A MAIORIA DOS JOVENS NÃO CONFIA NOS MEIOS DE COMUNICAÇÃO SOCIAL

De acordo com um inquérito (estudo da Universidade de Bielefeld) na Alemanha, a maioria dos jovens não confia nos meios de comunicação social.

75,8% não confiam nos jornais e 71,6% não confiam nos jornalistas.

37,9% suspeitam que os meios de comunicação social retêm deliberadamente informações importantes.

32,8% pensam que os profissionais dos media apenas difundem a sua própria opinião.

Entre os adolescentes, apenas 53,9% confiam no governo federal e 54% nas Nações Unidas.

Manifestam mais confiança nos cientistas com 76,1% e na polícia com 79,9%.

Este é um sinal de alarme que deveria levar a um exame de consciência dos Instituições dos meios de comunicação social, difusoras de notícias e jornalistas.

Em vez de se colocar o problema nos jovens já vai sendo tempo de as agências noticiosas se examinarem e mudarem de rumo.

Através do acesso à internet hoje há maior possibilidade de observar e questionar o que se encontra por trás dos grupos de influência.

A juventude pode ter uma ideia mais diferenciada do espectro noticioso porque faz uso da Internet não se limitando ao saber transmitido pelas notícias e telejornal como acontece a muitos condicionados a tais praxes. Os novos meios permitem maior troca de informações, mas não necessariamente saber mais profundo.

De facto, a nível social somos o resultado da informação biológica genética e da informação do meio em que vivemos e não temos tempo suficiente para nos questionarmos sobre isto.

António da Cunha Duarte Justo

Pegadas do Tempo

CRENÇA É A PARTE EXTERNA DA FÉ

Pressupostos para uma práxis religiosa e para o diálogo com crenças não religiosas

Nas discussões de caracter ideológico confunde-se, muitas vezes, fé com crença e deste modo cai-se em discussões paralelas ou confusas. A fé tem a ver com a experiência espiritual com Deus e a crença tem mais a ver com a doutrina, com a visão mental e ordenação lógica do conhecimento em comunidade. A crença expressa o falar do homem sobre Deus enquanto que fé vive da experiência tida ao entrar em relação profunda com o divino.

A crença é como que o interruptor comunitário que estabelece o contacto com Deus a nível de vivência individual e universal transcendental e possibilita a experiência da fraternidade. A crença coloca-nos num estado de abertura que possibilita a abertura para uma relação de confiança. Religião significa ligação a Deus e é mais que uma compreensão, mais que um alinhamento de ideias lógicas dentro de uma cultura. A verdadeira crença assenta numa experiência espiritual individual profunda; neste âmbito a doutrina tornada fé transforma-se em vivência que nos mergulha numa espécie de ressonância amorosa universal, vivência essa que suplanta as diferentes expressões religioso-culturais porque acontece a um nível de união espiritual comum e não de divisão/definição onde se passa a compreender as simbolização culturais como expressões de uma análoga experiência e sentido comum. Que a chama da espiritualidade, fé se dê em torno de uma verdade da crença também não desqualifica as crenças porque elas formam a ponte que conduz a uma experiência de amor profundo que é de tal maneira envolvente que o próprio corpo participa da experiência inefável.

Crença e fé estão intimamente conectadas; uma crença sem fé (experiência espiritual) é algo que não satisfaz a personalidade no seu todo de ser espiritual dado situar-se ao nível de um viver ad extra (mover-se a nível do “folclore” de uma filosofia/mística mais profunda e que aquele alberga)!

É natural que um discurso pressupõe uma certa objetivação e objetividade, mas também não se pode limitar aos dados mentais ou pragmáticos (de uma lógica ordenada causalmente, de eficiência ou utilidade prática) para ser dialogal. Quem sabe da ilusão a que também a mente poderá estar sujeita, como amante da sapiência, terá de aceitar a sua posição e a do dialogante com benevolência atendendo à insegurança ou falta de evidência do terreno em que nos movemos. Daí a atitude construtiva e benevolente de criar um espaço necessário para a dúvida metódica que leva à aceitação do “in dúbio pro reo” e possibilita a oportunidade para uma ampliação da própria perspectiva e visão.

