DILEMA POLÍTICO EUROPEU

Com quem fazer coligação para se poder governar?

A política europeia enfrenta um dilema cada vez mais evidente: como formar coligações governativas eficazes sem cair na armadilha da paralisia institucional? A sociedade alemã oferece um exemplo paradigmático desta dificuldade. O governo formado pelos Verdes, o SPD e o FDP (apelidado de “coligação semáforo”) tem-se revelado uma experiência conturbada, com constantes bloqueios internos devido às posições ideológicas inflexíveis de cada partido. O resultado é uma Alemanha cada vez mais paralisada e com sinais de decadência económica e social com populações movidas nas sendas de um pensar único. Em 2023, a economia alemã recuou 0,3%, e a instabilidade energética agravou a crise industrial do país.

Coligações formadas com base em táticas partidárias de curto prazo, ao invés de uma visão estratégica para o país, tornam-se prejudiciais para a sociedade. Falta-lhes uma linha de orientação clara e coerente. Parece não haver uma saída fácil para este impasse porque também a União Europeia pretende prescindir do sentir do povo e das inteligências e dos interesses dos países membros; em vez disso premeia o oportunismo de governantes e políticos de perfil em quadros partidários contando com estratagemas de formatar a vontade popular.

A crise da dicotomia esquerda-direita

O debate político atual continua excessivamente centrado na dicotomia esquerda-direita, mas esta abordagem tem-se revelado insuficiente para compreender e responder às necessidades contemporâneas. Em vez de oscilar entre um polo e outro, a sociedade exige uma estratégia que lhe permita avançar, aproveitando os pontos positivos de ambas as perspetivas (progressistas  e conservadores) para traçar um caminho baseado na racionalidade e não se perder no beco sem saída da defesa de interesses partidários de modelo atrasado.

Há elementos de valor nos dois extremos ideológicos, mas alianças mal calibradas podem ser desastrosas. Uma coligação com o PS ou Verdes, enraizada na sua mundivisão marxista, poderia perpetuar a atual crise económica e social, na Europa e especialmente em Portugal que continua a apresentar dos mais baixos níveis salariais e de produtividade da Europa Ocidental. Por outro lado, uma aliança com a chamada extrema-direita pode arrastar os partidos do centro-direita para um pragmatismo radical, afastando-se também ela, das tradições culturais judaico-cristãs, gregas e romanas que moldaram a Europa.

Deste modo, tanto o socialismo dogmático (e esquerda oportunista) como o radicalismo da direita conduziriam a becos sem saída. O resultado seria a continuação da erosão da cultura ocidental de reminiscências cristãs, que tem sido a base do humanismo europeu.

A necessidade de um conservadorismo renovado

Os conservadores deveriam buscar alianças dentro da direita, mas sem abdicar dos valores fundamentais da filosofia cristã e de uma moralidade aberta ao diálogo. Se esta identidade se perder, o conservadorismo corre o risco de se tornar apenas uma ferramenta para implementação do marxismo e seu prolongamento maoísta, como tem acontecido até agora.

O humanismo cristão, que coloca o indivíduo no centro da soberania, constituiria a verdadeira base de uma verdadeira democracia. O socialismo marxista, sendo um filho desgarrado do humanismo cristão, poderia reencontrar-se com as suas raízes. Tal como na parábola do filho pródigo, poderia utilizar o património do pai para reconstruir um projeto sustentável, sem necessidade de destruir as suas próprias heranças e fundações.

Para que isso aconteça, o Poder concentrar-se-ia na sua tarefa real e principal, que consistiria em evitar danos causados ​​ao povo, mas para isso o Poder teria de se converter ao Povo e à sua vontade.

António da Cunha Duarte Justo

Pegadas do Tempo

DONATIVO DE MILHÕES NA DEMOCRACIA DE MERCADO

O partido AfD, na Alemanha, recebeu um donativo em espécie de 3,35 milhões de euros de Gerhard Dingler, da Áustria. O dinheiro será utilizado para colocar 6.395 cartazes em toda a Alemanha pelo AfD, independentemente da sua campanha eleitoral oficial.

Quando lhe perguntaram por que razão estava a confiar tanto dinheiro ao partido AfD (extrema direita), Dingler disse que havia o risco de o futuro governo alemão fornecer mísseis de cruzeiro Taurus à Ucrânia e que queria evitar que isso acontecesse. Este facto foi relatado pela WDR alemã e pela ORF austríaca.

