SOCIALISMO E CAPITALISMO RESULTANTES DE DIFERENTES ÉTICAS – A CATÓLICA E A PROTESTANTE

Atualidade da matriz católica e da matriz protestante

A ideia leva à acção como garantia de desenvolvimento (1).

No atual conflito internacional (ocidente-oriente), penso assistirmos, numa determinada perspectiva europeia, à continuação do debate entre a matriz social/antropológica de cunho católico e a matriz social/antropológica de cunho protestante. Estes são como que os dois polos de uma mesma realidade no processo de desenvolvimento social e individual. Se por um lado no catolicismo se destaca o movimento centrípeto (a comunidade) no protestantismo e na sociedade anglo-saxónica acentua-se o movimento individual centrífugo em relação à comunidade.

A sociedade e a natureza deixam-nos livres, mas também presos; nelas se constata que a autonomia só é possível no relacionamento. Daí a emancipação ter de ser vista num relacionamento processual de maturação recíproca e como processo de complementaridade inclusiva.  Antropológica e sociologicamente tem como sujeito comum o humano em tensão entre comunidade e indivíduo, tradição e inovação, entre terra e céu (Que seria da árvore sem a terra que a sustenta? A negação de uma significaria o fim das duas!). Assim uma sociedade saudável terá de integrar o fenómeno da individuação (autonomia) e da socialização (comunidade) como processo de desenvolvimento recíproco. A sociedade ocidental tem-se desenvolvido mais no sentido da individuação (afirmação do ego) mas tem desprezado o seu aspecto comunitário (afirmação do nós)  e deste modo em crise devido ao processo de autodestruição porque afirma o “movimento de rotação” sem contemplar o “movimento de translação” que incorpora aquele numa constelação ou sistema comunitário e sem isso conduz a uma desconstrucção tornada inerente ao sistema.

Uma emancipação Voluntária (2) acontecerá entre a emancipação familiar/social/individual e a emancipação legal/institucional e não numa conexão de subjugação de uma em relação à outra. Se observamos o sistema solar poderemos identificar os diversos planetas, mas todos eles recebem a consistência do Sol (a Terra sem o Sol seria impensável). A verdadeira emancipação (autonomia individual) não pode esquecer a sua natureza relacional, a necessidade de um habitat cultural (Deus, “Pátria” e Família) doutro modo transforma-se em meteorito, fora de órbitra, que se autodestrói devido à inércia e à resistência do espaço-tempo ou acaba num buraco negro que tudo sorve!

De momento vivemos numa sociedade precocemente envelhecida sem consciência do equilíbrio necessário das várias forças condutoras que lhe dariam vitalidade e sustentabilidade. A emancipação terá de ser entendida como processo individual e colectivo sem que um se oponha ao outro. O relacionamento recíproco entre o indivíduo e o grupo acontece num processo de autolibertação e desenvolvimento quer do indivíduo quer da comunidade numa cumplicidade solidária de dar e receber! O processo de autoafirmação em oposição à comunidade só poderá ser compreendido como fase adolescente numa conjuntura especial de individuação, mas não como atitude sã e equilibrada permanente (a tensão interpolar é o factor de desenvolvimento em intercâmbio).  Como exemplo dos extremos de individuação e de colectivismo temos o capitalismo e o socialismo, a sociedade ocidental e a sociedade islâmica. Enquanto a sociedade islâmica se apropria da singularidade individual subjugando-a à comunidade (aquisição de valor pela funcionalidade), a sociedade ocidental destrói as ligações à comunidade de maneira à pessoa se tornar num indivíduo sem características que o definam (e na consequência caminha-se para a anonimidade da pessoa como um abstrato funcional pragmático sem capacidade de autorresponsabilidade); na deficiência do caracter da comunidade ocidental afirmar-se-á o islamismo de maneira avassaladora na europa para ocupar este défice europeu e por outro lado o islão é aproveitado pelo globalismo mundial por atribuir à pessoa apenas um caracter funcional, o que o que facilita o estabelecimento de uma plutocracia mundial.

