DA URGÊNCIA DE UMA ÉTICA GLOBAL PARA A INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL

1° Projecto de Orientações éticas da UE para o Desenvolvimento da Inteligência Artificial (IA)

António Justo

A China está a estabelecer um “sistema de pontos de crédito social” (1) para recompensar e punir o comportamento social de seus cidadãos com pontos; no sistema é registado o comportamento das pessoas; por exemplo:  quem usa a bicicleta como meio de transporte, quem pagou as facturas, quem visitou os pais, etc. Quem não se comporta bem ou tem uma má pontuação social não recebe empréstimos, nem bilhetes de comboio, de avião, etc. Nos USA há um sistema de crédito bancário que com o tempo poderia também ele ser desenvolvido para controlo generalizado. Na Europa também há países em que se nota uma tendência para controlar o cidadão através dos dados bancários e das finanças. Já hoje, os algoritmos decidem quais os anúncios e a propaganda aferida às tendências da pessoa e que se recebe no Facebook/Smartphone.  Naturalmente não há comparação entre estes países e a ditadura de informação técnica (IT) chinesa, mas a sociedade corre o perigo de caminhar nesse sentido: vigilância completa por poderes anónimos.

O projecto de orientações éticas da UE (2) para lidar com a Inteligência Artificial (IA) foi agora (7.05.2019) apresentado por 52 especialistas de universidades, empresas e da sociedade civil na intenção de garantirem regras que desenvolvedores, aplicadores e usuários da IA devem observar para não fugirem aos direitos humanos e princípios fundamentais.

A criação de sistemas de armas autónomas, automóveis sem condutor, medicina computorizada trazem consigo a preocupação de quem é que decide e até que ponto são respeitados os valores humanos e uma humanidade equilibrada. É preciso criar-se regras para que o controlo exercido pela pessoa não passe para segundo plano ou se abdique dele.  Os drones podem decidir por si mesmos sobre vida e morte. A indústria prefere, a nível mundial, fazer adiar decisões (28 nações já assinaram tratado contra o desenvolvimento de tais armas (a Alemanha não).

A IA não pode poder tudo nem determinar tudo…. Com ela está em jogo o lugar da pessoa humana na Criação. De acordo com os especialistas da UE, também se deveria impedir a criação de uma consciência artificial com sentimentos humanos (Coisa propriamente impossível: uma inteligência artificial alienada da humanidade e fora do controle humano poderia até destruir os seres humanos).

No caso de sistemas inteligentes poderem criar uma utopia restaria a questão se essa utopia não seria só para uma elite. Será difícil de evitar a criação de massas proletárias e de pessoas carenciadas a viver na dependência total. O saber tecnológico e de assistência a tais sistemas será tão elevado que levará a criar poucos centros de apoio com uma burocracia tecnológica de difícil acesso e deste modo monopólios que virão dar razão a algumas teses de Karl Marx, só que numa outra perspectiva de um totalitarismo comunista sócio do capitalismo de Estado (talvez no sentido de um modelo chinês).

O seu emprego também poderá ser fonte de maior justiça, mas é necessária uma atenção especial dado, em geral, serem os investidores e produtores que determinam a comportamentos e a consequente aceitação da oferta; o mercado obriga, como se vê no Google e Facebook.  A velocidade do desenvolvimento e dos grandes capitais que o fomentam levarão tudo o que é pequenada (aquilo a que chamamos povo!) a ser arrastada pela sua aragem e especialmente pelo poder normativo do factual. Quanto mais inteligentes e complexas as máquinas ou robôs, mais indolente se pode tornar a inteligência humana da generalidade, ficando reservado só para alguns o conhecimento e sua determinação.

Quanto a possíveis erros dos sistemas, há que distinguir entre os erros humanos (juiz) que são individuais e como tal situáveis e limitáveis e os erros de um sistema ou programa IA, onde uma decisão de um sistema de algoritmos poderia tornar-se num problema viral.