A pessoa só orientada por princípios mentais tidos como claros terá de considerar que há espaços da chamada realidade carentes de ser consciencializados. O problema maior situa-se entre a percepção (representação) e a interpretação no espaço que separa o receptor do emissor e vice-versa e o objecto da ideia. A percepção está ligada a factores externos como os sentidos (visual, cheiro, táctil, sonora e gustativa). Já a este nível a percepção se encontra dependente do estímulo, da selecção sensorial, organização e interpretação. Para complicar a perceção e interpretação ainda se veem juntar a estes factores condicionantes da perceção da realidade, outros factores internos como a própria atitude, os motivos, experiências, interesses e expectativas.

Não podemos reduzir o ser à percepção como algum filósofo quereria, nem tão-pouco ao entendimento dele. Também a ideia é um produto do processo de pensamento. Tudo isto condiciona naturalmente as nossas imagens do mundo à nossa volta. As percepções são principalmente processos inconscientes de processamento de informação e percepção individual. As percepções são, portanto, inventários selectivos-subjectivos do ambiente, mas num sentido mais amplo, incluem também processos inconscientes e emocionais de sentimento.

Só pode ter a percepção ou detectar o odor da canela quem tem o órgão do cheiro operacional. Quem não tiver acesso ao “órgão” da espiritualidade está condicionado a ordenar as suas percepções aos factores de que dispõe.

É difícil para um ateu e também para algumas pessoas religiosas intuir a diferença entre crença e fé limitando-se a falar sobre as religiões a nível de discurso mental de crença ou do aspecto “folclórico” dela.

Apresento aqui a experiência que um amigo meu ateu (Hartmut) teve e me contou e que pode ter uma certa semelhança com a experiência de fé de um crente. O amigo fez uma viagem de barco. No princípio ao entrar no barco, este parecia-lhe muito grande e ele sentiu-se bem passeando nele a sua pessoa enquanto admirava a grandeza do barco. Entretanto o barco partiu e quando se encontrava já no alto mar, onde as águas eram planas, sentiu o barco como uma coisa minúscula e um oceano imenso com uma abóboda celestial infinita. Nesta situação o amigo sentiu profundamente a sua pequenez e a do barco e a ao mesmo tempo a grandeza do universo. Sentiu uma vivência especial da sua pessoa como extrema pequenez e da imensa grandeza do céu e do oceano de que teve a sensação de fazer parte. Esta experiência do amigo ateu é similar à experiência de fé de um crente: a experiência da extrema pequenez do próprio ser e ao mesmo tempo a experiência da grandeza divina de que faz parte criam uma nova consciência e uma nova maneira de sentir e ordenar as coisas.

Certamente um ateu que não tenha feito a experiência do viajante ateu verá a viagem de forma descritiva apenas pela razão e a sua visão da viagem do barco é muito diferente daquele que fez o viajante ateu porque lhe falta a vivência do momento especial e a intuiç1bo que ele pode causar.

Há muitas pessoas que confundem fé com crença (credo) quando se trata de coisas distintas. Uma tem mais a ver com a mística (fé é vivencia espiritual) e a outra com a filosofia da linguagem (a crença verdadeira quer ser justificada a nível de afirmações (credo) que unem uma comunidade) e que cria objectividade. Uma é experiência íntima com um Tu e a outra é um conceito de fé. A união das duas pode levar à convicção envolvente. A crença realiza-se na fé e esta transpõe o nível da explicação porque acontece a nível de vivência dialógica com o todo, com o divino e não só a nível de parte. A fé pode transcender as próprias crenças e as simbologias culturais dado ser uma aptidão humana para o transcendente e expressar-se numa experiência metafísica comum enquanto a crença empenha o pensamento, a razão no sentido de granjear a verdade que conduz à convicção, sentencia certa. Assim dá-se uma interligação entre intuição espiritual e doutrina (fundamento racional ou justificação). A crença na Trindade pode levar, a nível de experiência espiritual íntima, à experiência das três pessoas na vivência de uma fórmula única (a relação eu-ele manifesta na experiência do nós). A experiência mística não se pode reduzir ao conhecimento dela porque é envolvente e não reduzível ao elemento e como tal permanece uma experiência não objetivável em palavras. A fé é uma espécie de saudade saciada numa vivência e que conduz a uma atitude de confiança universal que nos envolve numa espécie de carinho comunicativo e numa atitude básica de humildade e do bem querer porque se experimentou o verdadeiro de toda a realidade num relâmpago que atravessa toda a existência numa visão-vivência interior sem fronteiras.

