EUTANÁSIA: TODO O SUICÍDIO É UMA ACUSAÇÃO À SOCIEDADE

Um direito contra a vida é antinatural e anticultural

Por António Justo

Como poderá o parlamento lidar tão ligeiramente com o assunto da morte, tenha ela o nome de aborto ou de eutanásia, atendendo ao facto de a legislação constitucional prescrever: “A vida humana é inviolável”.  Sem a inviolabilidade da vida humana tudo o resto se torna comerciável!

 

O assunto é demasiadamente complexo e os deputados, em geral, não têm tempo para estudar o assunto com profundidade! Deixem-se de activismos precipitados e deixem passar mais água no Tejo se pretendem tratar seriamente do assunto e um tratamento sério só poderá ser no sentido de não legalizar a possibilidade de matar nem obrigar médicos a ser instrumentos de um rito contra a humanidade e contra a civilização ocidental.

A legislação sobre a eutanásia não foi anunciada nem fundamentada por nenhum programa eleitoral dos partidos; isto revela desonestidade parlamentar e partidária ao ser colocada extemporaneamente na ordem do dia; os partidos sabiam que, se colocassem a deliberação da eutanásia nos programas para as eleições, seriam castigados pelo eleitorado. O oportunismo não pode ser bom conselheiro numa discussão que deveria ser séria. A lei quer tornar obectivo o sofrimento que leva à decisão quando este é subjectivo. O que a medicina pode é irradiar a dor e esta pode atingir-se sem o subterfúgio do recurso a matar (eutanásia).

Todo o suicídio é uma acusação à sociedade e um contributo para o seu empobrecimento! Aspectos argumentativos em “Eutanásia entre Ideologia, Consciência e Ética” e comentários.

Não se trata aqui de fomentar dogmatismos sejam eles de caracter de opinião individual grupal ou institucional; a vida e a morte correm em todas as forças da sociedade.  Seria uma boa ocasião para se criar uma cultura do diálogo; na argumentação pode seguir-se várias lógicas: a lógica do sentimento, a lógica dos factos ou a lógica da razão. Segundo o evangelho o melhor julgamento será o baseado “nas obras”, nos factos e o seu ingrediente motor adequado é o amor. Como pode a lógica do sentimento destruir, sem mais, a lógica da natureza, a lógica racional? Como pode um Estado permitir-se abolir a lei do não matar? Legitimar a morte por razões pessoais para fugir a um sofrimento implica consigo legitimar a morte de alguém que causa sofrimento aos outros.

 

Os responsáveis políticos parecem estar mais interessados no foguetório emocional que deve substituir o lugar da argumentação e a defesa do “não matar”. Deste modo o governo ganha tempo e promete-se com a eutanásia poupar dinheiro com os doentes terminais. Embora em Portugal os cuidados paliativos não cubram sequer 50% das necessidades; o governo procura assim arrumar mais depressa com muitos deles. Para se dar resposta aos “cuidados paliativos” e possibilitar uma morte digna aos pacientes terminais, o Estado teria de investir muito mais dinheiro neles. Embora o suicídio se torne mais barato, o Estado e a sociedade tornam-se eticamente mais pobres e mais desumanos; é um gesto de afirmação de uma sociedade em estado de tanatofilia e como tal um grande passo no processo da entropia civilizacional. (Além dos cuidados paliativos há a possibilidade da interrupção dos aparelhos artificialmente prolongadores de vida. Neste caso o paciente deveria ter deixado uma declaração de se renunciar a tais meios!).

 

Na discussão não chega a palavra mágica “despenalização” como fundamento de uma lei irreflectida. Na realidade não se trata de penalizar ou culpar ninguém mas cuidar pelo respeito pela vida e precaver-se contra o negócio em torno da morte e evitar uma legitimação superficial do Estado poder, um dia, vir a intervir, em nome da lei, tal como aconteceu no nacional-socialismo alemão.

Como premissa deve estar sempre a defesa da vida, da dignidade humana e da consciência individual contra o poder organizado e o mero instinto da rebanhada!

