A IDEOLOGIA DO GÉNERO ESCOLTA UMA ÉPOCA DE CATÁSTROFES

Instituto Camões ensina ideologia de género em aulas de Português no Estrangeiro (1)

Encontramo-nos numa situação marcada por um requisito epocal que nos torna a todos parte da catástrofe. Por trás daquilo que nos move encontra-se a exigência/programa da filosofia existencialista niilista de nos colocarmos no lugar de Deus. A genética perdeu de vista a mortalidade da natureza e a engenharia virtual perdeu o sentido do humano e de uma vida digna. A megalomania levou à perda do antigo conhecimento de que Deus é sopro/respiração que dá vida ao pó. Hoje mais do que nunca o destino da humanidade está nas mãos de poucos. A guerra contra o Homem começa pela luta contra o seu Significado e Sentido.

A ideologia do género encontra-se ao serviço de um transumanismo que pretende ser como Deus, mas se está a tornar no seu próprio diabo.

A ideologia do género quer abolir a pluralidade do ser e conseguir reduzir a pessoa a um elemento insignificante em si e assim suprimir as diferentes identidades e características de individualidades e ao mesmo tempo inverter a ordem da criação. No seu programa de desconstrução do humano e da tradição arroga-se o direito de criar uma nova antropologia em que a manipulação cultural deve chegar a prescindir da natureza.

Salvaguardados os aspectos positivos da manipulação genética e das tecnologias virtuais, é importante estar-se atentos ao seu uso indevido porque as forças negativas em acção podem escravizar-nos a todos com o argumento de que somos criadores de nós próprios e que a questão do significado é desnecessária. Ao contrário do desenvolvimento da criação, que ordena no sentido do simples para o complexo, os criadores de uma nova época do “desenvolvimento” querem reduzir o complexo ao simples, à matéria.  As exigências da economia à ciência e à política dominam provocando um discurso público unilateral adverso a uma cultura do diálogo e da controvérsia entre o poder material e o poder espiritual para um desenvolvimento da humanidade e da sociedade mais equilibrados (2).

O mito de Adão e Eva representa a fase de desenvolvimento que afirmou a mente sobre a natureza surgindo então a fase histórico-cultural do género humano numa dialética entre o divino e o humano; atualmente encontramo-nos na época científica ou niilista (da morte de Deus que limita o humano à matéria) em que o mito científico segue uma dialética que coloca o intelecto sobre/contra o sentimento, a ideia sobre o humano. Com a separação do sentimento da compreensão (razão), e a inteira subjugação do sentimento à razão, as pessoas e a sociedade tornam-se tão unilaterais que nós próprios nos convertemos, sem nos darmos conta, numa ameaça à própria existência.

De facto, o factor sentimento já não tem qualquer valor argumentativo e é sobretudo abusado como meio de manipular e escravizar as massas, ao ser confinado ao discurso político-social (3).

O homem cria problemas e persegue-os com os mesmos princípios que os criaram. Veja-se o militarismo apregoado pelas nossas elites e que prescinde do humano.

Nesta época mental, o conhecimento e a ambição não reconhecem fronteiras nem limites. A desconexão da cultura da natura, que separa e até antagoniza razão e sentimento e ciência e crença, torna-nos mais dependentes e desumanizados ao amarrar-nos só à ideia de progresso ou a uma só parte de nós que é a razão, como se fosse possível definir o ser humano só a preto ou a branco. O homem da época atual segue uma crença no progresso em que a sugestividade do progresso é tão forte que traz consigo a ilusão que ele tudo determina e influencia.

Os criadores materialistas combinam a “espiritualidade” com a tecnologia para que se experimente um sentimento de “transcendência” ao nível dos instintos primários, uma secularização que substitui a vida religiosa. Na realidade, os pensamentos movem a matéria e dão a impressão da vinda do espírito.

