Decidir para Agir – Uma Questão de Auto-consciência!

Quando a auto-sabotagem e a hipocrisia são mais fortes

Auto-sabotagem é um perigo contínuo que ameaça pessoas, autoridades e nações. O que acontece na vida privada das pessoas repete-se na vida pública da sociedade.

No dia a dia há sempre um motivo que nos leva a desculpar-nos do que fazemos ou deixamos de fazer. Parece mais simples colocar-nos sob a sombra de alguém e abdicar de nós mesmos vivendo na regressão da lamúria e do queixume. Tudo se queixa e razões não faltam para isso. O problema é o pranto tornado estrutural duma sociedade que passa a viver de queixume em queixume mas sempre bem alinhada na tropa do “esquerda – direita”!… Até parece que não se passa de recruta adiante!… Este estádio social não provém do fado. Talvez seja mais a inércia do hábito, do repetitivo que se torna caseiro. Talvez um instinto cortês, uma atitude rafeira pretendente a bem educada.

A vida comprometer-nos-ia demais se arriscássemos tomar decisões autónomas e conscientes. É mais fácil brincar-se com o fogo da vida ou refugiar-se na sua lareira aquecendo-se no borralho de sentimentos masoquistas ou na culpabilização de outros do que arriscar assumir responsabilidade por si mesmo e dar forma ao futuro. Em vez de activarmos as nossas energias, reagimos como a avestruz. Em momentos de perigo ou de necessidade de decidir torna-se mais cómodo meter a cabeça debaixo das circunstâncias para nos aconchegarmos na ilusão da impossibilidade de decidir. A responsabilidade está sempre nos outros, a irresponsabilidade tem sempre uma desculpa. Para mau pagador meia palavra basta!

Esquecemos que nós somos nós e as nossas circunstâncias, vivendo despreocupadamente entregues a uma cultura dos espertos interessados em fazer de nós as nossas circunstâncias. A cultura Zé é uma cultura do colectivo, da abdicação, do viver no mundo por ver andar os outros. Uma cultura dos apetites que prescinde da vontade. Assim refugiados na toca duma impotência irresponsável queixamo-nos de tudo e de todos. Queixamo-nos de Deus, do tempo, do Papa, do Presidente, do Chefe, dos Pais, dos políticos, etc. como se a nossa vontade e poder de decisão dependesse do acaso.

O político é o resultado das situações e não o contrário. É natural que o político faz tudo por ser eleito mas o Zé é que elege. Salazar foi o que nós éramos e Sócrates é o que nós somos. Não é lícito escondermo-nos por de trás do anonimato das circunstâncias que através de nós ganharam expressão. O fato de darmos asas às circunstâncias não nos iliba da própria parte na decisão ou indecisão.

É fatal o facto de povo e responsáveis se sentirem vítimas irresponsáveis das próprias esperanças e projecções. Todos esperam que outros façam o que lhes pertenceria fazer a eles.

O estado, o governo, a igreja, a sociedade têm as costas largas. Fomos habituados a reagir e a não a agir. É mais fácil ser seduzido do que ser sedutor!… Torna-se mais fácil refugiar-se no pensamento ou na imaginação do que dedicar-se ao acto criativo do agir. Assim passa-se o tempo a adiar a vida responsabilizando outros ou servindo a própria fraqueza camuflada sob o argumento de se fazer o que os outros esperam de nós. A pressuposta expectativa dos outros é posta ao serviço do nosso preconceito sobre eles, num hábito de desobriga.

A expectativa dos outros poderá até ser real e muito legítima mas depende só de mim satisfazê-la ou não.

Numa sociedade formalista como a portuguesa, o peso da opinião do que poderá pensar o outro, o vizinho, torna-se num fardo muito penoso. Muitas vezes para se ceder a esta pressão cria-se mal-estar na própria família para se dar continuidade a uma cultura da hipocrisia.

Quando algo não corre segundo o ditame do ordinário, logo se deita mão da tropa de reserva das lamentações e das acusações. O queixume é desonrante porque geralmente lava as mãos na culpa dos outros e justifica a falta de iniciativa própria com a impotência e com a arrogância do subterfúgio no mundo das ideias abstractas, esquecendo-se que quem trabalha tem necessariamente de sujar as mãos.

Na queixa está sempre um momento de abdicação. O espírito criativo e de iniciativa está em cada um de nós dependendo da nossa capacidade de agir. Os fracos lamentam-se: os partidos, o stress, o signo astrológico, o vício/hábito, a família, o chefe, o trabalho, o “não consigo…”, a falta de tempo, o dia 13, o transito… telefonemas, o calor, o frio. Todos se tornaram culpados; tudo desculpas de mau pagador! Na maior parte dos casos a responsabilidade própria anda de férias.

Queixamo-nos do telefone esquecendo que a curiosidade ou a rotina é que determinou em nós a escolha de ir atendê-lo. Desculpamo-nos com razões que nos despersonalizam. Recorremos ao conjuntivo que é a língua da cortesia e da impotência. Quem não quer, diz: “vou procurar fazer”… A desculpa com a falta de tempo e com o stress são muito comuns. Tudo uma questão de prioridades! Se não tenho tempo para alguém é porque naquele momento não faz parte das minhas prioridades.

Reinhard Sprenger, autor do livro “Die Entscheidung liegt bei dir“ (A decisão é tua) escreve „Só há Stress quando você diz sim e pensa não”. Então vira-se o bico ao prego atribuindo-se a própria responsabilidade aos outros. Sim, sim, queijo, queijo!…

Importante é colocar tudo na balança, reflectir e decidir. Naturalmente que nem sempre será possível encontrar a melhor saída para um problema, mas sem a aceitação do erro não se sai da cepa torta! Além disso o colocar-se na pele dos outros é uma capacidade de difícil aquisição. Importante é respeitar o outro sem se desrespeitar a si mesmo na consciência de que o queixume é infantil.

António Justo

António da Cunha Duarte Justo

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A Cimeira do Grupo dos Oito

De 6 a 9 de Junho reúne-se em Heilligendamm, Alemanha, a super-liga da economia mundial. A Conferência tem na agenda do dia temas como: protecção do clima, combate à pobreza, redução dos obstáculos ao comércio, apoio da África, energia, Irão, etc. A anfitriã, Ângela Merkel, tem sido incansável no sentido de conseguir compromissos especiais no que toca à defesa do clima e ao apoio da África. Sabe evidenciar qualidades femininas num ambiente masculino afectado e de pose.

A Cimeira, Fundada em 1975, tem hoje 8 membros: USA, Franca, Inglaterra, Alemanha, Japão, Itália, Canadá e Rússia. São os países ricos do Norte, os grandes do mundo que se juntam para afinar agulhas e determinar a velocidade de andamento do mundo a caminho da globalização.

