REPENSAR A REVOLUÇÃO – RECRIAR PORTUGAL

Quadragésimo Aniversário da Revolução dos Capitães de Abril

António Justo
Comemoramos o quadragésimo aniversário da revolução dos capitães. No imaginário popular permanece a imagem de armas a dar à luz cravos. Quem foram os vencedores e os perdedores da nação? Numa data de ênfase de mitos e feitos da revolução, a sociedade precisaria de cabeça fresca para a avaliar e melhor entender a realidade em que se encontra e, a partir daí, melhor poder construir um Portugal moderno e mais justo para todos. Os revolucionários de Abril eram, de uma maneira geral, pessoas idealistas a quem faltava o sentido da complexidade da realidade nacional e internacional bem como a competência para avaliarem da dificuldade do empreendimento da descolonização e da democracia. Embora os actores do 25 de Abril lutassem contra a ditadura e a repressão, em defesa da igualdade e da sua liberdade, não conseguiram, no geral, criar uma sociedade mais justa, porque imbuídos do espírito soviético, sob o ardil dos “Ideais de Abril”. Assim, embora, a nova ordem trouxesse melhorias exteriores, a violência, a corrupção e o poder instalaram-se em nome de uma nova ideologia pretensiosamente popular. Vindos de um Portugal enevoado, vislumbraram a beleza do arco-íris num horizonte risonho que logo quiseram reduzir à faixa vermelha dos descampados alentejanos. Sob o lamiré dos “ideais de Abril” conseguiu-se confundir de tal modo o povo que, este, até hoje, ainda não se deu conta do que estava realmente por trás dos “ideais de Abril” e se resumiam originalmente na instituição de uma ditadura popular, à maneira soviética, chinesa ou cubana. Os ideais da revolução resumidos no programa do MFA parecem não ser entendidos para poderem continuar a ser sublimados.

Antes tínhamos os liames da nobreza e da burguesia, hoje temos a confissão partidária e dos irmãos.

De uma burguesia que vivia dos caseiros passou-se a uma burguesia partidária que vive das benesses e privilégios de um Estado irresponsável, sem espírito laboral mas explorador dos contribuintes. O que o Estado recebe dos empresários sérios e do povo trabalhador desperdiça-o nas mordomias e na economia, incrementando pessoas sem personalidade ética nem competência empresarial.

A economia, a cultura e os Média precisariam de enquadramentos que lhes possibilitassem a formação de força própria para, deste modo, adquirirem uma certa independência da política. Só assim, se poderia criar, na nação, um equilíbrio de forças competitivas entre eles, que os tornaria em correctivos uns dos outros e possibilitaria a recriação de um estado que não fosse incubador do parasitismo. Urge superar a República burguesa-partidária e antipatriota.

Cultura promíscua da Mediania e do Desenrasca

O problema de Portugal é a sua pequenez; nas suas elites acontece como nas irmandades maçónicas: toda a boa gente se conhece e se encontra sempre na disposição de fazer bem ao amigo; isto num país de filhos e enteados! Temos uma elite portuguesa promíscua mas fechada, vinda de vários sectores (economia, justiça, política) formada por relativamente pouca gente e onde todos se conhecem e se apoiam reciprocamente; este factor proporciona o suborno e a corrupção institucional; possibilita uma espécie de mafia de luvas brancas, uma elite democrática de tesoura na cabeça, também envolvida nos Media. A miscelânea e demasiada confiança entre eles fomentam um povo desprevenido! Neste ambiente é natural que toda a gente aspire a ter um “amigo” de cima, uma cunha grande. Assim se fomenta uma mentalidade do viver encostado; assim se constrói uma cultura do desenrasca.

O Estado português tem servido de encosto e de plinto de lançamento das pessoas a ele encostadas; estas geralmente vindas dos partidos, sem experiência laboral nem tradição laboral familiar, são lançadas também nas finanças e nas grandes empresas onde o Estado/Partidos asseguram lugares para os seus. Uma tal situação conduz a uma economia sabotada, dependente dos parasitas do sistema, só podendo produzir pobreza ou gente remediada.