O transumanismo é elaborado por “engenheiros” onde os humanos são vistos como peças de uma máquina sempre sujeita a melhorias mecânicas. É assim que se difunde uma geração de “gente” que assume o pensamento materialista e pragmático dos engenheiros e, no plano sociopolítico, uma “filosofia” que só se orienta pela sociologia (dados e estatísticas) no sentido da máquina contra o humano.

A ideia de redenção pela máquina é acompanhada pela ideia de que o dinheiro e o ego estão no centro da humanidade. A obstinada ideia do ambiente é sobretudo palratório acompanhante geradora de medos que turbam a mente.

Como nos ensina a filosofia e a teologia, a consciência humana é um cosmos e como tal não reduzível a uma ideia como o transumanismo nos quer fazer crer. O que este pretende é uma intervenção radical no ser humano de modo a este se tornar irreconhecível. Têm a ilusão de querer criar uma raça melhor e, para o conseguir, destruir a atual consciência da raça humana.

A pretensão de criar Deus, de criar o amor, leva a reduzir tudo a erro tornando o mundo num manicómio.

Pretendem a inclusão do Homem numa superinteligência, uma espécie de deus criado, um deus-máquina apenas com alguns poucos maquinistas! Teremos então uma espécie humana que vive da ilusão da promessa de se tornar melhor: a identidade é perdida, ficando a promessa de se tornar sobre-humano vivendo da utopia do progresso.

Filósofos e teólogos alertam para os perigos subjacentes a esta ideologia. A propaganda da discussão de género inclui uma interferência fundamental bruta na humanidade. É contra a capacidade de sentir, não prestando atenção ao conhecimento subtil do corpo, que inclui a “razão do coração”, como a tradição religiosa testemunha com a experiência do espírito santo como corrente que tudo anima e se torna numa experiência fundamental. A ideologia quer retratar as pessoas que acreditam no transcendental como se este fosse um modelo obsoleto e muitas pessoas distraídas deixam-se levar naquela enxurrada. Daí a veemência do fanatismo que o Homem encontra nas forças materialistas e ateias, que se depara por toda a parte nas estruturas estatais, desde as universidades aos programas partidários e às diversas ONGs financiadas por interesses bilionários contrários ao humanismo de cunho europeu.

Se seguirmos o discurso da ciência hoje, temos de perceber que a sua argumentação é niilista e ateísta através do mau uso do conhecimento.

As pessoas podem decidir de uma forma ou de outra, mas dependendo das circunstâncias, torna-se uma questão individual, mas só através de uma ressacralização do mundo é que pode haver um desenvolvimento real no sentido de algo mudar. É necessária resistência.

Durante a pandemia de Covid, os governantes e cripto-ideólogos constataram como as pessoas são obedientes e como os interesses poderosos unidos aumentam rapidamente o poder e o capital.

Época da luta contra o homem espiritual e contra as grandes tradições de espiritualidades sérias.

Temos uma política e meios de comunicação que seguindo uma Filosofia niilista conduz ao materialismo e a um cientificismo que trabalha contra o humanismo. As tecnologias apoderam-se do nosso corpo e da nossa alma. No passado dominava sobretudo a escravização das forças físicas do corpo, hoje escraviza-se também o espírito humano – a nossa alma – sendo esse trabalho facilitado pela manipulação tecnológica através da nova realidade virtual e da manipulação dos genes. As novas tecnologias dão oportunidade de uma pequena elite iniciar um período de desconstrução da história e do humano e assim se apoderar dele mesmo.

As questões da vida quotidiana aplicam-se então sem saudade espiritual e a sensibilidade onde a vida é fortemente vivida é substituída pela indiferença. O Niilismo exclui a transcendência e deixa a pessoa como um ser perdido, como um Prometeu condenado a carregar a pedra pesada da vida, montanha acima, montanha abaixo.

Em nome do progresso encontramo-nos todos a caminho do abismal global. Já nenhuma civilização está isenta deste processo.