Um individualismo despersonalizado e demasiado acentuado afirma-se à custa  leva da comunidade favorecendo a criação de uma pequena elite mundial de déspotas iluminados que ditem normas e condutas de vida para as pessoas já descaracterizadas e regiões também elas sem caracter próprio e anonimizadas.

Passo a referir-me às diferenças éticas (católica e protestante) para melhor se entender os diferentes ideários entre os povos nórdicos e os povos do sul da Europa e a luta a decorrer entre o polo ocidental e o polo oriental. Muitas vezes combatemo-nos esquecendo que somos irmãos gémeos e de quem somos filhos. Diferentes teologias deram origem a diferentes éticas (salvaguardem-se muitas interpretações e expressões diferentes).

Em geral, a ética protestante baseia-se na crença no trabalho árduo, na economia e na necessidade de se submeter à vontade de Deus (aqui está certamente um dos factores que levou os países protestantes a tornarem-se mais ricos). Se a ética protestante acentua a consciência individual baseada na Bíblia (o indivíduo), a Igreja católica baseada nos ensinamentos da Igreja Católica acentua a autoridade transmitida através da igreja (a comunidade) e das tradições. A ética protestante enfatiza a justificação só pela fé (aspecto individual) e a ética católica além da fé acentua também a importância das boas obras e da cooperação com a graça (aspecto comunitário). Se para o protestantismo o importante é o relacionamento pessoal com Deus (distinção individual) a ética católica afirma especialmente a importância da graça e dos sacramentos (timbre comunitário) e não esquece a relação pessoal directa com Deus na mística e a nível moral a consciência individual como juiz soberano. Também no que respeita às virtudes há acentuações diferentes; se a ética protestante acentua a importância de virtudes como diligência, economia e responsabilidade pessoal, a ética católica enfatiza a importância de virtudes como misericórdia, caridade e solidariedade. De resto, a ética protestante tem uma forte incidência no trabalho e acentua a responsabilidade pessoal pelo sucesso na vida, a ética católica acentua o amor e a misericórdia para com os outros e a importância da comunidade e de defender os fracos (justiça social). Neste sentido a ética católica frisa a importância de virtudes como humildade, paciência, modéstia, bravura e justiça e convida os fiéis a viver e expressar essas virtudes nas suas ações diárias; exorta os fiéis a expressar a sua fé por meio das suas acções e a usar a razão no que toca a tomar decisões morais!

Também a cultura europeia não deveria tornar-se propriedade nem presa fácil de sistemas alheios a ela nem de mundivisões internas de esquerda ou de direita. Os dois polos para continuarem a ser integrais europeus ou globais terão de respeitar-se como partes integrantes do todo: o combate recíproco serve a autodestruição e a absorção por forças alheias mais fortes. O partidarismo aferrado e não tático apressa a derrocada da cultura europeia. Embora a opinião pública se deixe mover por posições extremas seria de pressupor nas elites dirigentes critério suficiente para não se deixarem cair na mesma dinâmica.

A divisão da ética cristã abrangente em dois polos opostos estilhaça a unidade e a perfeição cristã e com ela a alma cultural da Europa. Temos de nos encontrar para voltar a reencontrar a Europa e as suas fontes e nela o mundo. O cristianismo não ideologizado continua a ser a oferta integradora de indivíduos e sociedades numa relação fraterna de povos, religiões e culturas. Comunidade e individualidade são as rodas de um mesmo eixo que proporcionam o desenvolvimento humano e histórico.

A matriz católica e a matriz protestante expressam uma certa atualidade nos motivos da guerra a decorrer na Ucrânia onde se debate o sistema individualista anglo-saxónico com o sistema comunitarista oriental. O modelo anglo-saxónico (egocêntrico) encontra-se em decadência tal como o modelo da Idade Média se encontrava no surgir do Renascimento.

Devemos encontrar um meio-termo que abarque os dois polos para que os dois sistemas (um excessivamente individualista e outro excessivamente comunitário) se combinem de forma complementar num caminhar comum e numa só direção esperançosa (usamos o pé esquerdo e o pé direito, para avançarmos).