Não chega berrar contra os bilionários e por trás dos bastidores fazer o seu negócio em benefício próprio com eles, como era praxe de costume, mas não pública. Agora que Trump se revela contra o etablishment político há mais temporal na sociedade, principalmente por parte daqueles que se tinham estabelecido nos mirantes do poder que lhes assegurava a vantagem. O discurso político aceso a que agora assistimos é, de uma maneira geral, o costumado alarido popular, que movido apenas pelos sentimentos, se deixa arrastar para um dos partidos das duas elites que disputam entre si o poder!

A democracia encontra-se desprotegida enquanto o cidadão não notar que o rei vai nu e não exigirem dos governantes que protejam o bem comum e a própria nação; até lá, todo o alarido não vai muito além de música de acompanhamento.

Só a vitória de Trump tornou Elon Musk 21 mil milhões de dólares mais rico! Por outro lado, Trump põe em questão os atuais vendilhões do templo que reagem desesperados.

Para cúmulo do escândalo também é um facto que duas famílias na Alemanha têm mais dinheiro do que a metade mais pobre de toda a população.

A sociedade encontra-se em pleno tumulto interior e a democracia também: não por este ou por aquele motivo, mas porque  foi desfalcada sobretudo por aqueles que foram eleitos para defenderem os interesses do povo e do país e passaram a defender interesses sobretudo ideológicos e partidários.

E agora, para cúmulo da hipocrisia, até os media se mostram surpreendidos embora se limitem a administrar a miséria popular. De facto, já sabiam nos 10 anos anteriores a 2014 que o que estava em causa era sobretudo as riquezas da Ucrânia e os interesses geopolíticos rivais e não mostraram interesse em apresentar isso aos espectadores e pelo contrário impediram da tribuna pública quem não fosse cúmplice com eles!

Hoje como antes fazem uso da mesma tática de difamar e criar preconceitos, sem argumentar,  porque querem fazer passar a sua versão como sendo a verdadeira (informação pós-fática usada hoje regularmente pelos nossos meios de comunicação relativamente à Ucrânia e em parte a Trump); o mesmo fizeram políticos e meios de comunicação social afectos aos governos, seguindo irresponsavelmente orientações de agendas superintendentes, no caso das medidas Covid 19. Criaram uma chaga aberta nas populações: uma situação vergonhosa para estados ditos democráticos e, para cúmulo da questão, os políticos ainda não pediram desculpa por terem desmontado a Constituição e pelos abusos cometidos.

Não chega para os políticos o saberem que as populações têm memória curta e se ocupam do que lhes põem na manjedoura da informação. A continuação de tais táticas destrói sistematicamente a democracia e depois ainda os partidos do arco do poder têm o desplante de se armarem em defensores dela pelo facto de o povo, com dores de estômago, barafustar contra tudo e contra todos! Não é o grito que destrói a democracia. Se não houver uma mudança radical na atitude e na mentalidade da elite política, económica e cultural, continuamos a marcar passo e a contribuir para a queda da qualidade de vida e da civilização europeia.

O templo da Democracia encontra-se profanado pelos vendilhões do poder e da ideologia: os lugres santos da sociedade foram transformados em lugares de mercado. Não será fácil sair do niilismo relativista querido e propagado porque, onde tudo é feira, tudo se torna parceiro de mercado.

 

António da Cunha Duarte Justo

Pegadas do Tempo

RESPEITO E NOSTALGIA

Pequena Reflexão sobre Valores Antigos e Modernos

Uma foto no Facebook, mostrando uma criança a beijar a mão de um padre, trouxe-me à memória práticas antigas de respeito, como beijar a mão de pais, avós, tios, padrinhos e padres. Embora o gesto seja nostálgico e bem-intencionado, ele pode ser mal interpretado hoje, reforçando preconceitos ou uma visão idealizada do passado.

O respeito é um valor essencial, mas a forma como o praticamos precisa de evoluir. Acredito que o respeito, embora bastante defraudado, ainda existe, mas talvez se manifeste de formas diferentes. Em vez de ser imposto por uma estrutura hierárquica, ele pode ser cultivado através do diálogo, da empatia e do reconhecimento mútuo – no amor ao próximo realizam-se de maneira mais profunda as características anteriores.

