As Multinacionais do Capital – O novo Cavalo de Tróia


Nações Reféns do Sistema Polvo dos Dinossauros das Finanças

António Justo

O cavalo troiano, enquanto os cidadãos dormem, vai-se inserido dentro das muralhas das nações. Os mercenários ganham terreno de dia para dia. Protege-os a lei da guerra: a lei do mais forte. Em consequência da crise, os estados estão a efectuar a privatização da sua prata da casa que é comprada por multinacionais a caminho do monopólio. Em vez de se tentar democratizar a economia assistimos ao processo inverso de alienação do poder nos dinossauros (Dinos) da economia.

Por outro lado deparamos diariamente nos Media com uma realidade encenada, em que a opinião publicada aponta para um alvo mas a Realidade acontece em outros lugares. Os “dinos” globais querem um mundo unipolar (americano) pelo que apostam todas as suas cartadas no impedimento do surgir de contrapolos.

De momento todo o mundo se preocupa com o Euro quando se deveria preocupar com o Dólar. Uma tempestade num copo de água, pelo facto de a EU ser forte embora enfraquecida pela praga dos especuladores mundiais e de egoísmos nacionais.

Uma das razões da intervenção dos USA no Iraque terá sido o facto de Sadam Hussain ter tornado pública a ideia de assumir o Euro como moeda mundial de referência em substituição do petrodólar.

Actualmente, a União Europeia (EU) tem um défice orçamentário de 4% e os USA de 10%. A quota de desemprego em 2011 na EU é de 7,5%, a dos USA é de 9%. A dívida pública da EU é de 88% do PIB e a dos USA é de 100% do PIB. Os USA encontram-se mais endividados que Portugal.

Americanização da Europa e do Mundo

Não é de admirar que os USA façam tudo por tudo por impedir que o Euro se torne forte e concorra como Dólar na qualidade de moeda mundial de reserva. Isso revelar-se-ia catastrófico para os USA. Também por isso o horrendo capital mundial, nas mãos de poucos, usa as agências de rating como lança avançada para defesa dos seus interesses económicos, equacionados nos dos USA. As agências de rating tornaram-se num órgão de controlo económico-político-social para defesa das multinacionais do capital e num instrumento contra a emancipação que surge da base. Têm a vantagem de possuírem conhecimento interno de que podem abusar. (Curioso é o facto dos países da EU terem uma cláusula legal pela qual aceitam as análises das agências rating como critério de avaliação do estado das economias). Também o modelo duma Europa forte, apesar da sua componente social, não convinha; daí tornar-se óbvia a guerra internacional contra o Euro. Uma Europa forte e social poderia tornar-se num “mau exemplo” de justiça social, para outros continentes, o que perturbaria a oligarquia do dinheiro, para quem ideias sociais e humanistas constituem um estorvo num processo de americanização do mundo.

 Na Europa é cada vez mais evidente a guerra das multinacionais financeiras contra o trabalhador, contra a democracia e contra os Estados. Quer-se a socialização da pobreza a todo o custo e a globalização da miséria. Os vencimentos dos cargos de cimeira (sector Bancos, Energia e multinacionais) dos países pobres foram propriamente igualados aos dos países ricos (medida fomentadora do espírito mercenário e de traidores dos interesses regionais) e ao mesmo tempo assiste-se, na base da pirâmide social, a um processo de igualização dos ordenados pelos dos países mais pobres. Já se chega ao extremo de se encontrarem pessoas a trabalhar na gastronomia ganhando 5 Euros à hora na Alemanha e 3 euros em Portugal. Querem o lucro à custa da honra e da miséria. O colonialismo e a exploração passaram a não ter rosto, tornaram-se anónimos e por isso irresponsabilizáveis.

A globalização está-se a revelar como destruidora de Estados e contra os progressos adquiridos na Europa. Assistimos, laboral, cultural, democrática e socialmente, a um retrocesso. O ensino também é proletarizado nas escolas e nas universidades especializa-se de modo a um técnico ser dependente da máquina que serve. (Pensar faz doer e quem pensa tem poder, daí limitar o saber…). Os estados controlam cada vez mais descaradamente o cidadão, com uma administração centralista, em nome dum terrorismo latente. O próprio parlamento europeu encontra-se marginalizado pelo activismo dos chefes de governo puxados pela trela das dívidas e dos juros usurários do imperialismo do capital e pelos seus boys nas instituições de poder mundial. Os Bancos e as Bolsas com as suas agências de rating passaram a fiscalizar os Estados, invertendo-se assim os termos. Os mercados financeiros, não são regulados, os seus donos consideram o mundo como um casino, onde o seu lucro se adquire à custa do azar dos outros. Estamos numa situação em que o capital anónimo se tornou num polvo monstro que suga o espírito e o corpo das nações. Só se criam instrumentos de controlo em favor do capital como a troika, faltam projectos de fomento de crescimento. As medidas, a nível económico, em curso apenas dão continuidade, por outras vias, às antigas guerras europeias entre o centro e a periferia. Onde a inteligência não chega domina a esperteza.

Com a queda do muro de Berlim e das ditaduras de Leste a política ajoelhou. Não foi capaz de se organizar e antecipar aos “dinos” das finanças que se tornaram numa supra-estrutura global com mais poder que as políticas nacionais. Eles escondem-se à sombra de organizações como o Banco Mundial, FMI, OMC, etc.