A formação histórica da burguesia económico-cultural-política tem-se dado sob o signo da mediania. O poder económico e político encontra-se, tal como antes do 25 de Abril, nas mãos de poucos que exercem a hegemonia sobre Portugal, nos diversos âmbitos sociais. Os líderes económicos e políticos sofrem todos do mesmo mal; um problema de mentalidade, que atravessa todas as camadas da sociedade portuguesa, e vai do partido comunista, ao Bloco de Esquerda, ao PSD, ao PS, etc. Daí a falta de solução. Não há grupos propriamente concorrentes; a concorrência dá-se apenas a nível de rua, na demagogia partidária, num discurso manipulador e apelativo para um povo que não existe, porque também distraído por noticiadores mais preparados para anunciar a banha da cobra do que para descrever a situação real do país. Na Idade Média as grandes famílias nobres estavam familiarmente interligadas, hoje são substituídas pelos grandes grupos financeiros e pelas irmandades ideológicas e partidárias a nível europeu. Cada qual, na sua “família„ defende o seu feudo. A economia portuguesa não pode ser produtiva porque além de ter de manter a burguesia partidária com os seus tentáculos polvo, tem de reservar lugares de direcção para os amigos dos partidos ou das irmandades. Temos uma economia com empresas na dependência do Estado que tem de dar lugares de emprego a gente da política sem vocação nem formação empresarial. Juntamos os defeitos da sociedade socialista aos da capitalista. A classe política serve-se desavergonhadamente do Estado e da sociedade porque tem a sua rede de amiguinhos em todo o lugar. Neste ambiente não são precisas grandes discussões públicas temáticas de fundo, basta vitamina c, lançar areia para o ar, ou culpar o estrangeiro, defeito que parece termos herdado da cultura mourisca.

Consequentemente, as novas gerações (pós 25 de Abril) receberam uma herança de graça que agora desemboca na crise. Acordamos num jardim zoológico muralhado quando sonhávamos a liberdade de passarinhos sem gaiola nem fronteiras. Equivocámo-nos ao pensar que o sonho era realidade e que a realidade era sonho. Julgávamos que era possível uma sociedade só de académicos e de dançarinos do poder, numa colectividade de cigarras sem formigas, à maneira do conto de fadas da “Mulher, a Galinha e os Ovos”; entregues à dança e ao simplismo, os valores morais tornaram-se aleatórios e demos cabo das boas escolas comerciais e industriais de então. A revolução, nascida mais da ideologia do que da realidade, desprezava o trabalho manual. A discriminação do trabalho manual em relação ao intelectual e a aposta na construção do estado sem ter em conta a nação levou-nos ao estado em que nos encontramos.

O 25 de Abril envelheceu deixando, os mais velhos, desiludidos dos marxistas, maoistas, comunistas, anarquistas que queriam uma mudança radical. Constatou-se que o sonho era só para alguns, como podemos verificar nas suas posições, remunerações e pensões.
Somos todos corresponsáveis. Quando o indicador da nossa mão aponta para a responsabilidade dos outros há pelo menos outros três a apontar para nós.

O que resta é acordar da utopia para a realidade: de boas intenções está o Inferno cheio. Ao irrealismo que domina a nossa matriz mental, o 25 de Abril veio acrescentar-lhe a utopia que aposta na sorte e na carta de crédito sem cobertura. Assim a terceira república tornou-se no maná dos oportunistas e num peso para o povo. Como povo com bolsa de pobres e boca de ricos continuamos a ser o melhor solo para os afortunados da vida e para uma corja de boys que proletarizam o povo e a ética cultural que o sustenta. Estes conduziram o país à depressão desacreditando os valores do sonho de outrora.

Precisam-se novos paradigmas que protejam as famílias, o interior e a diversidade; ontem foi preciso dizer não à ditadura na defesa da vontade popular, hoje é preciso dizer não à má governação, à corrupção, à exclusão social. Vê-se que os valores de Abril só poderão ter sustentabilidade com um plano de fundo cristão. Sem a volta do povo e dos governantes ao espírito cristão que constituía a identidade da nação, o futuro de Portugal ainda se tornará mais incerto e corrupto: se os que orientam os destinos da nação são corruptos que resta ao povo senão imitá-los!

