Conferência da Segurança Internacional de Munique

Um mundo cada vez mais instável
Numa altura em que o mundo se encontra ameaçado por crises e inseguranças como nunca, encontram-se reunidos 250 políticos e especialistas na 43ª, Conferência de Segurança internacional em Munique para tentar sair dos impasses da política internacional.

O quarteto EUA, Rússia, EU e ONU têm interesses próprios demasiado contraditórios que têm levado a política internacional a marcar passo, há já muito tempo. Por detrás dos conflitos, Irão, Iraque e Palestina escondem-se os interesses estratégicos e controlo da energia e das vias internacionais de cada um.

Como factor de insegurança revela-se o Presidente Putin, um autocrata dum país em que não há liberdade nem independência parlamentar mas, que quer pôr em jogo o trunfo da cartada russa por toda a parte. Com a aventura americana no Iraque a Rússia ganhou terreno no médio Oriente.

A conferência não terá grande sucesso no que respeita ao impedimento do armamento atómico do Irão porque a Rússia vê aqui uma óptima oportunidade de estar presente no palco internacional e de poder pressionar europeus e americanos com a cartada do Irão. Por seu lado o Irão ri-se das iniciativas da Europa, América e da Rússia porque sabe que entre eles há interesses incompatíveis. Assim mais uma vez não conseguirão uma união no agir. Não chegarão a acordo nas sanções económicas a determinar para o Irão, previstas pelo conselho de segurança da ONU. A chanceler alemã Ângela Merkel apelou ao Irão que se sujeitasse incondicionalmente às exigências internacionais para não ficar internacionalmente isolado. Certamente em vão.

O armamento nuclear do Irão será o grande problema do futuro e para mais num país com um presidente que nega o direito de existência a Israel.

O mundo caminha a grandes passos para uma grande crise atómica e para uma instabilidade estrutural. É certo que as crises não se podem solucionar apenas com meios militares.

A Nato encontra-se em grande crise como se torna visível na sua intervenção militar no Afeganistão. Aqui a sua responsabilidade global é posta à prova não havendo colaboração suficiente entre os poderes ocupantes. A Europa segue uma estratégia e interesses diferentes dos americanos. Desde 2003 a EU já fez duas intervenções em África sem o apoio da Nato. A EU está disposta a maior engajamento militar, mas à própria conta e responsabilidade. Está interessada na África e no controlo internacional do óleo. Por outro lado a Alemanha está interessada no controlo do mercado livre mundial e na manutenção livre das vias marítimas mundiais. Como país exportador número um a segurança da economia alemã depende da estabilidade e segurança nas vias de comunicação.

Por outro lado a segurança mundial dependerá no futuro, sobretudo da segurança da energia.
A estratégia americana neste sentido vai do médio e próximo oriente até ao mar Cáspio. Os americanos querem quebrar o monopólio russo do transporte de óleo e do gás. Para isso querem que as matérias-primas do mar Cáspio sejam conduzidas ao oceano Índico e Turquia. Com esta estratégia seriam diminuídas as receitas do transporte de óleo e gás com as quais a Rússia financia em grande parte o orçamento nacional.

Exteriormente a conferência manifesta-se interessada na segurança mas no seu sei interno há grandes lutas, visíveis nas declarações de Putin.

Por tudo isto não se poderá esperar estabilidade internacional. O empenho militar é muito precário sendo ele a ponta de lança de interesses económicos. Se se pretende realmente criar mais segurança e paz terá que se mudar de estratégia. Para isso ter-se-ia de usar de meios pacíficos com apoio eficiente ao desenvolvimento dos países pobres e um comércio mundial mais justo.

Com a Alemanha à frente a Europa poderia servir de modelo para uma política internacional racional e eficiente. Esta hipótese parece tornar-se cada vez mais distante se tivermos em conta que se tem dado progressivamente uma militarização da política europeia.

António Justo

António da Cunha Duarte Justo

Democracia ou marxismo camuflado ao serviço do turbo-capitalismo

Em nome da liberdade cada vez nos encontramos mais presos à soga de leis labirínticas. Sob a aparência dum pluralismo partidário legitimamos um sistema autoritário que, entrando paulatinamente pela porta do cavalo, cada vez nos domina mais. À sombra dum estado paternalista fomenta-se um estado proletário. O que se torna preocupante é o facto de apenas uma nomenclatura bem enredada em ordens e burocracia estar satisfeita.