Neste sentido passo a refletir sobre Teresa de Ávila (1) que pode ajudar a uma melhor compreensão da realidade crença-fé. Teresa manifestou a preocupação de não acedermos a Deus só através do direito canónico ou de frases teológica; ela defendia a consideração mística numa teologia demasiado intelectualizada. Para ela tratava-se de entrar na presença mística de Deus numa oração interior de relação de amor com Deus, numa relação de amizade sincera com Deus, num envolvimento de “tu”. Teresa dizia “Pode-se falar com Deus como se falasse com um bom amigo”. É uma espiritualidade profunda envolvente do quotidiano e por isso Teresa dizia “O Senhor também habita entre as panelas da cozinha”. Na altura ela tentou mover formas demasiado rituais da Igreja para uma espiritualidade de trazer por casa. É natural que a sua teologia mística aproxima Deus da pessoa e como tal relativiza um pouco certas regulamentações eclesiásticas, ao criar um espaço para a subjetividade individual na doutrina! O caminho da teologia mística e da amizade directa com Deus sempre causou dores de cabeça aos representantes das religiões tal como a certos clérigos (e direito canónico) que viam nisso um certo confronto ao regulado. Ela ao, de um certo modo, proceder a uma certa destronização de Deus e puxando-o para o centro do coração humano, o seu “castelo interior” situado no coração da alma constituía para os dogmáticos um perigo de subjetivação e também de relativação da ordem eclesiástica.

Naturalmente que a posição desta doutora da Igreja pressupõe o uso do critério de caracter mais objetivo estabelecendo uma balança com o da subjetividade sem um aspecto ter de negar o outro. De uma coisa estou certo, a mensagem de Teresa estava bem fundamentada na mensagem de Jesus para quem o interesse e dedicação é dirigido para as pessoas e não para as organizações, sejam elas religiosas ou seculares. A dúvida e os medos também podem ser uma oportunidade para nos aproximarmos de Deus (do âmago da nossa ipseidade) e isto mostrou Teresa na qualidade de pessoa imperfeita como cada pessoa, conseguiu viver liberta porque entusiasmada pela relação íntima com Deus. Ela no meio de sofrimentos e dúvidas questionava sempre o pensamento único. A dúvida faz parte da crença e pode também atingir o nível da fé (momentos do deserto) mas o que sempre fica é a experiência-vivência uma vez tida com Deus. A dúvida são os momentos de pausa que nos impulsionam a ir mais além! A abordagem de Deus a nível de mente e de coração (vivência relacional) completam-se e possibilitam a vivência de comunidade e em comunidade com todos e com tudo. Gosto muito de Teresa porque também acho que mais que ter sempre Deus ou nossa senhora nos lábios importante é viver o dia a dia profano com eles no coração, a ponto de não ter de fazer muita diferença entre o interno e o externo nem tão-pouco perder-se na moral!

Teresa consegue fazer valer na teologia o valor da experiência, a interioridade mística demonstrando a insuficiência da intelectualidade de caracter discursivo que se aproxima mais do senhoreio e assenhoreamento mundano (2) numa do divide para imperar, divide para te afirmares.

Teresa de Ávila também defendia a união da experiência espiritual à corporal. Neste sentido afirmou uma teologia negativa de acesso a Deus o que pressupõe uma certa imanência divina. Ao introduzir a experiência íntima (a mística) como argumento válido da teologia envolve directamente o cristão, o teólogo e o clero, o que indirectamente constituía uma crítica às hierarquias, porque o que as deveria legitimar seria a experiência mística com Deus dando prioridade à via do coração em relação à via do intelecto. Este é para mim um momento alto de teologia feminina porque questiona, por dentro a matriz cultural e de pensamento masculino para optar por uma matriz da masculinidade e feminilidade, da espiritualidade e da corporalidade em equilíbrio. Esta teologia ainda está por realizar institucionalmente; acontece, porém no coração de muito homem e mulher que penetraram no verdadeiro âmbito da fé e não apenas da crença!

Neste processo de acesso a Deus chega a abdicar-se do conhecimento discursivo de Deus através de ideias e atributos (está-se perante uma Teologia negativa : do que Deus não é porque “é” a transcendência absoluta) em contraposição à teologia afirmativa da asserção de Deus como bem, beleza, amor, inteligência, paz, perfeição….

