Contra um iluminismo subserviente
O mundo islâmico reage extremamente intolerante e outros procuram a sua chance na afirmação pela contradição.
A tolerância não poder ser uma estrada de sentido único como até agora. É legítima a pergunta de até que ponto a tolerância pode tolerar a intolerância. Os países islâmicos têm que empreender algo concreto para provarem na prática que é apenas preconceito a ideia que corre de que o Islão anda de braço dado com o terrorismo e com o fanatismo.
Alguns parecem querer continuar no status quo dum diálogo hipócrita contentando-se com a discussão sobre a oportunidade ou não oportunidade das citações para assim passarem à ordem do dia sem sequer terem preocupado com o conteúdo ou a leitura do texto completo. A outros só lhes ocorre o argumento de águas passadas que não movem moinhos recorrendo ao baú da traça das faltas da Igreja de antigamente. É que pensar faz doer e o saber exacto responsabiliza.
O erudito Papa quer não só reconciliar mas sobretudo conciliar a tradição com a época moderna e contemporânea, a aldeia com o mundo global. Lança a iniciativa de se integrar a fé e a razão como dois pratos da mesma balança. Doutro modo encontrar-nos-íamos a caminho duma grande catástrofe. Como interessado no diálogo responsável Bento apela à boa vontade para que o diálogo não continue unilateral. O Islão não pode continuar a adiar o diálogo nem com as outras religiões nem com o mundo secular. De facto no mundo islâmico o mundo secular não existe, nele não há lugar para os ateus, agnósticos e as outras religiões são extremamente discriminadas. O actual presidente do Irão tem uma visão muito reduzida de vida social e da História ao afirmar: “ a vós pertenceu-vos o passado, a nós o futuro”.
Em todas as outras culturas a economia se desenvolve a largos passos enquanto que nos países islâmicos a riqueza continua na mão de poucos e ao povo inocente só lhes deixam a religião como tubo de escape. Manipulam-no possibilitando-lhe apenas uma pseudo expressão política no gesto de queimar símbolos ocidentais e em rituais de punhos serrados, que só põem a nu a sua fraqueza. O seu exército é barato e fácil de mobilizar: homens, mulheres e crianças atrás do facho da religião. Os muçulmanos emigrados para a Europa mais cultos e com mais dinheiro já não alinham nesses rituais públicos, de auto-afirmação. Os chefes semeiam o caos mas aí de quem os lembra dele!
O mundo árabe não pode ser deixado só na sua situação de oprimido – opressor. O Papa defende-o também com o seu discurso. Ele quer uma política do bem e quer lançar pontes. A sua função é servir a humanidade, dentro das suas limitações naturalmente. “O maior entre vós deve ser o vosso criado”. O Papa e muitos como ele já estão fartos de tanta conversa fiada entre religiões e povos, entre políticos, partidos e cientistas. Todos têm falado em nome do bem do povo, da nação, da ciência ou de Deus com posições dialécticas e absolutas à custa duma realidade mais digna e da opressão do povo cada vez mais na mesma. Há meses atrás dizia um jornalista do Egipto, ao falar sobre o mundo muçulmano numa conferência em Berlim:”Nós encontramo-nos numa situação desesperada. O Estado é despótico e incalculável (caprichoso) e nos programas de TV os chefes religiosos debatem se será islâmico ter estátuas nuas no jardim, enquanto que, todos os que de qualquer modo o podem, abandonam o nosso país”.
Bento XVI conhece bem os problemas da Europa e do Mundo. Ele quer que se dê uma oportunidade ao futuro! Com o discurso e a argumentação de carácter científico o Papa dirige-se não tanto à generalidade mas especialmente aos cientistas, aos do poder e quer dizer que o lugar da discussão deve começar pela ciência, que o seu lugar é a universidade e aqui não deve reinar a hipocrisia mas a força dos argumentos. Neste meio argumenta-se com nível mas não se poupa ninguém. É que a opinião pública e a política vivem bem das meias verdades e da lei do oportuno. As populações vivem desinformadas e os “comerciantes” não gostam que se fale da realidade concreta porque isso seria inoportuno para os seus negócios e talvez até não educado. Vivem do comentário e dum espírito dialéctico já ultrapassado pela nova física. Preferem o papel de mortos a enterrar mortos!.. no seguimento da bandeira de algum papa Nobel preso da dialéctica na praça dum mundo que não está convencido dos seus próprios argumentos.
Infiltração subcutânea sem contrapartidas
Bento XVI respondeu bem a muitos “reaccionários” que o criticavam. Não se desculpou porque não havia nada de que se desculpar; lamentou a incompreensão, o equívoco provocado. Quem se desculpa acusa-se! O problema não está tanto nas palavras por ele ditas, mas sim na capacidade para as poder entender e no interesse de alguns em distorcê-las. O seu discurso é científico para especialistas. Estes têm estado ausentes.
Permito-me fazer uma marginal observação à incompreensão que alguns me têm feito relativamente à escolha da citação de Manuel II Palaiologos feita pelo Papa. Eu penso que a escolha foi bem pensada e oportuna:Certamente que ele queria estabelecer relações e comparações entre aquela época e a nossa época e uma certa crise que lhes é comum. Queria apresentar certas semelhanças entre a cor local de então e a de hoje. Hoje como então há o problema da separação entre os cristãos bem como a questão do voluntarismo divino; hoje como então a ameaça muçulmana está muito presente; hoje como então dominam a indiferença e o desinteresse entre os cristãos; hoje como então é necessária uma discussão e um diálogo sério e sem papas na língua ao serviço dos povos; hoje como então o diálogo só se reduz a interesses económicos. Na altura o Imperador bizantino Manuel II Palaiologos estava preocupado em superar o cisma de 1054 entre os cristãos; ele queria organizar a defesa contra os invasores osmanos (turcos); ele fazia o apelo à união das duas Igrejas para poder resistir à pressão islâmica, o cristianismo dividido facilitava o caminho dos invasores; ele queria um diálogo autêntico, também a nível de princípios e de concepção responsável para todos os povos enquanto que os seus parceiros estavam apenas interessados na submissão das regiões dominadas através da espada e em acordar a tolerância religiosa entre as religiões do livro. Facto é que o apelo do imperador em 1393 não foi ouvido e em 1453 os Turcos chegaram mesmo a apoderar-se de Constantinopla passando a chamar-lhe Istambul.
O mundo em que vivemos parece um mundo maluco e contraditório. O pensador Bento XVI exige um diálogo sem mitos subjugado à razão e os nossos iluministas e esclarecidos exigem silêncio e hipocrisia do esclarecido Bento. Os nossos racionalistas já parecem ter medo da razão. Um iluminismo subserviente europeu parece actuar sob o lema: aconteça o que acontecer sou o amigo do inimigo do meu rival.
O Frankfurter Allgemeine de 17.09.06 refere laconicamente: “ Mundo às avessas: O homem de Deus advoga a causa da razão e os esclarecedores (Aufklärer) dão a preferência à obscurantista proibição da crítica”.
A confusão, o oportunismo e o medo podem muito!…
António da Cunha Duarte Justo
P. S. Esta posição é uma tentativa de resposta a alguns comentários e correio electrónico que recebi em relação ao artigo “Bento XVI – O Homem da Europa “.