A democracia encontra-se doente e desorientada. Cada vez tem menos valores comuns que a autorizem. Parece viver-se em tempos de diletantismo geral.

Por um lado espera-se tudo dos políticos e por outro não se confia neles. Um dilema que mostra a própria impotência e contradição dos descontentes. O problema é grave tornando-nos também dependentes duma democracia moralista, à tona dos sentimentos, cada vez com menos valores comuns.

Os políticos não falam claro. Vivemos cada vez mais num sistema de grupos de interesse complicado. Na complicação é mais fácil iludir porque esta favorece a falta de transparência que ajuda os intermediários. Dela vivem os interesses de instituições jurídicas, políticas, sociais e económicas. Uma sociedade de bastidores e com muitos biombos! Um sistema bom para iniciados e “oportunistas esclarecidos”. Estes vivem bem na sua coutada.

Pode haver da parte de algumas personalidades e políticos interesse numa mudança para melhor só que estes, ao depararem com os coutos do próprio partido ou dos lobies, acomodam-se. Política não se pode reduzir a lobiismo. Os políticos estão dependentes da arbitrariedade das multinacionais. Para estas o que conta são os postos de trabalho mais baratos à custa das democracias. Hoje vivemos a ditadura do globalismo. O bem-comum das economias europeias é posto à disposição dos especuladores accionistas internacionais. Processa-se um transfer de capital das camadas baixas e médias para as grandes multinacionais. Se o transfer fosse feito em benefício das economias mais fracas ainda se compreenderia. Os políticos que agora andam ao sabor das ondas da economia sabem que um dia podem nacionalizar as empresas mas a que custo? Uma outra grande possibilidade é o recurso à bancarrota da moeda a nível internacional.

A vontade popular perde sentido neste contexto. Por outro lado, os políticos nacionais reduzem-se a meros aplicadores das normas europeias. O estado entre a alternativa de seguir a vontade dos investidores e a vontade popular vê-se obrigado a optar pela primeira. Os políticos não o podem dizer publicamente ao povo porque então isso desagradaria os investidores que querem explorar à vontade e sem má consciência. Assim os políticos são reduzidos a transmissores e legitimadores do anonimato de irresponsabilidades ilimitadas.

A nível político europeu os políticos mostram-se cobardes não deixando o povo votar para a Constituição. O povo torna-se apenas pretexto! Há apenas um problema atmosférico: é que o povo cada vez nota mais o que se passa, mas, como é povo, contenta-se com o sofrer.

Se surgem alguns “populistas” logo os políticos se insurgem contra eles esquecendo que também eles não respeitam a vontade popular ou não intentam nada para a mudar. A democracia tal como outros sistemas não suporta nas suas estruturas pessoas que pensem por si mesmas. Corrijo, a democracia não, mas sim aqueles que se apoderaram dela. Falam da diferença mas não lhe dão espaço.

Numa noite de insónia democrática!
Com os representantes dos partidos corre-se o perigo de se caminhar para os mesmos problemas que cometeram as ditaduras comunistas: esquecerem o povo e confiarem apenas na nomenclatura, no aparelho administrativo dependentes dum comité central. Enquanto que os comunistas puseram o povo na rua os “democratas” parecem encurralá-lo simbolicamente no parlamento.

Os partidos formaram-se e retalharam o povo no parlamento. A princípio cada partido tinha uma filosofia própria, a sua verdade. Como o povo não mastiga filosofia faz-se uma açorda parlamentar. Cada partido mete no panelão parlamentar o seu tempero. Na mistura não se preocuparam com os problemas estomacais do povo. A princípio ainda afirmavam que o segredo da receita estava no mexer da mistura. Por fim, à vontade, acordaram entre eles que o importante do guisado estava no cheiro. De facto não consta que tenha morrido alguém por causa do cheiro. Muito menos ainda do cheiro a democracia! Entretanto nalguns meios a democracia já tresanda e o povo, de tanto cheirar, até parece que tresanda também. Em compensação os homens da colher de pau cada vez são mais iguais e cheiram mais a próximo.

Nos partidos, a princípio, ainda havia homens com opinião. Como agora o que importa é o cheiro esses homens baixaram a bola e em vez deles surgiu a opinião da máquina, a opinião da fracção parlamentar. Reduzidos a cozinheiros, os parlamentares desabituaram-se de pensar porque bastava açorda. Como o povo só podia levantar a mão de quatro em quatro anos esqueceram-se dele também. Como o povo tem memória curta esqueceram-se uns dos outros. Em quatro anos acontece muita coisa! E no fim resta um estado de tachos.

