À procura do Pai no Universo

A Nave espacial Philae com a Sonda Rosetta “acometa” depois de dez Anos

António Justo
A 13.10.2014 a nave Philae acometou, depois de dez anos de viagem, em Tschuri. O cometa desloca-se a grande velocidade, a uma distância de 5000 milhões de km da Terra.

O objectivo do projecto espacial é analisar a composição do núcleo do cometa, a temperatura, e a natureza do seu solo, para, deste modo, se conseguir informações sobre a origem do sistema solar.

A nave de desembarque Philae (1), como o nome indica, revela o esforço por decifrar o texto do universo, numa tentativa de descobrir a origem do cosmo e da vida.

Como pode a técnica do homem (brinquedo dele), por meio dela, descobrir Deus no seu brinquedo que é o Universo?

O projecto é arrojado; é como tentar encontrar o Espírito divino, no provisório do tempo (no corpo morto de Cristo). A intenção é útil e o projecto também, porque, para lá das diferentes velocidades a que andam as inteligências humanas, o facto reúne-nos a todos no encruzamento do espaço e do tempo, naquele entremeio/intervalo, onde começa o nevoeiro interstelar feito de mistério. Aqui, para lá de constelações e opiniões, encontramo-nos todos no início da mesma viagem.

Na experiência do universo, tal como na da ressurreição, o tempo pára, a vida flui, só se ouvindo o ecoar do divino por todo o universo – um eco no coração do Homem a repetir-se na eterna pergunta: Pai, onde estás?

Na repetição desse eco outros ecos se ouvem no receio de uma resposta órfã vinda da técnica para filhos órfãos, na sombra da vida… Os cientistas permanecem presos em campos magnéticos, em distâncias e em conjecturas que partem de um pressuposto próprio. De facto um deus que se pudesse atingir não seria Deus. O que está por trás de tudo isto e tudo puxa e ordena, não lhes interessa. Cada um, cada criatura encontra o que pretende, parece também isto ser uma lei da natureza. O homem moderno corre o perigo de se dissipar no útil e factual perdendo a capacidade de sentir o pulsar de um poder superior na natureza.

Entre Deus e a sua obra corre o fluido do nada calado, a deixar espaço para perguntas a que o acaso ajuda mas não responde. Onde se encontra o eterno tecelão, que, da sua fantasia, fia a vida com os fios duma ordem misteriosa e perturbadora, de tal modo ordenada que se perde a meta e o sentido?

O desamparo do Homem, na procura do Pai (das origens), gira na órbita entre dúvida e convicção. A decifração da vida precisa não só da luz fria da razão mas também do calor da fé. Doutro modo a vida gelaria ou seria reduzida a um pesadelo num palco obscuro que em vão tentaria coar o brilho do Sol.

Neste mundo tudo gira na procura de uma meta! No emaranhado dos movimentos, a fé gera asas que o ateu não tem. A viagem da sonda Rosetta, materializa a fé da ciência na procura dos sinais da vida, tal como a viagem da fé, na procura do sentido do sentido, tenta dar sentido ao sonho que a vida é.

Todos, no mesmo espaço, viajamos em diferentes velocidades e órbitras mas num sentido comum de um céu estrelado com as energias das leis da física, da moral e da razão, tudo alinhado no seguimento das pegadas do mistério no universo. Todos nós, indivíduos e culturas, estamos na nave Philae.

Cada época, cada cultura, cada pessoa tem o seu centro de gravidade – o seu Sol – em torno do qual giram sentimentos e pensamentos que determinam uma acção própria no decorrer do mesmo empreendimento de desenvolvimento e descoberta.

Philae perdeu as forças, esvaziou as baterias depois de dois dias. Resta-lhe esperar pela luz do Sol que lhe carregará as baterias para seguir a viagem da esperança.

Procuramos nos testemunhos da órbitra do tempo o que se encontra fora dessa órbitra. A procura é para o homem o que é para a sonda a velocidade da nave.

Na vivenda do mundo
A nave Philae
Com coragem vai
Em busca do Segredo
Na Sala de Parto
À procura do Pai!
António da Cunha Duarte Justo
www.antonio-justo.eu

(1) Pedra de Roseta é um fragmento, em três línguas, descoberto em 1799 no Egipto e que, juntamente com a descoberta de um outro fragmento, na ilha Philae, possibilitou a decifração dos hieróglifos egípcios.

Hidroterapia e Promoção de Termas e Lugares de Cura

Um Exemplo para Portugal e para a Lusofonia: Bad Wörishofen

António Justo
Bad Wörishofen pode considerar-se um modelo em questões de integração de inteligências e interesses complementares no âmbito da saúde, da política, da economia, da formação e da cultura; os diferentes sectores da cidade desenvolvem estratégias comuns, investindo, de maneira complementar e cooperativa, reagindo assim, de maneira adequada, às potencialidades do meio, aos gostos do tempo e à procura do mercado. Aqui se vê o testemunho de que a matéria-prima mais rica, que um lugar tem, é a inteligência e a vontade de o transformar.

Quando, em 1975, estive em Bad Wörishofen e, por curiosidade, pratiquei alguns exercícios de aplicação de água fria nos braços e nas pernas, nas instalações dos parques públicos, recordei-me de uma curiosidade de espírito semelhante, que tinha verificado em Portugal. Em 1972 encontrava-me como orientador de alunos de Izeda, numa colónia de férias da praia da Areosa, a norte de Viana do Castelo. Fiquei então surpreendido quando vi, no lusco-fusco da manhã, mulheres vestidas, agarradas às pedras da praia sofrendo o embate das ondas frias sobre seus corpos. Foi-me então explicado que o faziam por razões de saúde.