No entanto, não podemos ignorar que há uma tendência atual de criticar o passado de forma simplista, especialmente quando se trata de valores familiares e religiosos, ou ignora que o respeito actual também enfrenta desafios, como a falta de cortesia no dia a dia. O marxismo e o materialismo contemporâneo, por exemplo, muitas vezes utilizam imagens como essa para denegrir tradições cristãs, sem propor alternativas verdadeiramente inclusivas. Essa crítica, porém, acaba sendo tão superficial como a nostalgia que pretende combater.

No entanto, isso não significa que o respeito tenha desaparecido. Estamos num processo de transformação, buscando formas mais justas e inclusivas de convivência.

Para os cristãos, o exemplo máximo de respeito e amor ao próximo está em Jesus Cristo: um respeito que vai além de gestos simbólicos e se traduz em acções concretas de amor ao próximo. A nostalgia pelos valores antigos pode ajudar-nos a refletir, mas o respeito deve ser vivido de acordo com os valores e necessidades do nosso tempo.

António da Cunha Duarte Justo

Pegadas do tempo

 

Sobre o Respeito e a Nostalgia pelos Valores Antigos

 

Recentemente, deparei-me com uma publicação no Facebook que me fez refletir. A imagem mostrava uma criança a beijar a mão de um padre, um gesto que, segundo o autor, simbolizava respeito pela figura religiosa. A cena, embora bem-intencionada, despertou em mim uma certa inquietação. Não pelo gesto em si, mas pelo que ele pode representar nos dias de hoje quando visto sem o devido contexto.

Lembrei-me de que, na minha infância, era comum beijar a mão de pais, avós, padrinhos e padres como sinal de reverência. Era uma prática enraizada numa sociedade onde a autoridade e a hierarquia eram claramente definidas. No entanto, ao ver essa fotografia hoje, percebo que ela pode ser mal interpretada. Em vez de promover o respeito, pode acabar reforçando preconceitos e uma visão idealizada do passado, que nem sempre foi justo ou inclusivo.

A imagem, embora nostálgica, torna-se um contratestemunho se apresentada como um modelo a ser seguido nos tempos atuais. O respeito, claro, é um valor que deve ser preservado, mas a forma como o praticamos precisa de evoluir. Vivemos numa era em que a democracia, a igualdade e a diversidade são pilares fundamentais. O respeito não pode mais ser imposto por hierarquias rígidas, mas deve ser cultivado através do diálogo, da empatia e do reconhecimento mútuo.

É importante reconhecer que o passado tinha as suas virtudes, mas também suas limitações. O respeito, naquela época, muitas vezes estava associado a uma ordem social excludente, onde nem todos tinham voz ou direitos iguais. Hoje, temos a oportunidade de construir um respeito mais profundo e abrangente, que valorize a dignidade de cada indivíduo, independentemente da sua posição social, formação ou crença, à medida do amor ao próximo.

No entanto, não podemos ignorar que há uma tendência atual de criticar o passado de forma simplista, especialmente quando se trata de valores familiares e religiosos. O marxismo e o materialismo contemporâneo, por exemplo, muitas vezes utilizam imagens como essa para denegrir tradições cristãs, sem propor alternativas verdadeiramente inclusivas. Essa crítica, porém, acaba sendo tão superficial quanto a nostalgia que pretende combater.

Acredito que o respeito, embora bastante defraudado, ainda existe, mas se manifesta de formas diferentes. Em vez de gestos simbólicos, como o beija-mão, ele pode ser expresso através de ações concretas: ouvir o outro, reconhecer suas necessidades e agir com empatia. Claro, há desafios. A falta de cortesia no dia a dia é evidente, mas isso não significa que o respeito tenha desaparecido. Talvez estejamos apenas num processo de transformação, buscando novas formas de convivência que sejam mais justas e inclusivas.

Para os cristãos, o exemplo máximo de respeito e amor ao próximo está em Jesus Cristo. Ele não se limitou a teorias ou gestos simbólicos, mas viveu o respeito na prática, acolhendo todos, especialmente os marginalizados. Se nos inspirarmos nesse modelo, podemos construir um respeito que vá além das aparências e toque o coração das pessoas.