Entretanto os parlamentares depois de tanta açorda e de tantos tachos já nem o cheiro distinguem e adquirem também qualidades de mimetismo. A diferença apenas está nos tachos. Não importa o que vai dentro. O progresso é de tal ordem que até a cor dos tachos se torna mimética também. Os nossos políticos são cada vez mais sociáveis, mais socialistas. Na açorda que fazem metem tanta droga que cada vez nos amarra mais ao sistema! Sem notar bebemos todos a mezinha marxista. Cada vez nos encontramos mais amarrados, nos sentimos mais dependentes, tendo a impressão de nos tornarmos proletários dum estado ordenador. Basta o cheiro a democracia ao som do canto das liberdades abstractas, ou melhor, dos outros! Entramos num estado gasoso, num estado de graça. Prescinde-se do pensar. Se antigamente a religião era o ópio do povo hoje é o pensar, o pensar correcto. Em nome da igualdade e do progresso acaba-se com as cabeças, com as diferenças, bastam braços e bocas!

A ideologia é tão forte que até a natureza é envolvida: as árvores maiores são fascistas. Quem sobressai é fascista, a não ser que tenha engordado à conta da ideologia, do partido. Para melhor viver será melhor amputar parte das funções cerebrais.

O povo cada vez vai tendo mais a impressão de que quem ganhou com a revolução foram os ardinas da revolução. Para estes os postos, para o povo as tais liberdades democráticas que geralmente mais interessam aos sempre novos “burgueses”. Os lugares dos tais fascistas de ontem são ocupados pelos democratas de hoje. Os primeiros pediam disciplina e retenção ao povo, os novos pedem apenas os votos de quatro em quatro anos e mais impostos, oferecendo em contrapartida a liberdade e igualdade no sofrer. Aqueles exploravam individualmente, estes anonimamente. A pequena diferença é que estes são legitimados pelo domesticado povo.
Presos ao obscurantismo dos factos falam de liberdade no seu mundo servo.

Para possibilitarmos o exercício duma democracia mais humana teremos todos que nos co-responsabilizar na construção dum povo digno. Para isso será necessário o trabalho individual e colectivo no fomento duma nova mentalidade. Doutro modo correremos o perigo de continuarmos a ser narcisistas aprisionados na fortaleza da normalidade, do habitual. Então as elites continuarão a ter razão com a sua desculpa para não ouvirem nem ligarem: na casa sem pão todos ralham e ninguém tem razão.

Uma recomendação: Limite de mandatos para funcionários superiores seria uma medida contra a corrupção. Além disso não permitiria que pessoas como Mário Soares descessem tão baixo impedindo-os de estragar a sua figura.

Não chega viver e deixar viver. Confiança é boa mas controlo é melhor!
Se estamos verdadeiramente interessados no fortalecimento da democracia temos que lhe dar mais possibilidade de participação, tal como na Suiça.

António Justo

O referendo abortou e os políticos também

Apesar das parteiras políticas interessadas no negócio do parir, o referendo abortou. Atendendo a que a abstenção atingiu os 56,39%, os resultados não são vinculativos. Ganhou a abstenção; não se quer a penalização da mulher nem a morte do ser humano. Com a abstenção dá-se uma chicotada de descrédito nos que governam. Os resultados do dia 12.02 são um atestado de incompetência para a nossa política. Houve menor número de votos do que mulheres com direito de voto. O povo é Zé mas não é burro. Não vai no jogo do gato e do rato… O referendo ao não ser vinculartivo, como tinha sido declarado previamente, só servia para o governo descarregar a má consciência no povo. Além disso constituia uma oportunidade para a esquerda poder fazer propaganda de si e das suas estrangeiradas ideologias. Para Portugal entrar para a União Europeia ninguém perguntou a opinião dos Portugueses, quando aderimos à moeda única também não. O zé povinho seria demasiado ignorante para poder compreender tão enrredados interesses. Até se tem a impressão que os que se apoderam dos destinos da nação têm medo dum povo informado.

No jogo do faz de conta da nossa classe política atira-se a bola ao povo porque neste assunto ela não tem nada a perder ou a ganhar e para mais sabendo-se já de antemão que o resultado não seria juridicamente vinculativo.

