EX-MINISTRO DAS FINANÇAS DEMITE-SE DA SOCIEDADE ALEMÃ-ISRAELITA

“Eichel protesta contra as declarações de Beck”, lê-se no HNA de 25.07.2022.

O protesto de Hans Eichel é mais do que apropriado para contradizer e mitigar o radicalismo das críticas de Volker Beck (Presidente da Sociedade Alemã-Israelita) à Documenta 15. Não basta pertencer a um grupo vítima para se ter razão!

Implicar que a documentação poderia ter tido lugar noutro lugar e dizer que foi uma “exibição de fogo-de-artifício antissemita” é usar indevidamente a arte para fins políticos e colocar-se no mesmo espírito radical de exclusão que anima os antissemitas que não têm vontade de esclarecimento, nem de chegar a acordo. Trata-se simplesmente de ficar na sua!

Reduzir a discussão a uma pequena parte da tela artística (exposta e logo desmontada) traz à tona o radicalismo que também é inerente ao antissemitismo. A discussão sobre um detalhe da tela obscurece a visão de toda a tela e orienta o discurso para o antissemitismo. A tela inteira tornaria muitas pessoas conscientes de actos do imperialismo, mas apenas um detalhe (antissemitismo) passou a chamar a atenção! Desta forma, a atenção é desviada do que o Sul global teria para nos dizer, muito embora de forma drástica.

Com as suas declarações radicais, Volker Beck parece tornar-se um catalisador do que é agora entendido como política pós-factual, que distrai do factual com declarações emocionais no interesse de um único grupo.

Este mau-hábito parece estar a instalar-se no discurso político, como se pode constatar em algumas declarações feitas também  por certos políticos governamentais alemães. Parece já estarmos no centro de um discurso político pós-factual, no qual o discurso emocional parece substituir unilateralmente o discurso racional.

António da Cunha Duarte Justo

Pegadas do Tempo

DO DISCURSO EMOCINAL CONTRA O DISCURSO RACIONAL

Na Controvérsia entre Acontecimentos e Factos alternativos esvai-se a Verdade

Os peritos da rectórica descobriram que, para se levar o cidadão a fazer o que se pretende dele, se torna mais eficiente o uso do discurso/notícia emocional do que o uso do discurso racional argumentativo. Um discurso mais objectivo deveria manter o equilíbrio entre os factores racionais e emocionais na abordagem de factos, mas, ao contrário disso, cria-se na opinião pública um desequilíbrio propositado ao dar-se a precedência à notícia/discurso emocional com a finalidade de criar proselitismo.

Como as expressões/notícias emocionais são contagiosas, a prática política discursiva cada vez faz mais uso delas por terem um efeito espiral nos públicos.

Outras análises científicas chegaram à conclusão que se torna até “racional usar as emoções como meios de comunicação política porque estas favorecem processos de deliberação” (1). Esta tática política é de observar nos métodos empregados nos discursos dos políticos e dos Media em relação à informação sobre a pandemia e a Ucrânia onde se procura motivar as populações a apoiarem todas as medidas políticas tomadas ou a tomar.

Um discurso “emocional” tenta, em geral, apresentar o facto ou descrever a situação de maneira a obter-se um juízo de valor que leve o grupo ou a colectividade a aceitar o transmitido como se fosse norma moral ou social.  Omite abordar o porquê dos factos para convencer com imagens ou informações no sentido pretendido; recorre-se além disso a uma informação selectiva apresentando, do adversário, só o que o prejudica. Abusa-se da carga emotiva de maneira a envolver a audiência para assim se obter um efeito persuasivo emotivo no sentido positivo ou negativo.

Ao contrário, o discurso racional assenta num diálogo argumentativo em que se discute a validade de afirmações e a legitimidade das normas discutidas. Na arena pública cada vez se observa mais como característica do discurso político já não o racional, mas o da emocionalização; a emocionalização e a desinibição do vocabulário são ainda mais notórias nas redes sociais.

Por toda a Europa se observa, na generalidade dos políticos e dos meios de comunicação do sistema, uma atitude que envergonharia qualquer exigência de seriedade intelectual. Chegou-se a uma prática discursiva desenvergonhada com base no maquiavelismo de que os fins justificam os meios e como tal utilitarista para uma das partes e ao mesmo tempo grosseira. Neste sentido é de observar uma lamentável aproximação dos discursos, do populismo dos de cima ao populismo dos de baixo! A política tem verificado que é mais simples e proveitoso mover a emoção do que a razão. Temos assim um discurso cada vez mais maniqueísta e assalariado sobre realidades reduzidas a preto e branco, o que é uma expressão sintomática da entropia em que estamos envolvidos e do autoritarismo para que caminhamos. Os discursos público e político estão virados para o uso e abuso cínico das emoções não tendo respeito pelos destinatários nem pelos conteúdos a transmitir.