Neste sentido, a guerra na Ucrânia entre o Pólo Ocidental e o Pólo Leste é um grande desfasamento da história e apenas manifesta a estupidez, a arrogância e a falta de consciência das elites para com uma cultura que deveria começar por reconciliar-se a si mesma na Europa (de Lisboa aos Urais ) para assim se se possibilitar a reconciliação no mundo!

António CD Justo

Pegadas do Tempo

 

(1) (renascimento cultural dos séculos XIV, XV e XVI valoriza o humanismo, o racionalismo e a antiguidade greco-romana de maneira a preparar a passagem da Idade Média para a Idade Moderna de 1453 Conquista de Constantinopla a 1789 Revolução Francesa). Se na idade Média a terra (feudalismo) era o centro da riqueza e da produção (senhorios feudais) com a idade moderna inicia-se a economia do mercado (mercantilismo e capital) a ser o indivíduo o centro delas (poder centrado nos reis secundados pela nobreza e clero e no Estado). A época em que vivemos é também ela charneira e de consequências imprevisíveis tal como o tempo da mudança iniciado no século XVI (na passagem da Idade Média para a Idade Moderna).

(2) Emancipação como Princípio impulsionador da Idade Moderna   https://www.amazon.de/Ant%25C3%25B3nio-da-Cunha-Duarte-Justo/e/B076KYVPVH%3Fref=dbs_a_mng_rwt_scns_share

 

SERÁ QUE O SUL GLOBAL VIRÁ AJUDAR A REEDIFICAR A EUROPA?

Rivalidade entre sistemas que favorecem a individualidade e sistemas que favorecem a Comunidade

No momento crítico da História em que nos encontramos estamos a repetir, no âmbito geopolítico, a luta que se deu na Europa na passagem da Idade Antiga /Idade Média para a Idade Moderna/Idade Contemporânea. Duas mundivisões encontram-se hoje, como outrora, em luta rival: a mundivisão de caracter individualista e a mundivisão de caracter comunitário.

Em vez de se tentar uma relação equilibrada das forças da individualidade e das forças da comunidade as duas lutam bestialmente uma contra a outra (sociedades com estruturas sociais individualistas contraestruturas sociais medievais comunitárias, fazendo-se passar a ideia no povo de que a luta é entre liberdade e comunismo/autoritarismo quando se trata de dois polos de uma só realidade.

Os governantes europeus têm assumido no contencioso geopolítico uma posição irresponsável de ignorância cultural e da sua autonegação! Há um factor de erro e de crise comum nos dois tipos de sociedade em luta: a sociedade ocidental destruindo em si mesma a necessidade comunitária em favor do individualismo caótico e as sociedades orientais subjugando toda a exigência legítima de emancipação de um sistema comunitário abafador do indivíduo. No meio de tudo isto afirmam-se as arrogâncias e rivalidade dos poderes contra os povos e suas populações.

A partir do renascimento a Europa começou paulatinamente a abandonar o seu caracter comunitário latino (greco-romano) como reacção emancipatória adequada expressa no individualismo; essa tendência humanista aliada aos interesses dos senhores seculares  conduziram à discórdia (espírito nórdico contra o espírito latino); a Europa em vez de se desenvolver de forma inclusiva em relação à ética individualista protestante optou por seguir um só polo (individualismo) vendo-se absorvida e dominada pela cultura  e filosofia anglo-saxónica, atingindo o seu auge no iluminismo.

Hoje a cultura anglo-saxónica encontra-se em crise e na iminência de perder a sua hegemonia mundial para dar lugar a uma realidade global multipolar; apesar dos males e crises que as divisões criam talvez a actual crise se manifeste como a grande oportunidade para a Europa se reconsiderar e se reencontrar culturalmente de maneira integral deixando o caminho desintegrador iniciado pelos países protestantes no século XVI e levado ao extremo no iluminismo (modernismo) motivado hegemonicamente pela cultura anglo-saxónica que viu surgir o comunismo como tentativa de dar resposta à necessidade comunitária. O desenvolvimento e a cura deixaram de se dar na comunidade para iniciar a sua profanação e consequente fragmentação. O progressismo individualista oprimiu o desenvolvimento conservador de maneira a ser instalado um progressismo de bandeirantes como se observa hoje no agir de muitos grupos activistas!  

