A mutilação genital feminina é a maior expressão machista
António Justo
Passou-se mais um dia internacional da mutilação genital de mulheres e, apesar disso, em 2016 foram cortados os clítoris e em muitos casos também os lábios vaginais a milhões de meninas. A maior expressão machista documenta-se socialmente na mutilação dos órgãos vaginais. 100% das mulheres sofrem toda a vida física e psiquicamente do trauma causado na sua infância.
Dá-se uma quebra de confiança da criança nos pais que entregam as meninas a tal tortura e, além do mais, sem anestesia; a criança passa a sentir o próprio corpo transformado em ceara alheia. As consequências da mutilação genital são: possíveis dores para toda a vida, problemas no urinar e nas relações sexuais. Fica-se com uma cicatriz em vez do clítoris e, muitas vezes, também sem os lábios vaginais.
Este rito cultural revela a barbaridade das energias da masculinidade quando, não temperadas pelas da feminilidade, se tornam repressoras e repugnantes; além do mais causam um impedimento à intimidade e à união afectiva entre homem e mulher. Nestas condições o acto sexual passa a ser uma atitude de caracter meramente funcional em proveito da satisfação imediata do homem e da procriação, afastando a possibilidade do prazer da mulher. A mulher torna-se em “terra agrícola do homem” que como charrua férrea a degrada, sem qualquer sentimento de violação (psíquica e corporal).
Na Guiné-Bissau, na altura em que os soldados portugueses lá se encontravam e se admiravam com o berreiro que surgia de alguns aldeamentos, era-lhes explicado pelos nativos que aquele hábito de mutilação das meninas era um acto ancestral preventivo para protecção dos homens; assim os homens não precisavam de ter preocupações porque as meninas, quando mulheres, não seriam tentadas a ser-lhes infiéis por terem dores nas relações sexuais.
A expressão do machismo cultural mundialmente vigente encontra a sua forma exacerbada nas acções bélicas e em algumas práticas culturais. A guerra foi domesticada e sublimada nas práticas de desporto como o futebol, onde o instinto guerreiro é satisfeito de forma agradável e sem estragos de maior. Noutros aspectos encontramo-nos ainda nos tempos da pedra lascada. (A propósito, o corte vaginal é geralmente feito com instrumentos primitivos e não esterilizados, o que provoca a morte a muitas meninas!)
Tive conhecimento do caso de um homem bom e sensível casado com uma mulher sexualmente mutilada. O homem sofria e não queria ter relações sexuais com ela, ao ver as dores que provocava nela sempre que tinham relações sexuais, devido às cicatrizes da sua mutilação vaginal; aquele homem, também indirectamente vítima da barbaridade cultural, dirigiu-se com a esposa à médica na procura de auxílio; uma vez submetida à operação, a mulher passou a ter menores dores físicas nas relações sexuais e mais tarde o casal teve a consolação de ter dois filhos.
Como informa “Terre des femmes” (https://www.frauenrechte.de/online/index.php/themen-und-aktionen/weibliche-genitalverstuemmelung2/173-weibliche-genitalverstuemmelung), só na Alemanha vivem pelo menos 48.000 mulheres afetadas pela mutilação total ou parcial do órgão sexual exterior e 9.000 raparigas de famílias imigradas encontram-se ameaçadas de o virem a ser. O corte do clítoris é efectuado, geralmente, entre os dois e os oito anos. É um rito cultural, não religioso próprio da África e levado também para a Indonésia. Pelo mundo fora são cortados os clítoris a 6 jovens em cada minuto que passa. Segundo UNICEF, mundialmente há 200 milhões de mulheres genitalmente mutiladas. Na Indonésia são mutiladas 2 milhões de mulheres por ano.
90% das mulheres genitalmente mutiladas vivem no Egipto, Eritreia, Somália e Indonésia. Muitas vezes, famílias emigradas mandam mutilar as meninas ao seu país de origem, sem que a comunidade acolhedora se dê conta do que se passa.
Urgem medidas preventivas contra esta barbaridade. Também nos países onde chegam migrantes é de muita importância, esclarecer as famílias em que isso possa vir a acontecer, bem como educadoras e enfermeiras. As mães deixam mutilar as filhas na sua boa-fé. Transmitem uma educação desumana machista sem sequer serem conscientes disso por se encontrarem submetidas ao hábito cultural.
Vivem sob o jugo de tradições machistas brutais sem se darem conta que a revolução humanitária em culturas patriarcalistas rígidas só poderá tornar-se eficiente e provocar verdadeiro desenvolvimento integral através da insurreição das mulheres. Estas têm de ser consciencializadas para através da educação dos seus filhos fazerem valer a energia do princípio da feminilidade perante o da masculinidade e assim se construir uma sociedade mais equilibrada.
Políticos intervêm militarmente em países quando vêem os seus interesses estratégicos ou comerciais em perigo; também eles dão testemunho de desumanidade ao não actuarem de forma consequente em sociedades onde a desumanidade fica presa nas fronteiras culturais.
Na Alemanha, apenas a partir de 2013 foi considerada a mutilação sexual da mulher delito penal de maltrato e atentado contra a integridade física (§ 226ª) com uma pena de 6 meses até 5 anos de prisão. Antes, talvez em nome da multicultura, olhava-se para o lado certamente porque atentados à dignidade humana concorriam com os direitos culturais. A lei é paciente dado praticamente não se registar acusações. Na Alemanha a maior parte das vítimas provêem da Somália e da Eritreia. Devido à grande afluência de refugiados, desde 2014 o número das mutiladas aumentou 37% e das meninas que possivelmente ainda estão em perigo de ser vulneradas 67%.
© António da Cunha Duarte Justo
Pegadas do Espírito no Tempo