Segredo do Made in Germany

Formação profissional na Alemanha exemplar a nível mundial

António Justo
A Alemanha é, depois da China, o país de maior exportação mundial. É o centro do comércio internacional, plataforma giratória para o tráfego rodoviário aéreo e marinho. No ano 2011 fez exportações no valor de 1,06 trilhões de Euros (1.060.000.000.000 euros) e importações no valor de 902 bilhões (902.000.000.000 euros).

 

Os produtos alemães impõem-se no mercado mundial devido à sua qualidade e inovação. O aumento da produção globalmente competitiva, a moderação salarial de sindicatos e empregados, constituem a mistura que possibilita o milagre alemão. De referir no entanto, que os produtos alimentares e de necessidades básicas, são mais baratos na Alemanha do que nos países vizinhos.

 

O segredo da qualidade dos produtos feitos na Alemanha vem do sistema dual (1)de ensino profissional baseado na colaboração entre escola e oficinas patronais de cada região. As empresas têm um grande componente familiar e continuam na tradição das (guildas) associações profissionais medievais (2) . Na Alemanha, ainda hoje são as câmaras do comércio e da indústria que examinam os aprendizes e passam os diplomas profissionais.
Segundo uma investigação da OECD sobre o ensino profissional em 17 países, a Alemanha recebe a qualificação de muito bom. Países de grande relevância para o futuro, como é o caso do Brasil e países emergentes deveriam orientar-se pela Alemanha.

 

O ensino está todo ele orientado para a aquisição qualificada duma profissão média, até mestre e para uma especialização no ensino superior técnico e universitário.
A minha experiência, quer a nível superior quer a nível de escolas do secundário levou-me a gostar dum sistema que antes questionava com o receio de ser demasiado selectivo.

 

Durante o ensino obrigatório, os alunos são obrigados a interromper a escola por algumas semanas (geralmente no oitavo ou nono ano) para fazerem um estágio em firmas liberais, industriais ou do comércio. As firmas colaboram com a escola e estão enquadradas legalmente para o fazer. Há sempre professores encarregados da relação aluno-oficina-escola. O aluno tem de passar por todas as secções da firma e no fim fará um relatório avaliativo do que fez e viu fazer. O relatório será depois analisado e qualificado em aula na escola. Deste intercâmbio aproveita o aluno em termos de orientação escolar e profissional e aproveita a empresa integrada no meio ambiente.

 

Um dos segredos do “made in Germany” está na interligação de ensino teórico e prático já nos verdes anos da vida. Unem de forma excelente a teoria à práxis, além de contribuírem para a integração das famílias, das escolas e das firmas na aldeia/vila/cidade. Muitos dos alunos que fizeram o estágio nas firmas deixam vestígios nelas que lhes podem facilitar a sua integração profissional, uma vez acabada a formação.

 

O aluno alemão que escolhe o currículo profissional médio, para tirar um curso de pedreiro, electricista, padeiro, serralheiro, etc., depois do 9°/10° de ensino obrigatório tem de frequentar a escola profissional durante três anos num sistema de ensino dual. Isto é, passa, semanalmente, três dias na oficina/escritório e dois dias na escola profissional do seu ramo. Depois de três anos adquire a qualificação profissional com o grau de oficial (Geselle), podendo depois doutros três anos de profissão adquirir o grau de mestre, grau este que o habilita a poder fundar firma do ramo. Os exames são feitos perante a Câmara do Comércio e da Indústria. Estas é que estão habilitadas a passar os diplomas de oficial e de mestre. Há também a possibilidade de, uma vez terminada a escola profissional, frequentar escolas técnicas superiores.

 

Todos os jovens em formação e jovens trabalhadores entre os 16 e os 25 anos têm direito, além das férias normais, a 5 dias de formação político social por ano.

 

Um país que queira seguir as pegadas de sucesso alemão deveria entrar em diálogo com as câmaras de comércio e indústria das representações alemãs no respectivo país. As firmas alemãs radicadas no estrangeiro ofereceriam uma oportunidade ideal para o fomento dum tal ensino dado possuírem a experiência que trazem da Alemanha.

 

Os chineses estão a manifestar grande interesse pelo sistema de ensino profissional dual, enviando delegações a escolas profissionais alemãs.

 

A capital da economia brasileira é S. Paulo. A Câmara do Comércio e da Indústria de S. Paulo já está muito activa neste sentido. O Brasil estaria bem aconselhado se privilegiasse a Alemanha como modelo de formação profissional por todo o lado. A filosofia das empresas alemãs ainda não se encontra contaminada pela filosofia utilitarista doutras firmas só interessadas no produto e no lucro. Com o tempo, ao abrir-se aos accionistas mundiais poderão dar-se transformações. O alemão é trabalhador, sério e com vontade de ajudar ajudando-se também.

 

O Equador tem um plano para introdução do sistema dual. O Equador poderá com este sistema dar resposta às tradições benéficas em favor dos autóctones que os jesuítas iniciaram nos começos da colonização para os defender da especulação dos comerciantes espanhóis. Estes para poderem explorar melhor os nativos conseguiram da coroa espanhola a expulsão dos jesuítas.

 

Portugal depois do 25 de Abril, deslumbrado pela ideologia, acabou com um sistema de formação profissional de boa qualidade, então existente, para favorecer a formação abstracta como se fosse possível transformar a nação numa escola de candidatos a doutores. De referir que Portugal já tem algum projecto de profissionalização em hotelaria em colaboração com alemães.

 

Pelo que observo, a reforma universitária a nível europeu fica muito atrás do modelo alemão. A Alemanha viu-se obrigada a reduzir o estudo do secundário de 13 para 12 anos para não ser prejudicada na concorrência internacional, porque, doutro modo os seus alunos entravam na universidade um ano mais tarde que nas outras nações.