Segundo críticos do documento elaborado, o texto fala demasiado do deve-se e da minimização de perigos parecendo exagerada a precaução de uma ética que não se quer empecilho ao desenvolvimento.  Pessoas que criam esses sistemas de IA pretendem renunciar à sua responsabilização pelas consequências, de algoritmos complexos que avaliam enormes quantidades de dados para o sucesso e fracasso de uma decisão.

A China, que não se sente sujeita a standards ocidentais cristãos da dignidade da pessoa humana e seus direitos, pode tecnicamente distanciar-se e ganhar a corrida na concorrência. Daí a necessidade de uma ética abrangente e universalmente aceite.

Na discussão relativa à concorrência de quem conquistará os mercados com novos produtos, há grupos progressistas que consideram as ideias cristãs de defesa da personalidade humana como um atraso e um impedimento ao desenvolvimento da ciência. Também por isso o materialismo a espalhar-se mundialmente através de agendas luta tanto contra a tradição ocidental devido à sua liderança na filosofia de defesa da dignidade e dos direitos humanos.

Também por isso há movimentos contra a ideia cristã de o Homem ser considerado a coroa da Criação; é o caso de árias ONGs a atuar no Ocidente. Ele é, porém, sujeito e ao mesmo tempo objecto de uma ética humana que o defenda e obrigue a ser responsável também perante toda a criatura e responsável em relação ao futuro.

Uma Inteligência Artificial muito forte e dominante, se ficasse apenas nas mãos de interesses económicos e ideológicos, produziria rapidamente uma pequena elite privilegiada e uma maioria de “humanos inúteis” em que, num futuro não distante, o seu tratamento com dignidade poderia ser considerado um estorvo (isto num Zeitgeist em que certos parâmetros de qualidade de vida parecem querer sobrepor-se à vida!).

Todos se encontram a aprender, mas as pessoas que criam tais tecnologias, no momento da sua aplicação deverão estar conscientes de serem responsabilizadas pelas consequências – incluindo o pagamento de indemnizações.

 

Programar também a ética

Será preciso programar nos sistemas IA também planos de valores. As pessoas também usam as tecnologias para explorarem os outros. Por isso é de grande importância não perder o controlo sobre elas e sobre o seu uso.

A ditadura chinesa tem mais trunfos na mão do que os sistemas democráticos ocidentais apesar das suas lóbis contaminadas. Isto terá como consequência a elaboração de uma moral permeável no Ocidente. Quem determina o ritmo da música é o capital e a indústria. Tudo se está a formalizar em termos de viabilidade; as ideologias vão mudando e surgindo conforme as necessidades.

Em todo o discurso sobre a ética é, muitas vezes, esquecido que só é possível ética onde houver diversidade. As tendências igualitaristas, hoje em voga, correspondem a princípios antiéticos e antinatureza e correspondem ao suborno da liberdade e da natureza.  Os padrões éticos e morais nunca são universais, são sempre culturalmente determinados e profundamente enraizados nas pessoas. Não é possível em pouco tempo a integração global de padrões éticos universais como podemos verificar em relação aos direitos humanos. A ética de que se fala aqui destina-se a proteger a pessoa humana da dependência total de interesses anónimos da indústria e de robôs.

Os sistemas de inteligência artificial correspondem a um poder computacional a que falta a alma humana.

Se na nossa sociedade já a maioria dos cidadãos não tem uma ideia do porque pensa como pensa, devido à distância intelectual para com os criadores de consciência social, então com a IA só uma reduzida percentagem da população poderia pensar por si mesma. Se não se estiver atento nem nos precavermos, teremos uma sociedade de alguns gigantes e uma massa de pigmeus! No sistema atual ainda vamos tendo a ilusão de que a maior parte das coisas são determinadas por nós mesmos, mas com a ainda utópica IA descontrolada até essa ilusão desapareceria.

Como simples princípio de orientação ética poderiam ser as Leis da Robótica (3) ou princípios idealizados por Isaac Asimov em 1950: (a) um robô não pode ferir um ser humano ou, por inação, permitir que um ser humano sofra algum mal. (b) um robô deve obedecer às que lhe são dadas por um humano – a menos que tal ordem colida com a regra um. (c) um robô deve proteger a sua existência desde que esta protecção não colida com a regra um ou dois. (d) um robô não pode causar mal à humanidade ou, por omissão, permitir que a humanidade sofra algum mal.

