“Do profundo do nosso Coração” – Igreja contra ela mesma?
António Justo
Com a publicação de um livro de 144 páginas e com o título “Do profundo do nosso Coração” (“Des profondeurs de nos cœurs”) em defesa do celibato, ultraconservadores do Vaticano tentam manipular em seu favor escritos do emérito papa Bento XVI. O Cardeal Robert Sarah, Prefeito da Congregação para o Culto Divino, advoga a coautoria do livro dele e de Bento XVI.
O livro coloca o Papa Francisco em situação difícil. De facto, Francisco estava a preparar uma Exortação sobre o Sínodo da Amazónia onde deveria tomar posição, em breve, sobre o celibato e provável abertura do clero para mulheres a nível regional.
O livro declara-se expressamente contra posições do Sínodo para a Amazónia, onde se previa o sacerdócio para pessoas casadas. Concretamente, questiona a resolução 72 aprovada pelos padres sinodais do sínodo da Amazónia. De facto, o sínodo da Amazónia não acabou com o celibato, mas abriu uma brecha para familiarizar a ideia e com o tempo concretizá-la.
Segundo o livro, o sacerdócio celibatário pretende libertar o sacerdote do ciclo matrimonial e da sujeição aos bens terrenos (posse) para não estar sujeito ao “fluxo do tempo”.
É altamente questionável que Bento XVI tenha querido uma autoria comparticipada. Colaboradores de Bento XVI dizem que “Bento está completamente alheio a esta operação e mediática evidente”. Também vários jornalistas do Vaticano de renome negam o envolvimento do ex-pontífice na publicação do livro e dizem que Bento “não tinha visto ou aprovado a primeira página ou o facto de ter sido publicado um livro a quatro mãos “. Trata-se mais de uma “operação mediática” com “manipulações mediáticas” em curso, das quais Bento se dissociou (1). O cardeal Sahra apresentou como prova da cooperação três cartas com o cabeçalho e a assinatura de Bento XVI. Mas não há neles qualquer menção de cooperação num livro.
Uma pessoa íntegra como Bento XVI nunca poderia tomar tal atitude que constituiria um perigo para a unidade da Igreja. De facto, nestas questões quem teria uma palavra a dizer, ao lado do Papa seria o Colégio dos Cardeais” a quem competiria interferir.
Tudo leva a indicar que não há “transparência” entre o que os textos que Ratzinger terá escrito e o que aparece agora em livro conjunto. Certamente em breve sairá uma comunicação de Bento XVI a pôr cobro às especulações.
É bastante evidente que os ultraconservadores procuram minar a autoridade do Papa Francisco. Para isso revelam uma boa estratégia, conscientes de que hoje o que mais determina a opinião pública são as manchetes dos jornais e agendas de grupos com influência nos Media. Uma vez colocada em movimento a massa dos sentimentos já não haverá oportunidade para mais reflexões e diferenciações.
Porém a realidade que subsiste é que quem está com o Papa está com a Igreja!
António da Cunha Duarte Justo
Teólogo
In Pegadas do Tempo
- (1) https://www.katholisch.de/artikel/24197-ist-benedikt-xvi-wirklich-der-co-autor-des-zoelibat-buchs
É bom que haja quem se oponha ao Papa. Estou a gostar especialmente do cardeal Robert Sarah. Que não dizendo directamente, vai mostrando o seu desagrado.
Ana Soares
FB
Em tempos de mudança e de crise há sempre problemas de um lado e do outro! Importante é que se entendam e respeitem uns aos outros no serviço do bem!
Só não percebo o porquê de questionarem a autoria. O cardeal é o seu braço direito e um possível concorrente ao título de Papa. É bom que haja alguém com bom senso e que consiga divergir dentro da educação e legalidade. O Papa Bento XVI estaria a fazer um óptimo trabalho se estivesse à frente da igreja católica actualmente.
Ana Soares
Sim, Bento XVI foi um dos mais brilhantes pensadores europeus dos últimos tempos e foi um Papa virado para a ciência e para a teologia; o papa actual é mais pastoral. A controvérsia da publicação do livro sob os dois nomes é real e pelo que dizem vários entendidos e do grupo que acompanha directamente Bento XVI a publicação do livro não foi acordada nem teve o apoio do papa emérito!
Caro António Justo.
Concordo inteiramente com o teu excelente artigo. Coincide, aliás, com as informações hoje prestadas pela jornalista Aura Miguel, sempre bem informada sobre questões do Vaticano.
Nunca me passaria pela cabeça que Bento XVI se envolvesse intencionalmente na publicação do livro polémico para armadilhar o caminho do Papa Francisco e minar a sua credibilidade complicando-lhe o percurso e oportunidade de decisão sobre a questão do celibato restrito à região da Amazónia. Noutras regiões do globo há sacerdotes católicos casados e sem qualquer polémica.
A sua seriedade, honestidade, rigor, profundidade de estudo e reflexão, história pessoal, sentido de reserva e debilidade física em que se encontra afastam claramente (para mim) qualquer quebra de solidariedade de Bento XVI para com Francisco.
Algo de difícil de compreender perpassa pelo espírito do Cardeal Guineense.
Seja qual for a decisão de Francisco, compreendê-la-ei.
Concluo também: estou com o Papa porque estou com a Igreja.
Grande abraço.
J. Santos
Obrigada por este esclarecimento! Tudo de bom para ti mano querido beijinhos
Céu Justo
Já vieram a público o desconhecimento e a não autorização do Papa Bento. Contudo, há imensas pressões progressistas para a mudança de paradigma e para a aceitação do casamento no sacerdócio, sob pena de não haver sacerdotes. Penso que também será uma medida necessária para erradicar a pedofilia e aumentar a verdade e a transparência. Muitos de nós conhecemos filhos de padres e socialmente acaba por ser já aceite. Por que razão temos de continuar a desumanizar os sacerdotes e a priva-Los dos seus direitos à família e à parentalidade!? São questões sérias que a Igreja e a comunidade cristã têm de ajuizar.
Margarida Rocha
FB
O Cardeal Sarah já confirmou que em futuras edições o papa emérito não aparecerá como co-autor mas sim “com a contribuição de Bento XVI” e que o livro permanecerá com os mesmos textos.