Em Bad Wörishofen impressionou-me verificar como, o simples facto da diferença de temperatura de águas, aliada às ideias e experiência de um visionário (“Pároco Kneipp”), ter transformado uma aldeia de vacas numa vila que se pode considerar a sala de visitas de toda a região com renome internacional. Quando penso em Portugal, lugar privilegiado no mundo pela diversidade de riqueza de suas águas termais, já há dois mil anos exploradas pelos romanos, surge-me um sentimento de melancolia e uma ideia brilhante de um Portugal em florescência.

Por isto e por outras, todo o pessoal de termas deveria visitar Bad Wörishofen para ver como aqui se conseguiu unir em torno de uma ideia, o saber, as necessidades, as pessoas, a natureza, os balneários, os parques, a cura, a cultura, as caixas de previdência, a repartição de turismo e as finanças, no sentido de uma indústria da cura e do bem-estar físico e psíquico geral. Bad Wörishofen juntou a tendência das necessidades individuais e sociais com a inteligência económica, vivendo, hoje, toda a cidade, dos frequentadores das “termas”, tornando-se actualmente também num lugar de fixação de pessoas idosas abastadas. Esta pequena cidade com quase 15.000 habitantes tornou-se, segundo a apreciação da revista TIME, numa das 12 cidades da Alemanha mais dignas de visita.

Hidroterapia e Dietética do Naturista Sebastian Kneipp

Sebastian Kneipp (Stephansried, 17 de maio de 1821 — Bad Wörishofen, 17 de junho de 1897) foi um sacerdote católico, defensor do naturismo, que se dedicou ao estudo e promoção da terapia através da água, revolucionando a medicina alternativa. Foi director das termas de Bad Wörishofen e criador da Terapia Kneipp, uma estratégia hidroterapêutica e dietética com muito sucesso.

Filho de uma família pobre do sul da Alemanha, trabalhava como pastor das vacas da sua aldeia mas quando a casa da família ardeu e com ela as suas árduas poupanças de 70 Gulden, abandonou a aldeia para trabalhar fora, na condição de criado.

Como era inteligente, um capelão ensinou-lhe o latim, preparando-o para a frequência do liceu. Durante os estudos, tomou contacto com o herbalismo (uso e estudo das plantas medicinais)

Era estudante de teologia quando adoeceu de tuberculose e como conhecia o livro “Lições do Poder de Cura da água fria” de Johann Siegmund Hahn, banhou-se repetidamente por alguns momentos na água gelada (entre 5 e 10 graus) do Danúbio, ficando, depois disso, curado. Este acontecimento impressionou-o de tal modo que o encorajou a fazer aplicações diárias com amigos que sofriam de tuberculose e que se viram também curados.

Em contacto com a “Associação Amigos da Água”, que se ocupava do tratamento com água, mais se motiva a dedicar-se à cura pela água. Um farmacêutico levantou uma queixa em tribunal contra ele, pelo facto de violar a lei do comércio (curar sem credenciais, sem licença para isso); foi então condenado a pagar 2 Gulden por “crime contra a proibição de curar”; esta lei ainda vigora hoje, sendo necessário para o exercício de curar, um título ou diploma. O pároco Kneipp foi várias vezes processado pela medicina escolar. Dado ele não levar dinheiro pela cura e só tratar casos declarados como impossíveis de cura pelos médicos, foi-lhe então permitido curar os tais casos dados como perdidos pelos médicos.

Wörishofen recebe o título de estância termal (= Bad)

Na altura grassava na região uma epidemia de cólera e ele, ao ver tanto sofrimento e miséria, desrespeitou a lei curando 42 pacientes, sendo, por isso, apelidado de “capelão da cólera”.

Em Agosto de 1889, Wörishofen já não tinha capacidade para albergar os 4.000 candidatos à cura; dois anos depois já eram 6.000 e em 1893 Bad Wörishofen já contava com 33.134 clientes hóspedes de cura e mais de 100.000 outros visitantes. Constroem-se muitos balneários e surgem então associações Kneipp.

A Câmara municipal interessa-se pela exploração da cura em Bad Wörishofen; Kneipp exigiu então à Camara a criação de um departamento de caridade para órfãos e doentes carentes com direito a serem tratados gratuitamente e a um médico. Em 1892 é contratado um médico de termas para tratar gratuitamente pacientes pobres.

Kneipp viajou por muitos países a expor o seu método terapêutico com a água. Hoje o seu método encontra-se aplicado internacionalmente em muitos lugares de cura. O filantropo viu a sua acção coroada ao ser recebido pelo Papa e nomeado Camareiro secreto pontifício.
Em 1920 a cidade Wörishofen recebeu o título Bad=lugar de cura, passando a designar-se Bad Wörishofen. Na Alemanha há hoje 600 associações Kneipp com cerca 160.000 membros.

Aplicação do Método Kneipp nas Termas / Lugares de Cura

Sebastian Kneipp tinha um pensar holístico e dizia: “A natureza deu-nos em abundância tudo o que se precisa para ficar saudável.” Considerava o ser humano integrado no seu biótopo, advogando um estilo de vida em equilíbrio e em unidade de vida com o seu ambiente natural; propagava, nessa qualidade, as curas naturistas e a medicina preventiva.

Os cinco pilares da sua filosofia eram: água, plantas, movimento, alimentação e balance (equilíbrio na acção).

