Um Povo à Procura do seu Gosto de sofrer
António Justo
O dilema de Portugal não é a crise, nem é o de se erguer-dormir-deitar. O problema é crónico, o seu estado ajoelhado: um Portugal sempre de joelhos e sempre pronto a ajoelhar.
Se olhamos para a rua, lá anda ele a nidificar no saco das compras e se olhamos para a selva das letras públicas, lá, entre o vozear de cães, sobressai o seu uivar, a letrear à porfia o aroma do seu ser!
Tudo fala da injustiça do sofrer, tudo anda desgostoso à procura do seu gosto de sofrer!
Nos baixios da República, entre gratidão e ingratidão vive a maldade comprometida de beneméritos e de indignados na procura do cheiro. Eleitos e condenados entre o seio de Deus e o Olimpo dos políticos, todos eles são bem-aventurados da natureza lusa, feita de povo penitente e de bem-aventurados renitentes.
Internacionalistas e patriotas, progressistas e conservadores, tudo ciente da direcção do seu nariz, tudo anda interessado em seguir a cor da capa da sua cartilha. No nosso bendito Portugal não há céu nem inferno, só existe a antecâmara do intermédio, de um viver genuflectido, num estado de contínuo limbo ou purgatório, entre o sentir a crosta dos joelhos e o olhar a felicidade nas cores das nuvens que passam.
Desiludidos de cores e cartilhas também se encontram, por aí, aos montões: uns encostados à bengala das suas razões, outros a viver da côdea do próprio respeito na veneração mendigada!
Neste Portugal da veneração de senhores e de mártires, ninguém foge à procissão. Tudo anda bem alinhado, na democrática caça ao paraíso comum de caçadores e caçados.
Sob o sol da democracia não há lugar para desalinhados, já não são precisos grevistas nem patrões, governantes nem governados, porque tudo anda no trabalho sério de enriquecer o próprio feudo.
Portugal ajoelhado, não tem força para se erguer; a força que ainda lhe resta, só lhe dá para ir comer, de mão estendida, à luz da vela.
Boa noite Portugal!
António da Cunha Duarte Justo
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