Os juros usurários são uma forma de violência estrutural sustentada. A OMC (com 147 Estados) pretende a liberalização total e assim legitimar o poder dos mais fortes. Estes são formados pelo escol encoberto das nações. Criam a liberdade para o capital e cercas para os emigrantes.

Cavalo de Tróia já dentro das Muralhas da EU

Tróia era uma cidade mitológica bem organizada e rica da antiguidade. Os gregos, seus vizinhos, que eram muito fortes e ambiciosos, ansiavam pelos seus bens. Mas as muralhas de Tróia eram muito altas. Um dia aproximaram-se para a assaltarem. Perante a longa resistência troiana pensaram numa artimanha: construir um grande cavalo de madeira, deixá-lo junto às muralhas com alguns mercenários lá dentro e fingir deixar o cerco da cidade. Os troianos, admirados, pela retirada do exército grego mais se admiraram ainda com o grande cavalo de madeira deixado pelo inimigo junto às muralhas; os troianos pensando que este era um sinal de rendição dos gregos, fizeram rodar o cavalo para o interior das muralhas, muito embora sob os protestos dum velho sacerdote. Pela calada da noite, quando os troianos dormiam, os mercenários gregos saíram do ventre do cavalo, abriram as portas da cidade; então os soldados gregos entraram vencendo e escravizando os troianos.

Na Europa dos anos 60-80 viviam também vários povos em paz empenhados na construção duma democracia cada vez mais humana; viviam sem muralhas e tinham uma rede social que amparava os mais fracos num espírito de subsidiariedade. Aqui, praticamente todos tinham trabalho com férias satisfatórias, assistência social e possibilidade para viajarem pelo mundo. Tornaram-se tão fortes que até conseguiram despertar a inveja dos países socialistas vizinhos e do capitalismo de cunho americano. Entretanto a União Soviética caiu e a Europa fomentou a construção do seu burgo. O Mamom Dólar gerou um filho ilegítimo, o Mamom Euro. Desde aí não há paz no Olimpo

As aves de rapina internacionais começaram a sitiar cada vez mais o burgo europeu. Entraram no seu espaço através dos Bancos e de multinacionais onde abrigam os mercenários nacionais.

Os moradores do burgo entraram em pânico e os países encontram-se agora em situação de medo; vendem, ao desbarato, a prata da casa, que tinham amealhado durante dois mil anos. O medo tolhe as pessoas não deixando que aqueçam o ânimo na fogueira da esperança. Por todo o lado se fazem sentir os ventos gélidos da injustiça e o alto gralhar dos dinos num horizonte encoberto.

O medo não deixa filhos, mata a esperança. Ele é o chicote enrabado de liberdade na mão dos poderosos. Por isso os donos invisíveis da sociedade espalham o medo (estratégia do amedrontamento) que tolhe e leva a pessoa a fugir (a regredir) e a abandonar os direitos sociais e cívicos adquiridos.

A Estratégia do Cavalo de Tróia serve-se de mercenários

O dinheiro não tem alma, nem família, estado nem nação; tem apenas escravos. Chama-se Mamom e alimenta-se da despersonalização, servindo-se dos seus sacerdotes que o cultuam nos santuários das bolsas-bancos e em suas capelanias multinacionais.

Os oportunistas, na sua estratégia de marginalização sistemática da sociedade, atacam a classe média e não só destroem os contractos de trabalho dos trabalhadores, como até querem apagar neles a ânsia de justiça. Numa sociedade em que os modelos são corruptos já pouco faltará para corromper… Os “dinos” roubam e as estrelas despem-se da moral.

Culpabiliza-se o mais fraco pela sua situação apelidando-o de menos inteligente. O neoliberalismo é anti solidário e anti-humano. Não conhece pessoas só lucro usando como laçada o eufemismo da globalização. Os donos do mundo mercantilizam a pessoa, tudo em termos de lucro e de mercadoria no mercado livre. Ao substituírem Deus pelo Mamom, mataram a pessoa em nome do indivíduo. O próximo passo é destruir as nações em nome da globalização.

 

Os políticos deixaram-se comprar atraiçoando a ideia europeia e o humanismo universal, procurando postos nas multinacionais (mercenários comprados a troco de ordenados horrendos, tornam-se traidores dos seus biótopos sociais); os trabalhadores, por sua vez, sentem-se açamados pelo medo de perderem o que têm; para não perderem o emprego cedem os direitos adquiridos. A pobreza e as bancarrotas são socializadas em favor dos ricos. Os novos demónios não conhecem a dignidade. A dignidade já não é símbolo de autoridade. Os imperativos morais são sistematicamente destruídos. Trabalha-se, a longo prazo, para a sustentabilidade da miséria espiritual e física.

 

Nalguns sectores desprotegidos, onde a moral ainda vai à igreja, já começa a valer mais pedir ou roubar do que trabalhar. A juventude manifesta-se medrosa e conformada com uma sociedade uniforme, tipo quartel em que a diferença se nota apenas na farda da música que se consome e no mercado colorido de opiniões em saldo. Tem sido educada para um realismo factual inculcado pelas forças anónimas vigentes contra a inovação e contra a mudança. Inovação quer-se apenas tecnológica, não humana, nem social.

Também o imperativo moral e as constituições das nações perdem a sua validade. Em questões de direitos humanos reserva-se, para os grandes, o direito de veto. O pensamento individual é substituído pelas fábricas de pensamento. Tudo, cada vez mais, na mão dos formadores da opinião anónima ao serviço dos “dinos”; tudo na mão de sociedades de irresponsabilidade ilimitada.