Confiar e invocar a experiência íntima pessoal subjetiva e argumentar em nome dela, é ainda hoje considerada ousadia que pode minar a vontade institucional e as jerarquias

Para ela não há verdadeira teologia sem a experiência divina! Pela via mística, Deus habita no coração do Homem, a espiritualidade “desce à terra”, não se baloiçando apenas nas teorias intelectuais nem na confusão do dia-a-dia. Urge uma práxis teológica da espiritualidade.

Teresa dizia: “Quem ama faz sempre comunidade; não fica nunca sozinho… Ser grande é amar os pequenos. Ser pequeno é odiar os grandes”.

António da Cunha Duarte Justo

Teólogo e Pedagogo

Pegadas do Tempo

(1) TERESA DE JESUS UMA MULHER GRANDE E MUITO INTERESSANTE NA HISTÓRIA DA CULTURA: https://antonio-justo.eu/?p=4935&fbclid=IwAR07ecm5zTj4_qKRxyvoj1bGCPpYylCStSxaeso-ez7hV_StGojFket4Zno

O PAPA FRANCISCO COMEÇA A PREPARAR A SUA RENÚNCIA E O SEU LEGADO

21 novos Cardeais no Vaticano dos quais 4 de Língua portuguesa e Canonização de dois Beatos

O Papa Francisco nomeou 21 novos cardeais (1), provenientes dos cinco continentes no sábado 27 de Agosto (2) . Cardeais são as pessoas mais importantes na Igreja Católica depois do Papa ao serviço da igreja universal e cuja missão principal é eleger o Papa. Dos novos cardeais apenas 16 terão direito a voto na eleição do novo papa; cinco dos cardeais nomeados recebem a dignidade cardinalícia honorária pois não podem participar no conclave (eleição de um novo papa) devido à idade (80 anos). Após a cerimónia, Francisco e os novos cardeais visitaram o Papa emérito (em 2013) Bento XVI na sua residência no mosteiro Mater Ecclesiæ no Vaticano. No total, o Colégio dos Cardeais é de 226 purpurados, dos quais 132 são possíveis eleitores no próximo conclave (eleição de um papa). Mais de 60% dos cardeais com direito a voto foram nomeados por Francisco (112 cardeais).

Depois da cerimónia de nomeação dos cardeais procedeu-se à votação da canonização (declaração de santos) do beato salesiano laico Artemide Zatti e do beato Juan Bautista Scalabrini, fundador de los Scalabrinianos!

Há quatro novos cardeais de língua portuguesa: D. Filipe Néri António Sebastião do Rosário Ferrão (69 anos), arcebispo de Goa e Damão; D. Virgílio do Carmo da Silva, arcebispo de Díli (55), e dois brasileiros – D. Leonardo Ulrich Steiner (71), arcebispo de Manaus e D. Paulo Cezar Costa (54), arcebispo de Brasília.

O Pontífice convocou também um consistório (reunião do colégio cardinalício) para 29 e 30 de agosto. Aí, os cardeais do mundo inteiro vão refletir sobre a reforma da Cúria romana na base da nova Constituição Apostólica do Vaticano, “Proclamai o Evangelho” (3). Será também uma ocasião para os cardeais se conhecerem mutuamente e poderem trocar ideias.

De notar que neste consistório participam tantos cardeais (eleitores) portugueses como alemães! Os três cardeais-eleitores portugueses são:  D. Manuel Clemente, D. António Marto e D. José Tolentino e do lado alemão são D. Rainer Maria Woelki, D. Reinhard Marx e D. Gerhard Ludwig Müller

A nomeação dos novos cardeais revela a preocupação pela evangelização “no terreno”, sobretudo nas periferias e pequenas comunidades minoritárias que nunca tiveram cardeais (exemplo Timor), merecendo especial atenção a Ásia. Na nomeação dos novos cardeais estão representados 4 novos países: Mongólia, Paraguai, Singapura e Timor Leste. Assim passam a estar representados 89 países.

O cardeal agora nomeado mais jovem tem apenas 48 anos de idade e é o italiano Giorgio Marengo.

O Santo Padre dirigiu-se à cidade de L’Aquila celebrando missa na catedral (28.08) onde está sepultado o Papa Celestino V que resignou em 1294. Bento XVI, também visitou este lugar quatro anos antes de resignar. Este facto simbólico dá consistência a especulações de Francisco também tencionar resignar.