Corpo e alma encontram-se numa relação estreita de equilíbrio com os elementos da natureza, água, plantas, movimento (“A movimentação aumenta a paixão pela vida e ajuda o homem através do fortalecimento do seu corpo”) , nutrição (“Enquanto não houver uma mudança drástica no nosso sistema alimentar, não podem ser resolvidos os danos de que a humanidade sofre; não resolvidos, ainda se tornará pior.”, etc.

O padre que tratava toda a gente por tu, não exceptuando sequer o imperador, dizia: “Nada se pode tornar mais prejudicial para a saúde do que o modo de vida dos nossos dias. Deve ser encontrado um equilíbrio, a fim de revigorar os nervos supertensos e manter a sua força”.

“Para mim, se há um meio de cura, esse será a água”, dizia o Cura Kneipp

A Água
Através de esguichadelas de água (estímulos, de leves a fortes) provoca-se o fortalecimento dos poderes de auto-cura do corpo. A energia que surge da aplicação externa de água de temperaturas fria e quente, estimula a circulação sanguínea, promove o metabolismo corporal e a desintoxicação do organismo.

Há cerca de 120 aplicações da água, entre elas, lavagens, banhos de ervas, banhos alternados com água quente e fria, “esguichos relâmpago de água”, embrulhar em roupa. Uma delas, a imersão dos braços em água fria, também chamada “O café de Kneipp” revigora o corpo e actua contra a fadiga mental.

A aplicação mais conhecida de Kneipp é a pisa da água fria. “O ‘jacto de água fria lançado no joelho’ torna-se eficiente contra os pés frios, fortalece o sistema imunológico e ajuda quando se têm pernas pesadas, varizes, agindo ainda como anti-inflamatório” (Cf. http://www.kneipp.de/de/kneipp_philosophie/wasser.html).

As Plantas
A fitoterapia (medicina à base de plantas) conhece, para cada sofrimento, uma erva correspondente.

Das 45 plantas que Kneipp usava, segundo ele, a mais querida era a erva arnica que operava maravilhas contra hematomas, contusões, entorses, dores musculares e doenças venosas.

Alecrim estabiliza a circulação, Junípero (a fertilidade), erva-doce, alho (anti envelhecimento, afrodisíaco) e cardamomo. Aléo Vera – o “cactus das feridas”- relaxa, limpa a pele e fortalece o sistema imunológico.

O emprego das ervas medicinais (“medicina monástica”) sempre foi usado nos mosteiros e era mantido na tradição dos jardins dos mosteiros.
São bem conhecidas as propriedades curativas de ervas e plantas seleccionadas, tal como o emprego da argila praticado e transmitido em muitos conventos, como já recomendava o nosso papa médico português João XXI na sua obra “Tesouro dos Pobres” onde descreve o tratamento com produtos medicinais vegetais, animais e minerais. Nela se encontram receitas tanto para abortar como para fomentar a fecundidade. Hoje empregam-se, de forma eclética, os mais diferentes modos de terapia.

O Movimento:

Comparava o corpo com uma máquina de ferro que exposta ao tempo, sem movimento, ganha ferrugem. Nos seus exercícios, à moda do tempo, recomendava cortar lenha e a debulha, caminhar descalço, nadar, etc. “Tudo a seu tempo e tudo na medida certa”. “O que faz bem à mente, não pode prejudicar o corpo”.

A Alimentação:

Uma vida saudável implica que se desfrute com todos os sentidos. Para isso é importante uma atenção especial ao estilo de vida e aos hábitos alimentares. Água, plantas, exercício físico e a alimentação são os elementos que colaboram para o balanço da vida saudável e fomentam o entusiasmo pela vida. (Cf. http://www.kneipp.de/de/kneipp_philosophie/ernaehrung.html)

Não é preciso fazer dieta para se sentir bem; para Kneipp é importante uma alimentação equilibrada e reduzir a gordura; é útil moderar o consumo de carne em favor do peixe e consumir muita fruta e vegetais; beber muito (2 litros) especialmente águas minerais e chá de ervas ou fruta. Um grama de gordura animal tem o dobro de calorias de um grama de carboidrato ou de proteína. Recomenda o pão integral, cereais, painço e espelta. É de suma importância o equilíbrio da saúde física, emocional e energética.

Aplicações e tratamentos

O mais conhecido dos cinco pilares da filosofia da Sebastian Kneipp é a aplicação de água fria e quente, que é feita através de esguichadelas, banhos de braço, banho com mangueira a partir do pé e subir para a perna e vice-versa, banho do joelho, banho do corpo inteiro, embrulhamento depois do banho, pisa da água e andar descalço. As aplicações causam efeito sobre o sistema imunológico, a pele, e muitos outros processos metabólicos.

Indicações terapêuticas

Deficiência imunológica, Resiliência, Bronquite, sintomas respiratórios, infecções dos seios, sinusite rinite crônica, doenças otorrinolaringológicas crônicas, doenças urinárias ou ginecológicas; calafrios, crises de gota; doença cardiovascular, má circulação, cólicas menstruais, dor nas costas, lombalgia, dor nas articulações, tensão, dor ciática, doença degenerativa das articulações, osteoporose, irritação articulações, músculos; reumatismo, mal-estar, fadiga, cansaço físico e psicológico; distúrbio metabólico, doenças de pele, eczema, Estresse, reforço da resistência, distúrbios vegetativos, insónias, mau humor, doenças de órgãos funcionais; doença venosa, varizes, problemas circulatórios, tinnitus, flebite, Indigestão, constipação e distensão abdominal, condições espasmódicas na área abdominal. Como prevenção: doenças da idade e estilo de vida, infecções, resfriados, estresse.

À Laia de Conclusão

Bad Wörishofen fez de Kneip  o escudo da terra, a marca dos seus reclames e do seu sucesso.