No momento de mudança em que nos encontramos, as camadas lúcidas das sociedades deveriam exigir que a democracia directa e o princípio da regionalização fossem introduzidas nas Constituições dos países como objectivo importante a atingir. Só assim se poderia impedir o fenómeno de destruição dos biótopos e ecossistemas naturais, individuais, sociais e culturais, em via.

António da Cunha Duarte Justo

antoniocunhajusto@googlemail.com

www.antonio-justo.eu

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António da Cunha Duarte Justo

Actividades jornalísticas em foque: análise social, ética, política e religiosa

8 comentários em “As Multinacionais do Capital – O novo Cavalo de Tróia”

  1. A respeito dos Donos do Dinheiro “os Dinos”
    “Todos são membros da Comissão Trilateral ou do clube de Bilderberg.
    AM

  2. Meu caro Prof. A. Justo:
    Tem toda a razão, a juventude já perdeu a esperança e encontra-se num beco sem saída.
    Os “Dinos” perderam a vergonha. E como diz o ditado “quem perde a vergonha, não tem mais nada a perder”, é só ganância.

    Um abraço.
    ADJUS

  3. Posto aqui o discurso de Helmut Schmidt por ser a melhor aula de História que ouvi, sobre a Europa Pós-guerra e para quem estiver interessado em compreender melhor a União Europeia.

    «A Alemanha na e com a Europa», Helmut Schmidt, ex-chanceler, noCongresso ordinário do SPD, Berlim, 4 de Dezembro de 2011 (texto integral)

    Queridos Amigos, minhas Senhoras e meus Senhores!

    Deixai-me começar com uma nota pessoal. Quando o Sigmar Gabriel, o Frank-Walter Steinmeier e o meu Partido me pediram mais uma vez uma contribuição, gostei de recordar como há 65 anos eu e a Locki, de joelhos no chão, pintavamos cartazes para o SPD em Hamburgo-Neugraben. Na verdade tenho de confessar desde já: no que diz respeito a toda a política partidária, já estou para além do Bem e do Mal, por causa da minha idade. Há muito que para mim, em primeiro e em segundo lugar, se encontram as tarefas e papel da nossa nação no indispensável âmbito união europeia.
    Simultaneamente, estou satisfeito por poder partilhar esta tribuna como o nosso vizinho norueguês Jens Stoltenberg que, no centro de uma profunda infelicidade do seu país, nos deu a nós e a todos os europeus um exemplo a seguir de direção liberal e democrática de um estado de direito. Entretanto, enquanto homem já muito velho, penso naturalmente em longos períodos temporais – quer para trás na História, quer para a frente na direção do desejado e pretendido futuro. Contudo, não pude dar há alguns dias uma resposta clara a uma pergunta muito simples. Wolfgang Thierse perguntara-me: «Quando será a Alemanha, finalmente, um país normal?» E eu respondi: num futuro próximo a Alemanha não será um país «normal». Já que contra isso está a nossa carga histórica enorme mas única. E, além disso, está contra isso a nossa posição central preponderante, demográfica e economicamente, no centro do nosso bastante pequeno continente mas organizado em múltiplos estados-nação. Com isto já estou no centro do complexo tema do meu discurso: a Alemanha na Europa, com a Europa e pela Europa.