 

Sindicatos alemães mais responsáveis que os seus parceiros noutros países

 

Se observarmos as lutas sindicais na Alemanha e em países do sul constata-se uma atitude destes diametralmente oposta perante o Estado e perante o patronato. Enquanto no sul, em geral, os sindicatos se comportam como rivais na Alemanha comportam-se como parceiros. Os do sul são orientados pela ideologia enquanto os sindicatos alemães se orientam pela realidade social e económica concreta. Os sindicatos alemães reconhecem que o segredo do desenvolvimento do sucesso da Alemanha assenta na inovação, produtividade e flexibilidade. São pragmáticos e por isso mesmo interessados em não estragar a economia nacional e não abusando do Estado em nome da ideologia. Entram em concorrência com o patronato mas sem perder os interesses da nação e do bem-comum. Em vez da inveja domina a ideia de pertença e esta assenta na família e nação.

 

São, naturalmente, questionados por um precariado que não encontra trabalho ou se ocupa em actividades a tempo parcial e que vê cada vez mais nos sindicatos uma força de interesses grupais.

 

Em 1990, 35% dos trabalhadores eram membros dum sindicato; hoje são-no apenas 20%. Encontram-se um pouco desorientados pelo facto de os serviços terciários terem aumentado e pelo facto do turbo-capitalismo internacional impor também na Alemanha mais desigualdade entre as partes.

 

(1) Ensino dual porque é adquirido ao mesmo tempo na escola e na oficina

(2)Guildas eram associações medievais de profissionais artesanais (eram corporações artesanais que, dentro da cidade, defendiam os seus interesses de classe e segredos profissionais, vivendo em ruas próprias, como testemunha também a rua dos Correeiros em Lisboa, entre outras) foram os antecessores das escolas profissionais e dos sindicatos.

 

Na Alemanha esta tradição foi continuada nas Câmaras do Comércio e da indústria e nos sindicatos. As Câmaras ainda hoje mantêm a sua independência perante o Estado sendo elas a passar os diplomas profissionais, depois dos exames feitos perante elas embora no júri de exame se encontrem também professores representantes da escola oficial. Esta tradição contribuiu imenso para que o trabalho manual seja considerado em grande estima. O contrário do acontece nos países do sul, onde a formação livresca oprime a profissional. Quando vim estudar para a Alemanha fiquei muito impressionado com a simplicidade no porte e no trajo dos professores de universidade. Faltava-lhes aquela aura que o pó do trabalho prático destrói. Os mestres profissionais das oficinas na Alemanha têm tanta estima e reputação como um doutor em Portugal. Unem a cabeça aos braços enquanto nos países do sul a cabeça despreza os braços. Esta é a diferença entre o sul e o norte, aquilo que também explica a difereça na qualidade de vida.

 

António da Cunha Duarte Justo
antoniocunhajusto@googlemail.com
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Egipto nas Mãos dos Islamistas

A Liberdade é Feminina por isso não se dá no Deserto

António Justo
Segundo os dados, agora oficialmente, vindos a público, os islamistas ganharam as eleições parlamentares no Egipto, atingindo 70,4 dos mandatos.
As listas do braço político da influente Irmandade Muçulmana „Partido da Liberdade e Justiça“ (PLJ) conseguiram 45,7% dos assentos no parlamento. Em segundo lugar ficou o “Partido da Luz “(Hizb al-Nur) aliados dos Salafistas do Al-Nur que conseguiu 24,6% dos lugares. O partido Wassat (islamitas moderados)  conseguiu 8,4% e o partido liberal “Aliança Egípcia” 6,6%.

 

Os Salafistas do Al-Nour pretendem a destruição de monumentos históricos, (p. ex. as Pirâmides dos Faraós) porque não dão testemunho do islão. Esta exigência não é nova. Já no Afeganistão islamistas tinham arruinado grandes estátuas de Buda que eram património mundial.

 

Aqueles que saudaram o derrube do regime do presidente Mubarak equivocaram-se. Não contaram que, geralmente, a situação no mundo árabe só tem possibilitado a escolha entre a cólera ou a peste.

 

Grande parte do povo egípcio sofre porque não tem pão, nem formação, nem voz. O clero islâmico é fiel ao sistema, encontrando-se sempre do lado do poder. A gloriosa excepção é a Turquia de Ataturk enquanto garantida pelo poder militar. De resto os governantes encontram-se na dependência da bonomia das mesquitas que às sextas-feiras tomam muitas vezes posição. A aceitação de radicais na população também se deve ao facto de alguns grupos de islamistas se empenharem pelos mais pobres e também os ajudarem com dinheiros vindos da Arábia Saudita.

 

A imprensa ocidental aquando das rebeliões na África do Norte, no entusiasmo do acontecimento, estoirou todos os foguetes antes da festa. Agora que a realidade vem à tona, os mesmos jornalistas contentam-se com informação tipo nota encavacada nalguma esquina do jornal. Quem, durante a primavera árabe, com sangue frio, apontava para a realidade, e para o equívoco da comunicação social, era considerado desmancha-prazeres.

 

A imprensa europeia, ordinariamente, quando informa sobre questões árabes, discrimina-a pela positiva. Isto tem muito a ver com a dependência europeia do óleo árabe e com a fraternidade estrutural comum ao islão e ao comunismo.
O árabe só concebe a liberdade dentro do sistema islâmico enquanto o ocidente a concebe aberta, também fora dele. Enquanto para o ocidente também “o próximo” faz parte do sistema, para o árabe só o crente islâmico faz parte dele. Por isso a liberdade e a mudança que vem de fora constitui uma ameaça ao sistema.

 

A revolta não foi gerada no seio do povo, foi fruto de ideologias masculinas contra ideologias masculinas. O ideário árabe é extremamente masculino. Uma mudança para melhor só será possível quando a feminidade fizer parte dele. A Liberdade é Feminina por isso não se dá no Deserto.