As riquezas naturais da mais-valia das termas portuguesas poderiam ser ainda mais enriquecidas com o conceito, métodos e técnicas que se reúnem em torno de Bad Wörishofen e da filosofia de Kneipp. Imaginemos os potenciais económicos e de mercado que se encontram no âmbito do turismo, de tratamentos e também de aposentadoria para pessoas abastadas de proveniência internacional.Imagine-se uma acção concertada com os países da Lusofonia! Aí se encontram investidores e clientes com vontade de realizar uma via própria da lusofonia.

O potencial da economia termal para o desenvolvimento local e da hotelaria e do turismo nacional, já nos é indicado desde o Império romano, em que a classe alta romana frequentava as termas de Portugal.
Unir o termalismo e os lugares de cura a uma política de promoção do regionalismo e a uma cultura do bem-estar e do turismo da saúde, são objectivos que poderiam atrair rios de dinheiro da União Europeia; para isso são necessárias concepções e projectos bem fundamentados com perspectivas económicas. (A dedicação a estes projectos, pelos nossos deputados provenientes das regiões, justificaria grande parte da sua acção!…). Temos de deixar o jogo das escondidas das conversas para se passar a uma política e economia de acções concertadas. A conversa nunca é certa se deixa espaço para reticências. Uma sociedade avançada atesta-se nas obras.

 

Portugal tem condições excepcionais para se tornar, a nível europeu, na vanguarda termal e com excelentes lugares de cura. Precisam-se, para isso, investidores e políticas viradas para o fomento dos recursos locais. Precisam-se inteligências livres e fábricas de pensamento que, a nível local/regional, consigam projectos envolventes que as autarquias depois concretizem em colaboração com os diferentes parceiros.

Torna-se necessária e oportuna a aplicação da directiva comunitária Europeia nº 24/2011 relativa aos cuidados de saúde transfronteiriços. Não chegam congressos, precisam-se acções concertadas dos políticos da região, de investidores nacionais e internacionais (Capital de Angola!), médicos, técnicos da saúde e do turismo, com o apoio das universidades locais como motores do fomento económico e regional…. No sector da formação poderia haver formação e intercâmbio de práticas de cura promovidos pela UE…

Seguir o desenvolvimento da hidrologia, a nível prático, tornar-se-ia muito eficiente no combate às doenças crónicas, perturbações funcionais e doenças da civilização. O investimento na indústria da saúde será a aplicação mais rentável para as próximas gerações.
Qualidade e humanidade são critérios muito atraentes para diferentes públicos com exigência/posse.
António da Cunha Duarte Justo
Jornalista
www.antonio-justo.eu

A Chanceler alemã desvia a Bola para Canto ao falar da EU e de Portugal

“Portugal e Espanha criam demasiados licenciados”

António Justo
Segundo o Globo – DN, Ângela Merkel, na Confederação das Associações Patronais Alemãs (BDA), fez a observação que Portugal e Espanha produzem demasiados licenciados universitários, insistindo na necessidade de se promover o ensino vocacional (profissional). A indústria e a economia de uma nação constroem-se com formação profissional e com experiência laboral.

Em termos de estatística a Doutora Merkel meteu o pé na argola, porque, segundo o gabinete europeu de estatísticas, em 2013, 25,3% da população da União Europeia entre os 15 e os 64 anos tinha completado estudos superiores: Irlanda com 36,3%, Reino Unido 35,7%, Alemanha 25,1%, Portugal 17,6%, Itália 14,4% e, no fim da lista, a Roménia com 13,9%.

O facto de a Alemanha ter um sistema económico muito forte, devido, em grande parte, à formação profissional dual da Alemanha, no âmbito do ensino médio e superior, e à sua política económica e financeira, só se justificaria a sua afirmação na medida em que é necessário ligar o estudo à prática (ensino teórico e prático) para se criarem profissionais do trabalho com espírito empreendedor.

As preocupações de Merkel têm mais em vista a defesa dos interesses da economia alemã do que a dos países latinos da EU. Ao contrário de Helmut Kohl – o europeu – a chanceler fomenta uma política nacional egoísta, tal como a da nova geração de políticos das grandes potências europeias, apenas interessadas na defensa dos interesses nacionais.

Merkel, tem a experiência da economia da antiga DDR (Alemanha socialista de leste) e da BRD. Depois da união a Alemanha continua a transferir biliões de euros por ano para a sua parte de Leste e esta encontra-se ainda atrasada depois de 25 anos de grandes transferências.

A moeda única – Euro – torna a EU a responsável pelo descalabro
dos países periféricos

A sua política de poupança para a EU, neste contexto, destrói as economias mais fracas. Não pode haver crescimento sem investimento! São cínicas as exigências colocadas aos países do sul sem programas apoiantes da conjuntura. Estes não têm hipótese nem perspectiva (A Grécia nunca pagará a dívida; Portugal também perderá o que lá tem); destroem as novas gerações e arruínam o futuro das economias fracas (É um crime o que se está a passar com o desemprego da camada jovem da sociedade europeia – os Estados salvaram os Bancos e não disponibilizam moedas para a criação de empregos – o exemplo da reacção do governo da Islândia em relação aos Bancos foi calado nos Media de toda a Europa). As economias fortes extorquem os especialistas das economias fracas e destroem as indústrias locais, obrigando as firmas e o pessoal qualificado a emigrar. Os países pequenos não têm investidores nem empresas com capacidade de competir e de resistir com os grandes. Apesar de tudo, os estados têm de fomentar o investimento assumindo a fiança de pequenos e médios investidores. Com a união do Euro, a União Europeia tornou-se política e economicamente responsável pelo descalabro das economias periféricas; insiste porém em fugir à responsabilidade. Ninguém tem a coragem de erguer a voz, porque os que o poderiam fazer ganham com a situação.

