De crianças binacionais a pessoas biculturais / interculturais
Muitas vezes as crianças filhas de imigrantes são intituladas e definidas na subcategoria de “Estrangeiras”. Vivem numa situação discriminatória e coerciva entre os outros, a maioria, com consequências determinantes no seu processo de aprendizagem, na sua biografia. Esta situação arrast-se por geraões e manifesta-se, por vezes, em sintomas de fobia e em irregularidades na vivência do dia a dia.
Na minha actividade profissional com crianças bilingues conheço casos de recusa e até de mutismo. Referir-me-ei (1) mais à realidade luso-alemã, dado ser este o meu campo de acção (professor de crianças e jovens bilingues de origem portuguesa, brasileira, angolana, etc.).
A heterogeneidade demográfica da Alemanha, onde aproximadamente 9% da população é estrangeira, não tem sido suficientemente tida em conta no processo educativo. De notar que o comportamento da população estrangeira em relação à alemã é muito diferenciado. Dois extremos: a população portuguesa tende não só a integrar-se mas até a deixar-se assimilar totalmente pela população ambiente. Já no que se refere à população turca ou em geral muçulmana observa-se o extremo contrário. Esta reage negativamente, duma maneira geral, a qualquer tentativa de integração preferindo viver no ghetto formando mesmo uma sociedade paralela nas grandes cidades. Naturalmente que esta realidade não tem explicação monocausal.
A atitude quer dos autóctones quer dos imigrantes em relação ao outro é determinante no sucesso ou insucesso da criança estrangeira. A carga étnico-cultural aliada à carga da camada social em que se nasce condiciona, ainda hoje, determinantemente o ser e estar social da pessoa humana…
O fenómeno do bilinguismo é de tal forma complexo e diferenciado que seria irresponsável tirar-se conclusões generalizadas e generalizantes a partir de qualquer investigação por mais científica que ela seja.
Definição de crianças Bilingues
A ciência não é unânime na definição de bilingue (pessoa crescida em duas culturas). Na investigação alguns definem bilinguismo em relação ao começo da aprendizagem. Este pode ser mínimo em relação à segunda língua. Outros, como Bloomfeld, pressupõem que as duas línguas não só se dominem como línguas maternas mas que a criança tenha convivido com as duas línguas desde o nascimento. Para aqueles que partem principalmente do critério de eficiência linguística acentuando mais a tradição estruturalista da psicolinguística considera-se relevante o emprego das duas línguas em diferentes contextos sociais.
Outros distinguem o bilinguismo em “natural”, “ aditivo” e “ subtractivo”. No bilinguismo natural pai e mãe falam cada um o seu idioma com a criança; no bilinguismo aditivo uma pessoa apropria-se duma segunda língua mantendo as capacidades da sua língua materna ou alargando-as; fala-se de bilinguismo subtractivo quando a competência da língua materna é influenciada negativamente através da aprendizagem duma segunda língua. (Isto acontece muitas vezes nos filhos de trabalhadores imigrantes).
Segundo a minha experiência importante é a aquisição da língua duma forma autêntica envolvida numa cultura segundo o princípio “uma pessoa uma língua”. Determinante é que as duas línguas funcionem independentemente uma da outra não havendo necessidade de recorrer à tradução.
O areal cerebral da língua materna e paterna
É importantíssimo que a criança oiça e fale as duas línguas até aos três anos porque, especialmente até aí, o cérebro elabora um espaço (areal) específico próprio onde localiza a língua materna (ou paterna e materna) possibilitando uma diferenciação das línguas aprendidas não havendo assim interferência delas. Este sector cerebral da (s) língua (s) materna (s) começa-se a fechar a partir dos três anos. A Ressonância Magnética Nuclear (NMR) funcional mostra que a partir dos três anos já são englobadas outras partes do cérebro na função de gravar e de produzir a língua.