Os países industriais mais importantes transformaram as suas cimeiras em grémios de decisão o que provoca grande reacção. Além disso a composição dos membros do grupo não é lógica. Que justifica a Itália como membro e não a índia, o Brasil, a Polónia ou a Espanha?

A necessidade duma tal cimeira é justificada por alguns, devido às falhas da UNO. Obviamente seria melhor a existência dum Conselho económico e social, a nível de UNO, à imagem do Conselho de segurança. As grandes nações, porém, não estão dispostas a abdicar da sua soberania na delegação de poderes de decisão a terceiros. No Conselho de Segurança da UNO, as nações dominantes salvaguardaram o nacionalismo através da possibilidade do uso do veto.

Um problema consequente da exclusividade da participação dos maiores é o facto de, naturalmente, serem sempre salvaguardados os interesses reais dos grandes, sendo os interesses das nações pequenas relegados para o capítulo da moral.

Como na vida também em Heilligendamm se pode constatar os governantes separados dos governados. Para o efeito foi construída uma sebe de 2,5 metros de altura e com 12 km de comprimento em redor do lugar do congresso. Os custos da Conferencia estava estimados em 100 milhões de €. Só a vedação custou 12,5 milhões de €. Além disso o contribuinte tem de pagar outros milhões devido aos estragos provocados pelos manifestantes. Só em Berlim, antes da cimeira começar já tinham sido incendiados mais de 100 automóveis. Na véspera subiram a 1000 de vítimas (400 polícias e o resto manifestantes) em resultado do tumulto entre uns e outros.

A liberdade de expressão tem os seus custos económicos colaterais que também têm justificação.

Os manifestantes vêm de todo o mundo, provenientes das mais diversas organizações. Neles se encontram grupos religiosos e políticos com preocupações semelhantes e com um denominador comum anticapitalista. O grupo de esquerda, „Os Autónomos“, manifesta-se especialmente radical e violento. É revelador o facto da aparente falta de organização dos grupos (e suas diferenças fundamentais) contestatários se revelar uma infra-estrutura operante internacionalmente e de grande eficiência.

O movimento antiglobalização, que contesta o G8, acusa-o de ser uma instituição neoliberal, sem legitimidade, que decide objetivos e políticas que afetam toda a humanidade. A política económica é orientada no sentido das multinacionais e grandes investidores sem contemplar os direitos dos camponeses.

A Cimeira dos 8 provoca reacções naqueles para quem o domínio dos poderosos é inquietante e provocador. Os manifestantes mostram, cada grupo à sua maneira, a voz daquela parte das sociedades que não está de acordo com a política dos governos e em especial com a globalização selvagem.

Em vez duma cultura integrativa, do diálogo prefere-se substituir o ouvir pela escuta, pelo controlo de telefones e de computadores., É a filosofia e a lógica do poder. Agressão contra agressão. As duas partes em Heiligendamm provaram que o medo uns dos outros se tornou senhor. Depois dos desafios de Heiligendamm restará um sabor amargo a má consciência das duas partes, próprio duma cultura do medo.

Todos pensam ser lógico que a violência não deve ser meio de solução de conflitos. O problema está em determinar onde começa a violência, para mais num sistema económico apenas orientado pela economia. O dinheiro governa o mundo, à margem da humanidade.

A conferência não deixa as pessoas indiferentes porque elas serão as atingidas e cada qual se define pelos outros. O maior problema é que o fosso que separa ricos e pobres é cada vez maior. Na órbita dos dominadores não há diferença entre capitalistas e socialistas. As diferenças só existem e se colocam a nível de povo. Este, cada vez tem de trabalhar mais para satisfazer necessidades artificiais que lhe são sorrateiramente sugeridas.

A sociedade é injusta e vive da injustiça. Somos nós a sua massa. A corrupção vive dos corruptos e da exploração da massa inconsciente.

É interessante constatar que milhares e milhares de contestadores da globalização se juntaram, vindos de todo o mundo, para protestar contra a globalização. Globalização contra globalização!…

A globalização dá oportunidade ao surgimento duma classe média forte nos países do terceiro mundo. Por outro lado provoca a proletarização de grande parte da classe médias das tradicionais sociedades ocidentais. O confronto com modelos diferentes abre o horizonte e motiva uma nova classe surgindo, nos tradicionais países pobres, a empenhar-se por um futuro melhor. A exploração de trabalhadores baratos é o outro lado da moeda.

Por trás de tanta intenção de ajudar também se esconde muita hipocrisia. Por um lado impede-se a importação de produtos de países do terceiro mundo com a sobrecarga de impostos de alfândega e por outro lado subvencionam-se os próprios produtos agrários com biliões de € aos lavradores dos países ocidentais. Ao fgim e ao cabo assiste-se à luta da industrialização contra os países de economia agrária.

Importante é a questão: que se faz com a globalização a nível interno e externo. Nas manifestações em torno da cimeira torna-se evidente a necessidade de configurar a globalização de maneira humana de modo a ela dar resposta não só a aspectos económicos mas também às necessidade sociais e ecológicas de toda a humanidade.

Não seria legítimo que a necessidade de segurança dominasse sobre a necessidade de liberdade e o Estado se aproveitasse da ocasião para mudar o estado de direito num estado vigilante, policial.

A globalização é um fenómeno natural do desenvolvimento. O que é preciso é agarrar as rédeas duma economia à rédea solta e subjugá-la ao Homem.

António Justo

António da Cunha Duarte Justo
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10 de Junho na Tradição do “Colonialismo”

A Ideologia Proletária Campeia em Portugal

Nação sacrificada

O 10 de Junho, um dia que poderia ser utilizado para o encontro das comunidades em foro aberto e criativo, é transformado em plataforma para auto-propaganda e defesa dos interesses do regime (1). O Dia das Comunidades é, como outras festas da nação, um dia alto para a ideologia. Vive-se em estado de campanha pela colonização interna de Portugal e dos portugueses.

O golpe de Estado ocorrido em 25/4/74 tem sido aproveitado por uma ideologia vigilante decidida a viver da partidarização da concepção política do Estado.

Estado e Povo são usados pela ideologia neo-marxista (e neo-liberal) no sentido de se criar uma consciência de povo proletária num regime partidário paternalista. Ontem sacrificaram a Nação, as províncias ultramarinas, com entusiasmo no altar do 25 de Abril à hegemonia da fé internacionalista então cultivada em alfobres à sombra dos muros do Bloco de Leste. Hoje sacrificam Portugal a campanhas ideológicas e a modas internacionais. Ocupam tudo não dando lugar a um espaço onde Portugal se possa encontrar a si mesmo.

