da ordem e da democracia.

Mas o vento não se deu por vencido. Soprava mais forte nas frestas, levando consigo o pó das promessas esquecidas. E o povo, antes silencioso, começou a sentir que seu rosto começava a ser tocado por aquela brisa.

Ninguém sabia, ainda, se o vento traria tempestade ou renovação. Mas uma coisa era certa: Nenhum relógio governa o vento.

No Palco da Democracia

Na praça pública, onde o sol se escondia atrás de névoas de retórica, erguia-se um palco de sombras e gritos. De um lado, os Senhores do Arco do Poder, trajando palavras polidas como fatos de alfaiate, acenando ao povo com promessas tão leves como o papel em que eram escritas. Do outro, os Pretendentes ao Poder, rostos inflamados de indignação, brandindo frases afiadas como foices, prontos a ceifar o trigo do campo alheio. E no meio, a multidão, um corpo cansado, espremido entre a bigorna do controlo e o martelo da revolta.

O populismo de cima descia em cascata, um rio de verniz institucional, enquanto o de baixo jorrava das bocas dos descontentes, ácido e espumante. Os primeiros falavam em ordem, os segundos em justiça, ambos, porém, pareciam concordar em uma coisa: o povo era mero espectador de seu próprio drama.

A Máscara e o Espelho

A esquerda outrora insurgente, agora entronizada, fitava-se no espelho da história e não reconhecia o próprio rosto. Onde antes via rebeldia, agora via apenas gestão. Onde antes havia fogo, agora havia protocolo. E quando os ventos sopravam contra ela, reagia não com argumentos, mas com os usados espantalhos, fascismo, retrocesso, ameaça à democracia, palavras gastas como moedas falsas.

“Como ousam criticar-nos?”, bradavam, confundindo discordância com traição. O povo, que outrora lhes dera voz, agora era tratado como criança caprichosa, a quem se devia calar com paternalismo ou ameaçar com o dedo.

Enquanto isso, a direita conservadora, de gravata bem apertada, murmurava sobre tradição e estabilidade, mas seus olhos cobiçavam o mesmo poder que condenavam nos outros. E nos extremos, os profetas apocalípticos, de esquerda e direita, semeavam ventos que colheriam tempestades alheias.

O Teatro das Sombras

Os meios de comunicação, fiéis cães de guarda do status quo, ladravam em uníssono contra os bárbaros das redes sociais, esses novos gladiadores que ousavam desafiar o circo estabelecido. Cada manchete era um golpe, cada editorial um veredicto. “Populismo!”, gritavam, como se a palavra fosse um feitiço capaz de exorcizar o descontentamento.

Mas o povo já não engolia as narrativas como outrora. Nas entrelinhas das notícias, percebiam o cheiro do medo, o medo dos que temiam perder o monopólio da indignação.

O Pêndulo democrático oscila

A democracia, esse pêndulo eterno, balançava entre o medo do novo e o cansaço do velho. Umas vezes para a esquerda, outras vezes para a direita, mas nunca parava no centro, pois o centro era uma ilusão, um lugar onde ninguém vivia, apenas fingia governar.

Os poderosos, assustados com o movimento, tentavam amarrar o pêndulo com leis e decretos, apertando o cerco sobre a dissidência. “Em defesa da democracia!”, diziam. “Pela ordem!” Mas o povo, cada vez mais encurralado, percebia que o discurso era só pelo poder. Sempre pelo poder.

A Última Metáfora

No fim, restava apenas uma alegoria: a da casa comum. A esquerda, que se julgara arquiteta exclusiva da moradia, agora via surgir inquilinos indesejados, gente que não aceitava os seus planos, que queria reformar as paredes, mudar os móveis. Mas, a esquerda, em vez de debater, trancava as portas e gritava “incêndio!” A sua casa era uma prisão.

A verdade é que o fogo verdadeiro não estava nos críticos nem nos discursos, ele estava na lenha seca acumulada de décadas de promessas queimadas.

E assim, entre o populismo de cima e o de baixo, entre os que mandavam e os que aspiravam mandar, o povo seguia, sem réstia de sol, mas também sem deixar de olhar para o horizonte.

Porque o pêndulo, cedo ou tarde, sempre volta. E quando voltar, quem estará lá para o segurar?

António da Cunha Duarte Justo

Pegadas do Tempo

 

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ENTRE TEMPO E ETERNIDADE

Eu… cavo.

Sempre a cavar…

Uma cova,

que um dia me há receber,

não de terra, mas feita de palavras.

Daquelas que disse…e das outras,

que… nunca ousei dizer.

 

Ah, quantas manhãs perdidas!

Nas vielas estreitas

do meu próprio pensamento,

enquanto a vida,

esse rio sem pressa,

me chamava, chamava… em vão.

 

Pára! Escuta! Olha!

O mundo não cabe

nos teus planos desenhados a lápis.

 

Vês ali a amendoeira floresce.

E ouves o silêncio

entre dois gritos de pavão?

Isso… também eras tu,

e deixaste-o morrer

sem sequer lhe tocares.

 

Deus não construiu o mundo

com regras de gramática

Ele escreveu com luz,

não com cinzel em pedra.

Ele é puro verbo,

sem objecto, nem parêntesis.

E do seu sonho nasceram,

o arco-íris, a espiga,

este anseio meu e teu

que não cabe em regra nenhuma.

 

Contempla as escrituras,

mas não te enterres em ideias!

Não te expulses, tu mesmo, do Éden!

 

Solta as asas que manténs cativas…

Pois a alma vive do assombro

de ser vento, fogo,

e semente despenteada

ao sol do impossível.

António CD Justo

Pegadas do Tempo

https://poesiajusto.blogspot.com/

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