Do grupo minoritário votante 59,25% votaram pelo sim e 40,75% pelo não. Votos em branco foram 1,25% e votos nulos 0,68%. No referendo sobre a mesma matéria em 1998, venceu com 51,30% do não contra 48,70% do sim, tendo a abstenção sido de 58,09%.

Este referendo mais uma vez poe em evidência a fraqueza da classe política e um povo dividido. A preco do bom senso comum evitam-se clivagens e discussoe elucionadoras. A prevenção das causas que conduzem ao aborto, e o apoio às mulheres grávidas em situação de carência económica e psicológica não interessam à discussão. Se um aborto custa 450 euros em Portugal e se se fazem 20.000 abortos por ano, isto corresponderia a 9 milhoes de euros a ser suportados, na integra, pela Segurança Social. É urgente a criação de centros de aconselhamento a grávidas. Chegarão leis “politicamente correctas” mas em que seccoes da saúde é que o Zé terá de ir aumentar as bichas?

Estranho é que políticos pretendidamente bem pensantes se tenham referido aos resultados do referenjdo como uma “vitória da democracia portuguesa”. Vitória de quem sobre quem? Será que para a esquerda a democracia são eles? Ainda se encontram encerrados numa mentalidade mesquinha. E esta gente ainda se sente diferente ou melhor do que Salazar! No país dos cegos quem tem um olho é rei! A esse respeito já dizia o nosso grande escritor Guerra Junqueiro sobre o Povo Português: “Um povo imbecilizado e resignado, humilde e macambúzio, fatalista e sonâmbulo, burro de carga e besta de nora, aguentando pauladas, sacos de vergonhas, feixes de misérias, sem uma rebelião, um mostrar de dentes, a energia de um coice…”.

Independentemente de se ser pelo sim ou pelo não do aborto o que se torna vergonhoso e desonrador do povo é a atitude de gozo na motivação, elaboração, instauração e realização do inquérito. Portugal é, depois da Inglaterra, o país na Europa com menores grávidas. Isto não preocupa! Noutros países fazem-se políticas de apoio à procriação enquanto que a classe política portuguesa se preocupa em modernizara ideologia do Zé povinho mas poupando na educação e ensino. Enfim, estrangeirados atrasados querem-nos estrangeiros a nós…

Discriminacao referendária
A relação ambígua que a esquerda tem com a cultura ocidental mostarm-na também em relação aos emigrantes portugueses. O PS e o PC impediram os emigrantes de participarem no referendo contra a posicao do PSD E PP. Quanto aos emigrantes na EU ainda levantaram a possibilidade de participarem atendendo a que possuem as estruturas migrantes europeias na mão. A ambiguidade do Estado português para com os seus emigrantes leva-o a considerá-los expatriados pela legislação. Assim os partidos criaram o artigo 215 ponto 12 da Constituição com formulacoes aleatórias que possibilitam a arbitrariedade nas decisoes políticas de ocasião. Deste modo o artigo serviu para excluir os emigrantes do referendo. Os bens júrídicos fundamentais parecem assim ao servico da defesa da nomenclatura partidária. Em Portugal só se conseguem maiorias discriminadoras dos emigrantes. Portugal continua um país de estados (castas). Cidadania ainda não entrou nas cabeças de grandíssima parte dos nossos magistrados nem dos políticos que os legitimam.

farsa da vida!
de votos e crenças! dos que ontem e hoje mandam dos que ontem e hoje aplaudem
só a servidão permanece
a ilusão da opinião também!
o arrazoado não é o que se vê
mas o que se é… necessidade só de aparecer!
farsa de estado!

António da Cunha Duarte Justo

António da Cunha Duarte Justo

Medo e/o medo do medo

Para melhor compreensão do que digo a seguir começo por citar: “Encontro-me desesperada, sem forças para nada e cheia de medos, até de Deus tenho medo. Tudo me parece sem sentido e duvido de tudo o que faço. Tenho sentimentos de culpa e a necessidade de controlar tudo, ser perfeita. Tudo me foge debaixo dos pés. Levei uma vida sempre adaptada, sem problemas. Antes ouvia e aconselhava os outros e agora quero repetir e contar continuamente os meus medos e não confio em nada. Um abraço. Sua antiga aluna. S”

Medo e o medo do medo

Querida estudante amiga:

A ti, pessoalmente, queria dizer-te: tu és uma pessoa muito rica e prendada. Exteriormente tudo parece estar bem em ti mas no fundamento da tua alma há lá uma fonte inesgotável onde muitas energias quererem expressar-se e fluir na tua vida com naturalidade. Parece que tu não queres que a vida te apresente surpresas. Procuras defender ou esconder algo importante em ti que quer sair mas de que tu tens medo. Tu repeles inconscientemente algo em ti e deste modo o fluxo da vida é interrompido ou sai aos soluços.