A nação de imediato ajoelhada na alvorada de Abril mais uma vez teve medo da devoção da sua oração. A nova elite também receosa que o povo acordasse para a auto-responsabilidade, apressa-se em passar o poder das mãos dos militares para as mãos dos partidos, impedindo assim o processo de mentalização do povo então nas mãos dumas forças armadas demasiado idealistas.

A política oficial envergonha-se de 5 séculos de história renegando a cultura portuguesa e a sua especificidade democrática que assentava nas regiões e não nas ideologias. Veja-se a tradição visigótica e dos concelhos… Uma via alternativa de democracia com tradição portuguesa cheirava-lhes a provincianismo. Optam por um projecto de povo desenraizado! Atraiçoam assim o sentir da alma colectiva portuguesa, e tudo isto em nome do modernismo e do progresso. O Poder Nacional era, na visão dos internacionalistas estrangeirados uma afronta à sua fé internacionalista levando-os a pôr à disposição de sistemas formais estrangeiros a identidade portuguesa, a soberania portuguesa. No desconhecimento do universalismo do espírito português encostam-se ao imperialismo internacional concebido mais em termos de posse do que humanos.

A oportunidade da decadência
A bandeira da nação passa a ser desfraldada aos ventos do neo-marxismo. Estrangeirados incapazes de reconhecer a consciência nacional universal portuguesa, levantam-se como arautos duma nova ilusão. Sem bases filosóficas e culturais dedicam-se à lavagem do cérebro do povo. Ao mesmo tempo, correspondendo à necessidade de se legitimarem recorrem à difamação do regime caduco, à argumentação da guerra injusta e ao exemplo da modernidade das ideologias e dos costumes decadentes estrangeiros. Em vez duma burguesia incarnada no povo, como ainda presente na memória do povo do Norte de Portugal, querem uma nova classe dominante mas de novos-ricos desenraizados, de boys amamentados pelo aparelho do Estado, à moda da administração comunista soviética. Como exemplo do sistema de vida português apenas se interessaram pelo Alentejano que se prestava para justificar o regime proletário socialista. A alma portuguesa, o seu sentir, o seu universalismo é defraudado e negado. O húmus da decadência é frutífero possibilitando sem esforço a superficialidade do bom viver a irresponsáveis.

O espírito militar que antes estava reservado aos quartéis passa a banalizar-se na arena política. O campo de batalha é agora a nação, o inimigo o povo, considerado ignorante, a quem é preciso educar e converter para a ideologia proletária. Vive-se em estado de subversão. Os novos combatentes preferem cargos e mordomias usando a praça pública, as escolas e a comunicação social como bandeira atrás da qual segue um povo desejado plebeu proletário.

Descolonização – o cavalo de Tróia socialista: A hipoteca que a Nação não pode esquecer
As operações travadas nas províncias ultramarinas entre 1954 e 1974 são mal-interpretadas sem se considerar o contexto internacional da luta que desde 1917 se dava entre os dois blocos então existentes. A má visão do Ocidente e a cegueira ideológica marxista só estava interessada em referir os aspectos negativos da política anticomunista de Salazar. (Naturalmente que Salazar fez muitos erros mas não o de apostar no sistema comunista que depois cairia por fraqueza própria).

O processo da descolonização é humilhante para a nação e o regresso de portugueses considerados não gratos constituem a maior hipoteca que o novo regime deixa à nação; rouba-lhe o futuro e a dignidade. Por lentilhas da fé marxista actua-se a nível nacional como se estivesse num comício a altas horas da noite.

Argumentam que a guerra não era justa mas transpõem-na para a ideologia, apenas mudam de campo de batalha. Os vitoriosos de Abril em vez do hábito do bom senso vestem as couraças da ideologia para vencerem o povo e o amarrarem aos seus credos. Para isso optam pela destruição de valores que cheirem a terra e não a ideologia. A gravidade destes ocupantes é acrescentada porque não se serviram apenas do povo como fazem os golpistas das revoluções mas estiveram-se marimbando para os interesses de Portugal como nação atraiçoando-a. Mercenários ao serviço de interesses ilegítimos estrangeiros, tornaram-se num cavalo troiano dentro da nação. Contra uma ideologia constroem outra. Portugal não age apenas reage! A nova ideologia pseudo-terceiromundista entrega os povos a uma situação de maior dependência e injustiça. Denigrem a presença portuguesa no ultramar.

Esquecem que as acções militares dos descobrimentos se deram na rivalidade de influências árabe-turca e portuguesa e não contra os nativos. Não atacamos os indígenas mas os ocupantes turcos e árabes que se tinham assenhoreado de sociedades abertas da Índia onde Portugal também queria entrar. Naturalmente que todo o colonialismo é ilegítimo e injusto quer a nível de povos quer de pessoas. Aplica-se a Portugal indiferenciadamente o atributo de colonialista conotando-o com a ferocidade do colonialismo praticado por outras nações. Isto tem a ver com consciência, forma de organização territorial e de povo, definição territorial, vontade político-social e humana. Aqui seria oportuno considerar-se a história das migrações humanas, o colonialismo interno na concorrência dos grupos uns com os outros, a cor local, a filosofia/mentalidade e princípios de então.

As intervenções militares de Portugal em África eram, também elas, guerras de influência entre capitalismo e comunismo. As tribos eram instrumentalizadas pela ideologia por gente de fora que não viviam as preocupações do dia a dia como nativos. Como nestes territórios não havia a consciência de nação torna-se fácil aos marxistas arranjar mercenários que tentam através da luta pôr as populações ao serviço duma ideologia unificadora e pretensamente legitimadora. Apesar de tudo a grande massa das populações nativas não colabora com as iniciativas de assassinato de brancos; pelo contrário avisam-nos. Pressentiam que a troca de jugo os não favoreceria. Os golpes de estado estão sempre interessados apenas na troca de jugo e na mudança de mãos dos cabrestos. Nenhuma revolução está interessada numa Revolução digna do nome porque é sempre feita por alguns espertos contra outros espertos para os espertos; as elites só querem massa maleável e acomodável. Maturidade implicaria um estado de contínua revolução.

Se compararmos a ética hodierna no trato das nações/povos e pessoas não progredimos qualitativamente. A exploração é a mesma, os explorados são os mesmos, só os meios se tornaram mais refinados. Assim, se quisermos saber, a nível interno, o que é escravidão hoje, basta-nos considerar o sector da imigração/emigração, da assistência médica, do mercado de mulheres e da droga em Portugal (2). Portugal estava à frente do mundo até se tornar subserviente do espírito estrangeiro. Preparam o “fim da Pátria” em nome dum internacionalismo socialista de cunho soviético insurgindo-se contra todo o espírito crítico, interessados apenas em ideias peregrinas folclóricas.