A confrontação das crianças com as duas línguas constitui um treino fisiológico do cérebro: capacidade da identificação da diferenciada fonética, etc. No primeiro ano de vida o bebé é muito sensível à melodia e muito receptivo à variedade de sons registando-os na malha cerebral onde os sons se registam. A dificuldade que muitas pessoas têm na exactidão da fonética deve-se a terem ouvido só mais tarde determinados sons. A partir dos 7 anos o centro cerebral onde se localizam as línguas maternas encerra-se passando a aprendizagem a ser assumida por outras zonas cerebrais, as línguas aprendem-se então com se aprendem outras coisas.
Também é possível a aprendizagem duma terceira língua. Importante é que o falante seja original, isto é, que a língua que fala seja a língua do coração, isto é uma espécie de língua materna.
Problematização da Educação bilingue
Há investigadores que problematizam o ensino bilingue como um conflito a acrescentar aos que a criança já tem no seu desenvolvimento normal. Estes defendem que a criança deve ser iniciada apenas numa língua materna, só assim poderiam atingir um desenvolvimento máximo da sua personalidade e das suas capacidades linguísticas e cognitivas. Afirmam que a aprendizagem simultânea de duas línguas constitui uma exigência demasiada para a criança conduzindo a um atraso no desenvolvimento de cada uma das línguas. Esta visão foi ultrapassada e refutada por uma investigação moderna mais séria, salvo em casos em que as duas línguas faladas em casa se processem sem nível nem estrutura.
A realidade ensina que a aprendizagem da língua e o desenvolvimento da personalidade é individualmente muito diferenciado de pessoa para pessoa independentemente do aprendente ser bilingue ou monolingue. As investigações científicas têm mostrado que os bilingues se movimentam dentro do âmbito da norma da aprendizagem uma vez comparados com os monolingues. O problema da opção por uma língua materna como ponto de partida vantajoso para a aprendizagem carece de base científica atendendo a que há muitos outros factores que fogem às investigações científicas ou melhor, que não são integrados nelas. Muitas crianças crescem em meios deficitários a nível de língua e cultura: emigração muitas vezes falando linguagem familiar.
Na literatura sobre bilinguismo domina a opinião de que a aprendizagem simultânea de duas línguas não prejudica a aprendizagem nem a socialização da criança. As pesquisas mostram que há vários ritmos de aprendizagem dependendo ele de criança para criança independentemente do ser bilingue ou monolingue. Bilingues misturam por vezes os idiomas mas logo que se encontram num ambiente monolingue já não o fazem. Eu mesmo pude observar esse fenómeno na escola. Problemática é a situação daquelas crianças que crescem num meio onde se fala uma mistura espontânea de duas línguas ou um português e um alemão macarrónicos. As crianças, neste caso, correm o perigo de semilinguismo não falando nenhuma língua bem, passando a interferência linguística a ser regra nas duas línguas. As desvantagens que poderão aparecer são geralmente devidas ao estatuto social familiar em que vive a criança e ao ambiente mais ou menos refractário a ela ou à sua cultura. O prestígio ou desprestígio da língua desempenha um grande papel na aquisição bilingue.
Possíveis deficiências linguísticas, num caso ou noutro, inerentes à aprendizagem recuperam-se no ensino secundário. Pelo que pude observar nos meus alunos a aprendizagem da língua portuguesa deu-se de forma muitíssimo gratificante até ao sexto ano. Do 7° ao 9° manifesta-se mais a concorrência do ensino alemão em desvantagem do português, voltando este a ter grande relevância do 9°. ao 13°. ano. Nesta fase Portugal e a cultura portuguesa fascina-os. O resultado da educação bilingue depende sempre da maneira de educar dos pais e da reacção do meio ambiente envolvente ao bilinguismo.
Experiência e Estratégias
Em casa a minha esposa que é alemã fala sempre alemão com os filhos e eu falo o português, desde o nascimento da primeira filha… O princípio “uma pessoa uma língua” revela-se importantíssimo para a estabilização das línguas. Isto é indispensável para que a criança desenvolva um mecanismo e uma orientação automática.
Tivemos quatro filhos a que demos educação bilingue: a Graciette, a Sonnya, o Elias e o David. Interessante foi ter observado diferentes comportamentos deles a partir do momento em que entraram no Jardim-de-infância. Enquanto que o David a partir daí se negou a falar o Português comigo os outros continuaram a falá-lo. Pude ver esta experiência repetida em alunos provenientes de casamentos mistos em que um parceiro falava português e o outro alemão. As crianças falavam sempre, entre elas, o alemão.