O estado da EU é doentio e enganador porque a doença é crónica e não passageira, como se pretende dar a entender: o Euro, que deveria fomentar uma identidade europeia comum, revela-se como o problema fundamental, atendendo às diferentes tradições de economias nacionais cuja estabilidade era garantida pela valorização e desvalorização das diferentes moedas e que agora são inevitavelmente, determinadas pelas multinacionais que vivem do Euro. O equilíbrio e a capacidade de maneio entre as diferentes economias foram aniquilados com a moeda única. Com o Euro, um país não pode valorizar ou desvalorizar a sua moeda na concorrência internacional tendo de se manter no euro sem possibilidade de compensação. Quem paga a factura são os países carentes e as pessoas médias privadas endinheiradas dos países fortes.

O problema de diferentes economias ainda hoje se sente entre as diferentes regiões fortes e fracas da Alemanha, apesar da sua união se ter dado já há 25 anos e o Leste receber anualmente bilhões de euros da solidariedade.

Os padrões económicos que valem para a Alemanha não valem para um país da periferia. As economias dos países têm diferentes velocidades. Um sistema económico latino não tem a mesma velocidade do sistema de um país nórdico, pelo que o latino nunca chegará a ter o mesmo nível de produção.

O valor de uma moeda depende do nível de produção de uma nação. Por isso há economistas que defendem a ideia de se manter o Euro apenas como moeda de referência central, tal como outrora acontecia com o ECU e que cada economia volte à sua velha moeda.

A política seguida pelo Estado alemão, em relação à Alemanha de leste, deveria ser aplicada também na relação dos países europeus fortes com os países fracos. Na Alemanha cobra-se um imposto de solidariedade de 5% sobre os impostos a todo o trabalhador; este é depois transferido para a antiga Alemanha socialista; além disso as regiões fortes transferem bilhões de euros para as regiões fracas da Alemanha para assim se ir criando um equilíbrio. O que se revela bom para a Alemanha seria bom para a EU.

Vai sendo tempo de Merkel e outros deixarem de admoestar os países de economias fracas; quando o fazem é para desviarem as atenções dos verdadeiros problemas que eles mesmos criaram.
António da Cunha Duarte Justo
www.antonio-justo.eu

A Divisão da Europa e do Mundo passava, há 25 anos, pelo Meio da Alemanha

A Queda do Muro de Berlim – o Fim de um Susto

António Justo
O dia 9 de Novembro, é aquele dia em que se celebra o 25° aniversário da queda do Muro de Berlim, o dia em que a liberdade arrebentou com as portas e desceu à rua.

Até àquela data já tinha fugido do éden socialista, cerca de 5 milhões de “ossis” (alemães de leste). O Politburo constatava que, por dia, fugiam de Berlim Leste de 300 a 500 pessoas e toda a Alemanha de Leste se encontrava em efervescência tal como acontecia já noutros países do bloco soviético; por isso decidiu simplificar a saída e a entrada no país.

A notícia prematura da administração (Politburo) de que no dia seguinte haveria liberdade de circulação levou o povo a acorrer em massa, já no dia 9, às fronteiras.

Ateado o fogo da coragem à multidão, esta deixou a alegria saltar em cima do muro e destruir, por algum tempo, a “cortina de ferro” entre capitalismo e socialismo. Apenas a porta de Brandeburgo se manteve algum tempo encerrada, devido ao titubear das instâncias socialistas, que por fim deixaram vingar a razão, não intervindo naquele acto da força popular. Os sodados controladores do muro abandonaram os seus postos, ao ver tal formigueiro de pessoas e trabis (auto típico da Alemanha de Leste) a querer passar para o lado ocidental do muro. Deste modo, os alemães tiveram a sorte de fazerem uma revolução sem tiros nem mortes. Posteriormente o funcionário superior do Politburo (Schabowski) que, por descuido, deu início à enxurrada da liberdade, declarou-se envergonhado do sistema socialista confessando: “fizemos quase tudo mal” naquele “sistema incapaz de vida”.

Era o início do fim da ditadura socialista da Alemanha de Leste. A vontade de liberdade não se deixou dominar por mais tempo; o estado injusto com espionagem em todos os sectores laborais e sociais, com o terror policial, a perversão da justiça e a idiotice económica aproximava-se do fim.

Aquela monstruosidade do muro erguida nos olhos do mundo desde 1961 caía agora devido à força da enxurrada da liberdade represada durante 28 anos. Começava para os cidadãos do socialismo real uma nova vida pondo-se a corar ao sol da liberdade a mancha da vergonha. Inicia-se aqui uma nova página da História para a Alemanha e para a Europa. Acaba-se com um mundo bipolar e com a guerra fria, conseguindo-se a reunificação da Alemanha a 3 de outubro de 1990.

Os cidadãos ao saltarem o muro do medo conseguem fazer milagres aplainando os muros para a felicidade poder deslizar.

Tive a dita de festejar juntamente com os alemães o dia da libertação. Um misto de alegria, agradecimento e humildade se juntavam nos ares. Neste momento não tínhamos nacionalidade, cor nem raça, éramos universais. Neste dia as pessoas mesmo desconhecidas aplaudiam e choravam, abraçando-se na rua. Como é belo e consolador quando o sol deixa de ser arrebanhado por mãos escuras e pode descer à rua. Se a massa do povo soubesse a força que tem, não haveria político algum que lhe resistisse e continuasse a servir-se e a servir interesses anónimos e escuros, à sua custa.