O filósofo Roger Garaudy, no seu livro “Rumo a uma guerra Santa?” diz: “Sócrates já observava que entre os doces de um confeiteiro e os remédios de um médico, não há dúvida quanto à escolha das crianças. Mas os senhores do espectáculo não se contentam em considerar seus espectadores como crianças. Um mestre na manipulação das almas, Adolf Hitler, dizia: “diante de uma plateia, para conseguir adesão, viso o mais estúpido e, nele, o que existe de mais baixo: as glândulas lacrimais ou sexuais… E ganho sempre. À minoria crítica, cuido dela de outra maneira”.

A Europa encontra-se no mau caminho! O discurso político atual assumiu o papel de condutor cego alheado e alienante! E o mais trágico é constatar-se que as populações devido a um complexo de inferioridade não veem ou não se atrevem a dizer que os “reis” que nos governam vão nus!

Michel Foucault e Jean-Francois Lyotard (2) constatam que não existem factos incontroversos, empiricamente provados. Pelo contrário, os factos são apenas interpretações de certos acontecimentos ou casos que também podem ser interpretados de forma diferente, ou alternativamente.

O difícil da questão está em verificar se uma interpretação ou narrativa considerada verdadeira está inserida na grande narrativa ou acontecimento. Não se trata, portanto, de reduzir todas as interpretações a meras narrativas porque cairíamos num relativismo absoluto que se tornaria impeditivo de vida e de desenvolvimento, e contradiria toda a ordem natural da criação.

Os predadores da cultura europeia, consciente ou inconscientemente, querem destruir tudo o que possa levar à procura ou aceitação da verdade, isto é, têm relutância em aceitar algo que justifique um sentido ou ordenação da parte num todo; por isso combatem tudo o que seja símbolo ou expressão de uma ordem: Deus, a Verdade, família, cristianismo, instituição, pátria; transformam objeções à regra ou falhas institucionais em elementos fundamentais das mesmas para as poderem desautorizar e assim estabelecer o caos! Cada ordem implica um viver em relação e, consequentemente, ter a percepção da realidade não só na parte, mas também no seu todo.

Isto pressupõe a consciência do alinhamento dos elementos e suas relações entre si no sentido de criar identidades individuais e comunitárias (orgânicas) de modo a gerar unidade e consistência entre elas tal como acontece na ordem gramatical em que se passa da morfologia às sintaxes.

Na filosofia para se criar ordens de ideias parte-se do alinhamento de princípios e na ordem social pública necessitam-se regras/leis e normas. Os padrões habituais simplificam a vida ordeira, mas as excepções a eles promovem novos filões de pensamento.

Costuma dizer-se que a verdade é o julgamento em que o objecto corresponde à ideia dele ou quando as teses ou crenças dentro de um sistema se apoiam umas às outras de maneira coerente.

Não chegam as próprias narrativas da realidade é preciso reconhecê-las integradas num texto ou contexto. O contexto aproxima-nos mais da realidade/verdade. Doutro modo poderemos ter muito conhecimento sobre o artigo ou sobre o substantivo sem chegar a descobrir que o mais importante é o verbo em torno do qual podemos ordenar o resto. Na nossa época devido à exuberância do eu, à acentuação do ego, somos tentados a tornarmo-nos só verbo e como tal sem frase, sem comunidade que nos dê prospecção e sentido. De facto, fazemos parte de um todo tendo, por natureza, de nos integrar numa comunidade ou instituição (habitat)  reconhecendo o princípio da complementaridade que nos une e leva a aceitar o condicionalismo de pertencermos a uma comunidade real não ideal que, embora limitada, nos proporciona poder viver à nossa maneira. Para tal pressupõe-se uma atitude de humildade que nos leva a aceitar não se ser o umbigo da criação nem julgar a instituição ou a comunidade como mera projeção dos próprios ideais. Na relação dos membros no seu habitat, religioso, político, familiar ou económico (independentemente de suas carências) há que aceitar viver e integrar-se para, a partir de dentro, o poder desenvolver! Então sentimo-nos parte da frase ou do texto na consciência de que este é constituído por elementos diferentes que lhe possibilitam sentido.  O artigo, o substantivo, a preposição, a conjunção, o verbo, considerados isolados em si mesmos, perdem o seu sentido que é ser elemento vivo da frase ou do texto, seja ele gramatical, social, político ou religioso.