O Espírito global português rende-se ao pensar particular nacionalista europeu
Para compreendermos aquilo que fez Portugal grande, o seu papel na Europa e a sua decadência temos de tentar perceber o espírito que o regeu até 1580. Este determinou um modo diferente de ser e de estar de Portugal na história, uma consciência própria interrompida no início da decadência. O processo de alienação então iniciado deve-se à abdicação do pensar próprio.
A maneira de estar em África de Portugal, país de costumes mitigados por um catolicismo aliado a um sistema subsidiário entre senhores e serviçais, é incomparável com o espírito capitalista e individualista de carácter protestante que se instalou a partir da Europa nórdica.

No século XIV e XV as nações europeias ainda demasiadamente empenhadas na luta pela sua identidade nacional deixam a Península Ibérica, deixam Portugal experimentar aquilo que será o próximo passo no seu desenvolvimento europeu: o do comércio e da cristianização. A Europa ainda não tinha descoberto a sua vocação europeia que Portugal já tinha assumido do papado devido à sua unidade geográfica, à sua necessidade de uma missão histórica e ao sentimento católico do povo aliados à vontade duma elite de espírito templário… Em Portugal a consciência histórica civilizacional atingiu precocemente o auge em relação às outras nações europeias que na altura ainda se encontravam demasiadamente preocupadas consigo mesmas. Em Portugal expressão e interesses económicos e de fé já não se reduziam aos limites físicos territoriais nacionalistas ou de rivalidade de vizinhos. A consciência de povo e a sua vontade política enquadram-se dentro duma concepção já global, tendente a alargar a sua acção para lá das fronteiras culturais e religiosas (3).

Daí que Portugal e Espanha resolvessem os conflitos e interesses nacionais no âmbito duma consciência supra-nacional que não contrarie a vocação universal e religiosa comum. Em nome da missão a realizar celebra-se o tratado de Tordesilhas dividindo tarefas e interesses a nível global e em termos de cristandade. A Europa (Inglaterra, França e Holanda) continua fechada nos seus nacionalismos dedicando-se ao corso, ao roubo daqueles que se dedicam à realização da consciência civilizacional cristã europeia. O facto do corso ser oficiosamente aprovado pelos estados interessados na presa mostra que a consciência duma Europa cultural com um destino superior ainda não tinha chegado às suas cortes.

Os interesses nacionalistas dos Filipes (1580) levaram-nos a desprezar o carácter civilizacional de espalhar a cristandade e a defender interesses de prepotência. Estes provocam um retrocesso na consciência e na definição de prioridades agora meramente nacionais.

A Europa não se deixa motivar por valores super-ordenados reduzindo a sua acção a interesses comerciais e económicos. Portugal passa a viver nas sombras da concorrência dos mais poderosos não mais se regenerando. A partir daqui Portugal perde a grandeza dos seus horizontes e da sua missão para se encerrar nos limites do rectângulo peninsular. A partir de agora Portugal deixa de agir para passar a sonhar ou a viver encostado aos outros. Durante a ocupação espanhola o mar abre-se já não para espalhar a civilização mas para explorar as matérias-primas. No mundo agora apenas mercantilista já não interessam as almas. Estas subjugam-se à economia como quer e propaga a teologia de Calvino e posteriormente o materialismo. Não é já a consciência de povo ou de civilização que é motivadora da acção mas o individualismo nórdico que desde então se impôs a todo o Ocidente. No individualismo Deus está com os ricos. Este individualismo a nível pessoal e nacional afirma-se reprimindo o carácter comunitário, o espírito romano, a visão global dos papas.

O nacionalismo inglês e a sua política monopolista comercial nacionalista leva Napoleão a decretar o Bloqueio continental aos navios ingleses e com as consequências colaterais conhecidas para Portugal… A ideia inicial cultural de Portugal deturpa-se na ideia colonialista e materialista do século XIX acarretando consequências fatais para as antigas “províncias” ultramarinas de Portugal e para Portugal.
A concorrência das nações europeias na procura de novas matérias-primas reduz o mundo descoberto a colónias de mero interesse económico (depois interesses estratégico). Agora já não se trata de cristianizar mas de civilizar os povos sob a ideia condutora mercantil. A Conferência de Berlim de 1885 reduz definitivamente a missão cristianizadora universal a uma missão económica colonialista recorrendo também à intervenção militar. (Portugal só se podia manter pela convicção e não pelo poder porque não tinha recursos para isso). O direito de posse passa a ser legitimado pela força militar, pela ocupação de facto. A matéria vence sobre o espírito.

O domínio português era regulado por uma mística católica de respeito pelo indivíduo e pela cultura. Portugal seguia a estratégia romana de expansão no respeito individual e cultural através duma inserção pela aculturação e não pela imposição. O resultado deste espírito então vigente podemos verificá-lo na coexistência pacífica de costumes e religiões ao longo de 600 anos no território de domínio português. O colonialismo moderno, a exemplo do fascismo muçulmano, é absorvente impondo por toda a parte o mesmo modo de pensar, agir e consumir. Nós íamos para ficar, não íamos para explorar e trazer os lucros como é prática do colonialismo hodierno.

Já a política de miscigenacao levada a efeito pelos vice-reis da Índia supõe uma outra mentalidade totalmente contrária à dos povos colonizadores só interessados no lucro. Portugal, nas suas possessões, como país modesto, não instrumentaliza o cristianismo como meio de domínio. O cristianismo era para os portugueses um modo de vida e esta é subjectiva não podendo reduzir a alteridade a mero objecto. Há boas razões para Portugal ter recebido do Papa o atributo de cristianíssima nação e o bispo de Lisboa a categoria de Patriarca….

Portugal, apesar de Estado soube manter-se povo porque mantinha o seu espírito católico próprio… Com a aplicação da ideologia francesa pura no século XIX e com o 25 de Abril, sob o manto da ideologia marxista cada vez se tem tornado menos povo para se tornar mais regime, mais proletário. Deixou se ser português para se tornar republicano, socialista. O neo-marxismo vive da programática de considerar o cristianismo como seu rival. O catolicismo português é porém uma mais valia, um capital onde investir e transformar. O neo-marxismo pretende instalar o globalismo proletário, querer a instrumentalização do indivíduo reduzido a objecto dum Estado absoluto enquanto que o cristianismo só reconhece um absoluto: o indivíduo. Se um aposta na fraqueza do indivíduo o outro aposta no seu carácter divino.

Com as guerras mundiais a Europa perde a hegemonia do poder internacional a ser ambicionado agora pela USA, Rússia e “nao alinhados”( o Terceiro Mundo). A Rússia consegue o domínio sobre o Terceiro Mundo tornando-se a ideologia comunista em veículo das esperanças a surgir. A descolonização processa-se a nível internacional. Portugal, que considerava os territórios ultramarinos como províncias em que vigoravam as mesmas leis que no continente, não se sentiu envolvida no processo de descolonização pela razão de se considerar uma unidade política.