A Europa, vista na sua integralidade operou uma divisão cultural nela mesma ao optar pela cultura e filosofia anglo-saxónica. Hoje seria a oportunidade de se reconverterem as vertentes anglo-saxónica e latina de modo a poder-se criar na Europa o encontro do sul global com o nórdico. O Brexit foi um passo desastrado e quase de rutura com a Europa em favor da hegemonia anglo-americana e a União Europeia viu-se reduzida e à condição de ter de seguir, de cabeça baixa, os Estados Unidos. 

A cultura e a filosofia anglo-saxónica enfatizam a importância da liberdade e autonomia individual descurando o desenvolvimento comunitário (o estado social funciona mais como tapa buracos de um sistema por si polarizador). O direito à afirmação do indivíduo, à liberdade de expressão e o direito à autodefesa tornaram-se de tal maneira tensos que ameaçam tirar os últimos fundamentos à comunidade para os destruir em grupos individualistas sem consciência de comunidade e de bem-comum (constrói-se um humano sem características numa sociedade descaracterizada!). Assistimos na Europa à imposição do ideário protestante de caracter individualista ao ideário católico de caracter comunitário; na guerra da Ucrânia dá-se a luta entre a mundivisão emancipatória anglo-saxónica e a mundivisão comunitária oriental, faltando aqui a Europa com a função de papel moderador entre a afirmação do individualismo e do comunitarismo. Assiste-se hoje à crise inversa à que se deu no surgir da idade moderna com a sua expressão no protestantismo (emancipação da comunidade medieval). Se, na Europa, no renascimento e com o protestantismo a concepção de comunidade entrou em crise por sufocar o indivíduo, hoje a afirmação do indivíduo é tal que ameaça sufocar a comunidade de maneira a conduzi-la ao caos! A filosofia individualista encontra a sua melhor expressão na cultura anglo-americana. Na falta de uma complementaridade e inclusão dos factores individualismo e comunidade fomentam-se as guerras entre mundivisões de caracter mais individualista ou mais comunitárias. Desta falta de inteligência e compreensão humana assistimos a nível geopolítico como exemplarmente se combatem as duas mundivisões (individualista e comunitária) de maneira catastrófica quando a tarefa seria de se aproximarem uma da outra. No meio disto quem se aproveita da situação é o socialismo/comunismo (China) porque assume assim um caracter religioso dando a falsa ilusão de fazer uma síntese entre a necessidade humana de comunidade e de individualidade e a hegemonia americana ainda se oferece como vantajosa para países ou regiões da periferia económico-política.

A filosofia e a ciência anglo-saxônicas puseram em destaque o Empirismo e a metodologia científica e sobrepuseram na Europa o ideário e a ética protestante à católica (no próximo artigo reflectirei sobre as consequências da matriz católica e da matriz protestantes a nível geopolítico). O pragmatismo anglo-saxónico faz uma abordagem pragmática da realidade (político-económica) para encontrar soluções práticas. Esta posição unilateral favorece a decomposição cultural europeia.

António CD Justo

Pegadas do Tempo

 

QUEM SÃO OS RIVAIS SE A EUROPA É CONSIDERADA INEXISTENTE?

O Presidente Mácron solicita mais soberania para a Europa irritando assim a Alemanha

Mácron busca um debate que até agora foi oprimido na Europa. Na entrevista no voo de volta da China, Mácron referindo-se ao conflito com Taiwan disse: “O pior seria pensar que nós, europeus, deveríamos seguir a liderança nessa questão e nos adaptar ao ritmo americano e ao exagero chinês”.

O presidente francês Mácron no seu discurso de visita à Holanda, também pede mais soberania europeia. Mácron não se contenta com uma Europa presente mundialmente só pela sua importância económica; ele quer que a Europa assuma relevância a nível geopolítico para ter influência nos destinos dos povos; doutro modo estes continuarão a ser determinados pelos Estados Unidos e pela Rússia (e num futuro próximo também pela China).

Indiretamente Mácron adverte também para a experiência com o conflito na Ucrânia provocado pelos EUA e pela Rússia e onde os interesses da Europa foram sacrificados a longo prazo.