Sobre a sua renúncia, Francisco disse: “A porta está aberta… É uma opção normal… Sinceramente, não é uma catástrofe. Podeis mudar o Papa”. A experiência do pontífice com a última operação não o entusiasma a nova operação devido a efeitos secundários que a última anestesia deixara: “Não se brinca com anestesia”… “Todo o problema é a anestesia”.

António da Cunha Duarte Justo

Pegadas do Tempo

 

(1) Novos Cardeais: https://www.katholisch.de/artikel/39475-das-sind-die-21-neuen-kardinaele

(2) O bispo de Wa, Ghana, Richard Kuuia Baawobr, não pode estar por doença.

(3) Sobre a reforma da Cúria: https://antonio-justo.eu/?p=7236).

 

OCIDENTE EM RETIRADA DA REPÚBLICA DO MALI COMO ACONTECEU NO AFEGANISTÃO?

 

A República de Mali, ex-colónia francesa com uma população de 20 milhões de habitantes (2021) dos quais 80% muçulmanos sunitas e 10 % cristãos encontra-se em situação de segurança muito tensa devido a islamistas militantes realizam repetidamente ataques e fazem reféns desde 2013 principalmente no Norte, mas donde foram repelidos devido à ajuda das tropas francesas. A agricultura, a exploração mineira e a exportação de matérias-primas como ouro e o algodão são as pedras angulares da economia maliense. O Mali é um país de trânsito para os refugiados africanos a caminho da Europa. Os grupos terroristas Estado Islâmico e Al-Qaeda e diferentes ramificações estão muito activos também no Mali.

O Ocidente quer defender regiões geopoliticamente importantes para si próprio e desalojar os inimigos da democracia. No Mali, encontra-se, por um lado, o terrorismo islâmico em acção e, por outro, a Junta militar está aliada com o grupo de mercenários russos “Wagner”. Isto já faz lembrar a accão paralela dos bandeiristas ucranianos contra a Rússia.

O Ocidente já começou a retirar-se do Mali; os franceses, depois de nove anos, retiraram os soldados da sua operação antiterrorista no Mali, mas pretende permanecer envolvido na região do Sahel. Na passada sexta-feira, também as Forças Armadas alemãs suspenderam o seu destacamento no Mali até nova ordem porque o governo maliense proibiu os direitos de sobrevoo no território. O Ocidente carece de forças aliadas no país. Por outro lado, o terrorismo islâmico revela-se como uma das mais eficientes estratégias de expansão. O argumento que a estabilidade no Norte de África contribui para a segurança da Europa é a razão da participação das Forças Armadas alemãs na missão das Nações Unidas no Mali, tal como defende a doutrina da OTAN.

O Ocidente enfrenta agora o início de uma derrota no Mali, que se assemelha ao que aconteceu com os Talibãs no Afeganistão.

Com a evacuação das forças ocidentais, avista-se um cenário semelhante ao do Afeganistão, para as forças locais, tal como aconteceu com as forças afegãs colaboradoras da OTAN.

Para lá da luta islâmica, a China e a Rússia já estão prontas para exercer a sua influência. Também na África a polarização mundial se afirma até que ganhe a devida expressão também a força islâmica. A Europa está a pagar a factura do seu imperialismo e dos erros iniciados pelos EUA quando militarizaram o terrorismo islâmico para combater o comunismo no Afeganistão.  Em 1979, Jimmy Carter, com a “Operação Ciclone” enviou jihadistas árabes, membros da confraria dos Irmãos Muçulmanos para o Afeganistão(1). Entretanto militarizaram-se e encontram-se a operar em toda a África e não só!

António da Cunha Duarte Justo

Pegadas do Tempo

(1) https://geopol.pt/2022/04/13/a-alianca-do-mi6-cia-e-os-banderistas/?amp=1&fbclid=IwAR3LOigsF93ayGrq1PjPmmcWRalXJa6i4K35UjWm0E2fnXdCFqfCUXIt-8o

PORTUGAL SIGNO DO DESENVOLVIMENTO E DA DECADÊNCIA DA EUROPA

Só um Portugal-Espanha unidos e empenhados com as antigas colónias conseguirão afirmar-se

A Europa global começou em Portugal e acabou em Portugal. O globalismo atual já não se baseia em identidades nacionais, mas em grupos de interesses económicos e ideológicos com estratégias globais.