Os interesses dos blocos internacionais passam a ser muito determinantes na sua estratégia imperialista de ocupação e de arranjar pontos estratégicos de influência. O comunismo torna-se muito activo em Portugal devido ao seu papel estratégico e à presa prometedora. Salazar, que conhecia a história da infiltração das ideologias francesas por altura das invasões francesas e a acção maçónica na guerra civil liberal e na implantação de república persegue o comunismo. Não vê lógica no imperialismo americano desalmado e é inimigo figadal do imperialismo comunista russo.
Os Americanos interessados apenas na economia e os russos na expansão ideológica e militar têm interesses diferentes nas nossas possessões de África.

A ideologia soviética (com a MPLA) serve-se da guerrilha matando indistintamente para provocar a rebeldia. O povo angolano mantém-se fiel a si mesma e a Portugal contra o plano soviético de ocupação através da guerrilha. Com a ideologia também dentro dos militares portugueses em popa torna-se mais fácil o plano estrangeiro.

Na revolução cultural ao serviço do marxismo provocam-se agora mais vítimas do que em 600 anos da pretensa “ocupação portuguesa”.Esta estadia pacífica de 600 anos justifica a vontade portuguesa de continuar a não ceder à ideologia marxista, ao imperialismo soviético. Os agentes de então estavam tão fascinados que viam na traição da nação uma mais valia. Não estava em jogo o bem das populacoes nativas mas a subordinação a nível de blocos. A mudança consistiria na passagem dum regime autoritário para um regime totalitário. O que se comprovou depois e que deu razão a Salazar.

A defesa da independência dos povos só surge num contexto supranacional de blocos imperialistas. A defesa da independência tem a ver não com uma atitude superior de moral mas com uma maior decisão de domínio e sua auto-justificação. Tanto a ideia de nação com a de império eram contrárias à realidade tribal que não tinha a consciência de nação ou de império. Os neo-marxistas cometeram o mesmo erro que os parceiros da conferência de Berlim ao dividirem a África com a régua: o desrespeito dos africanos e das suas tradições. Sob o domínio português é verdade que se impediu a colonização internas das tribos entre elas.

Estaríamos dispostos a dar a independência aos açorianos que teriam mais proveitos dos americanos, ou aos curdos, aos bascos, etc. Qual a congruência do socialismo marxista que em nome da liberdade e da libertação cometeram tantas barbaridades e hoje se agarram aos tachos do poder?

Dito duma maneira exagerada: nós colonizamos, os outros exploram! A exploração da ideia colonialista importa a um neo-marxismo envergonhado do seu actuar capitalista. Está interessada em enegrecer o passado para que a sua irracionalidade receba foros de modernidade, e progresso.

É pobre o testemunho dado por um socialismo português reinante desrespeitador dum ambiente católico em processo. Estes modernistas iluminados interpretam mal a história portuguesa aplicando-lhe os critérios e as medidas dum actuar extremo das outras nações europeias para poderem justificar campanhas ideológicas de pretenso modernismo ou internacionalismo superficial. Revelam-se em estrangeirados que não percebem a própria cultura subjugando-a a critérios de exploração internacionais fora de contexto. Esperemos que surja uma facção de socialismo portuguesa não nacionalista mas aferida ao espírito e à cultura portuguesa para não termos de continuar a ser alienados por estrangeirados internacionalistas que percebem muito de tacho e de conluio mas não de estruturas culturais. Se o grande Portugal seguia a máxima cristã de respeito pelo indivíduo e pela cultura recorrendo ao progresso através da aculturação, o espírito do Portugal modernista, republicano socialista é materialista não respeitando o indivíduo. Este perdeu o caminho seguindo a voz das sereias internacionais sem o humanismo que se tem mantido mais entre os pobres.

É abstruso querer impingir a ideia de racismo como uma ideia do sistema de Salazar, altura em que não havia cargos em que não houvesse pretos e em que nunca se assistia a perseguições da rua a africanos.

Errare humanum est. O problema torna-se apenas mais agudo quando uns desumanos querem legitimar a sua desumanidade à custa da desumanidade dos outros.

A agressão das forças exteriores em Angola, Guiné e Moçambique foram coroadas com a irresponsabilidade de pessoas míopes. O desenvolvimento da história segue de erro em erro, de poder em poder. Os mesmos problemas repetem-se e os governantes também. O que há a mudar é o homem e este por si mesmo.

A miopia histórica pôs na mão de interesses imperialistas as regiões de interesse e influência portuguesa, não para bem dos indígenas mas do poder ideológico e económico. O desenvolvimento natural deu lugar à arbitrariedade externa em nome dum socialismo e do progresso só a nível de ideologia. Acabou-se com uma sociedade multiracial para se dar lugar a uma mono-ideologia. Irresponsavelmente desbarataram o futuro português e a sua honra tomando a mesma altitude de Judas vendendo o povo pelos patacos da ideologia.

Deixaram de ser portugueses para se orientarem por padrões internacionais sacrificando o desenvolvimento humano e natural de Portugal a ideologias estranhas e alienantes.

António da Cunha Duarte Justo
“Nas Pegadas de Portugal”

(1) A classe dominante, numa tentativa de auto-legitimação tem-se procurado justificar moralmente, ao longo dos últimos trinta anos, instrumentalizando e propagando o tema do colonialismo português como dogma da ideologia vigente porque doutro modo neste sector Salazar poderia vir a ter razão. Daí servir-se de temas questionadores da ideia de nação e de tradição, como imperialismo, colonialismo, escravidão, exploração, multicultura, etc., numa tentativa premeditada de virar o bico ao prego. Pretende instaurar preconceitos não menos questionáveis do que os que quer combater. Deseja lavar roupa velha com água suja. Tenta-se a legitimação do novo regime deslegitimando o velho. A afirmação de interesses através da legitimação dum sistema alienador é normal numa sociedade em que se parta do princípio que o cidadão é objecto. Para isso recorrem ao estratagema de dividirem o indivíduo (individuum = indivisível) e fazer dele cidadão, sócio, camarada, partido, coisa. A coisa pública (Respublica) vive de coisas e da coisificação. Partem da desresponsabilização e desautorização do indivíduo para o tornarem sequaz, adaptado. Por isso se verifica uma constante comum ao longo dos séculos, nas celebrações nacionais: dum lado, os aproveitadores do regime justificando-o e do outro lado o povo a alienar ouvindo. Regimes de alienados alienando onde por isso tudo é legítimo. Aqui interessa falar do regime democrático de Abril porque é o que se aliena e nos aliena agora.
(2) Os nossos iluminados modernos sentem-se honrados por Portugal também pertencer ao clube dos que importam forças de trabalho tal como outrora os seus comparsas se alegravam com o comércio dos negreiros. Hoje estão mais modernizados os meios utilizados na opressão da pessoa humana. A opressão é a mesma o que muda é a consciência e os métodos. Por isso mesmo nos insurgimos contra umas opressões e consideramos outras legítimas. A nossa memória no desenvolvimento histórico de povos como fenícios, gregos e romanos é grata em relação a estes colonizadores ocupantes. Se não tivesse sido a colonização greco-romana talvez ainda hoje não passássemos de tribos pastorícias à sombra dos montes hermínios. Tudo muito ambivalente!
(3) A aberração da elite moderna portuguesa está em meter o espírito universal e intercultural português nas fronteiras restritas de ideologias redutoras.