Agora passo a responder-te duma maneira geral atendendo a que também outras pessoas das tuas relações poderão ler isto para poderem perceber a tua situação. Além disso há uma outra pessoa que conheço com problemas semelhantes e que poderá também aproveitar da leitura do que escrevo. Por isso falo do problema em geral do problema da obsessão para te poderes situar e verificar o que te poderá servir. Referir-me-ei um pouco mais detalhadamente à ideia de Deus porque esta me foi referida por uma outra pessoa neste contexto, e por detrás da ideia de Deus esconde-se a ideia de nós mesmos como reflexo na formação da própria identidade.

O que apresentas exige a visita dum psicólogo e para começar dum psicoterapeuta para também poderes ser medicamentada com remédio.

Em ti parece irromper uma enxurrada de forças e de vitalidade incontrolável e que te metem medo porque te ameaçam querer tirar-te do ambiente do repetitivo habitual. Tu tens vivido amarrada às regras e aos hábitos. Agora que surge a chance de te desenvolveres mais surge o medo da mudança. O impulso de abrir as portas do teu eu à riqueza que roja do teu mais íntimo leva-te a reagir com medo, a trancar as portas.

Tu viveste amarrada à corda dos outros e agora sentes-te extraditada. No mais profundo de ti mesma o totalmente outro (Deus) libertador bate à porta e tudo treme em ti. E na falta do totalmente outro sentes-te entregue à necessidade pura, à necessidade de segurança.

O desespero é um grito à procura de solo fixo em ti mesma, um lugar onde colocares os pés para poderes andar segura. O problema é que talvez esperes a segurança vinda de fora. A vida exige de ti um salto no obscuro onde será possível o encontro com o totalmente outro, um tu no qual possas entrar numa relação dialogal e então passares a ser a formadora de ti mesma na confiança que te vem do encontro profundo. Tu queres dar um salto em solo sólido, o salto na água mete medo porque exige mais de ti, a confiança. A base do problema está na falta de confiança; se ainda há confiança em Deus esse deus corresponde a um deus mesquinho demasiado preocupado com a tralha: um Deus retalhista porque te mete medo e talvez castigue. Troca-se a sua abertura e total potencialidade por uma imagem estática, segura a que se poder agarrar (agarrar-se a uma ideia traiçoeira de Deus). Então em vez de nos agarramos a Deus que é a total abertura (água) agarramo-nos a uma ideia fixa dele ou a uma perfeição segura, à ideia que dela temos. Confiar em Deus seria um risco de se seguir caminho sem ter a que se agarrar. Deus não dá garantias e a pessoa que sofre quer agarrar-se a garantias, paraíso, saúde, casamento… Porque a imagem de Deus é dinâmica e portanto com inseguranças e implica o imprevisto, a contínua mudança, o futuro aberto do nosso eu, em momentos difíceis tendemos a agarrar-nos à segurança duma ideia, uma ideia de Deus à medida da nossa necessidade ou doença. Criamos mundos paralelos legitimados pela ideia e assim nos agarramos de ideia em ideia, de facto em facto porque a confiança absoluta no totalmente outro, diferente (Deus) tornar-se-ia perigoso e demasiado instável. Deus não quer que nos agarremos a ele mas que andemos por nós. Ele é o fundamento, o chão em que podemos pôr os pés. Só partindo dum sentimento da confiança podermos ter força para ousar o novo, a mudança. Não estamos cá para a vida, a vida é que está cá para nós. Infelizmente normalmente não somos habituados a ouvir-nos nem a dar expressão aos nossos sentimentos nem à criatividade em nós. Somos habituados a agarrar-nos a ideias julgando assim adquirir segurança sobre a vida através do pensar e do agir à custa da repressão da intuição e da criatividade. Falta a confiança incondicional criativa exigindo-se do mistério e de Deus algo fixo e palpável. Ele porém não pode ser reduzido a forma, a modelo; a sua grandeza está na relação moderativa entre um eu e um tu.