    Razões e origens da integração europeia
    Apesar de em alguns poucos dos cerca de 40 Estados europeus a consciência de ser um nação se ter desenvolvido tardiamente – assim em Itália, na Grécia e na Alemanha – sempre houve e em todo o lado guerras sangrentas. Pode-se compreender esta história europeia – observada da Europa Central – pura sequência de lutas entre a periferia e o centro e vice-versa. Sempre de novo o centro se manteve o campo de batalha decisivo. Quando os governantes, os estados ou os povos no centro da Europa foram fracos, então os vizinhos da periferia avançaram para o centro. A maior destruição e as relativamente elevadas baixas humanas aconteceram na primeira guerra dos 30 anos entre 1618 e 1648, que se desenrolou fundamentalmente em solo alemão. A Alemanha era, nessa época, simplesmente um conceito geográfico, definido de forma desfocada só pelo espaço da língua alemã. Mais tarde vieram os franceses, sob Luís XIV e de novo sob Napoleão. Os suecos não vieram uma segunda vez; mas sim diversas vezes os ingleses e os russos, a última vez com Stáline. Mas quando as dinastias ou os Estados eram foram fortes no centro da Europa – ou quando se sentiram fortes! – então atacaram a periferia. Isto já é válido para as cruzadas, que foram simultaneamente cruzadas de conquista não só na direção da Ásia Menor e Jerusalém, mas também na direção da Prússia Oriental e na de todos os três estados bálticos atuais. Na idade moderna é válido para as guerras contra Napoleão e é válido para as três guerras de Bismarck em 1864, 1866 e 1870/71. O mesmo é válido principalmente para a segunda guerra dos 30 anos de 1914 a 1945. É especialmente válido para os avanços de Hitler até ao Cabo Norte, até ao Cáucaso, até à ilha grega de Creta, até ao sul da França e até mesmo a Tobruk, perto da fronteira líbio-egípcia. A catástrofe europeia, provocada pela Alemanha, incluiu a catástrofe dos judeus europeus e a catástrofe do Estado nacional alemão. Mas antes os polacos, as nações bálticas, os checos, os eslovacos, os austríacos, os húngaros, os eslovenos, os croatas tinham partilhado o destino dos alemães na medida em que todos eles, desde há séculos, tinham sofrido sob a sua posição geopolítica central neste pequeno continente europeu. Ou dito de outra forma: diversas vezes, nós, alemães, fizemos sofrer os outros sob a nossa central posição de poder. Hoje em dia, as reivindicações territoriais conflituais, os conflitos linguísticos e fronteiriços, que ainda na primeira metade do século XX desempenharam um papel importante na consciência das nações, tornaram-se de facto insignificantes, pelo menos para nós alemães. Enquanto na opinião pública e na opinião publicada nas nações europeias o conhecimento e a lembrança das guerras da Idade Média se encontram amplamente esquecidos, a lembrança de ambas as guerras do século XX e a ocupação alemã desempenham todavia ainda um papel latente dominante. Penso ser para nós alemães decisivo que quase todos os nossos vizinhos – e para além disso quase todos os judeus no mundo inteiro – se recordem do holocausto e das infâmias que aconteceram durante a ocupação alemã nos países da periferia. Não está suficientemente claro para nós alemães que provavelmente entre quase todos os nossos vizinhos, ainda por muitas gerações, se mantém uma desconfiança contra os alemães. Também as gerações alemãs posteriores têm de viver com este peso histórico. E as atuais não devem esquecer: foi a desconfiança com um futuro desenvolvimento da Alemanha que justificou o início da integração europeia em 1950. Em 1946, Churchill, no seu grande discurso em Zurique, tinha duas razões para apelar aos franceses para se entenderem com os alemães e construírem com ele os Estados Unidos da Europa: em primeiro lugar, a defesa conjunta perante a União Soviética, que parecia ameaçadora, mas, em segundo, a integração da Alemanha numa aliança ocidental alargada. Porque Churchill previa perspicazmente a recuperação económica da Alemanha. Quando em 1950, quatro anos depois do discurso de Churchill, Robert Schuman e Jean Monnet apresentaram o plano Schuman para a integração da indústria pesada europeia, a razão foi a mesma, a razão da integração alemã. Charles de Gaulle, que dez anos mais tarde propôs a Konrad Adenauer a reconciliação, agiu pelo mesmo motivo. Tudo isto aconteceu na perspetiva realista de um possível desenvolvimento futuro do poder alemão. Não foi o idealismo de Victor Hugo, que em 1849 apelou à união da Europa, nem nenhum idealismo esteve em 1950/52 no início da integração europeia então limitada à Europa Ocidental. Os estadistas dessa época na Europa e na América (nomeio George Marshall, Eisenhower, também Kennedy, mas principalmente Churchill, Jean Monnet, Adenauer e De Gaulle ou também Gasperi e Henri Spaak) não agiram de forma nenhuma por idealismo europeu, mas sim a partir do conhecimento da história europeia até à data. Agiram no juízo realista da necessidade de impedir uma continuação da luta entre a periferia e o centro alemão. Quem ainda não entendeu este motivo original da integração europeia, de que continua a ser um elemento fundamental, quem ainda não entendeu isto falta-lhe a condição indispensável para solucionar a presente crise altamente precária da Europa. Quanto mais, durante os anos 60, 70 e 80, a então República Federal ganhava em peso económico, militar e político, mais a integração europeia se tornava aos olhos dos governantes europeus o seguro contra a de novo possível tentação de poder alemã. A resistência inicial de Margaret Tatcher ou de Miterrand ou de Andreotti em 1989/90 contra a unificação dos dois Estados alemães do pós-guerra estava claramente fundada na preocupação de uma Alemanha poderosa no centro deste pequeno continente europeu. Gostaria aqui de fazer um pequeno excurso pessoal. Ouvi Jean Monnet quando participei no seu comité «Pour les États-Unis d’Europe». Foi em 1955. Para mim, Jean Monnet é um dos franceses mais perspicazes que eu conheci na minha vida em questões de integração, também por causa do seu conceito de avançar passo a passo na integração europeia. Desde aí que, por compreender o interesse estratégico da nação alemã, me tornei e me mantive um partidário da integração europeia, um partidário da integração da Alemanha, não por idealismo. (Isto levou-me a uma controvérsia com Kurt Schumacher, o por mim muito respeitado presidente do meu partido, para ele insignificante, para mim com 30 anos, regressado da guerra, muito séria.) Levou-me a concordar, nos anos 50, com os planos do então Ministro dos Negócios Estrangeiros polaco Rapacki. No início dos anos 60 escrevi então um livro contra a estratégia oficial ocidental da retaliação nuclear, com que a NATO, na qual ontem como hoje nos encontrávamos integrados, ameaçava a poderosa União Soviética.