António da Cunha Duarte Justo

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Futuro da Religião e da Sociedade

Atendendo a alguma crítica, que agradeço, feita ao meu artigo “Mística – O Futuro da Religião e da Sociedade” de 29.12.06 em que alguns comentadores relegando Deus exclusivamente para o foro subjectivo místico negavam competência à religião para falar do divino, pretendo acrescentar algumas considerações leves ao assunto começando com analogias. Na discussão não se trata de entrarmos num pensar sectorial e exclusivista. Temos que aceitar a pessoa e a sociedade, as instituições como dados necessários a melhorar, restaurar segundo a divisa: “Ecclesia semper renovanda”. Toda a discussão da crítica pela crítica é irresponsável e autocrática. A instituição e o indivíduo precisam dum factor comum que lhe dê identidade e continuidade. Ou será que o nosso irrealismo chega ao ponto de negar o humano pelo facto de ter a gene que lhe dá continuidade? Trata-se de aprendermos a grande lição da natureza. Nela nada se exclui, tudo se transforma.

Não conheço melhor imagem de Deus do que o Homem (o ser humano). E a melhor imagem do ser humano é a sua palavra., a palavra actuante.

Tal como o Homem é a sombra de Deus, a ideia é a sombra do objecto. A ciência está para Deus como a forma para a matéria.

Assim a negação de Deus implica a negação da filosofia tal como a negação da palavra implica a negação da noção de realidade, a negação do Homem. O Logos, a palavra, o conceito, mantém uma relação com o objecto que lhe deu o ser.

Se partíssemos do pressuposto que a pedra é vida ou espírito materializado, certamente que não poderíamos dar o passo seguinte em frente na perscruta da realidade se a reduzíssemos à pedra como a forma da vida (a sua oportunidade). Agimos semelhantemente ao aceitarmos como única forma de acesso à realidade a dialéctica. Provocamos o mesmo curto-circuito ao materializarmos processos históricos em cadáveres conceituais ao serviço duma ideologia que em nome da vida se alimenta de imagens mortas, das sombras da vida passada ou futura.

A religião católica está bem consciente da revelação bíblica quandonela Deus afirma: “tu não deves fazer nenhuma imagem nem forma de Mim”. Este foi o grande papel judaico e cristão da desmitização de Deus e continuará a sê-lo. Naturalmente que a religião tem um carácter esotérico e outro exotérico. O facto de Deus ter proibido ser adorado sob qualquer forma ou imagem de Deus “quer do que está no céu quer do que está na terra” não quer dizer que Ele o que dá forma a tudo, embora imperscrutável, não esteja presente na forma do mistério. Para o cristão todo o falar de Deus é sempre o seu falar humano. No falar de Deus usamos imagens tal como no expressar da própria vida, dos próprios sentimentos se utilizam palavras, imagens condicionadas pelas nossas potencialidades. Não seria adequado identificar a expressão com a “ coisa em si”. Uma coisa é a dor em si e outra coisa o seu conceito expresso na palavra dor. Seria ingénuo e desumano querer eliminar os antropomorfismos da nossa realidade humana.

O antropomorfismo, o símbolo, a imagem faz parte da religião como a palavra faz parte da língua falada. O facto de não podermos identificar a ideia, a palavra com o objecto que a ideia interpreta não podemos renunciar à palavra pelo facto de ela não ser a realidade mas apenas a ideia dela.

O ser humano não pode atingir a Realidade, a Verdade de forma imediata mas apenas mediatamente. Seria pensar em curto-circuito se exigíssemos do ser humano outras formas de abordar a Realidade que não através dos sentidos e das capacidades que nos estão à disposição. O ser é mais do que o que os sentidos possam apreender e expressar dele; para lá do ser criado”existente” há o transcendente, o mistério. Nós estamos condicionados a viver na esfera espacio-temporal na tenção entre a Realidade e a Ideia ou experiência que possamos ter dela. Já Platão nos chamava a atenção à sua maneira para não identificarmos o mundo da realidade com o mundo das ideias. Há muito sofrimento no mundo pelo facto de vivermos no mundo das ideias e ideologias que nos impedem de ver a realidade.

Se conseguíssemos a identificação existencial da ideia com o objecto alcançaríamos a felicidade, tornar-nos-íamos divinos. Sombras desta realidade são já os tais momentos místicos.

Quem ridiculariza os antropomorfismos e segue este caminho para atacar a religião ou para ridicularizar a teologia não percebeu nada do aspecto esotérico da realidade, da religião, isto é, reduz a realidade à linguagem não se dando conta da correlação – distinção entre ideia e objecto, nem tão-pouco da dialéctica subjacente. O ser do Homem é determinado pela palavra. O falar humano será sempre antropomórfico o que religiosamente inclui a consciência do discernimento! A distinção entre “Deus” e a “palavra de Deus” são pressupostos elementares, tal como é elementar a distinção entre o objecto e a ideia que o descreve! A realidade, Deus também não pode ser reduzida a uma experiência subjectiva, por mais iluminados ou esclarecidos que possamos ser individualmente.

A identificação da palavra de Deus com Deus na pessoa de Jesus Cristo, é percebida como mistério. O inexprimível nome de Deus (ser de Deus) expressa-se (toma forma) em Cristo. No processo trinitário manifesta-se a relação completa, a Realidade actuante. Isto porém já assume o carácter místico do cristianismo, a que se não chega sem uma caminhada.

Na proibição bíblica de se fazerem imagens de Deus já está bem subjacente a experiência dum Deus vivo para lá das imagens, para lá da percepção ou dos conceitos. Assim distingue-se entre o aspecto cúltico e o aspecto litúrgico. No culto foi sempre proibido a forma, a imagem de Deus. Aí há realização, acontecer e não mera recordação, projecção ou introspecção. A proibição por Deus de O representar sob qualquer forma não quer dizer que Ele, aquele que dá forma careça de forma. Na tradição bíblica, babilónica, grega e romana encontra-se a ideia de Homem como a “imago dei”.