A discussão não é tão inocente como parece devido em torno da eutanásia  se moverem muitos interesses emocionais, económicos e ideológicos…

O Estado e os seus grupos de interesses, em nome da defesa do indivíduo, quer abdicar da defesa da inviolabilidade da vida humana para esmiolarem a pessoa e o indivíduo daquilo que lhe seria próprio e inalienável para, pouco a pouco, o colonizar e colectivizar; secularizam e materializam aquilo que a pessoa tem de mais sagrado e íntimo que é a vida (consciência colectiva contra a consciência individual) sobre o pretexto de direito individual: um direito é dado por alguém que ao dá-lo melhor poderá subjugar o seu objecto de direito e transformá-lo em manada; procede-se assim a uma expropriação de tudo aquilo que é constitutivo da pessoa, roubando-lhe até a privacidade de modo a um dia poder torna-la só coisa. A dignidade inalienável da pessoa e a inviolabilidade da vida passam a pertencer ao foro comum que mais que por humanidade se orienta por interesses. O totalitarismo de Estado, religioso ou ideológico não ajuda o desenvolvimento, não está empenhado na formação de consciências independentes e libertas, prefere adeptos seja de um direito torto ou de uma doutrina sem vida. No cristianismo (catolicismo) a inviolabillidade da vida é tabu, mas, no foro da consciência individual a pessoa é soberana e responsável mesmo no caso de ser errónea; como tal, é quem manda, muito embora numa comunidade afirmadora da cultura da vida e não da cultura da morte.

Muitos estão interessados apenas em respostas simples de sim ou não numa mentalidade redutora do “ou… ou…”  Os Media, o Estado, grupos ideológicos religiosos e políticos procuram apoderar-se da consciência individual estando mais interessados em criar seguidores do que em levar as pessoas a raciocinar ou a pensar por elas próprias.

Muitas pessoas não se dão conta que o que está muitas vezes em vista nestas discussões superficialmente públicas não é a decisão consciente da pessoa, mas a ideologização delas. As ideologias e as elites não estão interessadas em fomentar a reflexão individual e a decisão individual porque o que querem é adeptos e pessoas dependentes; pessoas reflectidas e sabidas são mais difíceis de governar porque precisam de argumentos para se convencerem não se deixando mover apenas pela lógica emocional.

O tema é demasiadamente complexo e tem imensas implicações a nível de filosofias de vida, de interesses grupais, institucionais ou estatais para poder ser consensual e para se poder reduzir aos termos de um sim ou de um não, pelo menos ao nível de uma opinião que se queira afirmar o mais objectivamente possível. A decisão individual subjectiva de se poder matar ou não deve ser respeitada, sem ter necessariamente de se tornar doutrina a seguir secular ou religiosamente, desde que se aposte na formação de uma cidadania adulta.

O argumento da fuga à dor tem peso, mas não satisfaz sequer a prova dos nove porque a dor faz parte da vida e torna-se difícil discernir do momento em que o sofrimento seria suficiente para negar o valor da vida!

Também há uma pequena diferença entre o permitir que uma pessoa morra (na Alemanha isso é possível sem eutanásia com a interrupção da assistência de aparelhos) e encontrar quem esteja disposto a matar. Imagine-se que a sociedade se torna humanamente mais sensível no futuro e todos os médicos se negam a matar? Ou será que se terá de recorrer à profissão dos carrascos como se dá em países do bárbaro uso da pena de morte?

António da Cunha Duarte Justo

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António da Cunha Duarte Justo

Actividades jornalísticas em foque: análise social, ética, política e religiosa

57 comentários em “EUTANÁSIA: TODO O SUICÍDIO É UMA ACUSAÇÃO À SOCIEDADE”