 

O busílis dos problemas árabes está no facto de religião,  paz e liberdade serem qualidades femininas!

 

António da Cunha Duarte Justo
antoniocunhajusto@googlemail.com
www.antonio-justo.eu

Alemanha lidera mais de Metade dos Sectores industriais do Mundo

A Inveja afirma-se contra os Alemães

António Justo
Não há nação no mundo que produza tantas empresas de topo como a Alemanha. O segredo está no facto de as suas firmas conseguirem unir tradição com inovação e de se manterem, em grande parte, nas mãos de famílias. As empresas são continuadas no espírito pioneiro das famílias que as fundaram sendo, ao mesmo tempo, tidas como história e com um pedaço de cultura da região donde provêm. Nelas se pode ver uma parte da radiografia da alma alemã, uma alma que que vive da floresta mas na procura do sol. A tradição garante alta qualidade, sempre acompanhada por tecnologia inovadora do futuro. Actualmente esta tradição encontra-se ameaçada pela pressão internacional, apenas interessada na ganância do lucro, que, no processo global e europeizante, obriga as firmas alemãs a incluírem nelas o cavalo de Tróia accionista, com os especuladores internacionais.

A revista económica alemã “manager magazine” fez um estudo acurado sobre 1.000 firmas alemãs líderes de mercado mundial. Segundo o gráfico da revista, a Alemanha lidera no mundo o maior número de sectores industriais (cf. Manager magazine 10/10). Assim, a Alemanha tem 27 indústrias com uma quota de exportação de 41%, enquanto os USA têm 21 com 11%, a China 19 com 25%, o Japão 10 com 13%, a Inglaterra 6 com 28%, a Itália 5 com 24% e a França 4 com 23%.

A “manager magazin” apresenta como critérios de sucesso dos alemães: a presença no mercado, suficiente experiência (qualidade testada) e produção em massa. Faltou-lhe referir o horizonte que tudo isto possibilita, ou seja, o caracter/identidade civil alemão que não se define apenas pelo ego individual mas também pelo nós comunitário.

Favorece-os o facto de estarem presentes há muito tempo no mercado, como demonstram, por exemplo, o grupo BASF (1865) e Siemens. Não estão presentes no estrangeiro apenas com os produtos técnicos mas também com as suas instalações e fábricas. Vários Estados alemães estão presentes na China, com as suas fábricas e instituições culturais, desde o início da industrialização chinesa. Entre os Estados alemães (regiões) nota-se também uma necessidade de presença e competição colectiva. Um alemão sente-se simultaneamente como indivíduo tornado pessoa, trazendo consigo também a aldeia donde vem, a região, a nação e o mundo a que pertence. (O latino, se mais complexado, nega a província de que se envergonha!).

Um outro factor em benefício dos alemães está em experimentarem suficientemente o produto antes de o passarem a comercializar e a exportar(made in Germany). As deficiências são corrigidas e pagas pela experimentação a nível nacional.

A economia alemã provém duma tradição de base familiar incardinada no meio e portanto com uma sensibilidade especial para o bem-comum. A honra do alemão não se revela apenas no carro que conduz e na casa que tem para mostrar mas também na sua presença cultural no meio onde se situa. Cerca de 70% dos líderes alemães do mercado mundial, encontram-se em famílias. Uma família ao planear o seu investimento e os produtos pensa em termos de gerações, tem uma consciência de sustentabilidade, ao contrário de muitos concorrentes estrangeiros que só pensam no lucro imediato da venda do produto.

Os produtos em massa são aferidos às necessidades dos clientes. Os alemães são pessoas enraizadas na natureza, daí a sua simplicidade e até ingenuidade natural. São trabalhadores, correctos e disciplinados, como pude constatar em 35 anos de observação directa a nível individual e social.

Neste sentido, passo a citar uma sentença popular alemã que revela parte da sua alma maternal e da sua sabedoria: “Am deutschen Wesen soll die Welt genesen” e que traduzo: “O mundo deve-se recuperar no espírito alemão” (“No espírito alemão é curado o mundo”).

A sua vantagem está em antecipar-se tecnicamente. Num mundo de cigarras continuam a querer ser formigas! Vão sempre um passo à frente nas tecnologias porque aplicam grandes capitais na investigação científica e têm um grande mercado interno onde os podem testar. Um exemplo: Há mais de 20 anos o Estado alemão fomentou a investigação e o consumo da energia solar voltaica, tornando-se assim tecnologicamente campeã (SMA) neste sector a nível mundial. A Universidade de Kassel donde saíram os criadores (da SMA) está incardinada na região sendo um dos seus importantes motores de progresso económico. (Modelo de regionalismo e inserção no meio, o que é comum na Alemanha).

Mais de um milhão de alemãs violadas

Na Alemanha do pós-guerra chegou a haver pessoas que morreram à fome. Pessoas mais velhas deixavam de comer para as crianças não morrerem de fome. A terra, no Inverno, era tão dura (-15 graus) que não se podiam enterrar os mortos. Faltava até a madeira para as pessoas se aquecerem. As famílias viam-se obrigadas a tirar as cercas de madeira dos seus jardins para se poderem aquecer. 50% das habitações tinham sido destruídas pela guerra.

As mulheres foram as grandes heroínas do pós-guerra. Mais dum milhão de alemãs tinham sido violadas pelos soldados russos; os filhos, os noivos e os maridos tinham morrido na guerra ou ficado em campos de trabalho prisões. Para dominar tanta dor, o povo, que em grande parte não estava ao corrente das atrocidades do sistema de Hitler, lança-se ao trabalho de reconstruir a Alemanha. Em poucos anos conseguiram colocar o país à altura de muitos imigrantes poderem ver nele chances de melhoramento da própria condição.