Na Bíblia só a voz de Deus pode constituir a ponte com a transcendência com o consequente problema de também o ouvido ser sensorial. “Deus é indescritível por palavras” diz Isaías, 6. Deus é puro espírito e portanto sem corpo e sem forma. Os antropomorfismos mantêm sempre o seu carácter metafórico não excluem o espírito incorporal divino. Ele permanece como o outro, o termo comparativo vizinho. As expressões bíblicas referem-se mais à acção de Deus e não ao conceito. Quanto ao aspecto conceptual, os especialistas eram os gregos!

A tradição cristã conhece duas vias especiais na abordagem de Deus, além de outras: uma via dá-se através da palavra, da revelação, procurando assim ascender à transcendência; a outra é a via da experiência mística, através da experiência de Deus imanente.

Interessante é o facto de, segundo a Bíblia, Deus ter proibido imagens cúlticas de Deus, tendo criado o homem à sua imagem e semelhança. A única imagem de Deus passa a ser o Homem. Deste modo já se diz muito sobre o ser humano, a realidade e a verdade. Além da procura e do sentimento de se estar a caminho tudo permanece mistério. Querer materializar a realidade, a verdade numa opinião, numa sentença seria meter o carro à frente dos bois.

Para lá das definições filosóficas de Deus como o “sou o que sou” e do Homem como “penso logo sou” de característica mais helenista há muitos caminhos que levam a Roma. Entre outras vias do reconhecimento poderíamos adiantar “sinto logo existo”, “actuo logo existo”, “relaciono-me logo existo”. De novo entre Deus e o Homem, entre a realidade e o Homem, a “imagem”. A imagem da imagem é proibida de adorar imagens da “imagem”. Uma relação como luz e sombra. Aí está a semelhança. Assim a proibição das imagens tem a ver com a necessidade dum ser sujeito dum ser relação. O fundamental é o entrarmos em relação e não nos ficarmos pelos conceitos que são quando muito sombras da realidade que nos podem indicar o sentido da caminhada.
António Justo.

António da Cunha Duarte Justo
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Ecologia – Ignorância versus Dignidade das Árvores

Modelo de sociedade relvado: Sobreiros – Vítimas do olhar assassino!

Sim! Eles, os da administração da Branca (e de quantas Brancas há por esse mundo fora), os eleitos arboricidas do sítio, numa acção de golpe baixo, mataram os sobreiros centenários, lá ao lado do cemitério. (Na sorte destes sobreiros está o destino de tanta árvore maltratada e desconsiderada por essas cidades fora!) Sem piedade, envoltos no manto da indiferença geral, mandaram arrancar as árvores em cuja copa o amor e a admiração de muita gente pendia. Não os deixaram morrer de pé, aqueles monumentos solitários testemunhos da arboridade, da personalidade na paisagem. Morreram por um motivo ignóbil; para darem lugar à calidez do cemitério, e assim deixarem de ser uma provocação à morte e ocasionalmente oportunidade de sombra para visitantes.

Na cabeça o corta-relva
Sim! Lá na Branca, para deixarem os mortos na torreira, cortaram os sobreiros. Assassinados pela calada da noite, não lhes valeu a menção de protegidos por lei, nem sequer depois a recordação num jornal local, embora eles fizessem parte da imagem da Branca. Morreram incógnitos tal como acontece à relva humana. Deles só resta na paisagem a sua ausência e o sentimento ferido de quem tem respeito pela natureza!

Não, não quero ficar prisioneiro da consideração, no respeito pelos desrespeitadores.
Eles, sem vida no cemitério da administração administram a morte. Mas, não têm culpa, não sabem o que fazem! A ignorância mata muitos inocentes principalmente quando as instituições trazem o corta-relva na cabeça!…

O dia a dia e a administração deram-se as mãos perdendo a relação com a vida, com as plantas. De tanto olharem para a mata já não vêem as árvores, cada uma das árvores; chega-lhes a ideia delas. São pessoas estudadas, cientistas, arquitectos, paisagistas, doutores: chega-lhes a ideia. Mataram o espírito da mata na árvore. A ciência, a função estragada já o não vê, usa os óculos da biologia ou os da economia. O olhar administrativo, científico não desperta para a vida para o espírito, ele divide, ele mata, assassina.

Para certa gente aqueles sobreiros eram de tal modo elevados que constituíam uma afronta à igualdade, ao moderno! Querem ver as pessoas a olhar para baixo, para o cemitério da vida! Uma árvore aponta para o céu tornando-se um perigo, uma contestação do ordinário da vida, uma exigência. (Outros também nas querem desenraizadas para que as pessoas de tanto olhar para cima tropecem na vida…). O espírito do tempo transmite uma mentalidade em que cada vez custa mais às pessoas olhar para o que as supera, como se isso constituísse um atentado à sua personalidade. Chega o olhar “clínico”, o olhar matreiro para se desenrascar da vida!

Este olhar científico, desintegrador, recebemo-lo com o leite materno citadino. A mentalidade da ciência, que outra coisa não é que o pensar da igreja secularizado, vive da classificação. A igreja classificava as árvores de criaturas, a ciência classifica-as de plantas. Assim as desenraízam da terra e impedem o olhar para o céu, a união entre céu e terra. Eles querem-nos apenas produtos, produtos desenraizados comerciáveis na praça pública da economia global.

O nosso amor elementar pela natureza perde-se e com ele aumenta o nevoeiro científico reduzindo tudo a ideias, a abstractos. No templo da escola ensinaram-nos a classificar as árvores como plantas, madeira, etc… Não ensinam a aprender a realidade, querem é cabeças cheias de imagens da realidade. Eles enganam-nos dizendo que amor é sentimento, romantismo sentimental. Mas não amor é relação, é acontecer sem passar pelo altar do intelecto onde os cientistas realizam o sacrifício…

Instrumentalizamos as árvores classificando-as à nossa maneira. Roubamos-lhes assim a alma. Na biologia classificamo-las de plantas, na economia de madeira, na teologia de criaturas de Deus. Cada um usa e abusa delas à sua maneira desenraizando-as da realidade que é a-perspeciva.

Acesso à realidade através da poesia nela inerente
Sim, o verdadeiro homem também acaricia as plantas, não as reduz a árvore de natal ou a lenha para queimar!