  1. A senhora é médica, mas parece-me um pouco precipitada, doutro modo teria lido o texto completo e não falaria tão indiferenciadamente, podendo pegar em afirmações e contestá-las argumentando.
    Como pessoa formada que a senhora é tenho a impressão que lhe fica mal o dogmatismo, embora tenha todo o direito à sua opinião. O que não significa que a sabedoria de uma pessoa só chegue até onde começa a ignorância de um presumível contrário. É sempre problemático que uma pessoa reserve toda a sabedoria para si e para ter razão considere os outros ignorantes.
    Querer arrogar-se o direito a ter a soberania da interpretação é coisa que fica mal em pessoas formadas, por muito que a opinião dos outros ou o pensar faça doer! Quando faltam os argumentos é fácil declarar os outros com ignorantes. E aliás no que a senhora apresentou não vi nenhum argumento contra as teses que apresentei. O que vi foi apenas uma confissão e uma opinião meramente individual e como tal respeitável.
    Como resposta ad hominen digo: naturalmente que é conhecedora que em países como a Alemanha há organizações de médicos e o mesmo se diga noutros países, que não aceitam a eutanásia, apesar dos eufemismos principiais que a possam envolver, e se negam a tornar-se em executores da morte. Sentem-se como promotores da vida e não da morte.
    Sei que o assunto é muito complexo e que é muito importante respeitar a liberdade individual, mas ele envolve muitos campos entre eles também éticos, que não se podem reduzir a um serviço, seja ele embora muito caritativo…
    O juramento de Hipócrates é comum a todos os médicos e faz apologia da vida.
    Muitas vezes médicos e familiares não aguentam o sofrimento da compaixão e agem demasiado depressa.
    A senhora tem certamente um bom coração e quer ajudar, mas terá de reconhecer que há diferentes campos em que a ajuda é necessária e a pessoa humana não se reduz ao doente.
    O serviço de um médico, tal como o de um padre ou de quem sira o público deve ser muito cauteloso para não destruir a confiança que é necessária para se encontrar com as pessoas a um nível profundo e no seu agir não ser levado por ideologias que vão passando com o tempo.

  2. A “ignorância mata”? A ignorância não só mata, mas alimenta muita gente porque o pensar faz doer! Não encontrei em muitos nenhum argumento contra as teses e opiniões que apresentei. Apenas verifico, ao lado de alguma consideração, “testemunhos de fé” e, pessoas entronizadas no mirante da sua absoluta ciência e opinião, a declarar outros de ignorantes! Onde o saber é carente o preconceito ajuda. Só é pena que a ignorância dos outros não chegue nem seja prova da própria falta de saber! Também observei a confusão de um assunto que mais que da religião faz parte da ética, da filosofia aplicada! “Cada cabeça sua sentença” e muito bem mas cuidado ao querer-se sentenciar alguém! O respeito pela liberdade e pela opinião de cada um, são pressupostos que impedirão qualquer dogmatismo ou absolutização de uma opinião.

  3. Espero que este homem não se encontre numa situação de doença fatal e sofrimento indizível, mas se isso acontecer, espero que ninguém o ajude a libertar-se para que tenha tempo mais do que suficiente para se lembrar da sua oca prosa e ignorante insensibilidade!!!!
    Isabel Lameiras
    FB

  4. Toda a pessoa tem a liberdade que tem e ninguém está legitimado a negar-lhe a vontade de se matar seja também num momento de depressão ou num momento de desespero. A liberdade e o direito não são porém o último critério da vida.
    Já sofri muito ao assistir a pessoas a morrer : A última a que assisti foi-lhe tirada a aparelhagem que estava só a prolongar-lhe a vida (Ele tinha deixado uma declaração assinada que não queria que usassem medicação para prolongamento de uma “vida vegetativa”). Essa pessoa não teve dores porque bem assistida com narcóticos que no caso funcionaram muito bem.
    Isto é muito diferente de alguém extranho oficialmente lhe provocar a morte com um medicamento mortal. Acho graça a senhora reduzir a problemática em questão ao sentimento. Procure seguir também argumentos para não cair só na ratoeira do sentimento. O assunto é muito complexo e não pode ser resolvido só com uma via de consideração ou outra.
    Por trás das diferentes posições encontram-se mundivisões de caracter materialista e outras de caracter espiritualista. Que um se oriente por uma mundivisão ou outra, está na sua liberdade de opção. O meu interesse é que as pessoas se confrontem com as diferentes filosofias de vida para, depois de análise reflectida decidir o que muito bem lhe entender e não se deixar levar pela onda cada vez mais em via de “Maria vai com as outras” bastando-lhe para a escolha a satisfação da companhia que dispensa a reflexão própria sobre o assunto (quer no aspecto da afirmação quer no da negação!).

    No caso de alguém optar pela eutanásia respeito a liberdade e a decisão individual mas não estou de acordo que o Estado assuma a visão materialista da vida como doutrina e como normalidade. Estou consciente do problema em termos sociais. Uma pessoa com posses pode pagar a quem o mate impedindo a dor e uma pessoa pobre não se pode dar a esse capricho. A eutanásia nas mãos do Estado traz a vantagem económica para os pobres que optem por ser mortos, na medida em que os custos serão assumidos pela Caixa.

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