As potências mundiais do futuro, atendendo às novas tecnologias, afirmar-se-ão através do ar e do mar! Os EUA, a China e a Rússia já estão muito activos também no domínio dos oceanos sem que os Países Lusófonos estejam atentos ao que isso significa para o seu futuro. Uma das surpresas com que se poderão ver confrontados seria a das grandes  potências virem a usar a mesma estratégia que as potências europeias usaram no século XIX na Conferência de Berlim onde transformaram o direito colonial histórico às regiões de África em direito de ocupação efectiva (militar), o que prejudicou Portugal e favoreceu as potências bélicas surgentes e continuou a manter a África no servilismo. O mesmo poderia acontecer em relação aos direitos dos países marítimos no que toca ao seu direito às correspondentes zonas marítimas! A consequência seria que estes países, uma vez estabilizadas as suas fronteiras naturais se empenhassem sobretudo na defesa dos seus mares e numa estratégia de agrupamento baseada em afinidades culturais e históricas.

Portugal foi o país que transformou a história europeia em história mundial, passando, a partir de então, a Europa a determinar o destino de outros povos, ao deixar de estar ocupada com ela mesma e em torno do Mediterrâneo; com os “Descobrimentos” passou a abrir-se aos grandes oceanos e continentes; Portugal foi também o primeiro país que alargou as suas fronteiras fora da Europa (Ceuta 1415) numa reacção oposta à muçulmana.

Quase enigmático torna-se o facto de Portugal ter sido a primeira potência colonial da Europa, e a sua última…  Portugal era demasiado pequeno para a global empresa que iniciou e enfraquecia à medida que outras potências europeias disputavam o comércio dos produtos e matérias primas que a Europa não tinha. Assim Portugal tornou-se em país semicolonial a partir de 1890 devido ao “ultimato” inglês, na sequência do qual teve de ceder a Rodésia (mapa cor-de-rosa!) à Inglaterra (efeitos da Conferência de Berlim que dava resposta ao desejo imperialista de alguns países europeus); a crise do mapa cor-de-rosa apressou em Portugal a passagem do sistema monárquico para o republicano! Salazar ao ver Portugal a perder a terra debaixo dos seus pés, numa reacção de fuga ao real (luta imperialista entre União Soviética e EUA), ainda se lembrou de considerar Portugal como o último bastião do Ocidente (na velha vertente da europa das nações): esquecera-se que o proselitismo religioso que motivara a presença da Europa no mundo tinha passado a ser  substituído pelo proselitismo socialista fomentador de uma nova ordem mundial (imperialismo bipolar) a afirmar-se a partir da primeira guerra mundial ao lado de um capitalismo a reformular-se. A ideia de Salazar revelou-se como retrógrada ou como fuga, mas se considerada sob a situação das lutas imperialistas atuais poderia ser hoje uma mais valia no sentido de uma Europa e de uma África dignas de hoje. Isto na sequência de uma lógica ainda de perspectiva europeia, que na altura já se encontrava a perder!

Preferimos então continuar as pegadas na nuvem do sonho, aquela evasão tão característica do ideário português que devido a tanto sonho de olhar fixo no longe se esquece de olhar e construir a realidade concreta que fica à frente do próprio olhar (É verdade que então as potências europeias andavam demasiadamente ocupadas consigo mesmas (também na sua reconstrução pós-guerra) impedindo-as de perceberem o que  acontecia em torno de Moscovo e de Washington em termos de geopolítica mundial e o que verdadeiramente se passava nas colónias portuguesas).  Aqui, Portugal deixou de expressar o caminho da Europa para se perder numa visão política idealista longe de qualquer realismo e contexto histórico para seguir as pegadas de Moscovo (25 de Abril e apressada descolonização); entretanto Moscovo caíra (1991) e Portugal com a Europa seguiram os deuses bárbaros a imperar no Olimpo de Bruxelas. Portugal deveria abandonar a sua política de subsistência e reflectir a sua realidade (ibérica) que não é meramente europeia (para lá dos Pireneus) mas também oceânica e com a Espanha e os antigos países de língua lusa e espanhola se prepararem para uma nova ordem mundial em processo. Há que, no meio da luta assanhada entre os novos imperialismos, não se deixar levar apenas pela enxurrada das potências em litígio para se defenderem também  objetivos regionais políticos no sentido de uma política de concepção ibérica (não nacionalista) em união com os povos acabados de se libertar do colonialismo europeu (doutro modo poderão passar todos a sofrer sob o novo imperialismo mental e militar agora a reformular-se).