No próximo conflito, a Europa não deve cair na armadilha dos EUA, como aconteceu com a Ucrânia; doutro modo a Europa permanecerá sempre presa das crises geopolíticas externas.  Vai sendo tempo de as potências deixarem de afirmarem os seus negócios egoístas com a guerra em vez de negociarem a paz!

Se a Europa não acordar, os estados extremamente dependentes da administração americana tornar-se-ão vassalos dos EUA e da China. A Europa mereceria ter uma palavra a dizer em questões geopolíticas se fosse fiel a próprios interesses e às suas populações, mas para isso, não poderia renunciar a ser a terceira posição geopolítica e desse modo poder contribuir para a construção da paz mundial.  Para tal, os governantes europeus teriam de renunciar a serem mercenários das guerras dos Estados Unidos assumindo uma atitude diferente em relação à Rússia, aos Estados Unidos e à China e, ao mesmo tempo, abandonar a velha atitude imperialista, imanente à política do regime americano.

Que o governo alemão se irrite com a mensagem de Mácron é natural porque a Alemanha não tem a possibilidade de privilegiar uma política europeia em relação aos Estados Unidos devido às condições pós-guerra que lhe foram impostas e ao facto da presença militar dos EUA na Alemanha ser avassaladora! Na Europa precisa-se uma influência mais latina e menos anglo-saxónica.

O governo alemão critica Mácron, acusando-o de se isolar da Europa, mas ignora que Mácron personifica melhor a voz, a situação e os interesses da Europa do que a Alemanha; esta encontra-se altamente comprometida pela presença militar americana. Devido aos fardos da guerra e às condições impostas pelos aliados vencedores, a Alemanha só pode ocupar na política mundial uma posição intermediária vendo-se limitada ao poder económico e controlada no que respeita às relações económicas com a Rússia (recorde-se a espionagem de Ângela Merkel, o boicote económico do gasoduto Stream 2, pelos “amigos” americanos e a sabotagem explosiva de Stream 1 e 2! Também por isso o debate político na Alemanha obedece a certas coordenadas em relação aos EUA e também a Israel.

Na questão de Taiwan, trata-se primeiramente da luta de interesses entre os EUA e a China, tal como na Ucrânia, dos interesses da Rússia e dos Estados Unidos, onde a ingenuidade e o oportunismo europeu se envolvem na qualidade de ajudantes, mas que durante e depois da guerra são responsabilizados por ela.  Já não basta repetir o mantra de que somos parceiros, é hora de usar-se o bom senso e velar pelos interesses europeus.

Quem são os rivais se a Europa é considerada inexistente? Não basta argumentar que os chineses são rivais sistêmicos por causa do socialismo. Os países internacionais que não fazem negócios com a guerra devem estar preparados para o diálogo, pois tanto o capitalismo liberal como o socialismo precisam de um tratamento fundamental para se tornarem mais compatíveis com a dignidade humana e com os interesses humanos e estatais. É uma impertinência e uma exigência excessiva continuar a alimentar conflitos baseados em cosmovisões diferentes em vez de aferir e colocar as cosmovisões de forma convergente ao serviço de uma mudança radical a favor da paz e das pessoas. A discussão tinha que ser abrangente e não apenas ao serviço do ponto de vista de interesses egoístas. A Europa, goste ou não, a longo prazo, será mais dependente da Rússia e da China do que dos EUA apesar do poder estratégico mais alto destes. O interesse e o poder mais elevado deve ser o da paz (1).

Na opinião pública europeia joga-se com cartas pró-americanas e antieuropeias ao impedir-se uma discussão pública diferenciada e crítica que permita formular interesses culturais europeus.

Macron visitou com Von der Leyen a China, mas Mácron recebeu altas honras enquanto Von der Leyen, teve uma recepção de segunda classe; e isto certamente porque ela não queria a China como mediadora, mas apenas como afiliada da OTAN.

É triste observar-se que os media fora da europa apresentem uma discussão mais crítica e objectiva em relação ao cenário geopolítico. Mácron incomodou muita gente da real política por ter levado a acompanhá-lo uma grande delegação empresarial! Naturalmente em política nunca há um lado limpo.