Na era do niilismo a esperança só poderá vir a ser fundamentada num pequeno resto de humanos que mantenham ainda a consciência da realidade a desenvolver-se na tenção entre matéria e espírito (a via humana de acesso à realidade), entre ser e ter. Tudo perde a sua identidade para se classificar como elemento da maquinaria.

Quem perde Deus de vista cai numa contingência radical sem sentido, sem individualidade e sem comunidade e a moral passa a ser subjugada a meros interesses. Deus é ainda garantia de humanidade e se ficar fora do jogo, o povo também ficará fora do jogo e tudo será deixado ao acaso e entregue aos oportunistas do poder.

A necessidade de transcendência reside em cada pessoa, mas cada pessoa como portadora da luz e da treva traz à tona em maior ou menor grau as forças do mal ou do bem.

O que motivou a minha reflexão foi o facto de o Instituto Camões em Londres estar a doutrinar crianças de 6-11 anos na ideologia do género. No livro em português “Menino, Menina” (em inglês “Celebrando a liberdade de género para as crianças”, de Joana Estrela lê-se: “precisas de saber se és rapariga ou rapaz? Só olhando nem sempre és capaz. A resposta não está debaixo da Roupa (1).” Com a mesma subtilidade se vão incutindo clandestinamente diferentes ideologias nas populações. A pessoa humana não pode ser definida nem a preto nem a branco, mas a realidade da complexidade humana não justifica tentativas de querer reduzi-la à cor laranja!

António da Cunha Duarte Justo

Pegadas do Tempo: https://antonio-justo.eu/?p=9617

(1) Instituto Camões do Ministério dos Negócios Estrangeiros, introduz ideologia de género em aulas de Português no Estrangeiro:   https://observador.pt/opiniao/ideologia-de-genero-porque-razao-esta-o-instituto-camoes-em-londres-a-ensina-la-a-criancas-de-6-anos/  e https://executivedigest.sapo.pt/noticias/precisas-de-saber-se-es-menino-ou-menina-conteudos-sobre-identidade-de-genero-levam-cds-a-questionar-mne-sobre-aulas-no-instituto-camoes/

e  “Menino, Menina” https://www.publico.pt/2022/11/16/culturaipsilon/noticia/livro-ilustrado-joana-estrela-nomeado-premio-carnegie-reino-unido-2028039

 

(2)  MÉTODO DA CONTROVÉRSIA E A EXCELÊNCIA ESCOLAR JESUÍTA: https://antonio-justo.eu/?p=3336

(3) DO DISCURSO EMOCINAL: https://jornalpovodeportugal.eu/2022/07/24/do-discurso-emocinal-contra-o-discurso-racional/

 

FINALMENTE CONVERSAÇÕES À VISTA ENTRE A RÚSSIA E A UCRÂNIA

O futuro presidente dos EUA, Trump, nomeou um enviado especial para a Ucrânia e a Rússia. O ex-general Kellogg foi nomeado por Trump para elaborar um plano e entabular conversações entre a Rússia e a Ucrânia, como informa a imprensa alemã.

Durante a campanha eleitoral trump tinha prometido pôr fim à guerra na Ucrânia antes de assumir o cargo se fosse eleito.

Deste modo é contrariado o objetivo declarado da NATO de só terminar a guerra quando ganhasse a guerra. É de se dizer, Trump (USA) locuta causa finita!

Agora os Media terão oportunidade de se tornarem mais objetivos nas suas informações e comentários em relação ao conflito geoestratégico de que a Ucrânia foi vítima.

O plano terá em vista congelar as linhas de fronte de batalha nas suas posições actuais e obrigar os dois contraentes a sentarem-se à mesa das negociações; se a Ucrânia não entrar em conversações de paz ser-lhe-á negado o fornecimento de armas e se a Rússia não entrasse em negociações isso pressuporia a continuação do fornecimento de armas à Ucrânia pelos USA. Também a adesão da Ucrânia à NATO é posta fora de questão.

