Não há Razão para se envergonhar
António Justo
Uma pessoa diagnosticada com depressão unipolar, depressão bipolar, burn-out, borderline, ou outra doença, não deve ser colocada na gaveta do preconceito. Deve ter-se muito em conta que o paciente é uma pessoa como outra qualquer e com direito a ser tratado não como doente, mas como os considerados “normais”, com todo o respeito, dignidade e consideração. De facto não há ninguém que seja cem por cento são. Todos temos alguma “telha” e se pensamos não tê-la, ainda pior: isso significa que ainda não a descobrimos e quem sofre com ela são os outros. A pessoa faz parte da natureza com momentos estáveis e com outros menos estáveis; como a natureza, trazemos em nós as altas e baixas pressões psicológicas que originam dias soalheiros e chuvosos. Fazemos parte dum globo com diferentes zonas climática, ideias e ideologias. Há pessoas com regiões de alma mais instáveis com tsunamis, tempestades incontroláveis. Neste estado há que ir ao psiquiatra para conseguir estabilizar o próprio clima.
No meio de tudo isto há um problema grande que é o próprio preconceito e o preconceito dos outros no que toca à avaliação da doença.
As depressões unipolares tornaram-se entretanto socialmente mais aceites; especialmente o burn-out (esgotamento), adquirido pelo demasiado estresse, por se ter trabalhado demais e por não se ter poupado, indo mais além do que as próprias energias permitiam.
Mundialmente, cada vez mais pessoas sofrem de depressões unipolares. Depressões unipolares são as depressões em que as pessoas só sofrem de disposições depressivas enquanto nas depressões bipolares as pessoas sofrem de fases de depressão e de fases de euforia. Estas são mais raras e menos aceites pela sociedade. Há entretanto grandes diferenças de expressão de depressão e de grau de bipolaridade. Pessoas com depressões unipolares chegam a sofrer mais do que pessoas com depressões bipolares porque aquelas só têm fases depressivas. Naturalmente, tudo depende do grau da depressão que pode ser leve, média ou grave. O estado grave de depressão é descrito por doentes como o “inferno na terra”. Naturalmente também bipolares, nas fases de depressão, podem chegar a tais estados.
No dia-a-dia as pessoas de convívio com pessoas bipolares têm a tendência a verem em tudo que os pacientes fazem ou dizem como resultado da doença. Isto dificulta a disponibilidade do bipolar em reconhecer a bipolaridade. Todos nós temos características doentes e saudáveis. O alto grau de inteligência, de charme e brilho que muitos bipolares têm, só em parte terá a ver com a perturbação. O doente bipolar nota facilmente, quando está na fase de depressão, porque sofre (nesta fase é fácil reconhecer a doença). Sente-se, porém, muito bem na fase eufórica, não sentindo o patológico dela; reconhece a própria personalidade nela, considerando a fase depressiva, estranha à sua natureza, o que torna difícil o reconhecimento da própria doença.
Quem convive com uma pessoa unipolar ou bipolar, na sua fase depressiva, deve ter em conta que ela, por vezes, fica incapacitada de agir e de tomar iniciativa; muitas vezes tenta mas não consegue. Por isso o paciente precisa muito do acompanhamento e apoio de pessoa íntima para que aquele aceite o que ela diz e cumpra com a medicação. Muitas vezes o bipolar aceita tomar a medicação (estabilizadores de humor) na fase depressiva (fase desagradável de sofrimento) mas quer interrompê-la na fase eufórica (de felicidade). Na fase depressiva, às vezes, o paciente bipolar (tal como acontece com doentes de borderline) tende a ver a causa da sua infelicidade fora de si, criticando extremamente um pseudo-adversário que é responsabilizado pela sua situação e sofrimento. Na fase eufórica sente-se entusiasmado, fala muito, saboreando a sua genialidade e o seu aspecto excepcional e original, mas confundindo, muitas vezes, a fantasia com a realidade. Também chaga a ter prazer em fazer o destrutivo jogando com o risco.
Muitas vezes o psiquiatra diagnostica uma depressão unipolar em vez duma bipolar porque o paciente só se dirige a ele na fase de depressão unipolar sem mostrar as características da fase eufórica.
A oscilação de humor e das fases de maior ou menor acção pode, a nível social e individual, ser gerida de maneira a não se prejudicar a si nem aos outros. Se a doença ajuda a pessoa na sua vida social laboral e artística é uma questão de gestão pessoal se não interferem negativamente com terceiros. Há muitas pessoas, que se não tivesse sido a doença, não teriam atingido a celebridade que atingiram: Fernando Pessoa, Hermann Hesse, Sigmund Freud, Victor Hugo, Winston Churchill, Wolfgang Amadeus Mozart, Charles Chaplin, Napoleão Bonaparte, Abraham Lincoln, Elvis Presley, Woody Allen, e milhentos outros.