    A União Europeia é necessária
    De Gaulle e Pompidou continuaram nos anos 60 e início dos anos 70 a integração europeia, para integrar a Alemanha – mas também não queriam de maneira nenhuma integrar o seu próprio Estado. Depois disso, o bom entendimento entre Giscard d’Estainge eu, levou a um período de cooperação franco-alemão e à continuação da integração europeia, um período que depois da primavera de 1990 continuou com êxito entre Miterrand e Kohl. Ao mesmo tempo desde 1950/52 que a comunidade europeia cresceu, até 1991, passo a passo de seis para doze membros.
    Graças ao amplo trabalho preparatório de Jacques Delors (na altura
    presidente da Comissão Europeia), Miterrand e Kohl acordaram, em 1991,
    em Maastricht a moeda comum – o euro – que se tornou realidade dez
    anos mais tarde, em 2001. De novo na sua origem a preocupação francesa
    de uma Alemanha demasiado poderosa, mais exatamente de um marco
    demasiado poderoso. Entretanto o euro tornou-se na segunda moeda mais importante da economia mundial. Esta moeda europeia é até, quer interna, quer externamente mais estável do que o dólar americano e mais estável do que o marco foi nos seus últimos dez anos. Toda a conversa sobre uma
    suposta «crise do euro» é conversa fiada leviana dos media, de jornalistas e de políticos. Mas desde Maastricht, desde 1991/92, que o mundo mudou imensamente. Assistimos à libertação das nações do leste europeu e à implosão da União Soviética. Assistimos à ascensão fenomenal da China, da Índia,do Brasil e outros «estados emergentes», que antigamente chamávamos «Terceiro Mundo».Simultaneamente, as economias reais de grande parte
    do mundo «globalizaram-se», em alemão: quase todos os estados no mundo
    dependem uns dos outros. Principalmente, os actores nos mercados
    financeiros globalizados apropriaram-se de um poder, por enquanto,
    totalmente sem controlo.

    Mas paralelamente, quase sem se dar por isso, a humanidade
    multiplicou-se de forma explosiva atingindo os 7 mil milhões. Quando
    nasci eram cerca de 2 mil milhões. Todas estas enormes mudanças
    tiveram consequências tremendas nos povos europeus, nos seus Estados,
    no seu bem-estar!
    Por outro lado, todas as nações europeias envelhecem e por todo o lado
    desce o número de cidadãos europeus. Em meados do século XXI seremos
    provavelmente 9 mil milhões de pessoas a viver na Terra, enquanto
    todas as nações europeias não ultrapassarão os 7%. 7% de 9 mil
    milhões. Até 1950, os europeus representaram, durante mais de dois
    séculos, mais de 20% da população mundial. Mas desde há 50 anos que
    nós europeus diminuímos – não só em números absolutos, mas
    principalmente em relação à Ásia, África e América Latina. Da mesma
    forma desce a parte dos europeus no produto social global, isto é na
    criação de riqueza de toda a humanidade. Até 2050 descerá até aos 10%;
    em 1950 ainda representava 30%.
    Cada uma das nações europeias, em 2050, representará já só uma parte
    de um 1% da população mundial. Quer dizer: se queremos ter a esperança
    de nós europeus termos importância no mundo, então só a teremos em
    conjunto. Porque enquanto Estados separados – seja a França, Itália ou
    Alemanha ou Polónia, Holanda ou Dinamarca ou Grécia – só nos poderão
    contar em milésimos e não mais em números percentuais.
    Daqui resulta o interesse estratégico a longo prazo dos Estados
    europeus na sua cooperação integradora. Este interesse estratégico na
    integração europeia aumentará em importância cada vez mais. Até agora
    ainda não está amplamente consciencializado pelas nações. Também os
    respetivos governos não as consciencializam.
    No caso porém de a União Europeia no decorrer do próximo decénio não
    conseguir – mesmo que limitada – uma capacidade conjunta de atuação,
    não é de excluir uma marginalização auto-provocada dos Estados e da
    civilização europeia. Do mesmo modo, não se pode excluir, num caso
    destes, o ressuscitar de lutas concorrenciais e de prestígio entre os
    Estados europeus. Numa situação destas a integração da Alemanha não
    poderia funcionar. O velho jogo entre centro e periferia podia de novo
    tornar-se realidade.
    O processo mundial de esclarecimento, de propagação dos direitos das
    pessoas e da sua dignidade, o direito constitucional e a
    democratização não receberia mais nenhum impulso eficaz da Europa.
    Nesta perspetiva, a comunidade europeia torna-se uma necessidade vital
    para os estados nacionais do nosso velho continente. Esta necessidade
    ultrapassa as motivações de Churchill e de Gaulle. Também ultrapassa
    as motivações de Monnet e os de Adenauer. E hoje também engloba as
    motivações de Ernst Reuter, Fitz Ehler, Willy Brandt e também Helmut
    Kohl.
    Acrescento: certamente que também se trata ainda e sempre da
    integração da Alemanha. Por isso, nós alemães temos de ganhar clareza
    sobre a nossa tarefa, o nosso papel no contexto da integração
    europeia.