A política mundial oscila entre o leste e o oeste e os jornalistas, em vez de oscilarem entre a previsão e a comparação, adoram seguir o erro amenizado através de um misto de decepção e esperança.

 

António CD Justo

Pegadas do Tempo:  https://antonio-justo.eu/?p=8441

(1) MINISTÉRIO DA PAZ COM IGUAL ORÇAMENTO AO DO MINISTÉRIO DA DEFESA: https://antonio-justo.eu/?p=8429

 

 

BOAS FESTAS ALELUIA! ALELUIA! ALEGRIA-PAZ E BEM!

A Cruz Sinal do Universo e da Salvação une os Extremos e resolve-os

“Boas festas, aleluia! Aleluia! Cristo ressuscitou, aleluia!”, costumam saudar-se os cristãos uns aos outros no Domingo de Páscoa. Nesta atmosfera saúdo cristãos e não cristãos também!

A tristeza e a alegria andam juntas e complementam-se. O paleontólogo e teólogo Teilhard de Chardin convida-nos à reflexão constatando que, tal como no cristianismo das origens,  “A cruz não é apenas um símbolo do lado obscuro e regressivo…, mas sobretudo do lado sublime e luminoso do universo em formação”.

De facto, a cruz une os polos, as forças opostas e as contradições contidas nela congregam e libertam as mais altas potencialidades e possibilidades da e para a vida.  Na cruz está resumida a cruz da humanidade e a cruz da realidade (do mundo físico). De facto, poderíamos considerar a cruz como a grande fórmula da Realidade imanente e transcendente no cadinho da vida em efervescência. Segundo Alfons Rosenberg não se trata de imitar a cruz, mas de se “tornar a cruz”. Na cruz o encontro da polaridade refuta a visão dualista da vida (maniqueísmo) de nos fixarmos no bem ou no mal. Na cruz e na pessoa de Jesus Cristo podemos ver juntas as polaridades do mundo e da humanidade numa dinâmica semelhante ao símbolo de Yin-Yang do oriente. Na existência fazemos a experiência de que muito dela é cruzada ou riscada com a consequente experiência do fracasso, mas ao mesmo tempo lá está o eixo vertical a apontar para a transcendência. Espiritualidade e corporalidade precisam de equilíbrio. A linha transcendental da vida cruza a linha horizontal da mesma para que nossa existência seja correta e equilibradamente elevada. A nossa forma humana revela-nos como sendo portadores da estrutura da cruz. Em termos de simbologia, o eixo transversal da cruz mostra a conexão com a terra e com o corpo acentuando o eixo feminino (vida existencial, irmandade solidariedade), o aspecto biológico da vida, enquanto a acentuação do vertical, o eixo masculino (vida abstraída) acentua a verticalidade. A demasiada acentuação de um ou outro eixo (ou de um dos quatro braços) pode criar desequilíbrios críticos na vida humana. Assim a demasiada acentuação do eixo vertical pode corresponder a uma análoga dessensualização do pensamento e pode conduzir à falta de relacionamento na área humana (Jesus é o exemplo ou protótipo humano do equilíbrio das diferentes forças). Na sociedade humana corre-se o perigo de se acentuar demasiadamente o factor racional/abstracto em desfavor de o humano. Alfons Rosenberg (judeu convertido ao catolicismo) na sua meditação da cruz, ao descrever o significado da acentuação dos quatro braços dela, diz que a cruz latina, ao contrário de outras cruzes, acentua o masculino-patriarcal através do eixo vertical prolongado. Revela uma certa discrepância entre o aspecto místico da cruz e o aspecto da igreja institucionalizada. Importante é estar-se consciente da dinâmica e tensão criada na acentuação de um dos braços na existência real e na vida pessoal.

A cruz de braços estendidos envia o fluxo de vida para o mundo numa espécie de ciclo vital que tudo envolve incluindo o fluxo de vida dos seres humanos.

A cruz une o espírito e a matéria, o humano e a natureza tal como Jesus Cristo reúne e une nele a divindade, a humanidade, o espírito e a matéria.