O sofrimento vem dum complexo moral muito estreito que conduz ao escrúpulo. Em vez dum ambiente de confiança há um substrato de culpa que conduz ao medo que se torna numa constante ameaçadora. Este pode chegar a tornar-se numa nuvem cada vez mais escura que tenta ocupar o espaço aberto no eu profundo a despertar. Se a situação se agrava a pessoa passa a ser um juiz muito duro para consigo mesmo que se castiga. Se faz algo que pensa ser errado castiga-se duplamente porque experimenta o seu ser como um ser culpado em vez de ver a falha – culpa como elemento da vida, tem como inimigo o perfeccionismo. Então não se atreve a ser agressivo não aceitando a agressividade própria nem a dos outros. Para a evitar refugia-se por vezes na solidão. Aí dá lugar a uma ideia de perfeição que leva ao alheamento da vida e ao alheamento dos outros. O medo impede a entrega, o desprendimento, o verdadeiro relacionamento. O seu sentimento insurge-se contra uma atitude confiante aberta e contra a liberdade. A sua consciência exige de si e dos outros o máximo, quer perfeição em tudo. A sua vida torna-se como uma teia de aranha onde se mantém preso, prendendo. Se a doença avança a pessoa torna-se num juiz. A segurança do julgamento e do papel compensa o medo. Tudo é reduzido a regras e normas num mundo inflexível e sem compromissos. Muitas vezes perdem-se no detalhe, têm medo de decisões espontâneas. São muito exactos e correctos em tudo. Têm uma grande exigência moral num mundo que consideram perverso. Como querem controlar tudo não confiam para não perderem os cordelinhos das mãos.

Ao fim e ao cabo querem-se preservar, desejam defender-se da mudança agarrando-se à perfeição ou a coisas muito concretas. Trata-se de se agarrar a normas exteriores, ao conhecido, na prisão da própria ordem. Evita-se o novo, o espontâneo, o mundo sentimental por ser inseguro, flexível. Flexibilidade torna-se numa ameaça a um mundo objectivo, o mundo exterior de normas ou ideias seguras a que se encontra. Por isso adia continuamente a acção perdendo-se nas ideias. Para não arriscar fazer algo mal fica-se pelo mundo das ideias sem passar à prática. Quem não age não erra! Como se encontra prisioneiro do dualismo verdadeiro ou falso, bom ou mal na sua instância dum eu exterior (Pai, Deus, Norma) que o obriga a julgar e a ser julgado continuamente. Não quer dar um passo sem saber onde põe os pés. Uma experiência inconsciente de que tudo muda aliada a medos existenciais amplia o medo perante a mudança e o desenvolvimento. Talvez a experiência infantil de que tudo depende do esforço e de que não há perdão possa ter condicionado por demasiado controlo, sentimento de vergonha, demasiada acentuação nos resultados. Exigências excessivas através de expectativas familiares perturbam muitas vezes a confiança original. Então a criança aprende demasiado cedo a desconfiar de si elaborando o seu ego nas convicções e nas regras dos outros sem lugar para a espontaneidade que foi castigada numa fase demasiado cedo e substituída por regras ou normas morais.

Estas pessoas são muito agradáveis, fazem tudo pelos outros esquecendo-se a si mesmas. São ordeiras, de confiança, trabalhadeiras, objectivas, constantes, responsáveis e persistentes no que fazem e dizem.

Na crise tu trocas as tuas potencialidades, a possibilidade em ti pela necessidade. A possibilidade (uma tua outra expressão de ti mesma que quer ser libertada) encontra-se aprisionada. Então agarras-te à alternativa do teu eu criativo a uma rotina perfeccionista de ordem exterior no âmbito da culpa e do perfeccionismo. E na exigência de se ter tudo sob controlo corre-se o perigo de se cair num ciclo vicioso repetitivo. O medo passa a ter uma função de auto-defesa do status quo, contra a necessidade de mudança. O medo do medo está tão longe do objecto (necessidade de mudar algo na sua vida) que causa o medo que se torna autónomo vivendo dele e para ele mesmo. Ao fim e ao cabo as energias que se gastam com o medo não são empregues na liberdade e criatividade confiante que lutam por vir à tona. O facto de se querer tudo na mão e de se sentir responsabilizado por tudo é um problema de não perdoar e não querer ser perdoado.