O 25 de abril criou os seus pobres como o Estado Novo tinha criado os seus! Não se encontra nenhuma forma de governo que prescinda dos pobres. Cada regime, com os seus representantes, serve-se dos pobres (povo) para se afirmar e para legitimar a continuidade da história, tal como cada um de nós se serve da sua lógica para levar a sua “razão” avante! A História encontra a sua continuidade nos diferentes regimes que se servem do gramado, da plataforma dos pobres! O povo continua o eterno refém dos regimes.
A Republica, e com ela, os sindicatos e os partidos, encontram-se imbuídos do espírito antipatriótico, sem consciência de povo nem de nação. A república, surgida do jacobinismo francês e de irmandades internacionalistas desalmadas, foi dominada pelo pensamento de interesses de grupos e de individualismos inferiores e recalcados à procura do sol burguês. De nacional só têm um certo espírito mafioso de encontrar por lugares esconsos, secretos e sombrios! O sol compensador da sua inferioridade, procuram-no no brilho que vem de fora; um fulgor corrupto de um meio, que eleva os chulos, de alardes consulares, aos camarins dos seus bordéis, onde o povo e a cultura são violados.
Os problemas não são de governos mas do desgoverno da governação e da oposição. Precisar-se-ia de uma mudança orgânica dos partidos; como a mudança só pode vir de dentro, a sociedade civil que se sente mais consciente e responsável, teria entrar nos partidos para possibilitar a sua mudança.
O problema da nação não está na sua corrupção e no Estado falido. O problema do país está no facto de não ter alternativa para as elites corruptas. Há 780 portugueses multimilionários com fortunas superiores a 25 milhões de euros. Isto seria legítimo se o povo andasse bem e enriquecesse nas mesmas proporções que eles enriquecem; o mesmo se diga dos altos funcionários e beneficiários dos partidos.
António da Cunha Duarte Justo
www.antonio-justo.eu
Formado em Ciências da Educação para Português e História

 

 

 

REZAR É MAIS QUE PENSAR (QUARESMA)

A Oração do Coração – A Oração também cura

António Justo

Sob as palavras da oração reside a força de uma dimensão específica da pessoa e da comunidade que também se expressa na cultura e nos templos de todas as cidades.

Independentemente das formas dos muros, sob as sombras das igrejas, repousam forças, saberes e vivências reunidos em gestos e ritos que abrem horizontes para novas vivências e novas dimensões da realidade. Como em tudo, precisa-se de uma porta de entrada, um motivo, um centro, onde congregar as energias na procura de novas perspectivas.

O mesmo se dá nas fórmulas das orações; o espírito para se congregar precisa de palavras, gestos e textos, como porta de entrada, para a dimensão mística das vivências. Precisa-se do interruptor da sintonia para estabelecer a ressonância com a onda divina. Na oração juntam-se sentimentos e experiências numa força abrangente que muda e expande o espaço interior e abraça todas as coisas.

Atravessadas as palavras e chegados à oração do coração, todas as coisas se tornam líquidas e nós com elas também. Pela oração das palavras se chega à oração do sentir, à vivência na ressonância do ser. As ideias reduzem-se ao filamento da vela a irradiar a luz na repercussão do sentimento.

A oração abre-nos para campos energéticos do espírito (hologramas do Espírito Santo). Uma vez, despida a roupa e mergulhados nesse mar profundo, somos transportados ao mais íntimo do ser (à ipseidade na relação divina). Este mar, que à superfície é só onda, esconde nele uma infinidade de vida desconhecida. Levados através do sentimento abarcamos o mundo de fora e de dentro para com ele e nele vibrar e arder.

O mar tão profundo e que tanta vida esconde apodreceria se não fosse o movimento; o mesmo se diga da nossa vida que, sem a vivência do profundo, seria estéril. Para mudarmos, temos de entrar no nosso interior, na gruta do encontro com a vida e daí surgirá a energia do mar profundo que se observa nas ondas (obras). Na vida como no mar encontramos duas constantes: a quietude do profundo e a mudança da superfície. Do fundo surge a força do encontro que possibilita a mudança; quem não muda é como a pedra onde passa a vaga que desaparece no mar.

