Sofrimento individual e social como Sintoma de má Governação
O Relatório da EIU Índice de Democracia 2023 (1) mostra que menos de 45,5% da população mundial vive numa democracia e apenas 7,8% dela tem uma “democracia plena” que garante não só eleições e separação de poderes, mas também outras liberdades e direitos sociais. 40% da humanidade vive sob um regime autoritário.
As populações dos países europeus e, com elas a democracia, sentem-se inseguras e vêem-se ameaçadas a vários níveis: individual, cultural, económico, tecnológico e ideológico. O nosso sistema político-social, embora fale muito em cidadão, vive da negação de ele mesmo na qualidade de pessoa e da transformação da nossa identidade em mero cidadão segundo modelos externos por ele predeterminados. E deste modo somos erroneamente classificados de acordo com a nossa posição social, inclinação partidária e religiosa.
A nossa personalidade passa a ser determinada por interesses alheios e, assim, contra a originalidade individual própria e contra a singularidade característica de cada ser humano. Sobretudo hoje em dia, a influência da sociedade em nós mesmos adoece-nos porque nos desilude connosco próprios e nos aliena de tal forma que já não vivemos nós próprios, passando a sociedade a viver em nós e isso cria nas pessoas um sentimento de solidão e de abandono.
Somos treinados para nos enquadrarmos em grupos políticos ou sociais e a desistir da nossa identidade pessoal para passarmos a assumir a máscara deles e, com elas, podermos assim negar ou demonizar a identidade dos outros e deste modo, passarmos indiretamente, a negarmos também a própria identidade. Isso cria inquietação em nós, e essa inquietação já social, é um verdadeiro aviso interior: uma dor de alerta para estarmos vigilantes e nos distanciarmos das propagandas. Porém, o fatídico é que nos deixamos guiar por aqueles que nos tornam inseguros e deste modo nos adoecem! A propaganda tende, em geral, a ser uma lavagem de cérebro, e a desviar-nos da possibilidade de nos deixarmos guiar pela nossa intuição. Por isso um método importante para nos defendermos é darmos mais valor a nós próprios através da reflexão que leva ao verdadeiro conhecimento de si próprio. Neste sentido, se pretendermos preservar a nossa integridade pessoal, saúde e paz, torna-se importante um estratégico distanciamento da sociedade política de modo a observá-la como se se tratasse de assistir a um espectáculo de circo.
As campanhas políticas e a imprensa que as apoia, vistas de perto, são o melhor exemplo do método concertado para nos tornar rebanho! Política e socialmente, de uma maneira geral, só somos estimados e percebidos se renunciamos à nossa própria identidade pessoal em benefício de máscaras exteriores, da política, do poder dos outros, de modo a vivermos dentro de um colectivo mas sem comunidade!…
E tudo isto à custa do que é mais importante em nós mesmos: a renuncia à singularidade da pessoa (selbst) que somos e sua inerente dignidade.
Em tempos passados, ameaças semelhantes da realidade política não passavam para a consciência da maioria da população porque apenas a alta classe média tinha acesso à informação e desse modo ficava ilesa das doenças sociais provocadas pela política e seu discurso; agora, através do desenvolvimento das tecnologias, a informação tornou-se mais democrática e através da sua presença nas redes sociais aumenta-se a tensão entre os mediadores e intérpretes da informação e a população em geral, entre os de cima e os de baixo.
Ao tomar-se consciência de como os interesses do poder funcionam e são aplicados, surge uma desconfiança geral não infundada de sermos doutrinados no sentido de o que vale é a agressão/divisão nas sociedades de uns contra os outros e não a colaboração, aquela estratégia que possibilitou o verdadeiro desenvolvimento da humanidade.
Esta atitude de exclusão (que mostra a contradição entre os interesses do povo e das elites) foi particularmente evidente na sociedade alemã e francesa e suas elites depois do governo da Pandemia Covid 19 e do início da guerra na Ucrânia. A partir daí as elites europeias revelaram os verdadeiros interesses que se encontram nas governações mediante a estratégia comum usada de apresentarem não os factos mas a interpretação deles, através dos meios de comunicação, como sendo a interpretação ad hoc a verdadeira realidade (a realidade pós-fática), e assim manterem as populações do seu lado.
O que costumava governar o mundo era o trabalho da economia, agora que tem de ser reduzido a um mundo multipolar dividido, os políticos vêem-se como seus capangas obrigados a unir a população com a concentração de informação. Na Europa, a perda de confiança nos respectivos partidos políticos e no Estado dececiona o arco do poder nos governos e parlamentos. Isto funciona a favor do meio da sociedade, que se vê tornar-se mais independente do arco do poder político que a representa. O geral da sociedade, acompanhado por uma classe média mais consciente, questiona as ações dos governos e assim surge aqui e acolá rebelião entre o povo, o que constitui uma ameaça real para a elite dominante.