Em princípio, na automatização, a deliberação deve ser sempre da responsabilidade humana e não anonimizada. A comissão ética europeia também se tinha pronunciado neste sentido (4).

A ficção torna-se realidade num futuro previsível. Torna-se especialmente amedrontadora no sector militar e em certos sectores um risco para a soberania do Homem!

© António da Cunha Duarte Justo

Teólogo e Pedagogo

Pegadas do Tempo

ALEMANHA FEDERALISTA CONTRA FRANÇA CENTRALISTA NA REFORMA DA UNIÃO EUROPEIA?

O Coração europeu bate nas Capitais dos Países membros e não em Bruxelas

Por António Justo

O debate Pró-Europa, conduzido pelo presidente Francês Mácron, começa a ganhar perfil em tempos pré-eleitorais para o parlamento europeu (26 de Maio). De um lado a França centralista com Mácron e do outro a Alemanha federalista com Annegret Kramp-Karrenbauer (AKK) que desce ao concreto. Por seu lado, o Ministro Federal das Finanças, Olaf Scholz, ficou-se pelo geral dizendo: “Emmanuel Mácron deu um sinal decisivo para a coesão na Europa. Acho que ele tem razão: não é o cepticismo, mas a confiança que deve determinar as nossas acções.”

O plano de ação para a EU, já exibido por Emmanuel Mácron em diferentes ocasiões e apresentado, por último, na sua carta aos cidadãos da Europa, “Por um Renascimento europeu” (1) publicada a 4 de Março 2019, já recebeu resposta concreta alemã no Welt am Sonntag 11.03.2019, pela voz de Annegret Kramp-Karrenbauer (AKK), a chefe da CDU e próxima Chanceler in spe.

Mácron propôs uma europeização dos sistemas sociais, uma Força Sanitária Europeia, um Salário Mínimo para toda a EU, um Serviço Europeu de Asilo, um Conselho Europeu de Segurança, um Conselho Europeu de Segurança Interna, um Banco Europeu do Clima para financiar as alterações climáticas, uma Polícia de Fronteira Comum e a fundação de uma Agência Europeia para a Democracia e um Conselho Europeu de Inovação. Pretende também que se aumentem as despesas militares, reduza as emissões de CO2 a zero até 2050, 50% menos pesticidas até 2025. Esta iniciativa, por muitos aspectos positivos que possua, não contradiz o medo da criação de uma EU dos burocratas com um Estado-mega!

AKK, com uma só cartada, distancia-se, de Mácron, a nível europeu, e afirma-se como aspirante fiável a chanceler perante o público alemão. AKK refelcte as coordenadas da política alemã ao avisar: “Se tivermos agora a coragem de falar concretamente de alterações aos Tratados europeus, nem a “elite de Bruxelas”, nem a “elite ocidental”, nem a elite supostamente “pró-europeia” devem permanecer encerradas entre si. Só conseguiremos a legitimidade democrática para a nossa nova Europa se envolvermos todos no processo” (2). Até pela forma de discurso se nota a diferença do caracter alemão mais formiga (nórdico) perante o caracter mais cigarra (3) dos latinos (Sul)!

A AKK, no Welt am Sonntag, rejeitou, em parte, tal propósito argumentando que “o centralismo europeu, o etatismo europeu, a comunitarização das dívidas, a europeização dos sistemas sociais e o salário mínimo seriam o caminho errado”. Ao contrário de Mácron, quer ver uma Europa construída em duas colunas tratadas com igualdade, ou seja, cimentadas com o “método da colaboração intergovernamental” (entre governos e instituições da EU) e o “método comunitário”.

A AKK, no Welt am Sonntag, rejeitou, em parte, tal propósito argumentando que “o centralismo europeu, o etatismo europeu, a comunitarização das dívidas, a europeização dos sistemas sociais e o salário mínimo seriam o caminho errado”.