    A Alemanha necessita de constância e fiabilidade

    Se no final de 2011 olharmos para a Alemanha com os olhos dos nossos
    vizinhos mais próximos e mais distantes, desde há um decénio que a
    Alemanha provoca inquietação – recentemente também preocupação
    política. Nos últimos anos surgiram dúvidas consideráveis sobre a
    constância da política alemã. A confiança na garantia da política
    alemã está abalada.
    Estas dúvidas e preocupações assentam também nos erros de política
    externa dos nossos políticos e governos. Por outro lado baseiam-se no,
    para o mundo inesperado, poder económico da República Federal
    unificada. A nossa economia tornou-se – iniciando nos anos 70, nessa
    época ainda dividida – na maior da Europa. Tecnológica, financeira e
    socialmente é hoje uma das economias mais eficientes do mundo. O nosso
    poder económico e a nossa, em comparação muito estável, paz social
    desde há decénios também provocaram inveja – tanto mais que a nossa
    taxa de desemprego e a nossa dívida se encontram dentro da normalidade
    internacional.
    No entanto, não nos é suficientemente claro que a nossa economia está,
    quer profundamente integrada no mercado comum europeu, quer em grande
    medida globalizada e assim dependente da conjuntura mundial. Iremos
    assim assistir como, no próximo ano, as nossas exportações não
    aumentarão significativamente.
    Mas simultaneamente desenvolveu-se um grave erro, nomeadamente os
    enormes excedentes da nossa balança comercial. Desde há anos que os
    excedentes representam 5% do nosso PIB. São comparáveis aos excedentes
    da China. Isto não nos é completamente claro porque os excedentes não
    se contabilizam em marcos, mas em euros. Mas é necessário que os
    nossos políticos consciencializem esta circunstância.
    Porque todos os nossos excedentes são, na realidade, os défices dos
    outros. As exigências que temos aos outros, são as suas dívidas.
    Trata-se de uma violação irritante do por nós elevado a ideal legal do
    «equilíbrio da economia externa». Esta violação tem de inquietar os
    nossos parceiros. E quando ultimamente aparecem vozes estrangeiras, na
    maioria dos casos vozes americanas – entretanto vêm de muitos lados –
    que exigem da Alemanha um papel de condução europeia, então isso
    desperta nos nossos vizinhos mais desconfiança. E acorda más
    recordações.
    Esta evolução económica e a simultânea crise da capacidade de ação dos
    órgãos da união europeia empurraram de novo a Alemanha para um papel
    central. A chanceler aceitou solícita este papel juntamente com o
    presidente francês. Mas há, de novo, em muitas capitais europeias e
    também em muitos media uma crescente preocupação com o domínio alemão.
    Desta vez não se trata de uma potência militar e política central, mas
    sim de um potente centro económico! Aqui é necessário uma séria,
    cuidadosamente equilibrada advertência aos políticos alemães, aos
    media e à nossa opinião pública.

    Se nós alemães nos deixássemos seduzir, baseados no nosso poder
    económico, por reivindicar um papel político dirigente na Europa ou
    pelo menos desempenhar o papel de primus inter pares, então um número
    cada vez maior dos nossos vizinhos resistiria eficazmente. A
    preocupação da periferia europeia com um centro da Europa demasiado
    forte regressaria rapidamente. As consequências prováveis de uma tal
    evolução seriam atrofiadoras para a UE. E a Alemanha cairia no
    isolamento.

    A República Federal da Alemanha, muito grande e muito eficaz, precisa
    – também para se defender de si própria! – de se encaixar na
    integração europeia. Por isso desde os tempos de Helmut Kohl, desde
    1992 que o artº 23º da Constituição nos obriga a colaborar «… no
    desenvolvimento da União Europeia». Este artº 23º obriga-nos a esta
    cooperação também no «princípio da subsidiariedade…». A crise atual
    da capacidade de ação dos órgãos da UE não muda em nada estes
    princípios.
    A nossa posição geopolítica central, mais o papel infeliz no decorrer
    da história europeia até meados do século XX, mais a nossa capacidade
    produtiva atual, tudo isto exige de todos os governos alemães uma
    grande dose de compreensão dos interesses dos nossos parceiros na EU.
    E a nossa prestabilidade é indispensável.
    Nós, alemães, também não conseguimos sozinhos a grande reconstrução e
    capacidade de produção nos últimos 6 decénios. Elas não teriam sido
    possíveis sem a ajuda das potências vencedoras ocidentais, sem a nossa
    inclusão na comunidade europeia e na aliança atlântica, sem a ajuda
    dos nossos vizinhos, sem a mudança política na Europa de leste e sem o
    fim da ditadura comunista. Nós, alemães, temos razões para estarmos
    gratos. E simultaneamente temos a obrigação de nos mostramos dignos da
    solidariedade através da solidariedade com os nossos vizinhos!
    Pelo contrário, ambicionar um papel próprio na política mundial e
    ambicionar prestígio político mundial seria bastante inútil,
    provavelmente até prejudicial. Em todo o caso, mantém-se indispensável
    a estreita cooperação com a França e a Polónia, com todos os nossos
    vizinhos e parceiros na Europa.
    É minha convicção que reside no interesse estratégico cardinal da
    Alemanha a longo prazo, não se isolar e não se deixar isolar. Um
    isolamento no espaço do ocidente seria perigoso. Um isolamento no
    espaço da EU ou da zona euro seria ainda mais perigoso. Para mim, este
    interesse da Alemanha ocupa um lugar inequivocamente mais importante
    do que qualquer interesse tático de todos os partidos políticos.
    Os políticos e os media alemães têm, com mil demónios, a obrigação e o
    dever de defender este conhecimento de forma duradoura na opinião
    pública.
    Mas quando alguém dá a entender que hoje e no futuro falar-se-á alemão
    na Europa; quando um ministro alemão dos negócios estrangeiros pensa
    que aparições adequadas às televisões em Tripoli, Cairo ou Cabul são
    mais importantes do que contactos políticos com Lisboa, Madrid,
    Varsóvia ou Praga, Dublin, Haia Copenhaga ou Helsínquia; quando um
    outro acha ter de se defender de uma «União de transferência» – então
    tudo isto é mera fanfarronice prejudicial.
    Na verdade, a Alemanha foi durante longos decénios pagador líquido!
    Podíamos fazê-lo e fizemo-lo desde Adenauer. E naturalmente que
    Grécia, Portugal ou Irlanda forma sempre recebedores líquidos.
    Esta solidariedade talvez não seja hoje suficientemente clara para a
    classe política alemã. Mas até agora foi evidente. Também evidente – e
    para além disso desde Lisboa incluído no tratado – o princípio da
    subsidiariedade: aquilo que um estado não pode ou não consegue
    resolver, tem de ser assumido pela UE.
    Desde o plano Schuman que Konrad Adenauer aceitou, por instinto
    político acertado, a oferta francesa contra a resistência quer de Kurt
    Schumacher, quer de Ludwig Erhard. Adenauer avaliou corretamente o
    interesse estratégico de longo prazo da Alemanha – apesar da divisão
    da Alemanha! Todos os sucessores – assim também Brandt, Schmidt, Kohl
    e Schröder – prosseguiram a política de integração de Adenauer.
    Todas as táticas da ordem do dia, da política interna ou da política
    externa nunca questionaram o interesse estratégico alemão de longo
    prazo. Por isso todos os nossos vizinhos e parceiros puderam confiar,
    durante decénios, na constância da política europeia alemã – e na
    verdade independentemente de todas as mudanças de governo. Esta
    continuidade mantém-se conveniente também no futuro.