A sociedade encontra-se em profunda mudança e o arco do poder sente-se ameaçado por parte dos cidadãos e com ele os meios de comunicação social que que antes viviam de maneira solidária com ele, veem a sua posição de poder também ameaçada e, solidariamente voltam-se hipocritamente contra a base da sociedade. Tudo demasiado tarde porque controlar as tecnologias e fontes de informação não é suficiente, porque o mal vem de cima (política de desconstrução cultural e contra os interesses das populações) e da incapacidade de governar sob diferentes requisitos e condições sociais. Ao fazê-lo, identificam o sistema democrático com os seus próprios interesses de elite como se fossem eles próprios o Estado ou a Democracia em pessoa ao lutarem unicamente contra os sintomas fracos da sociedade que as próprias elites criaram nomeadamente: Chega, AfD, Le Pen, Giorgia Meloni, comunistas, etc., quando estes poderiam ser tomados como indicativo da necessidade da correcção da política ideologicamente globalista e de economia liberalista unilateral seguida até aqui.
A brutalização da linguagem pela elite política e pelo o populismo estão a aumentar os conflitos e a linguagem está a tornar-se um acelerador político da luta entre interesses não conformes. A ascensão dos chamados partidos populistas vindos de baixo tem muito a ver com o populismo vindo de cima, onde a batalha de interesses se torna mais óbvia e os interesses dos grupos étnicos reivindicam uma parte do poder.
A opinião de que a Alemanha tem “uma democracia robusta” só existe porque a elite dominante (a esquerda governante em Berlin) conseguiu afirmar de forma muito esperta e disfarçada os seus próprios interesses em massivas manifestações populares. Como correctivo importante na Alemanha, revela-se uma parte vigilante da população que obriga os governantes a ter em conta os interesses conflituantes que se manifestam na sociedade.
Porém na Alemanha a imprensa e os governantes dão mais interesse e espaço a palavras provocantes de extremistas da direita (AfD), pelo facto de serem concorrentes do arco do poder, do que a brutalidades e assassínios em plena rua praticados por extremistas islâmicos. Além disso, os partidos do governo sabem muito bem que os muçulmanos que têm a nacionalidade alemã votam neles. E já é possível adquiri-la passados três anos de estadia.
Conheça a Alemanha directamente desde 1980 e nunca houve uma Alemanha tão degradada como a actual a ponto de se tornar num atraso para a Europa. Na Europa, os países dependem da UE e, portanto, cada povo tem padrões diferentes,e como os problemas têm de ser resolvidos em harmonia e para tal não se olha a meios (O fim passou a justificar os meios!).
Os Estados que devem a sua grandeza à qualidade da democracia e se encontram na vanguarda das nações deveriam primeiro lutar internamente pela verdadeira democracia, para poderem ser um sinal brilhante para o mundo. Na verdade, se olharmos para a situação da população mundial, temos de compreender que as pessoas mais pobres da nossa democracia são também as que mais têm a perder se a democracia enfraquecer, mas a política e a economia manifestam-se mais interessadas na afirmação do poder do que da democracia.
Nos EUA e na UE, a qualidade da democracia está a diminuir fortemente e a atmosfera política de guerra, baseada na palavra-chave “tornar-se eficiente para a guerra”, espalha a convicção na sociedade de que vale a pena a agressão em vez do diálogo e do compromisso. É assim que os conflitos sociais e as agressões são refinados mesmo na Europa. Cada um alimenta os outros de acordo com seus interesses. Até à guerra da Ucrânia, o crescimento económico era o combustível que unia o espírito dos europeus. Os interesses geoestratégicos exagerados do capitalismo liberal provocaram os interesses dos sistemas económicos autocráticos e, na consequência, os interesses económicos entre polos geopolíticos provocaram a guerra.
Depois da forma ocidental de governo, a democracia, reivindicada como particularmente estratégica através da influência económica e política, os estados autocráticos defendem-se organizando-se sob o domínio da sua ideologia. Para se defenderem adequadamente, organizam-se na aliança económica (BRICS) baseada no modelo da ordem mundial americana e com o tempo militarmente no modelo da OTAN.
Como resultado, um mundo que antes era controlado pelo poder dos mais fortes do mundo (EUA) criará uma nova realidade geopolítica mais baseada no princípio da cooperação entre os mais fracos, uma espécie de democratização do poder económico a nível mundial.
Os valores democráticos estão vinculados a todas as pessoas e, portanto, são imortais. Nesse sentido, a formação de bolhas do poder e de filtros da informação devem ser evitados. Isto pressupõe que surjam iniciativas de caracter humano, desde a economia à política e às expressões sociais. As pessoas serão cada vez mais capazes de colocar o pé na porta da política, da economia e das ideologias.