Romano Guardini (1885-1968) grande teólogo e filósofo diz que o sinal da cruz “É o sinal do universo e é o sinal da salvação”. De facto, no cristianismo dos princípios, a cruz representava o “sinal do filho do homem „ que aparecerá nas nuvens do céu para a renovação do mundo. A fixação do significado da cruz na cruz da gólgota (Cristo crucificado), tão importante na piedade popular, não deve ser reduzido a tal e deixar esquecida a extensão cósmica da cruz que tem um significado que envolve toda a natureza  (até a física quântica). Neste sentido é de recordar a teologia do “Cristo Cósmico” de Teilhard de Chardin!

 Fazer o sinal da cruz (persignar-se e benzer)  é um gesto importantíssimo da fé e muito efectivo, se for realizado com interioridade (presença vivencial de Deus, da humanidade e do universo), para ser-se abençoado e abençoar; abençoar o próximo, animais e a natureza com o sinal da cruz é um gesto salutar para o próprio e para os outros (pode ser efectuado de forma reservada!) Naturalmente, como sinal do universo pode ser usado por cristãos e não cristãos!  

O sinal da cruz expressa resumidamente a fé cristã no Deus Triúno e é símbolo de salvação por meio da morte e ressurreição de Jesus Cristo. Fazer o sinal da cruz não é apenas um gesto externo, mas expressa uma atitude interior do coração. É uma expressão de humildade e vontade de carregar e seguir a cruz de Jesus Cristo. Nesse sentido, o sinal da cruz é um símbolo de devoção e confiança em Deus.

Na cruz temos a perspectiva de Deus, do humano e do mundo; nela está consagrada também a corporalidade do homem e de todas as coisas.

Também o orar de braços abertos afirma a corporalidade aberta em cruz que poderíamos sentir como ressonância de Deus e do universo em nós e de nós em Deus e no universo. Como disse são gestos que podem também ser feitos por pessoas não cristãs e ao fazê-lo sentirão o aspecto benéfico no espírito e no corpo. Para quem nunca o fez pode experimentar fazê-lo, por exemplo, ao pôr do sol, ao levantar do sol, numa noite de céu estrelado, junto ao mar ou ao ouvir uma música envolvente que passa a habitar em nós.  Importante será criar em nós um espaço recolhido para entrar numa atitude de admiração, apreço e respeito e ao mesmo tempo fazer o exercício de inspirar o amor que tudo une e expirar-se algo que nos fere ou preocupa. Nesse inspirar e expirar pode ser que se tenha a dita de se sentir interiormente a morte e ressurreição (uma espécie de osmose espiritual entre o divino e o humano provocadora de uma vivência da unidade do todo que envolve a paixão e a ressurreição num aleluia exuberante que poderia até expressar-se como orgasmo da alma).

António CD Justo

Teólogo e Pedagogo

Pegadas do Tempo

 

MINISTÉRIO DA PAZ COM IGUAL ORÇAMENTO AO DO MINISTÉRIO DA DEFESA

Desarmamento em vez de Redução da Assistência social

O velho apelo de se “fazer a paz sem armas” foi substituído por “fazer a paz com armas”: uma contradição que apoia os que não querem a paz, mas a guerra para poderem expandir o seu poder. Os dominadores dos povos passam assim a distribuir o negócio sangrento entre eles.  Para terem sucesso servem-se da propaganda pela entrega de armas e pela militarização de nossa sociedade. O armamento mata mesmo sem guerra e cria pobreza porque o dinheiro que vai para o armamento falta noutro lugar do orçamento.

Hoje seria perigoso politicamente fazer a proposta de “em vez de armas plantar-se árvores” resolvendo-se dessa maneira o problema ecológico e da guerra! A injustiça deve ser combatida, sendo para isso preciso ver-se as suas raízes e as suas causas. As armas são o problema de ambos os lados.  Não há solução, mas os lobistas das armas também não têm solução, apenas lucro!

Nota-se a falta de resistência não violenta contra a injustiça e contra a ânsia imperial pelo poder.