Até à entrada no jardim-de-infância a criança responde automaticamente em português ao pai e em alemão à mãe ou apenas em português no caso dos dois parceiros falarem o português.
A partir da entrada da criança para o Jardim-de-infância são necessárias estratégias especiais para que a “língua fraca” não sofra porque a língua dominante tende a excluir a outra. Neste caso pode recorrer-se à funcionalidade escolhendo determinados meios onde ela se fale e estratégias adequadas. No caso de pais estrangeiros é óbvio que em casa se fale sistematicamente o português apesar da possível resistência por parte da criança. Além disso torna-se necessário planear encontros regulares gratificantes onde se fale a língua em maioria. É relevante falar-se uma língua com bom nível e com vocabulário rico. Aqui pode ajudar o recurso à leitura de livros.
Pude constatar que os meus alunos duma maneira geral falam o português em casa com os pais e alemão fora de casa com os outros interlocutores. Da actividade com os meus alunos posso concluir que aqueles onde os pais falam o alemão em casa ou uma mistura espontânea sem método, esses alunos têm muita dificuldade em aprender o português e exprimem-se como se tratasse duma língua estrangeira. Geralmente estes têm dificuldades também na disciplina de alemão.
Uma constante: geralmente os pais falam consequentemente o português em casa enquanto que muitas mães, a partir do momento em que o filho entra no jardim infantil ou na escola, procuram falar alemão com os filhos ou misturam. Talvez na tentativa de aperfeiçoarem o seu alemão ou até para serem corrigidas. Isto é muito problemático. É natural que a criança que entra na escola ofereça resistência e queira falar o alemão em casa porque não nota a sua relevância no meio em que vive.
Há crianças que se negam a falar a língua materna, chegando até ao mutismo. Se a criança recusa falar o português não a devemos forçar. Mesmo assim o pai e a mãe (no caso de serem os dois de língua portuguesa) deveriam falar com ela só português.
Vantagens que as crianças bilingues têm
Duma maneira geral as crianças bilingues são mais inteligentes.
Em relação aos monolingues, os bilingues chegam a apresentar maior nível de competência social e emocional-cognitiva. As capacidades empáticas e a abertura ao novo tornam-se normalidade.
Efectivamente, a actividade cerebral da criança bilingue foi já cedo confrontada com processos mais complexos na sua aprendizagem.
A ciência nas suas investigações regista uma relação positiva entre inteligência e bilinguismo.
Investigadores provaram que bilingues aprendem mais facilmente o inglês. Na parte cerebral que elabora a língua também se encontra o areal cerebral para a memória do trabalho e o areal para a solução de problemas. Com o treino das línguas estes areais também são abrangidos e treinados. Uma outra vantagem é o facto de bilingues reagirem mais depressa e activarem mais a capacidade de reflectir criticamente. Crianças com educação bilingue conseguem, depois da escola primária, melhores resultados na leitura, dado se concentrarem mais no sentido do que no som (fonética). Aprendem com mais facilidade línguas estrangeiras e desenvolvem as capacidades intelectuais e de abstracção desenvolvendo várias estratégias de aprendizagem. Desenvolvem as capacidades de empatia, tolerância e de interpretação, não sendo de menosprezar maior competência intercultural e de diplomacia. Enquanto que a formação do pensamento do monolingue acontece numa relação directa com um objecto, um meio homogéneo o bilingue torna-se menos formal, mais relacional. É mais processual atendendo a que a „tabula rasa” era dinâmica.
Como educar uma criança bilingue
Para o linguista Jean Petit a aprendizagem bilingue assenta em dois princípios fundamentais: bilinguismo desenvolve-se tanto mais natural quanto mais cedo começar a educação correspondente. Ela é experimentada de forma directa como meio de comunicação e não com conteúdo de aprendizagem. Segundo ele os dois idiomas devem ser apresentados por dois educadores ou professores diferentes.