Por este mundo fora, encontra-se muito boa gente, muito mal informada e desconhecedora do caracter alemão, preferindo viver na inércia do preconceito cómodo. A ignorância leva-a a reduzir a imagem do alemão a um ser de botas militares ou de calças de couro. O espírito de trabalho do alemão e a sua disciplina levam-no a ser mais eficiente que outros povos, a nível de produção. O seu porte disciplinado pode dar a impressão de soldado. Tem muito de comum com os portugueses (herança talvez goda, só que aos portugueses falta a disciplina). Emigram com as suas fábricas e instalações, levando com eles a natureza, tornando-se num enriquecimento das terras para onde emigram  e instalam as suas fábricas; tornam-se em verdadeiros promotores dos autóctones. Orientam as suas firmas como os políticos orientam o Estado. A sua presença tem uma influência muito benéfica nos países onde se instalam.

A inveja, o comodismo e o medo da concorrência podem muito. Tal como na fábula da Cigarra e da Formiga, deparamo-nos com mundos diferentes e de hábitos diversos que se confrontam e vivem, muitas vezes, da meia informação. Uma avaliação da realidade é sempre polémica, se vista pelos olhos da cigarra ou pelos da formiga.

António da Cunha Duarte Justo
antoniocunhajusto@googlemail.com
www.antonio-justo.eu

Universidade da Lusofonia para a Integração do Espaço lusófono – Antecipar o Futuro

Criar uma nova Sagres do Espaço lusófono

António Justo
A consciência social, na sua dinâmica de desenvolvimento foi evoluindo da organização de tribo para a estrutura de estado/nação, encontrando-se hoje, no seu flanco mais avançado, na era pós-nacional. Nesta era de mudanças globais rápidas, a nível de supra-estruturas no sentido dum tecto comum, criam-se problemas de aferimentos de identidades culturais não chegando, para os resolver, uma ideologia apelativa ao progresso, ao dinheiro e relações de mercado, como se estes possibilitassem a formação duma plataforma metafísica de identificação comum. A velocidade do desenvolvimento é tão rápida que torna inseguras pessoas, nações e culturas com outro ritmo ou estado de desenvolvimento. Para corrigir o curso geral da sociedade global a caminho da entropia, o espaço lusófono unido teria de tomar medidas de fomento duma consciência de pertença a uma biosfera natural e cultural comum, formada por “ecossistemas” étnicos de convergência numa relação de complementaridade. O biossistema necessita do Sol tal como o “biossistema” lusófono precisará dum ideário/vivência comum. Não é razoável a implementação dum sistema artificial de conexões baseadas no mero intercâmbio mercantil sem se ter em conta o substrato humano de relacionamento alicerçado na dignidade da pessoa humana e consequente comunidade.

Neste sentido, seria óbvio que os países do espaço lusófono (CPLP) se unissem na definição dos pilares dum tecto metafísico comum e para isso começassem por criar um modelo de universidades de expressão conjunta que se tornassem em oficinas mentais de todo o espaço lusófono. Os países da CPLP poderiam criar uma nova escola de Sagres, para si e para o mundo, na continuação do espírito do Infante D. Henriques.

Encontramo-nos num momento histórico de acentuada erosão do sentido de solidariedade, de comunidade e de dignidade humana. A sociedade do mercantilismo liberalista global impõe-se de maneira tão vigorosa que as nações não podem resistir à sua força, sendo levadas na sua avalancha. Isto só serve o grupo restrito dos mais fortes. Com a crise da civilização ocidental – civilização motora da História global desde os descobrimentos portugueses – todo o mundo se encontra em crise. A crise é uma oportunidade, uma situação de gravidez que prepara o momento de dar à luz um novo ser. Trata-se de reconhecer não só os sinais dos tempos mas também as leis da evolução da História.

A mundivisão árabe é dominada sobretudo pelo princípio da subjugação e do medo, o mundo asiático pelo fado individualista/ funcionalista, o mundo cristão, que constituiria a mundivisão mais integral, aberta e humanista, encontra-se numa fase de desnudação da pessoa no sentido do indivíduo, a caminho dum tipo de homem chinês. O significado de pessoa e de comunidade são desvirtuados no sentido do indivíduo e do colectivo. Neste sentido convergem o comunismo materialista, o capitalismo liberal, o islão e uma certa filosofia tradicional asiática. (De referir que capitalismo e comunismo são filhos do cristianismo!)

A China e a Índia, se não se perderem em lutas intestinas, parecem preparar-se para determinar o destino da humanidade. Isto significará uma acentuação da degradação da pessoa para mero indivíduo (cliente e súbdito). Esta era, dum politeísmo oportuno, tem tanta força que ameaça arrastar, no seu movimento, não só nações, mas até uma civilização que pretendia compatibilizar monoteísmo e politeísmo, pessoa e sociedade.

Neste contexto seria a hora de o espaço lusófono tentar salvaguardar o genuíno espírito humanista e social que até a Europa e a América põem em perigo. Num mundo sem tecto metafísico chove por todo o lado, em casa e na sociedade.

O espaço cristão inclui uma visão optimista do mundo, precisando naturalmente duma clivagem como demonstra a sua crise. Os princípios da crise que dele surgiu contêm neles as forças para a sua solução.

Os países lusófonos têm já dado alguns passos no sentido duma maior interligação e co-responsabilização. Uma solução de perspectiva nacional não proporciona uma iniciativa à altura da exigência da época; esta precisa da complementação dum valor maior, um ideal comum a realizar. O Brasil criou a Universidade Federal da Integração Luso-Afro-Brasileira (Unilab) voltada para os países da África. O próximo passo seria a criação duma Universidade Aberta da Lusofonia para todo o espaço lusófono. Esta teria o fim de integração cultural, social, política, económica sob a bandeira da língua e duma mundivisão cristã aberta. O seu sentido seria fomentar uma cultura com uma identidade comum, partido de sinergias já existentes nos países da CPLP mas a ser alargadas a uma nova filosofia e consequente estratégia.