Nesta atitude não sermos levados e perder-nos seja na via do discurso esquerdista ou na via do discurso conservador identitário e se nos descobrirmos num deles reconhecemos que são vias completárias. Nem os ricos nem os pobres, nem os governantes nem os súbditos, nem os religiosos nem os ateus, nem os do Norte nem os do sul global se encontram do lado errado. Errado é o caminho que não nos leva a unir-nos nem a sermos fraternais e solidários! Há portante que reconhecer que somos todos desiguais e que todos os factos podem ter alternativa!

Temos que nos arredar da política da inconformidade e da inimizade para aprender a partilhar o mundo entre todos.

No meio de toda a discussão haverá que compreender por que é que os sentimentos nos motivam a agir, mas para tal também compreender o que está por trás dos sentimentos e qual a razão que nos leva a reagir como reagimos ou a sentirmos como sentimos. Só então estaríamos preparados para elaborar decisões com um fundo racional (mental que ilumina) e um fundo emocional que motiva a agir de modo adequado e equilibrado.

Doutro modo, na controvérsia de acontecimentos e factos alternativos esvai-se a Verdade para ficar a dúvida ao serviço do engano.

António da Cunha Duarte Justo

Teólogo e Pedagogo

Pegadas do Tempo

(1) Sabine Döring (2009), Philosophie der Gefühle

(2) https://www.deutschlandfunk.de/eine-kulturgeschichte-alternativer-fakten-wahrheit-oder-100.html

“CAMINHO SINODAL” ALEMÃO FORA DO CAMINHO?

Os Críticos do Caminho Alemão mobilizaram o Papa

A declaração do Vaticano, de 21 de julho, avisa que a Igreja na Alemanha não pode adoptar novas formas de governo ou mudar a doutrina e a moral, porque isso constituiria uma ameaça à unidade da Igreja.

O Caminho Alemão, lançado em 2019, procura reformas da Igreja Católica no uso do poder, na moral sexual, na posição das mulheres e no celibato obrigatório para os padres, quer a bênção dos casais homossexuais, o diaconado para as mulheres e quer também ter uma palavra a dizer na nomeação dos bispos.

O Papa já tinha dito que na Alemanha já temos uma Igreja Protestante, “não precisamos de duas”. O Vaticano não quer ver reservado um caminho especial para os alemães; estes devem contribuir com as suas próprias ideias. Os alemães estão demasiadamente preocupados com as estruturas e não o suficiente com a proclamação activa da fé. A crise da Igreja é uma crise de fé e não apenas uma crise de credibilidade.

O documento condiciona mudanças só a partir de uma aceitação da igreja universal (Sínodo da sinodalidade): “Não seria admissível introduzir novas estruturas ou doutrinas oficiais nas dioceses antes de ter sido alcançado um acordo a nível da Igreja universal” …. Este parágrafo apesar da sua intenção conciliadora causará bastante discussão atendendo à qualidade da Igreja como Depósito da Fé ((Dei Verbum 7 e não submetida a acordos) e por outro lado corresponde aos artigos 91 e 92 do Catecismo da Igreja Católica (baseada no sacerdócio comum do povo de Deus).

Segue a tradução da Declaração da Santa Sé:

“A fim de salvaguardar a liberdade do Povo de Deus e o exercício do ministério episcopal, parece ser necessário esclarecer: A “Via Sinodal” na Alemanha não tem autoridade para obrigar os bispos e os fiéis a adoptar novas formas de governo e novas orientações de doutrina e moral.