Considera prioritário “assegurar as bases do nosso bem-estar” prevendo para isso a criação de “um mercado interno para bancos e ao mesmo tempo construir um sistema de subsidiariedade, autorresponsabilidade e responsabilidade vinculativa dos parceiros”; exige a segurança das fronteiras exteriores da Europa e o Serviço de Protecção das Fronteiras (Frontex) “ser rapidamente convertido numa polícia operacional de fronteiras.” Quando ao serviço Europeu de Asilo, defende que os requerentes a entrar na Europa, já à entrada nas fronteiras Schengen, será necessário verificar se se trata de uma pretensão de asilo, de um estatuto de refugiado ou de qualquer outro motivo existente. A chefe da CDU exige também um registo electrónico de entradas e saídas e o desenvolvimento do Sistema de Informação Schengen. “Cada Estado-Membro deve dar o seu contributo para a luta contra as causas, a protecção das fronteiras e o acolhimento”.  Doutro modo corresponderia à desautorização da soberania e dos Estados.

Quanto à ideia de Mácron de haver uma Preferência Europeia em matéria de concorrência (“Punir ou proibir empresas que prejudiquem nossos interesses estratégicos e valores fundamentais, tais como padrões ambientais, proteção de dados e pagamentos de impostos apropriados”) haverá concordância entre os dois Estados, porque, neste assunto, os interesses da Alemanha e da França cobrem-se em relação ao concorrente China; esta preferência iria prejudicar os Estados membros com menor produtividade industrial e comercial.

 

A Alemanha também veria com melhores olhos que no conselho de segurança mundial houvesse um assento europeu em vez dos lugares franceses e britânicos. Talvez na proposta francesa de se criar um Conselho Europeu de Segurança Interna e um Conselho Europeu de Segurança haja espaço para outras conversações. Certamente a Alemanha não aceitaria ficar sob a dependência atómica francesa e por outro lado pôr a sua economia à disposição sem contrapartidas. (Em política as ideias são bonitas mas quem pode pode!)

AKK mostra-se moderna e conservadora, o que a torna mais aceitável no meio conservador da CDU e da Europa (A sua posição certamente que agrada aos britânicos que se sentirão motivados a um segundo referendo que os mantenha na União Europeia).

Uma proposta que parece demasiadamente centralista e até antidemocrática é a sugestão de Mácron, de se criar uma Agência Europeia de Proteção da Democracia; para isso deve ser criada uma burocracia que envie peritos controladores a cada Estado-Membro da UE para proteger as eleições da manipulação interna e externa (de facto, esta poderia ser usada como máquina de censura da Internet, etc.). Uma tal instituição poderia também ser usada para assegurar a predominância das forças do poder político estabelecido (De notar já a impaciência da classe política e seus submissos, em relação à liberdade de expressão atual na Internet).

Conclusão

A Alemanha, desde o princípio do Euro exigia reformas competitivas aos países do Sul (o que não aconteceu). Os países do Sul, por sua vez, exigem fundos de redistribuição a seu favor, orçamento da área do euro, um mecanismo de estabilização do investimento, um instrumento de aplicação da reforma, um seguro de desemprego europeu.

Nas posições de Mácron e AKK debate-se o centralismo latino europeu contra a tradição federalista alemã e democrática anglo-saxónica. Para os alemães não chega a expressão de ladainhas como” solidariedade” e “comunidade de valores”. Os alemães sabem que primeiro está a jaculatória da economia e só depois vem a resposta da ideologia e que esta corresponde mais ao “ora pro nobis” do povo, para consolação cordial! Sem compromissos responsáveis económicos não se constrói futuro sustentável para a EU. De facto, todo o desenvolvimento quer ser conquistado para passar depois a ser adquirido; uma vez adquirido torna-se património, mas este é sempre o resultado de uma política económica inteligente, o que não quer dizer sempre justa.