A aprendizagem simultânea das duas línguas traz muitas vantagens. Até aos três anos de idade o cérebro da criança é como uma esponja, muitíssimo receptivo. A aprendizagem da língua transmite não só informações, mas sentimentos, cultura e outros conteúdos não verbais. Importante é que quem fala a língua não fale uma língua estrangeira mas uma língua do coração. Língua do coração é aquela em que amamos, rogamos pragas e fazemos contas (língua materna ou apadrinhada!).
É muito importante que as crianças aprendam as línguas brincando.
O prestígio da língua da cultura é determinante para o processo da sua aprendizagem. Aqui tornam-se muito importantes os testemunhos da mesma: o papel dos pais e dos educadores. O carácter e relação dos multiplicadores ir-se-á projectar na maneira como a criança valorizará ou desvalorizará inconscientemente a determinada língua ou cultura.
Necessita-se por isso da criação de espaços protegidos para a criança onde esta possa experimentar a mais valia da sua situação. Não se trata de aprendermos a ser portugueses, brasileiros ou alemães, mas de aprendermos a tornar-nos seres humanos abertos.
A criança e as suas culturas precisam de ser defendidas e positivamente apreciadas pelo ambiente, pormenor a que os educadores deverão prestar atenção especial.
É também relevante, para a eficiência do processo de aprendizagem, a posição dos pais no que respeita às vantagens ou desvantagens da educação bicultural. Se um parceiro é do parecer que a aprendizagem de duas línguas é prejudicial à criança, esse facto torna-se por ele mesmo um factor negativo da aprendizagem.
A reacção apropriada à renúncia duma criança por um determinado idioma deve ser uma atitude compreensiva e ter como consequência uma maior dedicação afectiva à criança. Mesmo no caso de divórcio a criança não deve ser privada dos seus vínculos culturais e afectivos.
A oferta de duas línguas à criança desde o princípio são factores muito positivos parta o desenvolvimento psicológico e escolar como têm provado as investigações científicas dos últimos anos.
Processo especial de Ensino Bilingue e sua inserção
O sistema educativo é um processo genérico de integração da criança no anonimato social. Os nossos sistemas de ensino partem dum modelo estático de ensino que como tal não comporta o específico e como tal o bilinguismo.
Até 1989, a nível de investigação, o bilingue era sempre enquadrado no sistema de ensino monolingue vigente que reduzia o bilingue a mero objecto de comparação com o monolingue. Os trabalhos de Grojean apresentaram então a exigência de se tratar o bilinguismo como independente. Viu-se a necessidade de não considerar o bilingue como dois monolingues numa mesma pessoa. O bilinguismo constitui uma realidade própria que exigiria outros processos de diagnose próprios que possibilitem uma pedagogia específica. Neste sentido seria de fomentar mais processos especiais de ensino.
A sociedade deveria partir dos recursos que os bilingues são portadores e fomentá-los. Na Alemanha há vários modelos de resposta ao problema. A maioria deles porém parte duma visão monolingue do ensino. A normalidade no ensino regular oferece a aprendizagem da língua como idioma estrangeiro, havendo nalgumas escolas o ensino de língua e cultura portuguesas para emigrantes. Há também as escolas europeias e certas iniciativas privadas com grande gama de modelos pedagógicos mais ou menos eficientes. O procedimento de integração de crianças bilingues que frequentam as escolas europeias ou certas escolas internacionais é mais eficiente mas normalmente para privilegiados.
Há modelos de jardins infantis que aplicam 13 horas Francês / 13 horas Alemão na semana. Durante dois dias é responsável uma pedagoga e nos outros dois a outra. Os dois professores possibilitam a aprendizagem e identificação das duas línguas em diferentes situações. É importante que o idioma se aprenda num ambiente natural de jogo com outras crianças.
Em Berlim, Frankfurt e Munique há iniciativas (associações de brasileiros, portugueses e alemães) tendentes a fomentarem uma educação bilingue a nível pré-escolar. Isto exige grande competência e consciência cultural.