O nove de novembro é uma data marcada pelo destino alemão. Em 1918 deu-se a abdicação do imperador e proclamação da República; a 9.11 de 1923 falha miseravelmente o golpe de Hitler contra a Democracia; a 9.11 de 1938 deu-se a miserável “Noite dos Cristais”, o pogrom contra os judeus em que os nazistas incendeiam sinagogas e se deu a pilhagem das lojas judaicas – com este dia inicia-se a perseguição sistemática dos judeus; finalmente, a 9.11 de 1989 dá-se o passo para a união e liberdade depois da abertura incontrolada do muro.

O sacrifício que se paga pela liberdade deve ser proporcional à vitória e à perda! A liberdade e a justiça justificam o máximo de esforço e sacrifício.
António da Cunha Duarte Justo
Jornalista
www.antonio-justo.eu

Ética da Responsabilidade pressupõe uma Educação para a Liberdade

A liberdade passa pela revisão da gramática – Nossa matriz da vida

Por António Justo
É essencial o empenho pelo estudo dos problemas humanos sob a perspectiva duma ética da insubmissão, porque a prática do hábito e da submissão levou a História a repetir-se, na continuidade de um poder medíocre e violento, que governa o mundo.

Hoje já se reconhece a submissão, a rotina e o medo como factores que impedem o desenvolvimento humano e sociológico, porque conduzem à subjugação, à técnica e aos automatismos do imediato consumista e a uma moral ad hoc. Albert Einstein advertia: “Os grandes espíritos sempre sofreram oposição violenta das mentes medíocres. Estas últimas não conseguem entender quando um homem não se submete, sem pensar, aos preconceitos hereditários e usa a inteligência com coragem.”

Não se trata de educar para uma revolta violenta contra os sistemas vigorantes (isso foi o que se fez durante toda a História em lutas, guerras e guerrilhas reactivas); a consistência ou inconsistência dos Estados actuais é o resultado dessa prática do grupo mais forte que impôs o regime, em que cada país se encontra no momento. Enfim, a História tem sido uma cadeia ininterrupta de assaltos e contra-assaltos. Como este é um dado de sustentabilidade negativa, no prolongamento de um passado centrado na violência e no poder, sem sentido pelo viver, será necessária a propagação de uma revolta integral da consciência (alma e inteligência acordadas e reunidas na intuição) que possibilite uma maneira de estar pacífica centrada na pessoa e não nos grupos de força, de maneira a acordarmos para o sentir integral da vida.

O conhecimento oficialmente propagado é confuso e baseia-se na divisão e confusão que conduzem à concorrência, ao conflito e à violência; isto porque assim se estabiliza os grupos de atitude violenta.

A acção pragmática e a razão, no seguimento da ambição, conduzem à eficácia mas não produzem felicidade; em vez de integrarem os polos extremam-nos no sentido de dividir para imperar (veja-se a definição partidária na sua dinâmica contra o integral); comporta uma dinâmica do abstrato e da generalização, distante da vida baseada na moral da lei, mas não no indivíduo concreto; o sistema da autoafirmação na definição contra o outro já assume, em si, o princípio da corrupção e da violência.

Como vimos no quarto estádio da ética, o estádio do amor que integra as partes numa dinâmica de maximização do indivíduo e da comunidade (à imagem da fórmula trinitária) a perspectiva deve incluir todas as perspectivas centradas na pessoa. (O aspecto utópico talvez se situe apenas no momento de projectar a acção e responsabilização individual para o grupo).

A mudança qualitativa só poderá dar-se mediante a mudança da gramática! Aprender a aprender para libertar/responsabilizar o Sujeito

A actividade escolar orienta-nos para o utilitário e eficaz impondo a luta competitiva numa estratégia do ‘alarga os ombros e deita abaixo’, se queres subir. Trata-se de uma educação irreflectida, feita de automatismos que conduzem a um viver no sótão do pensamento muito longe da vida concreta e em que se procura compreender tudo menos a nós mesmos, menos o nosso sentido e o sentido do nosso viver. Não respeita as características do indivíduo. Começa por forçar o intelecto e negligenciar a emoção e a acção, não se preocupando com o desenvolvimento da personalidade.

A escola e a educação partem de diretrizes e planos de enquadramento destinados a encaixar o cidadão numa dada intenção política, que ensina, à sua maneira, a perceber o que é, mas não a perceber o como é nem o como podia ser. Instrumentaliza-se o indivíduo, a vida e até os ideais dela. Na escola, deixa de haver indivíduos concretos para serem desvirtuados no mundo do rebanho centrado num pensar abstracto desresponsabilizador. Na sociedade, tal como na escola, só há lugar para a manada de complementos tornados predicativos de sujeitos indeterminados. Há que personalizar e reabilitar o sujeito indeterminado. A frase com o seu sujeito, predicado e complementos torna-se no símbolo de uma sociedade (massa) e de uma vida empedernida em funções sem respeito por cada termo em si; aplica-se uma gramática/didáctica que não compreende o termo/palavra independentemente da sua função e, deste modo, não lhe possibilita liberdade nem responsabilidade própria. Uma gramática das funções contrapõe-se à realidade da mudança contínua porque fixa os termos/pessoas no tempo cronológico e num meio já determinado. Para mudarmos a sociedade e a vida teremos que começar por consciencializar a gramática, nosso rescrito de vida, para assim, consciencializando-nos dos seus parâmetros, sermos capazes de criar novos, o que pressupõe começar por revolucionar a gramática (reflectindo o seu caracter estigmatimo) ou pelo menos a sua didáctica! A mudança qualitativa só poderá dar-se mediante a mudança da gramática!