A Alemanha está consciente do que contribui para que estados como a Grécia consumam mais do que produzem, conhece a desmesurada Itália com bancos com créditos podres e sem garantia de confiança, e está ciente do que faz pelos refugiados rebocados por bandos para a Espanha, para depois serem recebidos na Alemanha (Destas coisas porém não se fala muito em público senão o povo ainda se tornaria mais rebelde, ou seja, mais populista!). As soluções não podem ser esperadas só da Alemanha, mas da conexão das economias nacionais ao nível da produção e sem que se deixe a cultura europeia à disposição do marxismo anticultural, como tem estado a acontecer: nem tanto ao mar nem tanto à terra! Os alemães têm medo que não se cumpram as regras do endividamento das nações e como consideram a Europa como uma espécie de pátria substituta da sua pátria perdida, querem tudo ajustado a uma Europa sem nacionalismos, mas sob a batuta da economia, isto é, uma Europa no mundo, mas mais forte que fraca!

As ideias europeias de AKK são de grande interesse, apesar de virem da chefe da CDU e não da chanceler; isto é considerado por muitos quase um abuso diplomático (mostra porém a inteligência dos conservadores alemães na tática de passagem de poderes da Chanceler Merkel para a sua sucessora in pectore). Ao contrário da chanceler Merkel, AKK, ao exigir que o Parlamento da EU apenas se reúna em Bruxelas e ao deixar de lado os interesses franceses das sessões parlamentares em Strasbourg e ao não ligar sequer à proposta de Mácron de ser fundada uma Agência Europeia para a Democracia e ao contrariar o fortalecimento da economia europeia pela solidariedade (transfer de bens) querido por Macron opondo-lhe o “princípio da subsidiariedade e da  autorresponsabilidade dos estados-nação” quer uma Europa nova mas que não perca o cunho do  made in gemany.

Annegret Kramp-Karrenbauer (AKK), chefe da CDU vai ocupando o espaço da Chanceler Ângela Merkel embora a chanceler continue a ter muita aceitação na população: 67% dos alemães são contra a renúncia ao cargo de chanceler; querem que Merkel continue no cargo até ao outono de 2021. A chanceler quer por seu lado que AKK vá ocupando espaço no partido e na opinião pública e por isso concede à amiga muito espaço para autoafirmação. A hora de AKK decide-se depois das eleições de maio em Bremen ou nas de Outono no Leste da Alemanha; tudo depende da reacção do parceiro de coligação SPD.

AKK, com a sua tomada de posição, chamou os bois ao rego e demonstra que a construção da nova Europa não pode ser deixada ao sabor de meras fantasias ou ideologias, tendo de ser construída no equilíbrio e no juntar de forças e esforços dos povos do Norte e dos do Sul no respeito pela velha Europa. Numa palavra: quer uma europa do Sul mas que não perca o Norte!

© António da Cunha Duarte Justo

“Pegadas do Tempo”,

(1)  https://www.elysee.fr/emmanuel-macron/2019/03/04/por-um-renascimento-europeu.pt

(2) https://www.welt.de/politik/deutschland/article190037115/AKK-antwortet-Macron-Europa-richtig-machen.html

(3) A comparação da cigarra e a formiga refere-se às elites dos países e não ao povo.

O PENSAMENTO TAMBÉM TEM CHEIRO

Do Direito a cheirar não só o Cravo mas também a Rosa

 

António Justo

Sim, o pensamento também tem cheiro, não se fale já da cor!

A atmosfera social encontra-se cada vez mais intoxicada por falta de arejo na opinião pública e por falta de oxigenação do pensamento cativado em alfobres estanques; este é comercializado num espaço social e político reduzido à perspectiva do “ou tu, ou eu”, sem contar com o ele.

Consta que a intoxicação do pensamento se deve, em grande parte, à classe económico-política dirigente que, com os seus escribas e fariseus, ditam o que é correcto pensar ou mastigam primeiro o que será adequado à orbe social.

Vivemos na época política do pensamento supervisionado e dos grávidos com o rei na barriga! A esfera, de cérebro lavado, não pensa, mas sente e sente-se um pouco incomodada por sentir por todo o lado (na opinião pública) o mesmo cheiro: um odor a detergente barato que abafa qualquer perfume de características mais individuais ou mais diferenciadas.

Pessoas mais inocentes chegam a cogitar se este é o cheiro da igualdade democrática e outros, mais arrojados, chegam mesmo a avançar que não é o cheiro a cravo mass sim o cheirinho de um “Abril republicano”.