Em algumas zonas onde lecciono observo, entre mães mais novas a consciência da necessidade de organizar e criar iniciativas onde se joga, canta e dança à portuguesa. Movidas apenas pela necessidade e pela boa vontade não são apoiadas. Estas iniciativas individuais não deixarão rasto porque depois do quarto ano as forças adversas e alheias se tornam demasiado fortes na falta duma estrutura sólida apoiante.
Integração Social
Quanto ao processo e aos diferentes procedimentos de inserção social, esta é uma questão muito bicuda. De facto, no que respeita aos filhos de emigrantes trabalhadores, em geral estes não têm as mesmas chances que as crianças dos países de acolhimento, atendendo à sua autobiografia condicionada a um ambiente muitas vezes precário e distante dos valores culturais. Por outro lado a integração das crianças na escola é insuficiente devido a uma politica escolar orientada para o monolinguismo. Muito prejudicial para crianças de certas etnias torna-se o facto da sua demarcação perante a sociedade de acolhimento.
Na Alemanha, uma grande percentagem das crianças estrangeiras, depois do 9° e 10° ano, não se encontra preparada para ingressar numa formação profissional, segundo os resultados PISA (Programa Internacional de Avaliação de Alunos). Principalmente a maior parte das crianças turcas vivem em Getto tornando-se vítimas da vida familiar e política vivendo num isolamento em grande parte querido, o que fomenta a existência de sociedades paralelas e atitudes agressivas.
Com os portugueses observa-se o fenómeno contrário. Assimilam-se sem deixar rasto, o que também não é bom. (O Português embora consciente de si tem uma tendência a considerar o que é estrangeiro melhor que o nacional. Isto tem a ver com a experiência inter-cultural e com a tradição migratória dum povo sempre obrigado a emigrar. Nesse sentido seria interessante fazer-se um estudo relativamente a maneiras de dizer portuguesas que manifestam um certo antagonismo entre admiração e menosprezo pelo nacional, e uma consciência internacionalista, como se pode ver em: “Ver-se grego”, “isto é chinês”, “trabalhar como um mouro”, “isso é uma americanice”, “é como o espanhol” mexe no que não deve, “é para inglês ver”, “vive à grande e à francesa”, no regatear “é pior que os marroquinos”…E se a coisa corre mal “é à portuguesa”).
O nível escolar e social das crianças migrantes em geral é fraco com uma grande taxa de insucesso escolar.
Quanto às crianças portuguesas da região em que ensino desde há 27 anos, seria levado a afirmar que o nível do seu sucesso escolar e social corresponde à média dos alunos alemães. Atendendo às circunstancias ambientais de proveniência é uma situação excepcional.
Na Alemanha observa-se contudo grande interesse pela frequência da língua materna ao contrário do que acontece na França. As próprias crianças portuguesas comentam a triste figura que as crianças filhas de portugueses residentes na França fazem nas férias em Portugal. Estas, em geral, não podem comunicar na língua de seus pais. Um problema cultural e de política de língua! Aqui há muito a fazer. Tendo-me dado conta desta problemática, desde o início, e aproveitando do grande interesse dos portugueses pelos seus filhos procurei motivar através de reuniões e iniciativas a forças latentes nos encarregados de educação. A política do EPE (ensino português no estrangeiro) esteve sempre demasiadamente orientada para os interesses duma administração autista incapaz de captar as necessidades reais da comunidade portuguesa e dos luso-descendentes.
As associações portuguesas, que na emigração portuguesa para a Europa foram tão importantes como pontos de referência, cada vez se tornam mais precárias e raras. Urgem novas onde se proporcione o encontro de crianças e jovens portugueses. O mesmo se diga sobre a incrementação de associações bilingues e grupos pré-escolares onde se promova o intercâmbio intercultural. A precariedade financeira de iniciativas e projectos deveria ser compensada também pelo estado português e pelos departamentos de cultura, conselhos de estrangeiros, etc.