A parceria solidária basear-se-ia no princípio da complementaridade (convénios de cooperação e intercâmbio científico e de pessoal entre universidades, conhecimento e aperfeiçoamento das línguas e culturas locais, aperfeiçoamento artístico e iniciativas no sentido de celebração e vivência da festa comum).

Uma Maneira diferente de estar no Mundo implica uma nova Estratégia ligada a uma Pedagogia diferente

Um projecto político-pedagógico do espaço lusófono terá sempre como ponto fulcral fomentar sinergias integradoras de polos extremos (masculinidade e feminidade). A língua portuguesa / lusofonia é o ponto de ligações e relações cruzadas de indivíduos, tribos, raças, civilizações, culturas e valores reunidos numa atitude diferente perante si e o mundo e numa maneira própria de estar e de ser a nível individual e social no e com o mundo. Neste sentido, ao repensar-se a lusofonia, no âmbito da CPLP, contribuir-se-ia para uma maneira diferente de estar no mundo; aquela maneira de ser que a alma lusa realizou antes nas descobertas e continua hoje a realizar na emigração colaborando para a emancipação integral. Esta maneira der estar diferente (em sociedade e no mundo) interpretá-la-ia deste modo: uma maneira de ser relacional, cum grano salis (com humor).

A religião, a ciência, a política, a economia e a ideologia querem-se na sociedade e na vida apenas como partes complementares e encaradas com espírito de humor. O mesmo se diga quanto à energia masculina e feminina. A acentuação exagerada das forças masculinas (virilidade) na sociedade e na pessoa conduziu-nos ao empasse em que nos encontramos momentaneamente. Seria interessante, neste contexto ocupar-nos, um pouco, com o espírito luso, um espírito mais mãe que pai e que por isso se antecipou nas descobertas e se encontra espalhado em migração pelo mundo. Aquela atitude de alma escondida no coração dos marinheiros portugueses e que seguia nas naus/caravelas para novas paragens, realizava-se na admiração e mistura com as mulheres das novas paragens. Aqueles homens entregavam-se de coração e alma, sem preconceito, nos braços delas, para nelas se perderem, e ressurgirem de novo mais acrescentados no mestiço. Assim não só o Estado cumpria a missão civilizacional de dar novos mundos ao mundo mas também a alma lusa, a nível individual, cumpria o seu destino de se rever criando e dando novos mundos ao mundo, nas novas raças, nas novas maneiras de estar. A alma lusa, um estado hibrido de homem e mulher, reconhece-se bem no mestiço. Nela se junta o indivíduo e o colectivo e nela se esvaem os limites circundantes. A alma lusa não se deixa reduzir à definição. Não faz a distinção clara entre poesia e prosa sabendo-se reunida na prosa poética. Sim, a alma lusa é prosa poética num acontecer de prosa a deslizar na poesia.

A componente civilizacional lusa terá que comportar sempre os diferentes pilares civilizacionais. Ultrapassa barreiras étnicas, culturais e continentais. Em vez de cultivar um ressentimento contra os seus invasores, sabe assimilar o saber das civilizações invasoras guardando delas, na memória colectiva, o saber e tecnologias (dos fenícios, egípcios, gregos, romanos, germanos, mouros…) que lhe passaram pelo território. Por outro lado soube chamar a Sagres, os melhores especialistas da altura em questões de navegação e astronomia. Dos seus antepassados, as tribos lusitanas, soube guardar o mito de que eram pacíficas, mas valentes e bons guerrilheiros quando atacados. Este espírito esteve na base do desenvolvimento do processo de miscigenação rácica e cultural concretizado no milagre brasileiro da miscigenação. Esta componente civilizacional é hoje continuada especialmente por portugueses e brasileiros espalhados pelo mundo. Onde chegam integram-se como outrora os nossos antepassados integraram o que lhe parecia estranho. Daí a sua experiência: “À terra onde fores ter faz como vires fazer”. Assim, sem se imporem, levaram ao mundo, com espírito templário simbolizado nas velas das suas caravelas (“cruz de goles”), a missionação que foi o seu contributo civilizacional europeu para o mundo. Portugal foi precoce ao assumir, outrora, a pesquisa científica e tecnológico como política de Estado. Soube reunir o espírito cristão (convergência da fé de Israel, filosofia grega e jurisprudência romana) ao saber tecnológico colocado como tarefa e missão de Estado. Já no início da lusitanidade, a corte atraia a si os sábios e técnicos do mundo, dando-lhes trabalho; Esta tradição tem exemplo já no próprio D. Dinis que se rodeava de literatos doutras regiões. Por outro lado, a tolerância portuguesa atraia também cientistas judeus perseguidos na Espanha. Numa estratégia de afirmação complementar soube integrar o espírito tribal lusitano, godo, judaico latino e árabe, tornando-o património do português e da nação, não se afirmando pela diferença mas pela integração. Esta via constituiu a diferença lusa na sua maneira de estar no mundo. Quem hoje teria melhores condições para liderar um tal projecto de lusofonia seria, certamente, o Brasil.

Universidade da Lusofonia para a Integração do Espaço lusófono

Uma Universidade da Lusofonia para a Integração lusófona tornar-se-ia na Interface das diferentes culturas dos países da CPLP.

Nesta universidade deveriam privilegiar-se cursos de mais-valia na promoção duma identidade do espaço lusófono. Promoção do estudo da história e da sociologia/antropologia dos diferentes biótopos culturais sob um ponto de vista hermenêutico e fenomenológico (sinopses comparativas e sinergéticas). Os cursos a ministrar deveriam abranger áreas de interesse mútuo e direccionados para o fomento duma consciência comum: gestão, Administração (formação de quadros), Economia, História, Literatura, Arte, Teologia, Educação, Cultura, Relações Exteriores e Espaço lusófono, fenomenologia das suas mitologias, arqueologia, etc.

