Ao observar-se as atitudes populares e de governantes na Alemanha poder-se-ia concluir com Schopenhauer: “A vontade é tudo…, mas as suas manifestações tornam-se cada vez mais estranhas.”
A Alemanha aproxima-se de mais uma eleição federal, a realizar-se em 23 de fevereiro de 2025, com um tema dominante na campanha eleitoral: a imigração. A atitude indemocrática dos partidos do arco do poder conduziram a sociedade alemã a atitudes de ódio e de extremismos até ao presente desconhecidos na Alemanha e que dá razão às advertências de Vence na conferência de Munique, sobre o estado da democracia. O país, com uma população de 83,6 milhões de habitantes, enfrenta desafios significativos neste campo. Em 2024, foram registados 230.000 pedidos iniciais de asilo e, só no mês de janeiro de 2025, 16.594 novos requerentes entraram no país. Além disso, a imigração ilegal também é um problema crescente, com 84.000 entradas ilegais registadas em 2024.
A questão da imigração não é apenas um debate político, mas também um fator económico e social com aspectos positivos e negativos. Em 2024, o subsídio de cidadania foi pago a 5.452.432 pessoas, das quais 2,6 milhões eram estrangeiros, representando 47% dos beneficiários (1). Este dado alimenta a discussão sobre a sustentabilidade do sistema de assistência social e a necessidade de uma reforma mais rigorosa das políticas migratórias.
A Alemanha também enfrenta desafios crescentes relacionados à segurança. Em um ano, foram registados 9.000 ataques com faca no país, uma média de 300 por dia, com frequentes conflitos nos centros de asilo. A percepção de insegurança aumenta a insatisfação da população com a política migratória, sobretudo quando atentados perpetrados por refugiados são recorrentes.
A resposta política tem sido marcada por uma polarização irresponsável devida ao total empenho dos partidos por obter o poder a todo o custo sem ter em conta a degradaç1bo dos cidadãos e da cidadania. O governo enfrenta dificuldades para lidar com o tema, especialmente devido à presença dos Verdes na coligação, um partido que se opõe a uma política de imigração mais restritiva. Enquanto isso, manifestações de grupos de esquerda, como “Avós contra a Direita”, mobilizam-se contra o crescimento da AfD (Alternativa para a Alemanha), partido de direita que tem cerca de 20% das intenções de voto. Entretanto, 75% da população deseja uma mudança profunda na política migratória.
A AfD, estigmatizada pelos partidos tradicionais, tem sido excluída das negociações de governo através de um “muro de fogo” arquitetado pelas forças do arco do poder. Essa estratégia tem levantado questionamentos sobre a saúde da democracia alemã, que parece estar a ser neutralizada por decisões políticas que ignoram uma parte significativa do eleitorado para beneficiarem o status quo partidário.
Curiosamente, a AfD tem feito campanha em turco, tentando atrair o voto de estrangeiros que vivem no país. Um estudo do Centro Alemão de Pesquisa sobre Integração e Migração (DeZIM) revelou que 20% das pessoas com raízes na Turquia, Oriente Médio e África considerariam votar na AfD. Essa estratégia eleitoral sugere uma reconfiguração do discurso político, com um partido classificado como “populista” buscando apoio em comunidades que, paradoxalmente, são diretamente afetadas pelas suas propostas de “remigração”.
A declaração do Ministro da Saúde Karl Lauterbach, apontando que até 30% dos refugiados têm problemas psicológicos, apenas reforça a percepção de um governo que não prioriza o bem-estar dos cidadãos, mas sim uma agenda política que negligencia as consequências sociais de uma imigração descontrolada.
A Alemanha encontra-se numa encruzilhada. A sociedade alemã encontra-se cada vez mais depressiva. Na Alemanha, ocorrem 10.000 suicídios num ano. A democracia encontra-se enfraquecida por uma elite política que exclui determinadas vozes do debate e por uma sociedade que, como afirma O filósofo Schopenhauer, quando via a vontade manifestar-se de formas cada vez mais estranhas. A decisão dos eleitores em 2025 será decisiva para determinar se o país seguirá no caminho da continuidade ou se buscará uma reestruturação profunda da sua política migratória e democrática. Tudo indica, porém, que a Alemanha ao excluir a AfD vai tornar muito instável a governação. A não ser que fosse possível a Merz seguir as pegadas do presidente americano, o que não é provável.
Ódio, seja à esquerda ou à direita, não é opinião — é combustível para o poder estabelecido e erosão da vontade do povo.
António da Cunha Duarte Justo
Pegadas do Tempo