De facto, como tudo se tornou negócio e se anda tão movido pelo aroma da brisa revolucionária, já nem se distingue o cheiro a Abril do cheiro a Omo ou a Persil. Numa opinião pública, cada vez com mais cheiro a desinfetante, a sociedade vai vivendo da grata consolação do trabalho de diferenciar entre o cheirinho a cravo e o cheiro a rosas, também ele trazido na aragem de um outono passado. Até onde alcança a vista, veem-se grupos em fila só para poder sentir, no cheiro do arejo, o cheirinho do “clube” desejado.

Como tudo parece ir dar ao mesmo, na lavandaria pública, o espírito crítico esgota-se na discussão da nuance política de quem lava mais branco: o Omo do passado ou o Persil do presente! O problema nem vem dos cheiros nem tão pouco dos detergentes que se usam para tirar as nódoas; a solução vem do proveito e dos comerciantes, só interessados na venda do próprio produto.

Alguns republicanos – certamente os socialistas do jeito jacobino –  por terem plantado um alfobre de cravos no “jardim à beira-mar plantado”, pensam-se com  direito a todo o jardim e, quanto aos cheiros, pensam-se só eles com o privilégio não só de cheirar o cravo, mas também de discernir qual o cheiro! Encontramo-nos metidos num busílis do caneco e que nos tem atrasado a evolução dado todo o povo se sentir ser jardim; um jardim sem ninguém com direito ao monopólio da flor nem tão-pouco do cheiro.

E uma certa esquerda, mal informada, chega a dizer que, nós portugueses, não somos propensos a democracia pelo facto de continuarmos a querer definir a nossa identidade pelo jardim e não apenas por uma só flor, seja ela, muito embora, o cravo ou a rosa. Afinal, esses caras é que se encontram atrasados por não reconhecerem ainda o avanço de um povo ecológico que pretende a igualdade no reino das flores!

Já agora um aparte: confunde-se pensamento crítico com pensamento acomodado, a um ou outro regime, a uma ou outra ala política no fluir do Mainstream que propaga um rumor do ondular das opiniões ordenadas ao ritmo do 25 de abril, como se a origem de Portugal tivesse de ser redescoberta tardiamente entre as algas de algum lago parado.

Resumindo: não houve sobressaltos com a mudança de regimes: o ondulado permaneceu o mesmo, o que mudou foi só o alinhado do penteado e os barbeiros que dele se aproveitam. Numa sociedade de pensamento bem alisado até os extremos servem para mostrar a força das ondas mestras: o resto é só brilhantina e desodorizante.

O credo político correcto é tão forte como a lixivia: onde cai não há nódoa, fica tudo branco! (Por isso até há quem lamente que noutras democracias não seja permitido o uso da lixivia pura, e se use, só à mistura, com outros ingredientes!)

Numa situação assim já não interessa nem o cravo nem o cheiro a cravo ou a rosa; o que importa é quem possui o garrafão da lixívia que limpa tudo não deixando sequer o cheiro a povo.

© António da Cunha Duarte Justo

Pegadas do Tempo

DOM QUIXOTE É A ELITE E SANCHO PANÇA É O POVO

Do Dom Quixote e do Sancho Pança que se é

Por António Justo

Dom Quixote (é o símbolo de idealistas, de progressistas, de sonhadores, da cidade e da elite cavaleira que quer dominar o mundo) é o patrão de Sancho Pança (símbolo do concreto, da seriedade, da tradição, dos conservadores, da realidade, do povo, amante da aldeia e da família). O poder dos Dom Quixotes não deixa os Sancho Panças fazer valer os valores que lhes corresponderia, embora o destino e interdependência sejam comuns.

O grande escritor Miguel de Cervantes com o livro Don Quixote de la Mancha criou uma parábola do que se passa também no nosso tempo e que supera o tempo histórico (ele é genial e tornou-se em fonte inspiradora de literaturas internacionais).

