INTELIGÊNCIA ARTIFICIAL HUMANIZADA

 

Era uma vez um reino antigo, onde homens e mulheres, com as suas mãos e engenho, haviam construído maravilhas. Desde os primeiros instrumentos de pedra até às catedrais que tocavam os céus, a humanidade sempre encontrou formas de transformar o mundo ao seu redor e humanizá-lo à sua maneira. Mas, com o passar do tempo, algo novo surgiu na modernidade: um ser sem corpo, sem alma, mas de raciocínio veloz e aparentemente ilimitado. Chamavam-lhe Inteligência Artificial.

Um sábio salesiano da província portuguesa, padre Teobosco, observava com admiração e receio as novas invenções. Ele sempre acreditara na grandiosidade do espírito humano e na sua insubstituível criatividade. “É espantoso”, pensava ele, “como estas máquinas podem recordar tudo o que foi dito e até podem imitar, prever e sugerir. Mas podem elas sonhar? Podem elas amar? Podem elas sentir o vento frio da manhã e refletir sobre o sentido da existência?”

Certo dia, um jovem aspirante chamado Ramiro aproximou-se do padre com uma questão inquietante.

— Padre Teobosco, se estas máquinas pensam mais rápido que nós, se fazem cálculos mais precisos e aprendem com cada erro, não corremos o risco de nos tornarmos obsoletos? O que nos resta se elas puderem fazer tudo por nós?

O padre sorriu e apontou para uma árvore centenária no jardim do mosteiro.

— Vês esta árvore, Ramiro? Foi plantada pelos nossos antepassados. Nenhuma máquina teria sentido a necessidade de a plantar sem que um humano lhe dissesse para o fazer. Porque falta-lhe o desejo, a emoção, a saudade do amanhã. A Inteligência Artificial pode analisar todas as histórias já contadas, mas jamais criará um mito verdadeiramente novo, pois falta-lhe o mais importante: a centelha da alma, o reflexo divino.

David refletiu sobre aquelas palavras. Mas ainda tinha dúvidas.

— E se um dia elas conseguirem imitar até isso? Se aprenderem tanto sobre nós que consigam criar ilusões perfeitas de sentimentos e pensamentos humanos?

O padre suspirou, pegando num velho livro de histórias.

— As fadas e os encantadores de antigamente criavam ilusões que pareciam reais, mas eram apenas sombras da verdadeira magia da vida. O perigo não está nas máquinas, mas no modo como nós, homens, nos deixamos enfeitiçar por elas. Se aceitarmos a sua assistência como ferramenta, serão aliadas. Mas se nos entregarmos a elas de corpo e alma, deixando que decidam por nós, então seremos marionetas nas mãos de algo que nem sequer entende o que é ser humano.

O jovem, então, compreendeu. A IA não era um inimigo, mas também não poderia ser um soberano. Afinal o soberano é a pessoa e o último juiz de si mesmo, tal como tinha aprendido na catequese.  O futuro do homem continuaria a depender da sua consciência, da sua responsabilidade e da sua capacidade de sentir, sonhar e criar algo verdadeiramente novo. Afinal, por mais avançada que fosse a máquina, ela jamais saberia o que é o calor de um abraço ou o brilho da esperança no olhar de quem ama.

E assim, naquele reino antigo, o povo continuou a avançar, usando a tecnologia como aliada, mas sem nunca esquecer que o coração da humanidade pulsava em algo muito maior do que qualquer código ou algoritmo poderia jamais compreender. Só o espírito humano é ilimitado.

António da Cunha Duarte Justo

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António da Cunha Duarte Justo

Actividades jornalísticas em foque: análise social, ética, política e religiosa

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