Temos sido levados por um caminho egoísta e precipitado no sentido de uma militarização perigosa (Também militarização da emocionalidade social). Raiz do mal: 2% do produto interno bruto ao ano para fins militares e 100 bilhões de bens especiais para os militares (note-se o eufemismo germânico propagandístico da designação usada “bens especiais” para iludir o cérebro humano; imagine-se que se empregava a palavra exacta que seria “despesa”!).

Qual será a razão por que os cidadãos e os contribuintes não têm direito a um Ministério da Paz paralelo ao Ministério da Defesa (com orçamento estatal igual ao militar)? Assim teríamos um estado mais justo e democrático que contemplava um orçamento em defesa do povo e outro em defesa dos interesses institucionais que se encontram nas mãos de elites. Precisamos de iniciativas comprometidas com a paz com projetos concretos. À pergunta: “Putin pode ser parado sem armas?” poderia seguir-se a contra pergunta: “Putin pode ser parado com armas”? Não se nota interesse em iniciativas tendentes em sair da espiral da violência. Quanto sangue do povo deve fluir, até que se procure uma solução através de conversações?

A rotina impede-nos de criar iniciativas dignas e propícias a uma nova era mais desenvolvida e virada para a paz e centrada no bem-comum, no bem da pessoa e do povo e não na sustentabilidade da sua exploração pelos mais fortes, com a desculpa que só a concorrência poderá produzir progresso; uma nova era preocupada com o desenvolvimento integral humano pressuporia um novo ideário e uma nova estratégia: o esforço que os Estados empregam para apoiar os serviços mais fortes teria de ser invertido no sentido da colaboração e não na mera concorrência. As leis da evolução (afirmação do mais forte e a união dos mais fracos para garantir a evolução) continuariam a ter validade embora com a acentuação dos serviços da coesão e da solidariedade dos mais fracos como doutrina de Estado. O ideal da democracia deveria consistir em transferir para o povo a força e o poder dos privilegiados dos sistemas até hoje vigentes.

O vigor dos fortes, dos poucos, beneficia (e abusa) da contribuição dos muitos. Um ministério de paz poderia seguir nas pegadas das tarefas idealistas da religião.

A democracia deve buscar alternativas para se defender não apenas com armas como tem sido próprio da filosofia do mais forte prevalecente ao longo da História.

Em 2015, mais de um milhão de refugiados de guerra da Síria, Iraque, Somália e Eritreia chegaram à Alemanha. Entre o final de fevereiro de 2022 e 28 de março de 2023, 1.058.218 refugiados da Ucrânia foram registrados no Registro Central de Estrangeiros alemão. A Alemanha mostra-se pródiga, mas pratica discriminação no trato baseado na origem dos refugiados. Atendendo à diferenciação na dedicação e trato, os africanos não são tão importantes emocionalmente para os europeus como os refugiados de guerra da Ucrânia. A guerra civil na Ucrânia antes de 24 de fevereiro de 2022 já havia tirado a vida a 17.000 pessoas. Pelos vistos também a emoção e empenho das pessoas dependem não da gravidade factual, mas da maneira como é apresentada nos meios de comunicação social. Em África têm sido mortos milhões de pessoas devido a intrigas dependentes de interesses americanos, europeus, muçulmanos e russos e apesar disso, a sensibilidade moral pública mantem-se indiferente relativamente às barbaridades políticas e económicas praticadas em países africanos.

Armas não são a resposta do povo, armas são sim a resposta dos poderosos; estes não morrem na guerra e vivem bem da guerra! Hoje a guerra ainda é mais injusta que nos tempos antigos porque nestes também morriam poderosos!

Quando passará a guerra a ser um assunto do passado? Certamente quando o homem for mais Homem e quando os governantes deixarem de viver do seu negócio com o povo e de serem premiados pela violência que usam.

Lamentamos o facto de Jesus ter sido morto por causa de sua ideia de amor a Deus, ao próximo e ao inimigo (O amor aos inimigos seria uma forma de reconhecer a nossa cumplicidade na hostilidade!) mas paradoxalmente continuamos a apoiar os Pilatos, os Herodes e os Judas Iscariotes da história actual.

A majestade dos poderosos mancha a terra e humilha os simples!

António CD Justo

Pegadas do Tempo