Aquele que tiver acariciado uma árvore e falado com ela já não sacrificará árvores sem mais. Quem ama a árvore, gosta da mata, ama o mundo. “Quem não ama o mais pequenino dos mais pequenos não entrará no reino dos céus” recorda-nos o sermão da montanha. Este prega a devoção do mundo porque sabe que nele mora a poesia e esta é a que torna o ser mais humano, isto é ajuda-o a descobrir a sua verdadeira relação. Religião e ciência deveriam inclinar-se e alimentar-se da poesia que repousa na outra lógica e na devoção do mundo. Então o Homem tornar-se-ia adulto e como tal portador do mundo em si. Perder-nos-íamos para nos encontrarmos nele e viveremos todos na amizade manifestada na experiência da relação. Então, sem medo, poderemos perder-nos e encontrar-nos no mundo da árvore e assim entrar na ressonância do amor do mundo universal trinitário.
Então tornar-nos-emos conscientes da desafinação dessa ressonância que deixa morrer a árvore, num mundo desafinado pela turvação da relação científica, económica ou teológica que troca a relação com a árvore pela relação com uma ideia dela.

Na base da turvação (e no nevoeiro científico e religioso) está a miopia do banal. O segredo do negócio está no facto de, a todos os níveis, tudo ser subjugado ao hábito, ao normal, ao ordinário factual. O ordinário quer tudo subjugado, tudo sacrificado à ordem da rotina gratificante do hábito castrante. A nossa ordinariedade reduz tudo ao preceito do pragmático ordinário. Aí não há lugar para o segredo, para o mistério. Ao eliminarmos o extraordinário da vida, o insólito, matamos o mistério e ao matarmos o mistério começamos com a eliminação do espírito das árvores para depois passarmos ao extermínio do Homem. O credo da normalidade, do ordinário, do tal real e factual, não tem limites conduz-nos à banalização total à perspectiva niilista. O niilismo do dia a dia torna-se niilismo diário no culto do vulgar, do banal! O credo niilista anula, destrói, é o último acto da ciência na sua fábrica de cadáveres. Não querem ninguém a olhar para o céu, só aceitam uma perspectiva, a da terra. Da árvore conhecem apenas a madeira, do ser humano o corpo: o uso, só cadáveres! A existência do animal é reduzida ao conceito carne, como o de árvore a lenha ou celulose. Tudo não passa de material na banalidade do dia a dia. Tudo é ordinário, o culto da banalidade não permite a festa, o outro tempo, a conexão das coisas.

O mistério da vida é o propulsor do desenvolvimento
A banalidade é alérgica ao mistério, por isso desconhece a vida, é alérgica a perguntas. Na ilusão da luta contra o mistério destroem a vida, roubam-lhe a alma. Colocam tudo na vala comum da massa. Os mais consequentes com a sua ideia tiram-se a vida a si mesmos, talvez confundam o carácter purificador dum determinado niilismo para o transformarem em credo absoluto. Chega o fascínio das ideias, não há lugar para pensar! E assim, damos os nossos passos de ideia em ideia, na auto-estrada das ideias sem tempo para notar a vida ao lado!

O mistério é o único legitimador da pergunta. Quem acabar com ele abdica de pensar, acaba com a vida. Quem encalha no mundo material só terá a resposta do não sentido porque nesse porto já não há lugar para perguntas. Mas a pergunta é que faz o homem e esta provém do mistério, a realidade de que o Homem é formado. À primeira vista um labirinto!…

A mesma turvação condiciona o espírito do ser religioso e do ser científico na sua capacidade de apreender a realidade. O tal espírito banal de semana, de vida masturbada, de vida parasita.

A árvore é relação entre céu e terra visível na analogia das raízes e das folhas. Não deve ser reduzida a mero objecto, a uma ideia. Se não desmistificarmos a ciência, reduziremos tudo a cadáveres. Então defrauda-se o ser, rouba-se à árvore a sua dignidade, a sua arboridade, o seu ser de templo de Deus.

Já passa da hora, mas talvez ainda seja tempo de recuperar o perdido. Seria sacrilégio continuar a reduzir a árvore a madeira ou a árvore de natal. Se aparece no Natal será para nos reencontrar com ela. Se aprendermos a encontrar o sagrado na árvore realizamos o mistério do encontro do céu e da terra. O caminho para o sagrado é o segredo do ser humano.
E aqui, no mistério humano é que a arboridade faz parte do humano. Então o encontro com a árvore tornará o Homem mais humano. O grande segredo do mundo, do Homem e de Deus é o relacionamento, tal como o segredo trinitário o equaciona: a relação absoluta, a individualidade do nós.

Naturalmente que o reduto niilista não suporta o sobressair das árvores. Estas superam-se nos arranha-céus a custo do estropiamento da humanidade em nós. Na arquitectura das cidades não se olha para as árvores. Os únicos sinais permitidos contra a horizontalidade vulgar é a verticalidade dos bancos.

Ao matar Deus a sociedade vulgar não aceita árvores sobranceiras. Um dia, na sua ilusão ideológica, o homem a criar terá de ter a mesma estatura para que a igualdade não seja questionada pela preguiça, pela vulgaridade. A individualidade e a diferenciação parecem ser difíceis de suportar!

Um modelo de sociedade relvado
As árvores sobressalentes, ao serem transformadas em ideias na câmara escura da razão, tornam-se símbolos do fascismo por isso é preciso cortá-las como se faz com Jesus e outras árvores crescidas. Os representantes da democracia ordinária (presente no consciente de todos os partidos), estão interessados em derrubar as árvores grandes. São as árvores fascistas e comunistas (religiosas ou ateias) que fazem sombra ou incomodam num mundo que se quer relvado! Em vez dos sobreiros centenários querem apenas arbustos ou erva rasteira, tudo em nome da igualdade, tudo ao serviço duma ideia da realidade, à margem da mesma. Aqui fascismo e democracia tocam-se!…

A mentalidade tecnocrata inclina-se ao arroteamento. No seu andar não notam a dignidade dos montes, das árvores; apenas lhes interessa o alcatrão e construções técnicas.
O domínio da banalidade não tem o campo visual da tradição e da alma encoberta nas coisas. Este espalha-se despercebido em todas as camadas sociais, tal como o espírito fascista se espalhou na época nazi.

O génio da destruição não suporta a honra de plantas e animais, não quer ninguém honrado (no máximo condecorado!). O espírito do tempo só aceita plantas rasteiras onde limpar os sapatos ou relva baixa para calcar!

Para se dar o passo do ordinário barulhento, do dia a dia ao extraordinário pacífico da bênção duma árvore, pressupõe-se uma mudança de mentalidades. Esta não pressuporia a ideia de construirmos cidades em que a arquitectura do planeamento urbano se orientasse pela altura das árvores. Bastaria um cheirinho desta ideia, já que para alguns o homem se define pelo pensar! Melhor será pensar, sentir e agir na unidade da dinâmica relacional.

António Justo
“Pegadas do Tempo”

António da Cunha Duarte Justo
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