    A situação atual da EU exige energia
    Contribuições conceptuais alemãs foram sempre naturais. Também se deve
    manter assim no futuro. No entanto não devíamos antecipar o futuro
    longínquo. Mudanças no tratado, mesmo assim, só poderiam corrigir em
    parte erros e omissões na realidade criada há vinte anos em
    Maastricht. As propostas atuais para as mudanças no Tratado de Lisboa
    em vigor não me parecem muito úteis para um futuro próximo, se nos
    lembrarmos das dificuldades até agora com todas as diversas
    ratificações nacionais, ou nos referendos com resultados negativos.

    Concordo por isso com Napolitano, o Presidente italiano, quando, num
    notável discurso em Outubro exigiu que nós hoje nos temos de
    concentrar no que é necessário hoje fazer. E que para isso temos de
    esgotar as possibilidades que os tratados em vigor nos proporcionam –
    especialmente o reforço das regras orçamentais e da política económica
    na zona Euro.

    A atual crise da capacidade de ação dos órgãos da EU criados em
    Lisboa, não pode continuar! Com a exceção do BCE, todos os órgãos –
    Parlamento Europeu, Conselho Europeu, Comissão Europeia e Conselho de
    Ministros – todos eles, desde a superação da aguda crise dos bancos de
    2008 e especialmente da consequente crise da dívida soberana,
    contribuíram pouco para uma ajuda eficaz.
    Não há nenhuma receita para a superação da atual crise de liderança na
    EU. Serão necessários vários passos, alguns simultâneos, outros
    consecutivos. Não serão só necessárias, capacidade de análise e
    energia, mas também paciência! Nisso as contribuições concepcionais
    alemãs não se podem reduzir a chavões. Não devem ser apresentadas na
    praça televisiva, mas em vez disso confidencialmente nos grémios dos
    órgãos da EU. Os alemães não devem apresentar como exemplo ou medida
    de toda as coisas aos nossos parceiros europeus, nem a nossa ordem
    económica ou social, nem o nosso sistema federal, nem a nossa política
    constitucional orçamental ou financeira, mas sim simplesmente enquanto
    exemplo entre várias outras possibilidades.

    Todos nós em conjunto somos responsáveis pelos efeitos futuros na
    Europa por tudo o que hoje a Alemanha faz ou deixa de fazer.
    Precisamos de razoabilidade europeia. Mas não precisamos só de
    razoabilidade, mas também de um coração compreensivo com os nossos
    vizinhos e parceiros.

    Concordo num ponto importante com Jürgen Habermas, que recentemente
    referiu que – e cito – «…na realidade assistimos agora pela primeira
    vez na história da EU a uma desmontagem da Democracia!!» (fim da
    citação). De facto: não só o Conselho Europeu, incluindo o seu
    Presidente, também a Comissão Europeia, incluindo o seu Presidente e
    os diversos Conselhos de Ministros e toda a burocracia de Bruxelas
    marginalizaram em conjunto o princípio democrático! Eu caí no erro, na
    época em que introduzimos a eleição para o Parlamento europeu, de
    pensar que o Parlamento conseguiria o seu peso próprio. Na verdade até
    agora não teve nenhuma influência reconhecível na superação da crise,
    já que as suas discussões e resoluções não têm até agora nenhum
    resultado público.
    Por isso quero apelar a Martin Schulz: é tempo de o senhor e os seus
    colegas democratas-cristãos, socialistas, liberais e verdes, em
    conjunto mas de forma drástica, conseguirem ser ouvidos publicamente.
    Provavelmente o campo da totalmente insuficiente fiscalização sobre os
    bancos, bolsas e os seus instrumentos financeiros, desde o G20 em
    2008, adequa-se na perfeição para um tal levantamento do Parlamento
    Europeu. Realmente alguns milhares de brookers nos EUA e na Europa,
    mais algumas agências de notação tornaram reféns os governos
    politicamente responsáveisEuropa. Não é de esperar que Barack Obama
    possa vir fazer muito contra isso. O mesmo é válido para o governo
    britânico.
    Realmente, os governos do mundo inteiro salvaram, na verdade, os
    bancos em 2008/09 com as garantias e o dinheiro dos impostos dos
    cidadãos. Mas já em 2010, esta manada de executivos financeiros,
    altamente inteligentes e simultaneamente propensos à psicose, jogava,
    de novo, o seu velho jogo do lucro e das bonificações.Um jogo de azar
    e em prejuízo dos que não são jogadores, que eu e Marion Dönhoff já
    nos anos 90 criticámos como muito perigoso.