Aristóteles e a Platão apresentam-nos achegas de reflexão sobre os valores perenes que nos resguardam de um viver de slogans alienantes formadoras de atitudes e virtudes oportunas para o momento socioeconómico em que se vive. O valor perene é integrante e como tal não define (é inclusivo não colocando o fim, o limite), destrói barreiras porque parte de uma visão integral da vida que deixa de ser esquartejada no tempo e consequentemente desconhece o medo enfreador. Onde há medo há sofrimento, há um ferido e uma batalha perdida. Quem propaga o medo é inimigo do homem e da liberdade. Por isso a missão é libertar todo o homem, seja ele muçulmano ou cristão, seja ele socialista ou capitalista, porque só então cairão as correntes e as muralhas dos prisioneiros que se encontram dentro e fora dos muros. O autoconhecimento conduz à experiência do suor de sangue no Horto das Oliveiras e à expressão individual de cada um na qualidade de ressuscitado.

As palavras são como o vento que passa e o exemplo é como a torrente que arrasta. O problema da mudança permanece bicudo pelo facto de um sistema só se mudar qualitativamente quando os seus membros se mudarem, isto é, quando grande parte dos indivíduos se mudarem, o que significa um processo de mudança imensamente lento, porque centrado em cada pessoa.

Obedecer/desobedecer para crescer!

A lei, a ideologia, o pensamento não muda basicamente, o que faz mudar é a atitude, o comportamento. Enquanto construirmos a nossa identidade identificando-nos com um sistema, país, religião, filosofia ou cultura, estamos a fugir de nós e a procurar a segurança fora de nós. Esta é a tragédia. Esperamos de fora no ter o que não somos conscientemente (no ser interior). Isto não quer dizer que não devamos pertencer a um partido, a uma religião, ou a um grupo qualquer, como meio e campo de acção, mas não como algo de identificação ou onde se procura a honra ou o poder. A natureza não conhece nenhum elemento que em nome do grupo se mate ou mate alguém. Só o Homem chegou a tal corrupção desnaturada prescrevendo a morte de pessoas em nome do grupo ou instituição; tal corrupção é tão descarada a ponto de a inscrever como norma em livros sagrados! E o que é mais grave a palavra mágica “religião” serve para conter as inteligências políticas e os intelectuais que se desobrigam na confusão das interpretações ao gosto da bondade ou maldade do cliente, em vez de se centrarem na qualidade da filosofia da religião.

O país, a nação, a política, a ciência e a religião não existem para serem servidos, devem ser meios de servir e fazer o bem. O ser humano é superior às instituições, está antes delas; estas são para o servirem e não o contrário. É contra a natureza o fanatismo bem como considerar uma instituição material ou espiritual como o bem. Estas pecam por delimitarem, definirem (ao determinarem o limite, o fim) de uma realidade que o não tem. O poder reside na divisão! Toda a ideologia como toda a instituição comete o pecado de se arrogar e usurpar a bondade que se encontra na pessoa. Só a pessoa é o lugar do bem e do mal. As instituições e até o sistema mental transferem a vida individual para as ideias e para as relações humanas de maneira a serem servidas por estas; conseguem-no ao determinarem a sua identidade na fronteira que separa o que deveria estar unido e rouba ao indivíduo a sua auréola pessoal transladando-a para a instituição e fomentando a dependência do indivíduo em vez da sua independência (Confrontar o dolo e o beija-mão de personalidades mesmo non gratas à população!). O Jardim infantil das sociedades em que nos encontramos faz lembrar a dança em torno do bezerro da Babilónia! Age-se sob o pressuposto que o que as pessoas precisam é de uma música qualquer para poderem dançar, independente do valor ou ética da “música”. Fala-se de emancipação mas na realidade a mesma sociedade que a defende, a rebaixa, entregando a dignidade humana às feras da praça pública. Isto não elimina o reconhecimento dos dons e do serviço em comunidade, com a comunidade e para a comunidade. Na comunidade há uma relação de sujeitos e não de objectos (o lado oposto da moral de Nicolau Maquiavel) o que permite uma outra interpretação dos dons e serviços porque a comunidade amplia o membro na complementaridade, não o rouba. É necessário criar uma pedagogia da certeza do incerto. Para isso são necessárias pessoas adultas e de boa vontade.

A Certeza do incerto

Temos de reconhecer também os limites do nosso sistema de pensamento e tornarmo-nos conscientes do seu condicionamento ao preconceito; de facto não há conceito sem preconceito. As forças de poder material ou ideológico usam do preconceito sem passarem pela reflexão; usam até da lógica para embrulharem a razão; servem-se na escola do preconceito, ensinando-nos a viver dele sem nos consciencializarem de que o preconceito é apenas um instrumento necessário para chegarmos à apreensão da realidade intelectual, sendo ao mesmo tempo uma oportunidade e um perigo falsificador de realidade. O problema da realidade começa com a ideia dela.

Se atribuo a uma percepção ou ideia a mesma realidade existencial (o mesmo conceito de existência) que dou à realidade das coisas, identifico imaginação ou ficção com a existência do objecto, dando-lhe assim uma outra forma de existência. Daqui o necessário respeito por cada instrumento de acesso à Realidade seja ele os sentidos, o sentimento, o intelecto ou a intuição. Aqui se situa o busílis da questão entre real e irreal, religião (fé) e ciência (opinião). Por isso prefiro situar-me na realidade da metáfora ao descrever ou interpretar as manifestações de um real mistério que é o mistério do real presumido na metáfora ou nas diferentes parábolas físicas, linguísticas ou culturais. Razão é a capacidade de julgar entre duas ideias, no caminho da crença ou da opinião; o problema começa com a valorização do juízo feito.