Já Camões se lamentava de uma característica de um povo poético (Portugal) que se afundaria em “tristeza, ganância e tédio”! De facto, no seu modo específico de ser, Portugal construiu “um mundo português”, um Portugal onde cabia o mundo, mas onde, como parte, desaparece, também por ser tão pequenino. Ficou a tristeza, a ganância e o tédio, hoje cuidados por uma plêiade decadente de tecnocratas novos-ricos virados para o Olimpo de Bruxelas descuidando os interesses de uma península ibérica e seus empenhamentos com os seus irmão além-mar! No sentido luso em vez de nos metermos em politiquices ideológicas com o Brasil (como fez Rebelo de Sousa, na última visita ao Brasil) seria chegada a hora de o apoiar na empresa de se afirmar na América latina (independentemente de os ventos ideológicos soprarem do ocidente ou do oriente).

Com o 25 de Abril comprimiu-se Portugal e a Europa, passando estes a recolher-se para dar passagem a novas potências! Pena é o tal mundo português ter voltado – sozinho sem os lusófonos – apenas à periferia de uma União Europeia que, por miopia, lhe estreita a visão obrigando-o a não se aproveitar do mar, aquilo que tem em abundância (a tristeza, o tédio e a ganância levam-no a não se preocupar suficientemente pela construção de um mundo luso): se uma Alemanha se preocupa por fomentar os povos vizinhos a leste porque não se preocupa a Europa latina por enriquecer os povos vizinhos africanos e Portugal-Brasil-Angola por favorecer os países lusófonos?

Ao velho realismo da ínclita geração e ao proselitismo de outrora sucedeu-se o oportunismo político e a indiferença empacotada no politicamente correcto. Para sair deste marasma terá de se voltar para o mar (não contra a Europa  mas como expressão dela), falar menos de Caravelas, de gaivotas e de rosas do vento, para se virar para a realidade de afazeres terrenos que o envolve e ao mesmo tempo não perder o ideal e a missão de outrora, aquele sonho-vida que, por pouco tempo, tornou Portugal grande. Não chega continuar a perder-se no sonho dando-se ao fado rotineiro de repetir o seu “destino” de produzir “navegadores” e emigrantes!…

É de observar que no destino de Portugal se espelha o reduzir da Europa já não a descobrir, mas a ser descoberta e querida sobretudo por aquilo que tem de transitório. 

Antes da primeira guerra mundial tínhamos a Europa das nações que dominava 90% do mundo (colonialismo motivado sobretudo por razões económico-comerciais) + imperialismo (motivado por razões económico-expansionistas); com a primeira guerra mundial inicia-se a passagem do poder das potências nacionais europeias para a grande potência surgente Estados Unidos; numa perspectiva europeia as guerras deixavam de ser europeias para se tornarem mundiais. Da segunda Guerra Mundial estabiliza-se o mundo dividido em dois blocos rivais: o dos EUA com o capitalismo e o da União Soviética com o socialismo (1). Neste espaço de tempo a Europa vai-se autodestruindo politicamente internando nela social e culturalmente o materialismo da luta socialista marxista e do capitalismo, de maneira antagónica; a Europa entra assim em contradição consigo mesma, o que a leva a deixar de existir como grandeza global. Simultaneamente vai perdendo o seu caracter latino ter passado a apoiar em África a autodestruição do seu poderio colonial que então, na África ainda disponível, passou a ser disputado entre a União Soviética (socialismo) e os USA (capitalismo); entretanto o Islão vota a acordar sendo de compreender o esforço do Irão por adquirir as armas nucleares.

O modo como Portugal (símbolo da Europa) cedeu as suas colónias ao socialismo é o melhor sinal  indicativo de uma Europa então já decadente e fraca (já sem valores ancorados na tradição), com ideais e valores apenas de caracter jurídico-mental e, politicamente sem tino, dividida entre os interesses do imperialismo socialista e os interesses do imperialismo capitalista anglo-americano, não elaborou um modelo de mundivisão humanista, democrático e solidário entre seus povos e vizinhos para se deixar levar na onda do poder mundial bipolar (socialista e capitalista) em vez de criar um modelo inclusivo dos dois, como elementos complementares onde a fraternidade e o povo sejam o ponto de partida e o ponto de chegada. Um sintoma do que se passa é a guerra económica que a Europa iniciou contra a Rússia deixando-se levar pela narrativa americana nos nossos Media que conseguiu, com eficácia, apagar a imaginação do povo europeu e deste modo apagar-lhe o espaço para a esperança de um agir próprio.