    Já que ninguém quer agir, então os participantes da zona Euro têm de o
    fazer. Para isso o caminho pode ser o do artº 20º do Tratado de Lisboa
    em vigor. Aí prevê-se expressamente, que Estados-membros sós ou em
    conjunto «estabeleçam entre eles uma cooperação reforçada». Em todo o
    caso, os Estados membros da zona euro deveriam impor uma regulação
    enérgica do seu mercado financeiro comum. Desde a separação entre por
    um lado os normais bancos de negócios e por outro, os bancos de
    investimento e bancos sombra até à proibição da venda de derivados,
    desde que não autorizados pela fiscalização oficial da Bolsa – até à
    restrição eficaz dos negócios das, por enquanto, não fiscalizadas
    agências de notação no espaço da zona euro. Não quero, minhas senhoras
    e meus senhores, aborrecê-los com mais detalhes.
    Naturalmente que o globalizado lobby dos banqueiros iria empregar
    todos os meios contra. Já conseguiu até agora impedir toda a
    regulamentação eficaz. Possibilitou para si mesmo que a manada dos
    seus brookers tenha colocado os governos europeus na situação difícil
    de ter de inventar sempre novos «fundos de estabilização» e alargá-los
    através de «alavancas». É tempo de se resistir. Se os europeus
    conseguirem ter a coragem e a força para uma regulação eficaz dos
    mercados financeiros, então podemos no médio prazo tornarmo-nos numa
    zona de estabilidade. Mas se falharmos, então o peso da Europa
    continuará a diminuir – e o mundo evolui na direção de um Duovirato
    entre Washington e Pequim.
    Seguramente que para o futuro próximo da zona euro todos os passos
    anunciados e pensados até agora são necessários. Deles fazem parte os
    fundos de estabilização, o limite máximo de endividamento e o seu
    controlo, uma política económica e fiscal comum, deles fazem parte uma
    série de reformas nacionais na política fiscal, de despesa, na
    política social e na política laboral. Mas forçosamente, também uma
    dívida comum será inevitável. Nós, alemães, não nos devemos recusar
    por razões nacionais e egoístas.

    Mas de forma nenhuma devemos propagar para toda a Europa uma política
    extrema de deflação. Mais razão tem Jacques Delors quando exige, em
    conjunto com o saneamento do orçamento, a introdução e financiamento
    de projetos que fomentem o crescimento. Sem crescimento, sem novos
    postos de trabalho, nenhum Estado pode sanear o seu orçamento. Quem
    acredita que a Europa pode, só através de poupanças orçamentais,
    recompor-se, faça o favor de estudar o resultado fatal da política de
    deflação de Heinrich Brüning em 1930/32. Provocou uma depressão e um
    desemprego de uma tal dimensão que deu início à queda da primeira
    democracia alemã.

    Aos meus amigos

    Terminemos, queridos amigos! No fundo, não é preciso pregar
    solidariedade internacional aos sociais-democratas. A
    social-democracia é desde há século e meio internacionalista – em
    muito maior medida do que gerações de liberais, de conservadores ou de
    nacionalistas alemães. Nós, sociais-democratas, não abdicámos da
    liberdade e da dignidade de cada ser humano. Simultaneamente não
    abdicámos da democracia representativa, da democracia parlamentar.
    Estes princípios obrigam-nos hoje à solidariedade europeia.
    De certo que a Europa, também no século XXI, será constituída por
    estados nacionais, cada um com a sua língua e a sua própria história.
    Por isso a Europa não se tornará de certeza num Estado Federal. Mas a
    UE também não pode degenerar numa mera aliança de estados. A UE tem de
    se manter uma aliança dinâmica, em evolução. Não há em toda a história
    da humanidade nenhum exemplo. Nós, social-democratas, temos de
    contribuir para a evolução passo a passo desta aliança.
    Quanto mais envelhecemos, mais pensamos em períodos longos. Também
    enquanto homem velho me mantenho fiel aos três princípios do Programa
    de Godesberg: liberdade, justiça, solidariedade. Penso, a propósito,
    que hoje a justiça exige antes de mais igualdade de oportunidades para
    as crianças, para estudantes e jovens.
    Quando olho para trás, para 1945 ou posso olhar para 1933 – tinha
    acabado de fazer 14 anos – o progresso que fizemos até hoje parece-me
    quase inacreditável. O progresso que os europeus alcançaram desde o
    Plano Marshall, 1948, desde o Plano Schuman, 1950, graças a Lech
    Walesa e ao Solidarnosz, graças a Vaclav Havel e à Charta 77, que
    agradecemos àqueles alemães em Leipzig e Berlim Oriental desde a
    grande mudança em 1989/91.

    Não podíamos imaginar nem em 1918, nem em 1933, nem em 1945 que hoje
    uma grande parte da Europa se regozija pelos Direitos Humanos e pela
    paz. Por isso mesmo trabalhemos e lutemos para que a UE,
    historicamente única, saia firme e autoconfiante da sua presente
    fraqueza.

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