Na onda da oração emocional tudo é líquido, tudo flui, na vivência de um interior de realidade solidária. Também as palavras sólidas se podem tornar líquidas, gasosas e ultrapassar o valor da forma e entrar na consciência da graça. No invólucro das palavras encontra-se a minha rigidez a limitar o interior onde corre a graça. As palavras, na introdução à oração do coração, são apenas o átrio de entrada para a oração do coração; aí sacudimos os sapatos das ideias, dos juízos e dos sentimentos negativos; no armário depomos o manto da moral: o bem e o mal, os medos e as agressões, as insónias e as tristezas do dia. Ainda antes de entrar aspergimos o armário e a sala com o hissope da bênção que tudo purifica. No aspergir da bênção flui o perdão das próprias dores e das pessoas a quem ferimos.

Uma vez purificado inspiro e expiro o bem e noto que uma porta se abre onde a luz brilha e me abraça. Aí, na oração do coração, o sentimento vai com a graça e penetra em tudo e põe tudo a brilhar.

Ao entrarmos em nós, no nosso mar interior, através da oração encontramos a vida que nos une com todo o ser. Ao descer ao mar, à energia do sentir mergulhamos na energia da onda santa que tudo toca, mexe e cura. A insegurança do meu ser ganha então consistência, de modo a me poder mover sobre as águas como Jesus no mar da Galileia. Uma vez deixadas as bengalas do medo, as canas do credo, entramos na experiência da fé, aquela vivência da “sincronidade” para lá do espaço e do tempo onde o inspirar e o expirar transpassa a pele do corpo para se tornar numa vivência universal, um estado em que a frase de Jesus “Pedi, e ser-vos-á dado; procurai, e encontrareis; batei, e hão-de abrir-vos” (Mat. 7, 7) se torna realidade. Aí não há espera, não há tempo. Realiza-se o encontro da união espiritual e passa a acontecer a vivência da morada, o que Jesus transmitia: “Se alguém me ama, obedecerá à minha palavra. Meu Pai o amará, nós viremos a ele e faremos morada nele.”

Os monges do deserto, fugidos à seca da vida no silêncio, olhavam para as nuvens celestes na esperança que a chuva da graça descesse neles e nos povos. Em oração erguiam os braços, inalavam o universo e a morada do divino tornava-se na própria morada. Se me recolho, posso dar oportunidade à vida profunda, à experiência da graça que nos torna fortes.

Ao tornar-me a morada divina desço ao fundo do mar do amor e nele me torno, água na nuvem, água na chuva, água no gelo. A graça flui em toda a “água” independentemente do seu estado sólido, líquido ou gasoso. A vida não se limita ao estado; o sólido encerra em si o fofo do líquido. A mesma água que bate contra os icebergs é movida pela mesma força que os sustem. Na oração desfazem-se os nós, as laçadas de afetos e formas e eu no movimento torno-me graça que chove, onda que bate. No sentimento passa a luz e a sombra numa espuma de formas a desfazerem-se no plano do horizonte. Passa a paz, passa a guerra, e a graça chove fora e dentro, chovem em mim e eu chovo na natureza. Nas ondas do sentimento da gratidão surge a bênção e a cura. A gratidão é uma vivência de sol líquido que invade o corpo soando e brilhando nele o universo até à pele numa energia que cura. A substância da vida, a graça divina flui em tudo e dá lugar à transformação que inclui um efeito espírito santo que tudo une e nivela porque tanto flui na pedra como na água. As hormonas do Paráclito impregnam todas as hormonas do meu ser numa transformação de todo o corpo, todos os corpos e do universo. Então a paz é sentida e não procurada. Já a Bíblia dizia se numa cidade houver alguns justos a sua aura salvará a cidade da desgraça.

Vale a pena meditar e rezar; através da oração se encontra a resistência de um trampolim que nos ajuda a dar o salto no profundo de um mar de águas santas. Lá bem no seio do ser, da sensação profunda, sob o manto do orar, surge aquela energia forte que tudo move e transforma.

António da Cunha Duarte Justo

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Falta-nos a Consciência de Povo, Estado e Nação

Cheguei hoje de Portugal

Estava um tempo fantástico em que pude saborear a luminosidade sublime do céu de Portugal!

