Em vez de português erudito fomenta-se o português macarrónico
António Justo
21 de Fevereiro é o Dia Internacional da Língua Materna. Foi proclamado pela UNESCO como memorial para “promover a diversidade e o multilinguismo linguística e cultural”.
Segundo a UNESCO, metade das línguas maternas encontram-se em risco de desaparecer (entre elas o Bretão, Quechua e Nahuatl). Com a celebração do Dia da Língua Materna, pretende-se manter viva a consciência das tradições linguísticas e culturais. A visibilidade de um espaço cultural manifesta-se através da língua e suas marcas.
Especialmente nos países da lusofonia há que ter isto em consideração. A protecção dos falares indígenas e das tribos não deve porém substituir o português como língua de comunicação nacional e internacional. Seria relevante manter uma relação equilibrada entre os interesses regionais e o interesse da identidade nacional que se expressa numa língua de comunicação para todos.
Fazer uma coisa não implica deixar de fazer a outra (Unum facere et alium non omittere). No contexto importa recordar o lema latino “E pluribus unum” (fazer de muitos um/unidade na diversidade); este lema fez dos EUA o país que é hoje. Sem integração não há unidade orgânica.
O idioma deve reflectir, pelo menos, nalguma das suas partes, a herança cultural do todo e do particular, como memória viva a gerar futuro.
Tanto uma olhadela sobre o Português, muitas vezes usado no dia-a-dia, como sobre a política da língua não permite grande satisfação a muitos os falantes lusófonos. Tem-se implementado o empobrecimento da língua com uma reforma ortográfica que na ortografia não favorece a especificação (exemplo: faz das palavras acto e ato uma só palavra (ato) para com um só vocábulo designar dois conceitos.
Com isto desejo alertar para o facto de o Acordo Ortográfico ter tocado com a etimologia das palavras, coisa que outras línguas (Itália, França e Espanha) não permitiram fazer ( as consoantes mudas, são também importantes para quem tem de escrever, por exemplo em Italiano ou Espanhol, dado estas línguas conservarem a etimologia que corresponde às nossas consoantes mudas). Com as mudanças operadas pelo acordo surgem dificuldades variadas .
O “português do brasil” ou português de expressão brasileira tem-se afastado das línguas de origem latina europeia (contrariando o desenvolvimento diferenciador destas) ao reduzir o emprego das pessoas gramaticais (no sentido de uma indiferenciação e como tal empobrecedora). As línguas europeias de origem latina mantêm o alto nível da língua na sua riqueza de diferenciação, ao preservar as três pessoas gramaticais do singular e do plural: eu, tu, ele-ela, (você, a gente) e nós, vós, eles-elas, (vocês); permanecem assim fiéis à defesa da excelência da língua e contrariando a tendência simplista de se cair no uso de uma língua de carácter “macarrónico” (substituir o uso da segunda pessoa gramatical pela terceira, etc. e com o tempo acabar com o emprego da segunda pessoa verbal).
Por outro lado há demasiados anglicismos conferem um tom estranho ao serem empregues no uso diário sem o conveniente aportuguesamento.
Nos média sociais ( Facebook) espalha-se paulatinamente uma comunicação abreviada e simplista que, com o tempo, poderá levar muitos a não conseguir escrever uma carta em português correcto.
Do mesmo problema se queixam professores universitários que constatam em muitos alunos grandes défices na expressa do português.
No mercado observam-se também cadeias de empresas que não se preocupam em traduzir os nomes dos produtos para as línguas onde são vendidos.
Na França implementaram-se medidas para defesa e enriquecimento da língua. Em 1994, na França foi proibido o uso de conceitos ingleses sem serem traduzidos. Cada conceito introduzido na língua materna, que respeite o seu espírito, constitui um enriquecimento da língua. (Confesso que, por vezes, uso estrangeirismos por não encontrar ainda termos adequados em português).
A língua é um organismo vivo e como tal aberta ao novo, mas deve ser respeitada sem ser violada; naturalmente há também nichos usados por grupos étnicos, estudantes, estrangeiros, além de regionalismos, dialectos, etc.
Infelizmente o governo pretende diminuir o ensino da língua materna em favor de disciplinas sociais.
António da Cunha Duarte Justo
“Pegadas do Espírito no Tempo” https://antonio-justo.eu/?p=4146
- Coloco aqui os links de alguns artigos que publiquei referentes ao assunto: Cometem-se barbaridades contra a língua portuguesa numa tentativa populista de valorizar o analfabetismo: http://www.mundolusiada.com.br/artigos/barbaridades-contra-a-lingua-portuguesa/
Hora da lusofonia: http://www.uaisites.adm.br/iclas/pagina_ver.php?CdNotici=206&Pagina=Opiniao
Acordo ortográfico segue a via popular: https://antonio-justo.eu/?p=2190
Português para todos: http://macua.blogs.com/moambique_para_todos/2016/12/o-portugu%C3%AAs-deixa-de-ser-l%C3%ADngua-oficial-em-cabo-verde-que-futuro-para-timor-leste.html
MEC brasileiro pretende acabar com a obrigatoriedade da Literatura portuguesa: de Cavalo para Burro?: http://agostinhodasilva.blogtok.com/menu/6/42434/
Talvez “matrimónio” cultural soe melhor. “Língua é feminino”. (ah!ah!ah!). Afinal, o acordo ortográfico foi um casamento (mal amanhado)….
Manuel Maria de Sousa
Nestas coisas não é fácil opinar! Imagine-se que hoje com gays a ter filhos e continuarmos a chamar língua materna à primeira língua!
Na questão linguistica o Brasil mantem um equilibrio – de Porto Alegre a Natal,passando pela floresta amazonica todos falam português e todos se entendem,não obstante o trocadilho – fala-se mal,escreve-se pior… Gabriel Cipriano
FB
O que me preocupa no Brasil diz respeito à política de língua nalguns Estados e à influência que Portugal por, vezes recebe do brasil: Por exemplo edição de compênio de gramática que ignoram a segunda pessoa gramatical. Que isso se faça na linguagem falada, nada em contrário, mas que os professores tenham tais compêncios como orientação dos seus programas é pobreza que fere.
Quanto ao emprego da palavra “erudito” em vez de “vernáculo”, devo dizer que o fiz intencionalmente. Com isto queria suscitar uma certa associação indirecta ao “latim erudito” (clássico: sermo cultus) e ao “latim vulgar” como vias de formação da língua portuguesa e deste modo a um fenómeno que, por outro lado, se deve estar atento mas se pode considerar positivo num país com as dimensões do Brasil.
O que me move é o facto de se considerar, em certas gramáticas, como normal ignorar ou ultrapassar a segunda pessoa gramatical na conjugação verbal.
No acordo ortográfico em PT europeu existe as palavras facto e facto para designarem diferentes significados.
A confusão só surgiria se no Brasil se usassem as duas palavras “fato” e ” terno” para designar também o que o vocábulo português “fato” designa (calças e casaco) e a mesma palavra fato para designar facto.
Opinião do leitor:
http://www.abdic.org.br/index.php/home-9/1615-opiniao-do-leitor-dia-mundial-da-lingua-materna-de-media-para-midia-faltam-meios