Não há Vítimas! Somos todos Criminosos!
António Justo
Na Idade Média, a Europa construía as muralhas em torno das suas cidades para se defender dos povos bárbaros invasores. Hoje fecha as suas fronteiras para impedir os fugitivos da pobreza e da perseguição. Se então os bárbaros brutalizavam a cultura e as populações por onde passavam, o mesmo não se dá com os novos “bárbaros”. A Europa actual só defende o seu bem-estar. Em vez de fomentar uma nova política para criar perspectivas nos países pobres da emigração, queixa-se da iminente invasão.
A Europa constrói muralhas para impedir que os pobres se sentem à sua mesa; e os pobres árabes que vêm constroem as suas muralhas culturais tornando-se impermeáveis aos outros. Cada um olha o próximo do mirante do seu orgulho. Muralha contra muralha. Lutadores dum lado e lutadores do outro. Tudo berra e reclama mas sem razão. Cada um se afirma contra o outro, cada um a seu nível, ou com palavras, ou com armas, ou com a opinião. São muros cerrados, feitos de culpa e de razão; tudo a lutar na mesma construção.
Os refugiados políticos e económicos não atacam por atacar; apenas fogem à perseguição de regimes barbáricos por nós apoiados. Uma vez cá precisam também eles dos seus guetos cerrados com minaretes bem altos para, para lá do muro, saciarem o longe da saudade.
Os melhores braços necessários para o enriquecimento do país saem sem possibilidade de trabalho para passarem a viver da assistência social.
Que política caricata! Em breve virão pedir asilo os apoiantes de Kadhafi. E nós, humanitários, iremos receber os perseguidores dos movimentos de libertação. Exploradores da exploração e exploradores da população, de mãos dadas, entre embargo e desembargo, na injustiça se dão!
Isto mostra a complexidade da política de asilo e revela a necessidade duma nova política de apoio aos pobres e aos perseguidos nos seus países. Uma política de fomento às bases contra toda a exploração.
Doutro modo, continuaremos a política hipócrita ajudando, política e economicamente, os exploradores para podermos explorar mais à vontade.
O ano passado, apesar do controlo das fronteiras líbias por Kadhafi, o fluxo de refugiados continuou e morreram 500 pessoas afogadas ao tentar atravessar o Mediterrâneo. A Líbia é usada como país de trânsito por perseguidos na Eritreia e no Sudão e também por fugitivos da pobreza e da opressão. O ano passado a Itália acolheu 6.000 refugiados, a Alemanha 41.000 e a Suécia 30.000.
Peritos apresentam o crescimento da população africana como o factor principal do empobrecimento.
A União Europeia treme perante o surto de analfabetos (só o Egipto tem cerca de 30% de analfabetos) e pobres que por isso saem duma pobreza para entrar noutra (pobres da assistência social). O ministro alemão das finanças, Schäuble, já deu a ideia de se criar uma cooperação de migração circular em que fugitivos sejam acolhidos por cerca de três a quatro anos, lhes seja ensinada uma profissão e depois voltem ao país para o fomentarem.
Enquanto continuamos a apoiar ditadores, centenas de milhares fugirão à fome e à opressão (exemplo do Sudão). O problema maior é que só foge quem pode, quem pode arrecadar alguns milhares de Dólares para entregar às organizações transportadoras. De facto, fugitivos pagam milhares de dólares a bandos organizados que lhes possibilitam a saída para a Europa.
Na Europa deparam com uma sociedade, momentaneamente refractária pelo facto dos pobres de cá se verem em concorrência com os de lá.
A Europa, apesar das suas contradições, terá que continuar a funcionar como lugar da misericórdia e da solidariedade, terá que entrar em colaboração económica com os países pobres, com a promoção de projectos económico e parcerias e com Fundações que fomentem a cultura popular e democrática a partir das bases. Precisa-se de solidariedade especialmente com o povo e não apenas com as instituições.
Naturalmente, não pode ser negado que a experiência europeia com migrantes de cultura árabe tem sido má; Nos últimos 60 anos de estadia não se conseguiu a integração. O problema é quase insolúvel porque são dois sistemas culturais por enquanto incompatíveis. Se os ocidentais aspiram à hegemonia económica os árabes e turcos aspiram à hegemonia cultural. No meio desta realidade a xenofobia crescerá. Aqui não há vítimas, somos todos criminosos.
Uma nova política de refugiados terá que saber combinar razão e misericórdia. Também tem ser claro que fomentar democracia significa tornar as fronteiras mais abertas.
Necessita-se duma política humanitária e de solidariedade com base em critérios humanos cristãos. Buscamos as riquezas do petróleo e as preciosidades do solo, mas, em contrapartida, deveríamos deixar algo visível para o povo, sempre que os políticos o não façam: construção de escolas, pontes, pequenas empresas, iniciativas populares de ajudá-los a ajudar-se, organização de mesas redondas.… Uma política que reserva a um sector a exploração e ao outro o benfazejo é perversa. Uma economia humana e democrática terá que dizer a e b ao mesmo tempo, não se reservando para si a exploração do homem pelo homem deixando a caridade ao Estado, às igrejas e outras instituições filantrópicas. Se colocarmos democracia e direitos humanos no centro da política e da economia surgirá automaticamente uma nova ordem, sensível à questão da culpa e da justiça. A desculpa de que ditadores são suportados pelo povo transfere a ética para uma situação abstracta e anti-humana. Num futuro de consciência mais desenvolvida, as empresas económicas terão de criar centros de formação escolar e profissional e outros apoios sociais e culturais ao povo, nas zonas onde se radicam e actuam. Esta seria a melhor política de fomento. Doutro modo continuará a política a não querer saber o que a economia e as finanças causam.
António da Cunha Duarte Justo
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