Não seria admissível introduzir novas estruturas ou doutrinas oficiais nas dioceses antes de ter sido alcançado um acordo a nível da Igreja universal, o que constituiria uma violação da comunhão eclesial e uma ameaça à unidade da Igreja. Neste sentido, o Santo Padre recordou na sua carta ao povo peregrino de Deus na Alemanha: “A Igreja universal vive nas e das Igrejas particulares, tal como as Igrejas particulares vivem e florescem na e da Igreja universal; se fossem separadas da Igreja universal, enfraqueceriam, pereceriam e morreriam. Daí a necessidade de manter sempre viva e eficaz a comunhão com todo o corpo da Igreja”[1]. Portanto, espera-se que as propostas do Caminho das Igrejas Particulares na Alemanha fluam para o caminho sinodal a ser seguido pela Igreja universal, para enriquecimento mútuo e um testemunho dessa unidade com que o corpo da Igreja manifesta a sua fidelidade a Cristo Senhor.” Texto original em nota (1)

António da Cunha Duarte Justo

Pegadas do Tempo, https://antonio-justo.eu/?p=7732

(1) Texto original: https://press-vatican-va.translate.goog/content/salastampa/it/bollettino/pubblico/2022/07/21/0550/01133.html?_x_tr_sl=de&_x_tr_tl=es&_x_tr_hl=es&_x_tr_pto=wapp

A respeito do tema:

Caminho sinodal alemão um desfio: https://www.gentedeopiniao.com.br/opiniao/caminho-sinodal-na-alemanha-um-desafio-a-outras-vias-sinodais-energia-nuclear-guerra-fria

As cinco tentações do Caminho sinodal alemão: https://antonio-justo.eu/?p=7135

Matriz política masculina: https://bomdia.be/matriz-politica-masculina-nao-pode-ser-norma-para-a-instituicao-eclesial/

Nem sacerdotes casados nem diaconisas: https://bomdia.eu/nem-sacerdotes-casados-nem-diaconisas/

A ARTE DA SUBORDINAÇÃO

O filósofo Roger Garaudy, no seu livro “Rumo a uma guerra Santa?” diz: “Sócrates já observava que entre os doces de um confeiteiro e os remédios de um médico, não há dúvida quanto à escolha das crianças. Mas os senhores do espectáculo não se contentam em considerar seus espectadores como crianças. Um mestre na manipulação das almas, Adolf Hitler, dizia: “diante de uma plateia, para conseguir adesão, viso o mais estúpido e, nele, o que existe de mais baixo: as glândulas lacrimais ou sexuais… E ganho sempre. À minoria crítica, cuido dela de outra maneira”.

Quando era ainda pequenito e fazia alguma pergunta mais esquisita ou intrincada a minha mãe, por vezes, ela respondia-me: “a curiosidade é filha da ignorância”!  Não contente com a resposta, dirigia-me depois a meu pai na certeza de que ele me confirmaria que a curiosidade é mãe da sabedoria!

Compreendo hoje que o senso crítico era assim já cuidado na medida em que não é suficiente contentar-se com uma só resposta. O importante é perguntar e para não ser embaraçado e para aprofundar o diálogo não será pior responder a uma pergunta com nova pergunta como fazem, muitas vezes, os jesuítas!

Não chega a satisfação do espírito subordinado a uma resposta é importante manter o cérebro vivo da criança curiosa e atenta!

O importante não era a resposta que procurava de minha mãe ou de meu pai mas a caminhada que me levava a eles!

Como pensar mete medo a quem manda torna-se importante aprender a pensar para que seja o pensamento humano a mandar! O pensamento tornar-se-ia no melhor meio de chegarmos todos à compreensão porque o saber não tem limites e muitas coisas permanecem ocultas ao nosso saber!

Se não fosse a alma não haveria perguntas, bastaria o pasto; mas na crítica como na pergunta interessante é procurar descobrir-me a mim mesmo!

António da Cunha Duarte Justo

Pegadas do Tempo

NOSSO TEMPO RETRATADO

De facto, como bem descreve Vila Verde, parece vivermos na armadilha de uma complicação armada:

“Vivemos numa época complicada. Querem que os padres se casem e que os casais se divorciem. Querem que os héteros se juntem sem casar e os homossexuais se casem. Querem que as mulheres se vistam como homens e os homens como as mulheres. Não há vagas para os doentes nos hospitais, mas há incentivos e patrocínio para quem quer fazer mudança de sexo. Ser a favor da religião é ditadura, mas urinar em cima de crucifixos é liberdade de expressão. Se isso não for o Fim dos Tempos, deve ser um ensaio.” Gabriel Vila Verde

Em tempos de crise, é utilizada a complicação que justifica a proliferação de armadilhas e armaduras. Tudo anda distraído, apressado; tudo se perde em si mesmo, tudo vai vivendo dos sons que vêm do andar da mente, sem descobrir a ressonância da caridade para aqueles que vivem mais perto da vida!

António da Cunha Duarte Justo

Pegadas do Tempo