Em suma, a nostalgia pelos valores antigos pode ser um convite à reflexão, mas não deve ser um retorno cego ao passado. O respeito, como todos os valores, precisa de ser reinterpretado e vivido de acordo com as necessidades e desafios do nosso tempo.

António da Cunha Duarte Justo

Pegadas do tempo

Homenagem a S. João Bosco no Aniversário da sua Páscoa

No dia 31 de janeiro, celebramos com gratidão e alegria a memória de São João Bosco, fundador da Congregação Salesiana. Foi na madrugada deste dia, em 1888, que ele entregou a sua alma a Deus, depois de uma vida inteiramente dedicada à educação e formação dos jovens, especialmente os mais pobres e abandonados.
Ordenado sacerdote em 1841, Dom Bosco iniciou o seu apostolado nos arredores de Turim, acolhendo jovens que viviam nas ruas, oferecendo-lhes um ambiente de jogo, formação cristã e ensino profissional. Com a missão de “formar bons cristãos e honestos cidadãos”, fundou o Oratório de Valdocco, dando origem a um carisma educativo baseado na razão, religião e amor. Entre os seus jovens, destacava-se Domingos Sávio, a quem Dom Bosco transmitiu uma mensagem essencial: “Aqui fazemos consistir a santidade em estar sempre alegres”.
A sua confiança inabalável em Jesus e Maria Auxiliadora era o centro da sua vida e da sua obra. Em 1855, fundou a Congregação Salesiana, formada por sacerdotes e leigos comprometidos em propagar a sua missão. Mais tarde, em 1872, juntamente com Santa Maria Mazzarello, fundou o ramo feminino salesiano, as Filhas de Maria Auxiliadora, ampliando assim a sua presença educativa no mundo.
Hoje, a família salesiana, presente em mais de 130 países, continua a ser um farol de esperança para milhares de crianças, adolescentes e jovens. Que o legado de Dom Bosco nos inspire a viver com alegria, entrega e dedicação, promovendo a educação e a evangelização com o mesmo ardor e amor que ele nos ensinou.
A todos os Salesianos e Salesianas, parabéns por continuarem esta obra de Deus! Que São João Bosco interceda por nós e nos ajude a ser sinais do amor de Deus no mundo.

O lema deste ano para os salesianos é: «Ancorados na esperança, peregrinos com os jovens».

António da Cunha Duarte Justo
Pegadas do Tempo

Sonnya em Diálogo com a Verdade

Era uma tarde cinzenta quando Sonnya, exausta de tentar entender o mundo, se sentou à beira de um rio imaginário. Ela não sabia como, mas sentia que ali algo extraordinário aconteceria. Foi então que uma figura translúcida, com uma presença ao mesmo tempo reconfortante e inquietante, surgiu. Chamava-se Verdade.

Sonnya: Quem és tu?

Verdade: Eu sou a Verdade. Mas não a que pensas conhecer. Sou a busca que todos têm, mas poucos entendem.

Sonnya franziu as sobrancelhas. Sentia na mente as ideias em correria e baralhadas, mas, ao mesmo tempo, um certo fascínio.

Sonnya: Então diz-me, por que é tão difícil encontrar-te? Encontro-me perdida num labirinto de informações contraditórias, cada uma dizendo ser tu.

Verdade: Porque não sou mais o que costumava ser. Houve um tempo em que a minha essência era procurada em coisas concretas, como estrelas no céu ou raízes no chão. Agora, cada um cria a sua versão de mim, e chamam a isso liberdade.

Sonnya: Liberdade? Isso parece mais uma prisão. Tudo é tão relativo que não sei mais em que acreditar. Como posso encontrar clareza?

Verdade: Para entenderes, precisas de ouvir como as coisas chegaram a este ponto. Imagina que cada indivíduo ou grupo criou a sua “verdade”. Isso começou com a ideia de que a experiência de cada um tinha valor, algo que era justo. Mas sem um critério para avaliar essas experiências, as “verdades” multiplicaram-se como folhas ao vento.

Sonnya: Então… agora vivemos num mundo de folhas, mas sem raízes?

Verdade: Exatamente. Vê o que acontece: se todos têm a sua “verdade”, ninguém pode dizer o que é certo ou errado; isso também se vê na luta partidária. Não há terreno comum para resolver discordâncias. Nos debates éticos, científicos ou sociais, tudo se torna uma batalha de opiniões e quem é mais forte impõe a sua.