Vi as pessoas, boas, a correr para um futuro que parece melhorar mas de porvir muito difícil e incerto! Vi a tristeza e a revolta de muitos para quem a vida parece andar para trás! Vi também o sonho e a alegria de pessoas que crêem apesar de tudo! Vi a leviandade de muitos que, na esperança de mudanças, vivem obstinados na crítica aos partidos mas não estão dispostos a mudar a própria vida.

Não pude compreender que, num Estado, já há anos em bancarrota, os partidos já não tenham feito governos de grande coligação dos partidos maiores, para salvação do país; noutros países, em que os partidos não olham apenas para o próprio umbigo e o povo anda acordado, quando o Estado se encontra em dificuldade, fazem-se grandes coligações para se congregarem forças que doutro modo se perderiam em discussões infrutíferas (caso da grande coligação na Alemanha). Não pude compreender que o povo ainda se não tenha dado conta desta necessidade, preferindo deixar os partidos viverem sem compromisso, à custa do Estado e a enganar o povo no jogo do pingue-pongue. Não pude compreender que tudo fala em nome do povo contra tudo e contra todos esquecendo que a vida é compromisso e que o povo só pode viver bem na colaboração de trabalhadores e patrões; fala-se de povo e esquece-se que quem determina o andar da nação é a classe média e superior. A classe média abdicou e não se encontra à altura do papel que deveria realizar no Estado e no país.

Cheguei de Portugal, um país de opiniões e partidos mas sem Estado nacional. Apesar da crise, o país continua a não querer acordar. Continua, acabrunhado pela crise, a viver debaixo das mantas do dogmatismo da opinião e duma crítica pela crítica que se contenta em despejar a bexiga fora do penico. Estive num país que tem uma grande cultura e um povo simples, criativo e bom mas a quem falta uma “burguesia” cultural, económica e política com espírito patriótico. Em Portugal temos indivíduos, amigos, famílias e partidos; só não temos Estado, País nem Nação; falta-nos falta a consciência de povo, estado e nação.

António da Cunha Duarte Justo

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Ideologias incendiárias com Lógicas claras mas fora da Razão

Ao Arroteamento da Paisagem natural segue-se o da Paisagem cultural

António Justo

A selva da consciência humana vai avançando e recuando à medida dos fogos que se ateiam aqui e acolá. Os séculos XIX e XX foram os séculos que mais se aproveitaram da pirotecnia ideológica (fascismo, socialismo e capitalismo) e tudo isto debaixo do céu iluminista duma razão pura e de uma ciência convencida. O início do séc. XXI sofre as consequências até ao desatino porque a camada dos que têm acesso ao saber é incomparavelmente maior; o problema vem porém dum saber adquirido à primeira vista. Um saber que não cria saber fundado mas destinado apenas a fazer opinião passível de ser cultivada nos vasos da varanda democrática. No absolutismo cultivava-se o dogma absoluto, em democracia cultiva-se a opinião relativista para se ter verdades para todos os partidos. Não ponho as mãos no fogo da ideologia porque me chega o adubo das suas cinzas!…

Valores abstractos não comprometem os Governantes

Torna-se interessante observar a cumplicidade e coerência entre economia, sistema de governo e de pensamento no suceder-se das várias épocas históricas. Se na Idade média com a sua suserania económica agrária (reguengos, coutos e coutadas) imperava o rei/suserano como representante de Deus na terra, hoje em democracia e em nome do povo, cada vez impera mais um estado corrupto sem referências éticas e menos ainda religiosas. O secularismo estatal quer falar apenas de valores abstratos, sem pai nem mãe, e assim confirmar o que o bispo Agostinho de Hipona constatava, no seu tempo: um Estado sem um fundamento moral claro não é mais que “uma grande quadrilha assaltante de ladrões”. Por isso o Estado, embora de direito, não quer saber do bem e do mal. Deste modo os poderosos grupos, ideológicos, políticos, económico e dos Média, tornam-se nos formadores duma opinião pública à medida dos seus interesses particulares. Quer-se uma sociedade também sem religião nem modelos; o maior modelo humano da História, Jesus de Nazaré, tornar-se-ia numa provocação.