Num caminho de aventura entre realismo e idealismo, Sancho Pança segue Dom Quixote na esperança que este lhe dê o reinado de uma ilha que lhe prometera. Esta é a ilusão que mantém o povo arrebatado e enganado por ideologias, mas sem as quais também não poderia viver.

A vida é injusta e quem disser o contrário passa a ser também parte dos idealistas.

Facto é que Sancho Pança e Dom Quixote cavalgam juntos através dos tempos e são inseparáveis, diria, são complementares!

Aquilo que os Dons Quixotes de hoje deveriam reconhecer é que a nossa vida é e será o romance e que a virtude e vida que cultivam é colhida nos alfobres da injustiça!

Vive-se numa sociedade individualista dos Dom Quixotes, equivocados, ao pensar-se que se consegue gerir a vida sozinhos. A União Europeia, na sua acção política com as nações, não tem respeitado as duas personagens que são protótipos inseparáveis, e que pertencem mesmo ao género do Mito: a expressão da realidade social e individual na sua essência. Também progressistas lutam contra conservadores como se fosse possível uma vida social sem uns e outros, além de uns e outros cultivarem a ilusão de que é possível uma sociedade feita só de Dons Quixotes.

O povo aguenta com o perigo e com os riscos dos sonhos das elites, mas que estas não sofrem. A ideologia torna-se muitas vezes um impedimento da vida pacata e bem vivida, mas abana-a da sua pasmaceira. O povo não gosta das intrigas do poder e hoje de maneira especial não se sente bem com os Dom Quixotes que lhe querem roubar o sossego da terra e da família.

A nostalgia que amarra o Sancho povo ao Dom Quixote vem de um certo ideal professado e ingénuo pelo Dom Quixote bem servido!

© António da Cunha Duarte Justo

Pegadas do Tempo

https://antonio-justo.eu/?p=3547

 

FESTA DE SÃO SILVESTRE / ANO NOVO

Em Portugal a Festa encontra-se em casa

A festa do Ano Novo (da passagem 31 de Dezembro) é nomeada de festa de S. Silvstre, o nome do Papa Silvestre I, que morreu em Roma no no dia 31 de Dezembro do ano 335.

Esse dia é, pela primeira vez, menciondo, no calendário eclesiástico, em 813, como onomástico de São Silvestre,  o padroeiro dos animais domésticos e de um feliz ano novo.

Os romanos começaram a celebrar a festa, pela primeira vez no ano  153 a.C., data em que o início do ano foi adiado de 1º de março para 1º de janeiro.

Para individualistas que não gostem de festas de calendário, tiveram a oportunidade de celebrar o início do novo ano astronómico que este ano, no hemisfério norte, começou no dia 21.02.2018 às 22h23 (hora portuguesa).

Na Alemanha na véspera do ano novo (Silvester) celebra-se a passagem com foguetes e fogos de artifício por toda a parte. Torna-se num espectáculo em que, à meia noite,  as pessoas vão para a rua, com os vizinhos, lançar os foguetes e com um copo de espumante brindam e trocam augúrios de Boas Festas.

É uma festa celebrada em todo o mundo e a que andam ligadas as mais diversas superstições e costumes. Em Berlim juntam-se na Porta de Brandenburgo mais de um milhão de pessoas a celebrar a passagem com um copo de sekt (vinho alemão semelhante ao champanhe) ou de champanhe! Na Alemanha oscomerciantes de sekt vendem só para essa noite 20% do consumo do ano.

Em Portugal, por exemplo no Porto, as pessoas celebram a passagem com um bom jantar em casa ou num restaurante e antes da meia-noite saem para a rua para assistir ao show dos fogos de artifício.

Por todo o país se festeja a magia da passagem e se admira, além do espectáculo pirotécnico, também os enfeites das luzes da época natalícia. Nesta altura Portugal torna-se num magnete de estrangeiros no Porto, na Madeira (mais de 500.000), em Lisboa, na Nazaré etc.  Muitas outras terras também se aproveitam da ocasião para festejar também com estrangeiros.

Em Portugal o mundo encontra um povo que gosta da festa!

Um ano 2019 feliz e à medida dos vossos desejos.

António da Cunha Duarte Justo

In “Pegadas do Tempo”