Um curso de hermenêutica das diferentes culturas e subculturas seria muito importante para se cristalizarem constantes de identificação. Curso sobre os mitos base das nossas culturas e estudo comparativo entre elas sobre modelos, atitudes e níveis de valores morais.

Isto promoveria, no espaço lusófono, o espírito positivo e o sentido de pertença e de vida como povo; sem sentido de vida, não se pode ter auto-estima, nem verdadeira autonomia nem rumo. O sentimento de inferioridade e o medo são a doença que leva a construir muros fortes mas que extinguem a liberdade, da qual surge o espírito criativo. Como exemplo de consistência (não de vida) podemos ter o mundo islâmico que se define não pelo específico das nações mas pelo código religioso e moral. (Naturalmente que este é um exemplo de prática antagónico ao espírito luso que se define a partir da base e da terra e não a partir de cima, como são, exemplo extremo, o sistema muçulmano e o sistema comunista da Coreia do Norte e da China. Deles só podemos aprender que a união faz a força.)

Uma Universidade Virtual da Lusofonia

Uma outra via passaria pela criação duma Universidade Virtual da Lusofonia em parceria (da CPLP) onde professores das diferentes universidades do mundo lusófono, através da internet, poderiam começar por ministrar disciplinas gratuitamente (“por amor à camisola”, como se diz no mundo do futebol) ou orientassem cursos. Criar-se-ia uma espécie de universidade popular de alto nível onde professores e estudantes online frequentassem, intercomunicassem e se pudesse credenciar os estudos feitos. Isto seria tecnicamente possível e concorreria para a democratização dum ensino de alto nível (um tipo de ensino mais maternal e menos masculino). Como exemplo de funcionamento, a nível de professores e de alunos, a Universidade Virtual da Lusofonia poderia orientar-se pela iniciativa do Professor Dr. Sebastian Thrun, um projecto fantástico, que se serve de Vídeo-conferências, foros, chat, etc.

O nosso caminho faz-se a caminhar, no espírito da orto-praxia da velha escola de Sagres. O caminho feito pode tornar-se num impulso para melhor se descobrir a própria singularidade e para, no sentido da lusitanidade, cheguemos onde chegarmos, realizarmos a missão individual e comum de transformar o “Cabo das tormentas” em “Cabo da boa esperança”.

António da Cunha Duarte Justo
antoniocunhajusto@googlemail.com
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PS. Este artigo foi feito na continuação de artigos concebidos sob o tema “Repensar Portugal / Recriar o Ocidente – Activar a Lusofonia”. Tenciono elaborar outros e publicá-los todos numa monografia em livro.

Brasil – País em Ascensão assume Modelos decadentes

Facilitismo ocidental é mau Exemplo para Países no Vigor da sua Juventude

António Justo
“É proibido proibir”,” tudo é relativo!”, “quem manda nos substratos inferiores é a opinião”! Defendem os novos profetas da política, da psicologia e da sociologia, oriundos de povos desenvolvidos mas já virados para o pôr-do-sol da civilização. Nações jovens deixam-se combalir por ideias e práticas de declínio, válidas talvez para civilizações decadentes mas não para nações ou culturas ascendentes à tribuna do desenvolvimento…

Uma rede de elites, a nível internacional, une-se para, do alto do seu mirante, ditar as suas sentenças e impedir o desenvolvimento dos biótopos culturais, tal como fez, na paisagem, uma economia que devastou as florestas naturais. Ao colonialismo económico parece seguir-se o colonialismo cultural. Este parte de areais cerebrais aparentemente anónimos e ávidos de poder! As nações abdicam de si mesmas para estarem atentas aos deuses do Olimpo no seu arrastar das cadeiras. Aqui troveja o deus da sociologia, acolá pontifica o deus da moda, mais além ribomba um deus da universidade com outros deuses da jerarquia. E ao povo, mesmo culto, resta-lhes levantar a cabeça e cacarejar como habitantes dum galinheiro.

Enquanto nações culturalmente conscientes se preocupam em fomentar a qualidade do ensino, observa-se, em certas nações, a tentação de educar para o facilitismo. Em nome duma socialização do ensino, baixam-se os critérios de qualidade e as exigências na maioria dos estabelecimentos de ensino estatal. Por outro lado as classes dominantes, conscientes da importância da qualidade do ensino ministrado inscrevem seus filhos em escolas de qualidade (longe das favelas) ou no ensino privado, vocacionado para a qualidade.

Uma ideologia da igualdade momentânea exige: todo o aluno tem de passar de ano automaticamente, num sistema de ensino indiferenciado. Isto é fraude às classes sociais precárias e menos atentas. Estas só descobrem o dolo e o tempo perdido ao chegarem ao mercado de trabalho.

A Divisão do País começa com a Divisão da Língua!

O MEC (Ministério da Educação e Cultura do Brasil) distribuiu um livro por 4.236 escolas para quase meio milhão de alunos que estabiliza barbaridades do discurso popular falado, como estas: “Os livro ilustrado mais interessante estão emprestado”, “Você pode estar se perguntando: “Mas eu posso falar os livro?”, “nós vai”. Naturalmente que é dever da escola pegar no aluno, com respeito por ele, no estádio onde se encontra, independentemente do nível da linguagem, mais ou menos adequada, por ele usada. É natural que na perspectiva do meio popular a criança ao dizer “nós vai „não comete erro porque seguia o padrão social ambiental. Onde não há ciência não se pode culpar a consciência.

Apesar dos reparos ao livro distribuído, por cientistas da língua, para o MEC, ele corresponde aos PCNs (Parâmetros Curriculares Nacionais) –normas a serem seguidas por todas as escolas e livros didácticos. O MEC argumenta: “A escola precisa livrar-se de alguns mitos: o de que existe uma única forma ‘certa’ de falar, a que parece com a escrita; e o de que a escrita é o espelho da fala”, afirma o texto dos PCNs.