Esta será uma oportunidade para a União Europeia se voltar para a Europa e defender os seus genuínos interesses; estes estão determinados pela geografia que pressupõe a construção de boas relações entre a Rússia e a Europa. No sentido do bem-estar da Europa e dos cidadãos só falta que a União Europeia reconheça o caminho errado que tem sido seguido até agora e o repare.

Os mais sacrificados foram os ucranianos e a Ucrânia que terá de ceder territórios à Rússia, o que não aconteceria se se tivesse mantido neutra.

 

António da Cunha Duarte Justo

Pegadas do Tempo

UCRÂNIA FOMENTA CISMA ORTODOXO AO PROIBIR A IGREJA ORTODOXA RUSSA (IOU-PM) NO PAÍS

Maldades da Guerra e dos Belicosos

Na Ucrânia a Ortodoxia cristã encontra-se atualmente dividida entre a Igreja Ortodoxa Ucraniana autónoma (IOU-PM) sob a jurisdição do Patriarcado de Moscovo e a Igreja Ortodoxa Ucraniana autónoma (IOU) sob a jurisdição do patriarca de Constantinopla. Apesar de deserções, a IOU-PM ainda conta com cerca de 10.000 a 12.000 paróquias (cerca de 68% de todas as comunidades cristãs ortodoxas do país). Tem uma forte presença sobretudo em regiões do Leste e do Sul da Ucrânia. Por sua vez a IOU contava em 2023 com aproximadamente 7.000 a 8.000 paróquias.

O presidente Volodímir Zelenski que advoga uma «independência espiritual» total, para a Ucrânia, viu a sua vontade confirmada em lei pelo parlamento ucraniano que aprovou a proibição da Igreja Ortodoxa ligada ao Patriarcado de Moscovo (IOU-PM). A lei (de 21/08/2024) que proíbe atividades à IOU-PM contou com o voto de 265 dos 450 deputados do parlamento (39 a mais do que o mínimo necessário). As comunidades terão nove meses para romper com o Patriarcado de Moscovo da Igreja Ortodoxa da Rússia. Temos também a nível de religião o povo ucraniano dividido entre si.

O patriarcado de Moscovo reagiu afirmando que “a proibição visa expandir a perseguição do regime de Kiev à Igreja Ortodoxa Ucraniana e a clara violação dos direitos humanos internacionalmente reconhecidos no domínio da liberdade religiosa”.

Também o Conselho Ucraniano das Igrejas e Comunidades Religiosas da Ucrânia reflecte a nível eclesiástico o nacionalismo do regime ucraniano ao apoiar a proibição da Igreja Ortodoxa russa (UOK), que é acusada de se ter tornado “cúmplice dos crimes sangrentos dos invasores russos contra a humanidade”, de santificar as armas de destruição maciça e de apoiar a destruição do Estado, da cultura e da identidade ucranianos (1).

As duas igrejas são expressão e testemunho da divisão do povo ucraniano que devido aos interesses geopolíticos rivais entre a Rússia e os EUA-EU-NATO viu perturbado o seu crescimento orgânico e natural na qualidade de povo ucraniano quer como Estado unitário quer como Estado federal.

Segundo a InfoCatólica “A ilegalização dos ortodoxos leais a Moscovo, que são a maioria dos ortodoxos ucranianos, poderia aprofundar o cisma ortodoxo ao ponto de o tornar praticamente irreversível. Seria o maior cisma no seio das Igrejas Ortodoxas desde a sua rutura com Roma (2).”