Um factor confortável e beneficiador da uma democracia mais democrática são as novas tecnologias virtuais (também as redes sociais, tão combatidas pelo poder estabelecido consciente de que possuir o monopólio da informação é garantir o poder e ter o povo na mão). A bandeira das principais instituições e grupos de interesse será cada vez mais moldada pelo povo. A democracia é complexa, mas não tem alternativa e continua sempre a ser um processo individual e social muito dependente da política de informação dado a informação ser a base da formação da consciência social. Este é um ponto nevrálgico que exige especial vigilância do cidadão.
Os slogans “aberto à diversidade – fechado à exclusão” perdem toda a base democrática se forem aplicados à custa da cultura maioritária e forem dirigidos contra ela no sentido de servirem só interesses económicos contra o bem-comum das populações. A vigilância em relação ao poder político e à defesa da democracia deve partir de baixo, primeiramente da sociedade civil. As elites parecem querer ignorar que o povo não é tão ignorante como parece e com o tempo pedir-lhes-á contas.
Cada vez precisamos de mais sinos na sociedade como sinal de alerta e estímulo para a conscientização humana a nível individual e comunitário, em regime de democracia, coisa que não é tão evidente como parece. Todos nós, seja na Europa, na América, na China ou na Rússia, estamos desafiados a escolher entre o Diabo e Deus, tendo ao mesmo tempo de assumir que Deus e o Diabo estão presentes em todo o lado e até em nós, embora, muitas vezes, de maneira muito discreta. Trata-se de descobrir e promover o gene divino que se encontra em cada pessoa e de o fazer valer como ele se expressa de nascença em cada pessoa. Papel do “Diabo ou Demónio” (“entidade intrigante”) é colocar uns contra os outros para poder ter poder sobre eles. Somente juntos criaremos uma cultura de paz onde não haverá mais lugar para se colocar uns contra os outros. Para todos Precisamos todos de oportunidades iguais, liberdade de expressão, liberdade de reunião, sendo o preço o amor ao próximo. O mundo e a comunidade somos todos nós.
António da Cunha Duarte Justo
Pegadas do Tempo
(1) Relatório da EIU Índice de Democracia 2023. O relatório do Índice de Democracia da EIU analisa a relação entre democracia, guerra e paz e analisa os impulsionadores geopolíticos do conflito. Também fornece uma explicação das mudanças nas classificações globais e uma visão geral regional aprofundada: https://www-eiu-com.translate.goog/n/campaigns/democracy-index-2023/?_x_tr_sl=en&_x_tr_tl=pt&_x_tr_hl=pt-PT&_x_tr_pto=sc
Excelente texto com um tema preocupante!
E só não sente, quem ainda persiste na defesa dos partidos do sistema, como se fossem clubes de futebol e quem também se deixa embalar pelos “mantras” de Abril!
Muito obrigada pela sempre tão oportuna partilha e reflexão!
Manuela Silva , as pessoass registam um sentimento vago que as chamaria a prescrutar o que se encontra por trás desses sentimento, mas a propaganda e a influência do sistem e seus aliados sobre a mente é tal que as pessoas se deixam levar pelo que registam na mente agindo contra o próprio sentimento. Deste modo reina a insegurança e a aambiguidade e este é o melhor meio que têm elites anónimas para lse imporem; Seguir as pegadas da política pós-guerra da Europa e mais concretamente a da União Europeia é apostar num projecto moribundo. Quem passou a determinar os destinos da Europa, não é a democracia; foram os tecnocratas aliados a oligarcas globaais. Organizações não democráticas como a ONU, organizações mundiais bancárias, NATO, EU, etc são quem determina os destinos do andar do mundo e o que é mais grave com a aparência de democracia. Um engano pegado e disfarçado que não encontra em pessoas da elite quem mostre o abuso… Não devemos desanimar no meio de tudo isto porque embora os sistemas reinantes ao longo da História oprimam o povo especialmente aquele que se expressa de maneira crítica, facto é que os desejos do povo permanecem e embora lentos e dolorosos, tornam-se realidade com o tempo. O nosso sofrimento de hoje é semente de ressureição para os de amanhã.
António Cunha Duarte Justo Muito triste que tenham conseguido “emburrecer” o povo!
A narrativa do medo, aliada à culpabilização por tudo o que de mau acontece, tem servido para que essas elites mascaradas de filantropia, avancem nesse agenda maquiavélica de controlo!
Gostava de sentir que o sofrimento e luta de alguns, possa vir a dar fruto e esperança no futuro.
Bem-haja quem ainda resiste e tem a lucidez de dizer Não.
Vou voltar a ler .Obrigada.Bj