 Não quer isto dizer que se tivesse de ser contra a independência das colónias, pelo contrário, mas que o seu processo de independência tivesse sido também um empenho de Portugal e de toda a Europa numa visão de estratégica libertadora comum. O destino da Europa deveria ser comum ao da Rússia, África e das Américas, mas os imperialismos dos EUA e da Rússia obstaculizaram o caminho. E agora, numa altura em que as potências mundiais se digladiam deveria ser chegada a hora de uma Europa renovada assumir a missão de construir uma ordem mundial nova baseada não na contradição mas na inclusão complementar, com uma ética que parta da pessoa, e não da instituição (constantinismo), em termos de relação pessoal como preanunciado no modelo original cristão.

Portugal pode considerar-se como ponto charneira na mudança de matrizes do poder global! Foi-o com os descobrimentos e foi-o ao abandonar as “províncias ultramarinas” (fim do colonialismo nacionalista) ao imperialismo ideológico da União Soviética que se encontrava em concorrência com o imperialismo capitalista anglo-americano! Enquanto a esfera da União Soviética e dos EUA se alargavam, a das nações europeias estreitava. Portugal e a Europa, descuidaram-se em relação a Washington e Moscovo, abandonando a África obrigando-a a manter-se num empasse, enquanto na Europa num processo de entropia se ia perdendo o cunho latino (“romano”) e afirmando o espírito anglo-americano acompanhado pelo maçónico! Também a África e suas independências nacionais teriam merecido mais dedicação pelos interesses nativos e menos abandono a ideologias estranhas que também as subjugavam.

Portugal e a Europa deixam de existir como grandeza global ao autodestruir-se interna e culturalmente através de um socialismo materialista irreflectido e abdicando de si mesma para dar lugar à apropriação americana que exprime o cúmulo da sua alienação nos seus mercenários em Bruxelas julgados grandes por copiarem o que os USA ditam. A guerra económica contra a Rússia encherá compêndios (1).

Desde os anos 60 os EUA e a União Soviética esforçavam-se (através do fomento de instabilidades e aquisição de influência em zonas africanas) por ocupar o lugar deixado ou a deixar pelo colonialismo europeu. Os líderes africanos encontravam-se numa de orientação para o socialismo ou para o capitalismo. Entretanto, fizeram a experiência de que tanto o modelo americano como o modelo soviético não os ajudam. Entrementes, a China veio como mais um concorrente na tentativa de ganhar a África e já tem mais de 10.000 empresas em 46 estados africanos.

Não se trata agora de construir um mundo português, mas de reconhecer que na sua pequenez se poderia encontrar o mundo todo a descobrir-se em cada parte, podendo esta tornar-se a missão europeia. Primeiramente, porém, Portugal e Espanha teriam que se descobrir, politicamente, como unidade ibérica para redescobrirem a sua alma atlântica, de maneira a conciliarem o caracter doutrinal ocidental com o caracter pragmático oriental e assim iniciarem uma nova maneira de ser e estar mais baseada em compromissos do que em supremacias.

Cada época ou geração elabora a sua narrativa sem se dar conta que esta faz apenas parte de um género em que o passado é continuado de maneira mais ou menos latente no presente. O mal e o bem do passado encontram continuidade no mal e no bem do presente e nós ficamo-nos por contemplar as narrativas atacando o mal no passado para não ver o mal do presente. A colonização continua, sob outros pretextos, mas com as mesmas fundamentações. Da colonização dos territórios passou-se a investir mais na colonização das mentes: a discriminação permanece, só que mais refinada e escondida de maneira a não ser notada à primeira vista, mas a ser identificada em próximas gerações.

Só um Portugal-Espanha unidos e comprometidos irmãmente com as antigas colónias conseguirão afirmar-se na nova contextualização global a delinear-se. Doutro modo a Península Ibérica fica entalada entre o Atlântico e os Pireneus!

António da Cunha Duarte Justo

Teólogo e Pedagogo

Pegadas do Tempo

 

(1) A implosão da União Soviética (1991) a que se sucedeu o globalismo (marca economia liberal) apressou depois o surgir económico da China no palco mundial.