A Igreja Ortodoxa da Ucrânia (IOU) foi reconhecida como autocéfala pelo Patriarcado Ecuménico de Constantinopla em 2019, deixando de pertencer à jurisdição de Moscovo para passar à de Constantinopla (3). Deste modo se rompeu com séculos de união e supremacia do Patriarcado de Moscovo sobre o cristianismo ortodoxo na Ucrânia. Tudo isto acontece à margem dos ucranianos ortodoxos praticantes que querem manter-se fiéis à religião ortodoxa tradicional (ligada ou não ao Patriarcado de Moscovo). O sentimento anti russo fortaleceu o desejo de uma igreja nacional independente, especialmente após o conflito entre Rússia e Ucrânia. Nem todas as igrejas ortodoxas ao redor do mundo reconhecem a IOU. A Igreja Ortodoxa Ucraniana não canónica – Patriarcado de Kiev (IOU-PK), fundiu-se com a IOU. Desde a sua criação em 2018, a IOU tem-se afirmado como igreja ortodoxa nacional (patriótica), especialmente nas áreas mais anti Rússia. Muitos ucranianos que anteriormente pertenciam à IOU-PM passarem para a IOU por razões nacionalistas e de identidade nacional.

As relações entre as duas principais igrejas ortodoxas na Ucrânia são tensas devido a questões de identidade nacional e de geopolítica.

A Igreja Ortodoxa Ucraniana autónoma (IOU-PM) sob a jurisdição do Patriarcado de Moscovo tinha ficado ligada a Moscovo mesmo após a independência política da Ucrânia. A IOU-PM tem perdido influência, paróquias e fiéis, especialmente em regiões mais ocidentais e centrais da Ucrânia, onde o sentimento anti-Rússia é mais forte.

A lei ucraniana instrumentaliza a religião pois a proibição da (IOU-PM), corresponde, de facto, a uma nacionalização da espiritualidade e ao mesmo tempo a um ataque à existência da minoria russa da Ucrânia e ao povo ucraniano que em geral quer continuar sob a jurisdição do patriarcado de Moscovo. É um caso verdadeiramente embaraçoso e fatídico para todas as partes, o facto de a religião estar a ser mais uma vez a fazer parte de uma guerra na Europa (4).

Na Ucrânia, políticos nacionais e internacionais agem de forma sorrateira e enganadora do seu próprio povo e da comunidade europeia.

Como se constata a guerra, de um lado e do outro, só conhece o poder e a violência como maneira de afirmar os próprios interesses. Por isso é característica de todo o poder político marginalizar toda a instituição que lhe faça sombra porque só um povo abandonado a si mesmo – sem instituições de interesse e de defesa – pode ser totalmente manipulado pelos interesses organizados no sistema.

 

António da Cunha Duarte Justo

Pegadas do tempo

 

(1) Temos assim a versão eclesiástica do nacionalismo ucraniano, irracional e totalitário.

(2)  https://www.infocatolica.com/?t=noticia&cod=50200&utm_medium=email&utm_source=boletin&utm_campaign=bltn240819

(3) O Santo Sínodo presidido pelo Patriarca Bartolomeu I decidiu “revogar o vínculo jurídico da Carta Sinodal do ano de 1686, escrita em função das circunstâncias da época”, que concedeu “o direito ao patriarca de Moscou de ordenar o metropolita de Kiev”, “proclamando e afirmando a sua dependência canônica da Igreja Mãe de Constantinopla”.

(4) O sistema político ucraniano reprime sistematicamente a minoria russa na Ucrânia; primeiro, proibindo jornais em russo, partidos pro-rússia, depois criando uma Igreja Ortodoxa nacional e agora, por lei, proíbe a Igreja Ortodoxa (UOK) que está sob o Patriarcado de Moscovo.

 

Ucrânia entre imperialismo russo e ocidental : https://www.triplov.com/letras/Antonio-Justo/2014/ucrania.htm

Até a Arte se torna Vítima da Política: https://triplov.com/ate-a-arte-se-torna-vitima-da-politica/

Relações Igreja-Estado na Rússia: https://macua.blogs.com/moambique_para_todos/2022/05/rela%C3%A7%C3%B5es-igreja-estado-na-r%C3%BAssia.html

SAUDADE

SAUDADE DE SER

Hoje sou ontem, sou o dia de amanhã,

Nos olhos carrego imagens que se vão,

Vivo a dor de um começo sem fim,

Como rio que corre, sem mar na visão.