Na Europa, no tempo das invasões bárbaras a vida era dominada pelo medo real da morte, das pestes e dos assaltos bárbaros. A vida era violenta e o ambiente rude, o que se repercute também na mentalidade desse tempo. A violência, o medo e a necessidade de defesa levou os habitantes a construir castelos nos cimos dos montes e os fiéis a construir igrejas com janelas estreitas para impedirem os assaltos. Neste ambiente fomenta-se uma consciência do direito, impregnada na necessidade de justiça, que se formula numa espiritualidade de direito e se expressa então no Jesus severo e justiceiro adaptado à época.

O fogo do amor abranda todos os fogos sejam eles materiais ou espirituais, porque queima os medos pela raiz.

A necessidade de desenvolvimento e a fome levou aoarroteamento de grandes florestas na Europa. Por todo o lado, a natureza recuou, à medida que a população aumentava. Dá-se uma progressão na cultura e um recuo na natura. No seculo XV a população de Portugal era entre um e dois milhões de habitantes, a França tinha entre 10 e 14 milhões e a Espanha andava pelos cinco milhões.

Ao fogo do dogma religioso sucede-se o fogo do dogma racionalista/secular com o dogma da opinião embutida no relativismo. No processo da evolução os fogos do inferno deram lugar aos fogos das ideologias. Ao arroteamento das paisagens geográficas da Europa segue-se o arroteamento da sua paisagem cultural, com o desbaste do que ela tem mais sagrado. Na luta pelo próprio biótopo vital ou ideológico cada um procura escavar a própria trincheira para daí fazer fogo com uma argumentação lógica mas não racional. A lógica ideológica pega nuns tantos factos históricos tirados da cor local histórica e do contexto, organizando um fio condutor lógico ad hoc e convincente para quem não conhece o resto dos factos.  

O Medo como Instrumento de Governo e de Domínio

A religião procurava relegar a vingança dos fogos do dia-a-dia para o fogo do inferno, adiando o medo para o fim-do mundo. O secularismo hodierno procura relegar a vingança das injustiças do dia-a-dia para um futuro de progresso, adiando o medo de eleição em eleição ou para um futuro melhor. Pirómanos de um lado e de outro: cada qual amarrando o futuro à sua ideologia.

Incendiários por todo o lado, teístas colocando o fogo nos campos dos ateístas e incendiários progressistas colocando o fogo no campo dos conservadores e da religião: todo o mundo a dar continuidade à cultura da guerra e ninguém interessado em integrar.

Na luta contra o medo tudo luta com o medo de morrer sozinho, tudo procura tornar-se proprietário da razão; esta e á a mecha de fogo mortal mais eficaz mas que, num outro ideário, se poderia transformar na mecha da paz.

Numa sociedade cada vez mais distante da vida moral e da lei da causa e do efeito sofre-se de um reducionismo monocausal, procurando explicar as próprias dores da mente com qualquer coisa que lhe engane a fome.

No carrossel das opiniões e das lógicas tudo anda atordoado. A expressão cristã não pode porém reduzir-se a uma herança assim como a sua crítica não pode ser reduzida a uma época ou sistema político. A interculturalidade não seria beneficiada se fundamentada nas culpas sejam elas a nível de medos ou de coerções, sejam elas mesmo, de caracter intelectual subtil.

Tanto a delinquência como a benignidade dum povo são retratadas nos seus costumes, na sua ética e nas suas leis.

Hoje é fácil falar-se com o rei na barriga; para isso basta falar de antanho, falar dos outros, a partir do trono duma própria opinião tendente a justificar a própria insatisfação/frustração.

O filósofo Epicteto dizia “Não há falta de provérbios, os livros estão cheios deles, o que falta são pessoas que os apliquem”! Eu acrescentaria: Não chega um provérbio ou uma citação para conhecer uma pessoa, é preciso ler o livro inteiro e mesmo assim continuarei a não poder perceber os mistérios que a pessoa alberga e que o livro não consegue revelar!

A ideologia do pensar politicamente correcto que nos domina tornou-nos indiferentes.