Para evitar a fixação no medo é bom fazerem-se exercícios de eutonia e massagens. Estes e trabalhos com o próprio corpo ajudam a desenvolver sentimentos e a desatar os nós das sensações. Estas pessoas precisam dum programa e de louvor nas suas acções espontâneas. O seu problema é o controlo de tudo, não se deixarem perder, tal como a pessoa que com medo da água vai nadar. O medo da vida, da vida nova contrai as potencialidades vitais espontâneas. Não se deve prestar atenção aos sintomas. Na sua conversa com uma pessoa terão de ser levados a reconhecer que na sua expectativa duma receita estão em atitude de defesa e não abertos ao novo que quer irromper. É importante deixar viver as fantasias.
De resto recomendo a leitura do livro “Gesundheit für Körper und Seele” de Louise L. Hay. Este livro também se encontra traduzido em português. Já o recomendei a muita gente e recebi uma reacção muito positiva dos que o leram. No livro encontra-se uma referência biográfica da autora que também é muito interessante e pode ajudar muitas pessoas em períodos difíceis da vida. Ele é muito prático.
Minha querida, tudo o que há de bom para ti.
António Justo

António da Cunha Duarte Justo

À vida desregrada segue a penitência

Na Idade Média os grandes pecadores, na Quarta-feira de cinzas a seguir ao Carnaval, vestiam um vestido tipo saco polvilhado com cinza que traziam até poderem entrar de novo na igreja na Quinta-feira Santa. Os outros católicos recebiam cinza na cabeça. Assim se introduz o tempo do jejum em que se renuncia à carne e ao álcool. Hoje é feita uma cruz na testa e assim se iniciam os quarenta dias da Quaresma que termina com o Domingo de Páscoa.

Este rito corresponde a um sinal exterior da vontade de se mudar. A cinza recorda a transitoriedade da vida e a necessidade de ver a morte como algo natural, como parte da vida sempre em mudança. A consequente atitude de pena/arrependimento pelo mal feito era a tentativa de disciplinar os instintos a que se tinha dado rédia solta. Para isso recorre-se à renúncia da carne e de prazeres exagerados.

O tempo da paixão culmina com a morte de Jesus na Sexta-feira Santa. Os 40 dias recordam o retiro de Jesus no deserto. É um tempo especial da purificação interior do corpo para uma melhor concentração nos valores espirituais. Corpo são e alma sã. Um processo em que corpo e alma se encontrem em equilíbrio sem que um viva à custa do outro. A saúde do corpo e da alma está nas nossas mãos.

Com o jejum, a religião, como com outras tradições, pretende ajudar o ser humano a levar uma vida equilibrada. Hoje, que se têm calorias em demasia, a renúncia a comidas demasiado fortes, a chocolate e semelhantes ajuda também a perder-se alguns quilos que se têm a mais.

Hoje há um culto em torno do corpo – a onda Wellness. Se exagerado pode tornar-se na continuação do Carnaval a outro nível. As curas através do jejum ou mesmo da fome provocam já no corpo um sentimento de libertação e ajudam ao alívio de sofrimentos como reumatismo e alta pressão.

O jejum ajuda também a regrar vidas desregradas. Há pessoas que não conseguem controlar o comer e o beber. Tradições e acções em grupo ajudam no sentido de oferecerem um ambiente propício ou de darem uma oportunidade que a nível individual seria talvez difícil de planear no trotar da vida. A experiência do jejum individual ou em grupo é salutar: uma oportunidade para o corpo e para a alma. Há pessoas que durante os 40 dias renunciam a carne, álcool, produtos lácteos e ovos. Outros não renunciam a carne mas fazem uma semana de jejum bebendo durante o dia agua e chá e à noite um caldo de legumes.

Ao renunciarmos a algumas coisas libertamo-nos para outras. A vontade torna-se mais forte também. Uma consequência da renúncia, do jejum é mais alegria na vida. Então come-se e bebe-se, vive-se mais conscientemente. A auto-consciência sente-se mais fortificada. Importante é que tudo o que se faz não seja forçado, seja à vontade. A renúncia só tem sentido em função duma mudança, sem o sentido duma obrigação imposta do exterior. A renúncia tornar-se-á mais satisfatória se nos dirigirmos à vida e ao próximo duma maneira positiva. O jejum pode ajudar-nos a sentirmos a criação e o ambiente duma maneira mais consciente.
António Justo

António da Cunha Duarte Justo