Sonnya olhou para o rio como que a refugiar-se nas águas turvas que refletiam a sua confusão.

Sonnya: Isso explica o caos. Mas por que é que isso chegou a este ponto e foi permitido?

Verdade: Em parte, porque os poderosos perceberam que podiam usar isso em seu favor. Dividindo as pessoas em “verdades” particulares (opiniões), é mais fácil controlá-las, o mesmo se dando com a verdade dividida por partidos. Quem detém os meios de comunicação e quem manipula os algoritmos nas redes sociais molda as “verdades” a seu gosto. O primeiro passo dado para isso foi a propagação do niilismo, que transformou a fé numa crença que faz de cada pessoa um fictício superego que rota em torno da mente.

Sonnya: Então, a liberdade de expressão transformou-se numa ferramenta de opressão?

Verdade: Sim, quando não acompanhada de responsabilidade e de um critério para distinguir o que é real do que é manipulado.

Sonnya sentiu um peso no peito, um peso do tamanho da Europa e da Rússia ao mesmo tempo.

Sonnya: Mas e a ciência? Não era para ela ser o farol da verdade?

Verdade: A ciência é um farol, mas também ela tem sido obscurecida por interesses. O seu objetivo é buscar o que é verificável, mas, nas mãos erradas, os seus resultados podem ser distorcidos para atender a agendas específicas, não contando já com os interesses e tendências de quem a subsidia.

Sonnya sentiu-se como se lhe tivessem dado um soco no estômago e começou a chorar.

Sonnya: Isso é desesperante. Estamos condenados a viver assim?

Verdade: Não. Há uma saída, mas ela exige hombridade e coragem. Primeiro, é preciso reconhecer que não sou algo que se possa possuir, mas algo que se deve buscar continuamente, numa perspectiva  de ser e não de ter. Sou uma jornada universal, que não se perde num destino prisioneiro da ocasião nem do tempo.

Sonnya olhou para o horizonte. Sentiu uma lembrança brotar dentro de si, algo que havia aprendido na catequese, mas que se perdera com o tempo. Então murmurou:

Sonnya: Na catequese, ensinaram-me que a Verdade não é apenas alguma coisa para ser encontrada fora de si mesmo, mas alguém que se encontra dentro… Jesus. Ele dizia que estava no interior de cada um de nós, mas, passado algum tempo e uma vida com muitos emaranhados tudo se perdeu. Ficou apenas a vaga ideia do homem honrado que viveu na Galileia e uma escondida saudade de ele.

A Verdade sorriu, como se aquelas palavras fossem um eco do que ela mesma era.

Verdade: Não te esqueças, Sonnya, que palavras ajudam, mas são apenas sinais. O que realmente importa é a atitude. O modo como olhas para a vida e como tratas os outros. Talvez aquilo que na vida real praticas!

Sonnya sentiu algo a aquecer o seu coração. Era como se, finalmente, tivesse encontrado um fio condutor, algo que fazia sentido.

Sonnya: Então… a Verdade é uma atitude?

Verdade: Sim. É bonomia, generosidade, compaixão, encontro. Essas são as raízes que podem sustentar as folhas da tua busca. Jesus sabia disso. Ele não dizia apenas “Eu sou a Verdade”, mas vivia a Verdade. Trata-se de ouvir a voz do coração no mais íntimo de ti mesma porque a voz da mente cada vez se torna mais na voz de senhores externos.

Sonnya levantou-se, sentindo-se como que levada por asas de passarinho. Não porque todas as respostas tivessem sido dadas, mas porque agora entendia que a busca da Verdade era, em si mesma, uma forma de viver com propósito.

Sonnya: Obrigada, Verdade. Não sei se posso mudar o mundo, mas posso mudar-me a mim mesma.

Verdade: E ao fazeres isso, já começaste a mudar o mundo que se encontra tão inacabado como tu.

A verdade evaporou-se como uma brisa suave e Sonnya regressou à vida aliviada e com um novo compromisso: procurar sempre a luz dentro de si e partilhá-la com o próximo; de facto, a vida autêntica só pode ser alcançada através de escolhas pessoais numa relação direta com a voz de Deus, ouvida longe de ideologias e opiniões sistémicas.

António da Cunha Duarte Justo

Pegadas do Tempo

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