Entre o texto e o contexto prospera a opinião de um texto descontextuado. O sentido do texto só está no contexto! Por isso há que perguntar o que está por trás de uma opinião e que interesses serve, antes de nos deixarmos levar por lógicas que se revelam contra a razão! Hoje na barafunda das lógicas argumentativas tudo serve para atacar as raízes da nossa civilização.

António da Cunha Duarte Justo

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SOU EMIGRANTE COM ASAS DE ARRIBAÇÃO

 

 

Portugal minha Nau Catrineta no alvorar de uma Terra já sem Ninhos

 

António Justo

 

O emigrante é um ser estranho a viver na confluência de gravidades entre mundos; é estranho onde entra, é estranho onde está, e é estranho quando volta; passa a vida na meia-luz de um sonho que não acorda. De essência enjeitada, seu lar é caminho, de passarinho sem-abrigo, a riscar o ninho à borda da vida.

 


Há motivos para fugir, há razões pra se ir embora, há vontade pra bater a porta, e…, seguir a ânsia do sair do nada. Há sempre um momento e um repente pra fazer da esperança uma vela onde o presente se aquece e alumia, na tentativa, de dar à luz um futuro não humano mas digno. Este futuro, filho do sofrimento, embora gerado na mágoa da saudade, é afagado por mãos parteiras do sonho, mãos singelas e puras, de familiares e amigos que segredam promessas onde ecoa a voz da terra. Esta voz do coração, este zumbido no ouvido, não se cala e mais se sente, a celebrar, em cada emigrante, o desassossego das águas do Cabo na luta por transpor o Bojador, de uma vida, toda mar.

 

Corri mundo a ver as suas luzes e nelas mais não vi que as sombras do velho Portugal! Agora que vivo, na penumbra de Portugal, onde o cheiro a povo não faz mal, sinto vontade de voltar pra dizer: acorda povo, volta ao arraial, liga tu as luzes e faz a festa…

 

De volta à terra, nos pátios e caminhos, as crianças já não brincam; neles só sentimentos desfraldam ao vento; meus desejos, com o pó se vão, levados em nuvens de pensamentos; no longe da terra, vejo ainda, bandos de passarinhos negros, voando a mágoa de um caminho errado e de uma terra já sem ninhos.

 

Dançarino, agora, na linha do horizonte, feito de enganos já sem filhos, tornei-me acrobata da insónia a acenar para a vida de desejos grávidos, a voar ainda no sol das asas, mas já sem terra onde poisar.

 

Na bagagem da recordação saltitam sonhos meninos de uma vida retalhada a brincar com a vontade. A vontade de ir e vir sem poisar!

 

Sou povo a voar, nas asas de Portugal, a subir e a descer, as nuvens do sentimento, no Natal e em Agosto. Portugal, dentro e fora, anda a dias, a regar a europa seca com lágrimas atlânticas.

 

Aquela parte do Portugal povo, não renegado, padece a outra parte que segue as pegadas duma europa rica, mas de futuro aleijado. Meu povo, o nevoeiro vai passar, ainda não é tarde para voltares à fonte e reencontrares o sentido do caminho que é nosso: as sendas de Portugal. Estás grávido de bem e de humanidade; aguenta um pouco as dores, para dares à luz o novo Portugal.

 

Portugal, és a nau Catrineta que ainda tem tanto que contar! O teu destino tem andado, sem timoneiro, nas mãos de gajeiros iluministas que profanaram a nau para viverem do nevoeiro de fora e do vermelho dos bordéis dos camarotes, sem saudade nem desejo de avistar praias de Portugal.

 

Em Portugal transborda o mundo. Daí o caracter migrante de um povo não humilde mas modesto, onde germina a esperança que o faz andar, a teimar a vida, dentro e fora, num ânsia de arar Portugal pra gerar fartura, para todos, regada com a chuva fértil do transcendente.

 

Portugal é a Nau Catrineta que vai arribar numa Terra bendita! Não te esqueças da tua missão; foi ela que te fez; a tua nau é pequena mas, como a gruta de Belém, tem a modéstia do viver e o fogo do amor, a aquecer todos os povos.

 

António da Cunha Duarte Justo

 

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