 

Sou filho de mãe, de pais que são filhos,

A surgir no estar, sem nunca ser,

Uma nuvem perdida nos mares tranquilos,

Retalhos de vida, sem ter o que ter.

 

Que resta do mar, senão o bramir

Do braço na espuma, que não quer partir?

O destino de existir num ser sem cessar,

É dor de saudade, de ser sem chegar.

 

Sombra que busca a luz, sem razão,

No mistério do ser, no engano da visão.

Palmilha do eterno, que sou afinal,

Uma nesga de vida, à procura de alvará?

 

António da Cunha Duarte Justo

Pegadas do Tempo

A PALAVRA/VERBO E OS SEUS COMPLEMENOS

“No princípio era a Palavra, e a Palavra estava com Deus… e ela se fez Carne.”

Deus começou por falar fora do tempo; um “tempo” divino em que a Palavra era um processo em potencial, capaz de ganhar forma, mas ainda não formatada; um estado em que ser e existência não se diferenciavam no devir latente. O ser e a existência coexistiam, indissociáveis, no kairós do tempo sem tempo. Para que o ser se tornasse existência, era necessário moldá-lo em espaço e tempo. Foi nesse surgimento que a Palavra encontrou o seu eco no espaço e no tempo.

A palavra de Deus começou a ressoar na natureza, na voz do homem e dos povos, nas várias línguas e biótopos da natureza e da cultura. Foi então que o eco de Deus se tornou existência, e a existência tornou-se o Eco de Deus.

O som da linguagem está na origem de todo o devir. No entanto, o devir só se completa quando o som retorna à Palavra que o gerou. Em todo o humano e em todo o universo, ouve-se e sente-se o eco da Palavra divina original, em constante expansão. Diante de tão grandioso Eco, a alma humana procurou resolver o hiato entre a palavra e o eco, entre o Criador e a criação, encontrando-o no modelo e padrão da realidade humana e cósmica: Jesus Cristo (a Palavra encarnada e a carne tornada Palavra).

A linguagem humana, como elemento de ligação e diferenciação, contém em si a energia primordial do caos, que, através da afirmação da contradição, tenta dar forma à Palavra, recorrendo à analogia numa tentativa de compreender o enigmático.

O destino fatídico da humanidade parece ainda não ter percebido que o eco da Palavra se manifesta de maneiras diferentes, assumindo, em cada ser, lugar e tempo, um som distinto. Esse som (eco divino) expressa-se na frequência do coração, do intelecto, da ciência, da religião, da política e de cada indivíduo, como uma ressonância única de um mesmo som. O trágico da questão é que cada eco se confunde, tomando-se por Palavra, em vez de reconhecer que é apenas uma ressonância da frequência de uma realidade que nos ultrapassa.

Encanta-me sentir a ressonância de um som brilhante ao amanhecer e sombrio ao anoitecer! Para mim, tanto a nível pessoal quanto alegoricamente para toda a humanidade, acredito que a fórmula de toda a realidade, tanto no nível da Palavra (o espírito) quanto no nível do Eco (a criação), é Jesus Cristo.

Em Jesus Cristo, o ser e a existência, o espírito e a matéria, reúnem-se. O eco que lhe dá forma é o amor, aquele paráclito que possibilita unir o conteúdo à forma, o criado ao não-criado, superando assim a dualidade que a condição humana e nossa linguagem expressam. De outro modo, continuaremos todos a viver sob a sombra dos escombros da Torre de Babel.

António da Cunha Duarte Justo

Pegadas do Tempo

Ver versão poética em http://poesiajusto.blogspot.com/