O MEC parece considerar o ensino um acto colonizador sentindo-se mais propenso a incrementar um analfabetismo funcional. A eterna questão entre educar e instruir!

A escola não pode querer a bagunça da língua nem pode esgotar-se no combate ao “preconceito linguístico”. A vida social, com as injustiças sociais a ela inerentes, só se melhora ajudando os alunos a estarem preparados para enfrentarem a vida social e profissional com dignidade. A fonte do “preconceito” está na injustiça da desigualdade de oportunidades e esta começa pela língua. Quem vai para a escola acredita na ascensão social. Também é natural que qualquer variedade da língua se adequa a uma situação. O aluno deve ser especialmente preparado para se desembaraçar nas situações mais exigentes. A má consciência duma sociedade que discrimina à nascença não remedia a situação recorrendo apenas a eufemismos de linguagem. Apenas se desobriga sociológica e psicologicamente. Facto é que o emprego duma linguagem inadequada pode constituir um erro para a vida pretendida.

Sem esforço não se avança. A água não sobe pelos rios. Para subir tem de se “espiritualizar” em vapor. O mesmo se diga duma pessoa, dum povo ou duma cultura. Criar a impressão que o progresso se alcança sem disciplina (regras gerais), sem vontade de subir, sem liberdade criativa é discriminar pela negativa. Para baixo anda a chuva! Pensar faz doer, o ensino pressupõe uma pedagogia desadaptada da sociedade dominante. Doutro modo como aprenderão os alunos, em tempo útil, a “levar a água ao seu moinho”?

Para andarmos na estrada precisamos de regras (código ou regras de trânsito); para circularmos na sociedade precisamos de conhecer as regras da língua (a gramática). Doutro modo passaremos a vida a andar por carreiros ou por estradas camarárias sem termos a possibilidade de entrar nas auto-estradas da vida social.

As elites hodiernas, sem conteúdos nem ideias humanos, optam pelo simplismo. Para oferecerem aos distraídos da vida têm sexo, diversão e opinião! Isto é de graça para todos; o poder e o melhor pão, esses são para os que se empenharam na sua formação.

No mundo da opinião toda a gente tem razão. Só que a língua é anterior à filosofia e para se” ter razão” não chega a opinião, é precisa a razão que advém da sua fundamentação. No mundo do dogma da verdade da opinião preparam-se as pessoas a ter opinião sem razão e assim a aceitarem a opinião sem destrinça. Nisto está interessado um globalismo que pretende reservar para poucos a capacidade de pensar e vê na formação séria da maioria um impedimento às suas arbitrariedades. Manter um povo na incapacidade de se expressar é o melhor pressuposto para uma ditadura consistente e para impedir a concorrência de possíveis competidores treinados.

A defesa e empenhamento pelo proletariado não podem abdicar da qualidade; não chega o „para quem é, bacalhau basta”.

O Homem define-se e desenvolve-se pela Língua

Na capacidade de diferenciações dentro duma língua, podemos observar a maior ou menor capacidade de expressão dum povo. Ela é como que a sua matriz e dá testemunho do seu maior ou menor grau de desenvolvimento intelectual.

A língua é ao mesmo tempo a minha casa e a minha Ágora. Ela é não só abrigo mas também expressão de relação. Para se abrigar, tanto chega uma palhota, uma favela, como um palácio. Como vivemos num mundo do “homo homini lupus” temos porém que preparar o aluno/a com instrumentos adequados. Antigamente dizia-se: “pela aragem se vê quem vai na carruagem”.

Um espírito decadente e uma proletarização da cultura estão cada vez mais na moda.

Quem defende a proletarização da língua, ao orientar-se por um padrão minimalista e miserabilista, atraiçoa o interesse do proletariado. Este tem de exercitar o seu intelecto e aprender formas mais complicadas de entender uma realidade complexa. A cúpula da pirâmide não desce à base proletária; esta é que tem de se preparar e consciencializar da subida. “Para cima só os anjos ajudam; para baixo todos os diabos empurram!”
Em geral reconhece-se que a matemática e o latim são grandes meios auxiliares de estruturação do cérebro e do pensamento.

O ensino sério duma gramática coerente é certamente o primeiro instrumento de organização e ordenação mental que não deve ser recusado ao povo, seja ele o mais pobre e alheio à cultura oficial! Regras não inibem a criatividade. São pelo contrário o seu pressuposto. A criatividade ordena o caos. Pressupõe inteligência e esforço!

Países que ainda não atingiram o apogeu do seu desenvolvimento não se devem deixar orientar pelo relativismo decadente vigente nos povos ocidentais interessados em não caírem sozinhos.

Um país como o Brasil, para assumir a liderança do continente sul-americano tem que arrogar-se responsabilidade apostando sobretudo na formação do povo. O relativismo decadente assumido em política de língua pode ser um sinal de que o Brasil não se quer preparar para assumir tal posição! O país não se pode perder em repetir experiências de povos decadentes. Deve ter a coragem de errar por si para aprender; tem de crer para poder!
Resta muito por fazer. Desenvolver a criatividade no sentido da lusofonia.
” Mesmo o mais corajoso entre nós só raramente tem coragem para aquilo que ele realmente conhece”, Nietzsche (citado em JORNAL DE OLEIROS).
Boa noite Brasil!

António da Cunha Duarte Justo
antoniocunhajusto@googlemail.com
www.antonio-justo.eu
(Direitos de autoria reservados)

Natal – A Realidade grávida a dar à Luz


 

António Justo

No estresse do tempo tudo é movimento, um vai e vem, de vida também. O tempo mais escuro, os desejos mais libertos, as compras menos necessitadas, as recordações mais envolventes, um mundo mais inteiro e próximo, tudo junto, cria um panorama nostálgico, um sentimento de saudade envaginante. Natal, o mundo inteiro paira no ar, num céu feito de nuvens e sol: é pôr de sol no amanhecer.