O primeiro passo a encetar será a consciencialização e auto- consciencialização da estrutura falsa e falsificadora vigente em nós mesmos e nas diferentes estruturas sociais. Não podemos destruí-las porque se o fizéssemos destruiríamos o homem e a sua a cultura. Uma nova educação terá de tender a distinguir entre os preconceitos necessários e os preconceitos nocivos e a encarar a resolução de problemas sob uma perspectiva individual responsável que parta da perspectiva do nós para o eu gratificado.

Não se encontra a certeza no ser pelo que, para o bom viver, há que se dedicar aos modos de ser. Na falta da certeza há que descobrir e experimentar como é o falso e como é o verdadeiro. Trata-se de começar a gatinhar.

Urge uma revolução cultural centrada na formação individual para se poder libertar a pessoa de velhas estruturas para tornar possível a transformação do homem e, através deste, da sociedade; uma revolução que parta do interior integral e se oriente para o interior de cada um (autoconhecimento, consciência da ipseidade) através da aquisição de um novo sistema de pensar e dum novo conhecimento. O entendimento e o pensamento são como a língua; a linha da fronteira de uma língua limita o horizonte do falante; limita o horizonte intelectual e limita a circulação fora dela. Trata-se portanto de criar uma linguagem universal que toque o coração de cada indivíduo e a inteligência das instituições.

O ser humano é um milagre em contínua criação que não deve ser domesticado nem encarneirado por instituições em quem a manada projecta a aura e o horizonte do próprio ser, com desejos provindos de recalcamentos num eu não consciente. Também a borboleta para poder voar teve que passar pela mudança progressiva. A meta da pessoa não é o paraíso nem o nirvana, mas sim a sua floração no ressuscitado.

A degradação do Homem e da sociedade parece irreparavelmente inexorável porque as instituições que a constituem (fruto da precaridade individual), são incapazes e, consequentemente, produtoras de crises. Neste sentido torna-se inoportuna uma avaliação dos valores que nos conduzem à precaridade da consciência (hipocrisia, inveja, sede de poder, nacionalismo, racismo, etc.). Temos construído a casa sobre a areia, partindo do princípio que se alcança paz com mãos de guerra. Enquanto a esperança se basear no medo não haverá solução pacífica. Por isso Cristo resume a vida integral: “eu sou o caminho, a verdade e a vida”. Para lá chegar é preciso aprender a pensar fora dos modelos que nos prendem.

À maneira de conclusão

Se queres ver a Lua não esperes pela noite, o seu melhor rosto é ao pôr-do-sol. Porque não vivemos o presente na realização da felicidade, adiamo-lo e com ele a nós para um amanhã em que projectamos esperanças (tornamo-nos progressistas ou conservadores sem ter consciência do agora que culpa o passado ou espera no futuro, encobrindo, deste modo, a própria violência interior, que se revela na carência do presente). Reféns da causalidade, adiamos a resolução da paz para outros, para os vindouros, tornando-a um energúmeno do futuro que nos leva a fugir de nós e a distrair do presente. O passado (é a memória feita tempo), presente (o acontecer no eixo do tempo/fora do tempo) e futuro (é projecção feita tempo); passado e futuro são aspectos de algo que deveria ser só presente (Kairós), o fora do tempo. A vida inteira é viver e morrer, esforço e paz, contínua mutação num processo de integração dos próprios polos.

A via tem dois sentidos e a vida também. Seguindo no sentido contrário da via dificultamo-nos a existência, dando-lhe pernas de aflição e ambição/conflito, porque atados à trela do tempo. O hábito e a acomodação é tempo morto na rotina que nos empedernece.

No escurecer do pensamento levanta-se o amor que não é desejo mas sensação inocente do infinito; então chega a intimidade da noite escura onde só as estrelas falam do milagre que o universo faz brilhar nos nossos olhos. Só na noite surgem as estrelas, só no silêncio da mente se ganham asas para voar até ao firmamento onde o muro das ideias, culturas, anseios e preocupações já não fazem sombra.

Somos levados pelas ondas das influências políticas, religiosas, individuais e sociais de que nos temos de libertar. Eu noto em mim uma grande prisão, que é a consciência da defesa de valores cristãos que reconheço como inalienáveis para o futuro mas que me levam a ter medo do Islão. Um medo que me leva a não viver no presente com o medo do que acontecerá no futuro.

Num mundo em que se aspira a autoridade e posição social já não se é livre, o mesmo se diria pela ânsia de ser virtuoso ou bom; contudo, na falta de liberdade é melhor estar-se preso pela ética, desde que se tenha consciência disso. Se tenho a força de ser eu já não tenho medo de ser bom nem mau; na virtude e no pecado assumo ser eu conscientemente. Então desta perspectiva compreenderei a própria compreensão e a dos outros, ciente de que nesse entremeio se realiza a transformação que possibilita o milagre. Se me compreender compreendo o mundo e ao compreender-me viverei em paz com ele. Uma cultura ou uma pessoa fechada na própria órbitra como a Terra em volta do Sol circunscreve-se a si subestimando a realidade do universo. Se queremos descobrir o universo teremos de não dar relevo à própria giratória. Esta é a diferença entre um satélite e uma estrela.
©António da Cunha Duarte Justo
Jornalista e Ex-professor de filosofia aplicada
www.antonio-justo.eu