Dado a melhor altura para a aprendizagem automática da língua e cultura ser, segundo a minha experiência, até ao sexto ano de escolaridade é óbvia a criação de espaços, de lugares naturais da língua e cultura portuguesas. Também depois são importantes locais onde se aprenda a língua portuguesa por imersão. Grupos consumidores conscientes de cultura deveriam incitar esforços no sentido de criarem centros de língua portuguesa integrados por participantes dos vários países de língua portuguesa.
No centro de qualquer iniciativa terá que se ter presente a importância de possibilitar à criança tornar-se ela mesma. O incentivo terá que ter em conta a sua vontade e gostos. Se o ambiente é natural não haverá problemas. A língua é primeiramente relação e comunicação. Quem não tiver intuído isto dificultará o processo de aprendizagem.
No caso dos casamentos mistos os dois pólos culturais deverão estar em situação de igualdade e ser apreendidos pela criança numa atmosfera de respeito numa relação bicultural consciente entre os dois parceiros. As duas culturas são assim as duas traves mestras, as duas colunas que suportam o projecto educativo bicultural. Uma cultura tem características específicas, um espírito, uma alma que a outra não tem. As duas são imprescindíveis.
Se uma cultura não for bem tratada e bem considerada, a criança poderá passar a mancar pela vida fora “envergonhando-se” duma parte do seu ser de cidadão.
Também a frequência do Ensino do Português se torna essencial para o alargamento e complementação cultural para filhos de casamentos mistos ou de imigrantes.
Resumindo
Uma educação adaptada às crianças em situação bicultural terá que ter em conta já antes do nascimento do bebé uma preparação e uma preocupação especial dos progenitores. Relativamente à educação da criança bilingue seria importantíssimo proporcionar-se o mais possível a aquisição das línguas por imersão, a nível pré-escolar e escolar e para-escolar. (2)
Pais bilingues deverão começar a falar, desde o nascimento do bebé, os dois idiomas segundo o princípio: “Uma pessoa – uma língua”. É importantíssimo o aspecto emocional dos representantes das línguas, no seu dia a dia, entre si e com as crianças.
Não se deve obrigar uma criança a falar. Pode recorrer-se a processos indirectos de a interessar, não desistindo de falar a língua mesmo que a criança se negue a falá-la.
A língua falada, diferente da língua ambiental geral, deve ter espaços próprios onde seja experimentada em ambiente de maioria com as características culturais próprias, como jogo, danças, músicas, futebol, filmes, e outras referências culturais. É necessário o fomento de instituições com crianças bilingues. (3)
António da Cunha Duarte Justo
Pedagogo
“Pegadas do Tempo”
(1) Nota Prévia: Depois de ter lido imensos autores que investigam o fenómeno bilingue verifiquei um problema subjacente ao sistema de sociedade defendida pelo investigador, confirmando os resultados das correspondentes investigações a ideologia dominante. Se para uns dominava o espírito nacionalista, outros correm o perigo de colocarem a sua investigação ao serviço dum multiculturalismo superficial. Um outro problema tem a ver com A investigação feita na época em que se dava grande importância à defesa da raça privilegia só uma língua materna sendo os resultados das suas investigações negativas em relação aos bilingues. Nas sociedades inter-culturais os resultados são positivos em relação aos bilingues. Um outro problema da investigação é a existência de muitos casos que descrevem a experiência bilingue de famílias isoladas. Outras investigações analisam situações escolares em que a população escolar provêm duma camada social em que a cultura como tal não é apreciada. Investigações com crianças bilingues provenientes de elites apresentam resultados muitíssimo positivos da educação bilingue.
Para não me ilibar de subjectividades devo declarar que baseio as minhas posições na longa experiência de família bilingue e de professor de bilingues, podendo estar subjacente o que escrevo, embora inconscientemente ao facto de ser defensor do inerculturalismo e não do multiculturalismo.
(2) Teria muito mais a dizer, mas fica aqui um desafio para me envolverem na promoção desta realidade que é o bilinguismo, ainda não presente na consciência dos mais responsáveis.
(3) Ler também o meu artigo em: http://blog.comunidades.net/justo
no Arquivo de Outubro número 2, 2005 e o artigo no mesmo blog colocado em Novembro passado sob o título “Bilinguismo.
António da Cunha Duarte Justo