Natal é o tempo dos tempos a gerar outro tempo. Não é tempo linear, é tempo completo, de pensamento, emoção e acção em sintonia. Tempo de viver em primeira-mão. Natal é dar á luz na gruta que somos nós, onde a fonte do amor jorra, a faúlha divinal brilha. Nela se reúne a concepção ao dar à luz. Tudo é receber, tudo é oferta, é absorver algo em si e voltar a dá-lo, num processo de engravidecer e dar à luz. Ao realizá-lo, somos Maria com a criança no regaço, no nosso seio acolhemos a vida, o outro para com ele nos darmos à luz, nos tornarmos presépio, o lugar o a acontecer.

Natal é o tempo alto, tempo de elan vital, de alento intelectual e emocional a deslizar no acontecer. É o outro lado do tempo cronológico para se tornar no kairós (“o momento certo” ou “oportuno” – para lá do passado-presente -futuro).

Natal é tempo de Desejos. Desejos de recolhimento, dedicação e reconhecimento juntam-se à lareira do lar, a celebrar o presépio, a família universal. Reúnem-se desejos altos e nobres; anseios satisfeitos e insatisfeitos num augúrio de harmonia geral.

Natal é tempo da criança em nós. A criança em nós, filha dum desejo, a desejar crescer! Nela o natal é criativo, mágico e santo. Um presépio, um pinheiro, uma fogueira a arder numa lareira, num coração. Ao olharmos a vida com o olhar duma criança sentimos, em todo o lugar, natal a acontecer. Deus é criança, um laço que tudo une.

Natal é tempo de rituais. Tudo são rituais, de laços a unir o baixo e o alto, o céu e a terra, a luz e a sombra, os animais e as pessoas no mesmo plano. Vive-se nele uma aura de emoção, de pequenos e grandes num dar e receber, a união universal no mesmo ritual. Deus é fogo que inebria toda a humanidade numa espiritualidade que desempederne e vivifica; tal como o sol na paisagem da natureza, ele é sol menino, para todos a diluir as nuvens do medo e das cercas que nos encarceram.

Natal e tempo dos presentes. Nele somos presentes (dons) num mundo à espera de nós. Nos presentes embalados com laços de amor, se ata a dedicação e a importância do outro. Neles nos tornamos completos, revitalizamos em nós aquela criança que somos, aquela vitalidade inocente, por vezes, amarrada e reprimida, numa existência programada sem sonho nem guarida. Na embalagem do Natal, ao desatarmos as fitas, descobrimos a graça da oferta tornando-se a embalagem já não fronteira mas mensageiro de união na compaixão.

Natal é tempo da família. Num ritual protótipo, uma vez no ano, todo o mundo se junta na família em torno do menino que dá à luz o mundo. Nele o par reconhece a individualidade para passar à comunidade. Um é um, dois é par, só três é comunidade (no três está todo o outro). Natal é tempo de família numa época da História ocidental nada familiar mais pronta a receber, a petrificar do que a dar à luz.

Natal é tempo de conflitos. O facto de a família passar mais tempo junta possibilita conflitos. Estes, geralmente provêem de expectativas acrescidas, conscientes e inconscientes. Geralmente são fruto natural da meteorologia actuante em cada um de nós, tal como na natureza: fases de acalmia, baixas e altas pressões. Porque responsabilizar, então, o outro pelo estado do tempo que grassa na paisagem do nosso ser ou do grupo?

Esta época de natal também se revela mais difícil para pessoas à margem ou para pessoas cerebrais que preferem viver no sótão das ideias do que descer ao andar da emoção. Na casa de cada ser, tal como nas cercas sociais, encontram-se pessoas que gostam mais de viver expostas ao sol da razão e outras mais recolhidas na sombra da emoção. Jogar uns contra os outros seria desconhecer os soalheiros e os sombrios em nós, seria desprezar a natureza. Esta época torna-se especialmente difícil para quem vive só. Todos precisamos de rituais e estes só se realizam e satisfazem no encontro. Importante será a organização dum ritual, seja ele em família, na igreja, na cadeia, num hospital, em forma de viagem, ou de retiro espiritual. De ter em conta também quem tem problemas digestivos em questões de religião. O problema situa-se frequentemente na espectativa; dela surge, muitas vezes, o desengano, porque ou se esperava mais ou se espera outra coisa. Os banqueiros e tabeliões da festa cá estarão para a utilizar, desvalorizar ou rebaixar.

Natal é tempo de dor, também. Na praça passa a sede dum tempo novo. No chão, leis enlameadas, tornam a praça escorregadia. No ar sombrio dum país árido, se ergue, nas nuvens da amargura, o gralhar da dor de doentes, desempregados, desiludidos e não amados. Nas ruas passam sombras invertidas. Muitas ruinas de vida, no chão, estendidas! Esboços no chão, à espera do presente. A salvação é uma criança pequena numa gruta desamparada a palrar: “estou, aqui, fraco para que possas ser forte”.

Natal é tempo de festa. Festas são momentos de interrupção do dia-a-dia. São momentos altos de religação à vida. Nelas se presencia o sentimento festivo de intimidade, a voz do mundo a ressoar em mim em ti, no nós. No natal a vida reúne-se em festa. A natureza unida à divindade toca-nos porque no íntimo do presépio, no interior de cada um, flagra uma chama, sorri uma criança. É a ressonância que nos irmana em nós a criança desamparada à espera de doação. O fruto da doação, da entrega, é amor.

No Natal, independente do credo, celebra-se a humanidade, por isso Natal é a festa mais humana de todas as festas. O mundo e nós mudamos; o natal em nós permanece: Deus a tornar-se homem para que o amor viva em e entre nós.

António da Cunha Duarte Justo

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