PARALELO ENTRE A POSIÇÃO DE GUTERRES SOBRE O CONFLITO ISRAEL/PALESTINA E A POSIÇÃO DO PAPA SOBRE O CONFLITO UCRÂNIA/RÚSSIA

Palestina e Ucrânia Palcos de Interesses de fora

Quando se defrontam os interesses de potências globais, a discussão pública geralmente é polarizada e descontextualizada com intenção de influenciar os públicos. Neste sentido o polo dos não alinhados é diabolizado e o próprio é branqueado. A verdade dos factos é complexa pelo que deveria ser contextualizada, doutro modo a informação passa a viver do pós-verdade. Situação e solução são complicadas e não poupam ninguém.

O discurso de Guterres relativamente a Gaza em que disse: “É importante também reconhecer que os ataques do Hamas não aconteceram no vácuo. O povo palestino foi submetido a 56 anos de ocupação sufocante… (1)”, faz lembrar a afirmação do Papa Francisco quando se falava da possibilidade de ele ir a Kiev;  então o Pontífice tomou posição no Corriere della Sera (03.05.2022) dizendo: “Penso que antes de ir a Kiev, tenho de ir a Moscovo”. Referiu que o possível encontro (com Putin) não serviria exactamente para condenar Putin, porque o verdadeiro “escândalo” da guerra de Putin era “o ladrar da NATO às portas da Rússia”, fazendo com que o Kremlin “reagisse erradamente e desencadeasse o conflito” (2). https://antonio-justo.eu/?p=7410

Veja-se em nota o texto completo de António Guterres para se poder fazer um julgamento menos cópia das interpretações do mainstream.

António CD Justo

Pegadas do Tempo

(1) DECLARAÇÃO DE ANTÓNIO GUTERRES NA ONU, 24.10.2023:

«A situação no Oriente Médio está a ficar mais terrível a cada hora.

A guerra em Gaza está a assolar-se e corre o risco de espiral em toda a região.

Divisões são sociedades fragmentadas. Tensões ameaçam ferver.

Num momento crucial como este, é vital que fique claro sobre os princípios — a começar pelo princípio fundamental de respeitar e proteger os civis.

Condenei inequivocamente os horrorosos e sem precedentes actos de terror do Hamas em Israel de 7 de Outubro.

Nada pode justificar o assassinato deliberado, ferimentos e sequestros de civis – ou o lançamento de foguetes contra alvos civis.

Todos os reféns devem ser tratados humanamente e libertados imediatamente e sem condições. Noto respeitosamente a presença entre nós de membros das suas famílias.

É importante também reconhecer que os ataques do Hamas não aconteceram no vácuo.

O povo palestino foi submetido a 56 anos de ocupação sufocante.

Eles viram as suas terras constantemente devoradas por colonatos e atormentadas pela violência; a sua economia sufocada; o seu povo deslocado e as suas casas demolidas. As suas esperanças de uma solução política para a sua situação têm desaparecido.

Mas as queixas do povo palestiniano não podem justificar os terríveis ataques do Hamas. E esses ataques terríveis não podem justificar o castigo colectivo do povo palestiniano.

Até a guerra tem regras.

Temos de exigir que todas as partes cumpram e respeitem as suas obrigações ao abrigo do direito humanitário internacional; tenham cuidado constante na condução de operações militares para poupar civis; e respeitem e protejam os hospitais e respeitem a inviolabilidade das instalações da ONU que hoje abrigam mais de 600.000 palestinianos.

O bombardeamento implacável de Gaza pelas forças israelitas, o nível de vítimas civis e a destruição por grosso de bairros continuam a aumentar e são profundamente alarmantes.

Choro e honro as dezenas de colegas da ONU que trabalharam para a UNRWA — infelizmente, pelo menos 35 e a contar — mortos no bombardeamento de Gaza nas últimas duas semanas.

Devo às suas famílias a minha condenação destes e muitos outros assassinatos semelhantes.

A proteção de civis é primordial em qualquer conflito armado.

Proteger civis nunca significa usá-los como escudos humanos.

Proteger civis não significa ordenar que mais de um milhão de pessoas evacuem para o sul, onde não há abrigo, nem comida, nem água, nem remédios e nem combustível, e depois continuar a bombardear o próprio sul. Estou profundamente preocupado com as claras violações do direito humanitário internacional a que estamos a assistir em Gaza.

Deixe-me ser claro: nenhuma parte num conflito armado está acima do direito humanitário internacional. Felizmente, alguma ajuda humanitária está finalmente a entrar em Gaza.

Mas é uma gota de ajuda num oceano de necessidade. Além disso, os nossos abastecimentos de combustível da ONU em Gaza esgotarão numa questão de dias. Isso seria outro desastre.

Sem combustível, a ajuda não pode ser entregue, os hospitais não terão energia, e a água potável não pode ser purificada ou mesmo bombeada.

O povo de Gaza precisa de uma prestação contínua de ajuda a um nível que corresponda às enormes necessidades. Essa ajuda deve ser prestada sem restrições.

Saúdo os nossos colegas da ONU e parceiros humanitários em Gaza a trabalhar em condições perigosas e a arriscar as suas vidas para prestar ajuda àqueles que precisam. Eles são uma inspiração.

Para aliviar o sofrimento épico, tornar a entrega da ajuda mais fácil e mais segura e facilitar a libertação de reféns, reitero o meu apelo a um cessar-fogo humanitário imediato.

Mesmo neste momento de perigo grave e imediato, não podemos perder de vista a única base realista para uma verdadeira paz e estabilidade: uma solução de dois Estados.

Os Israelitas devem ver as suas necessidades legítimas de segurança materializadas, e os Palestinianos devem ver as suas aspirações legítimas para um Estado independente realizadas, em consonância com as resoluções das Nações Unidas, o direito internacional e os acordos anteriores. Finalmente, temos de ser claros quanto ao princípio da defesa da dignidade humana.

Polarização e desumanização estão sendo alimentadas por um tsunami de desinformação.

Temos de enfrentar as forças do anti-semitismo, fanatismo anti-muçulmano e todas as formas de ódio. Hoje é o Dia das Nações Unidas, completando 78 anos desde que a Carta da ONU entrou em vigor.

Essa Carta reflecte o nosso compromisso comum de promover a paz, o desenvolvimento sustentável e os direitos humanos.

Neste Dia da ONU, nesta hora crítica, apelo a todos para que se retirem da beira antes que a violência ceife ainda mais vidas e se espalhe ainda mais.

Muito obrigado»

(Tradução publicada por Alexandra Lucas Coelho no Facebook. Texto em inglês AQUI.

(2) https://antonio-justo.eu/?p=7410

 

 

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Publicado por

António da Cunha Duarte Justo

Actividades jornalísticas em foque: análise social, ética, política e religiosa

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