A criatividade de grandes artistas e personalidades mundiais foi, muitas vezes, alimentada pela doença bipolar.
Escrevo este artigo na continuação doutros textos “Distúrbio Bipolar ou Transtorno Bipolar” https://antonio-justo.eu/?p=1428 e “Distúrbio Bipolar” https://antonio-justo.eu/?p=1200&cpage=1#comment-20291, para complementar aspectos tratados e comentários a eles feitos, e só com o sentido de ajudar. O motivo que me levou a escrever sobre isto foi o facto de conhecer grandes amigos que tinham esta doença e que viviam, por vezes, uma vida dupla de sofrimento a nível privado e de alegria a nível exterior.
Só nos podemos ajudar a nós mesmos ajudando os outros! Mas nós também fazemos parte do outro!
Aqui na Alemanha há muitos grupos de auto-ajuda e em Portugal e no Brasil também. Muitos são gratuitos, havendo outros em que se paga um contributo para despesas com programas próprios. No Porto há um grupo com o apoio duma médica especialista em depressões unipolares e bipolares: http://www.adeb.pt/
Se a doença for demasiado forte, chega a bloquear a pessoa. A fase depressiva pode matar a criatividade ou tornar a pessoa incapaz de se expressar artisticamente, por grandes fases. Importante é estar com eles porque sofrem muito embora não pareça. Os amigos são muito importantes e uma fé forte também. O diálogo na intimidade com Deus, ou com o universo, torna-se libertador e ajuda a tirar o gosto de azedo que a vida, por vezes, tem.
Quem tem a doença deve procurar assumi-la, não tendo vergonha de a ter. A vida dos chamados “normais” é, muitas vezes, mais “doente” ainda, que a daqueles que a normalidade considera doente. A esta, falta-lhes, por vezes, um pouco da sensibilidade que aqueles parecem ter a mais.
António da Cunha Duarte Justo
Eu amei o que vc escreveu, me senti confortada, pois sofro com a bipolaridade desde meus 3 anos de idade, e me senti forte pra continuar batalhando pela minha felicidade e das minhas duas filhas Luiza e Ana Clara, e sempre continuar procurando meu lugar neste mundo… Bjos e obrigado!
Antonio, obrigado por postar esta matéria, eu sou bipolar e as pessoas não entendem mesmo o que acontece. Às vezes ma sinto sem chão e chego a duvidar que sou bipolar.É muito difícil estabilizar esse quadro, e às vezes tentamos parar a medicacao por causa de efeitos colaterais.Gde abraco.
Antonio ,muito boa matéria,confortante ,não é fácil,ser bipolar,nem pra nós mesmos, nem para os familiares..noto ,que ,para meu marido é confuso ,e, para minhas filhas ,então…mas seguimos em frente ,e, é matéria como estas ,que fazem o caminho parecer mais normal… obrigada !!!
Bom dia! Muito bom seu artigo. Sou unipolar e realmente parece sofrer- se bem mais do que o bipolar pois não existe o lado eufórico da doença. E neste caso parece que o bem estar ja não exista mais. Os médicos muitas vezes diziam que eu era bipolar. Porem eu desconhecia o lado eufórico da doença e dizia que não era. Pois tais sintomas eu não tinha. Porem todo doente na fase eufórica não percebe que não está bem. Penso que os médicos achavam que eu não aceitava a doença. Ni ultimo médico que fui ele me falou no unipolar e pesno que agora falamos a mesma lingua. Graças a Deus!
Boa tarde, sou unipolar e nada me da animo para seguir um avida em frente…sempre aceitei a minha doença, mas ter a sensação que sou culpada de tudo, é um fardo que me custa a aguentar, tenho momentos que julgo endoidecer. Li o artigo, gostei embora não me tivesse ajudado muito, pois tudo ja me era familiar. Eu simplesmente queria uma cura para esta tristeza e negação pela vida. Obrigada
Prezada Raquel Rodrigues,
Sim, a situaç1bo não é fácil. Creio que nestes casos só uma medicação diária (talvez dois comprimidos, nalgumas terapias) possa ajudar para regular os movimentos depressivos e os eufóricos. Real mente uma pessoa sozinha não sai do sofrimento de que não é culpada e só poderá ser mitigado com ajuda externa (medicamentosa) e com a ajuda de uma pessoa em que entregue as suas mãos e por vezes a própria vontade que precisa de ser disciplinada. Um tratamento clássico (comprimidos reguladores dos altos e baixos) talvez fosse a melhor via.
Atenciosamente
António Justo