Europa a livrar-se de si mesma servindo-se da Arte ideológica como Serva da Política
Premissa crítica: A História ensina que as civilizações só subsistem enquanto o poder político-económico e o poder ideológico-religioso se mantiverem ligados e interagirem de maneira complementar em interacção orgânica e de maneira inclusiva. A União Europeia segue no sentido contrário contrapondo o poder político-económico ao poder cultural, lutando mesmo activamente contra a própria tradição. Deste modo abre as portas ao autoritarismo de elites anónimas deixando a sociedade europeia à deriva e institucionalmente aberta para uma perspectiva de futuro sustentável do tipo islâmico ou do socialismo chinês. É natural e saudável que o povo brinque, mas essa não deveria ser a missão de quem dirige!
Na União Europeia tudo indica culturalmente que nos encontramos em pleno centro da cultura do declínio apesar do progresso técnico criado; uma leve observação do comportamento de governantes e das populações dá a impressão de todos terem entrado num estádio de puberdade já senil. As elites globais tornaram-se tão distantes do povo que não sentem qualquer obrigação para com o povo (Deus) nem para com as normas sociais ou legais (vivem noutras esferas!). Aboliram a contrapartida (o outro, Deus) reclamando o Olimpo para si e, deste modo, não sentirem responsabilidade humana, nem a consequente culpa ou remorso. Agem de tal modo que o povo passa a ser obrigado a perder a autoestima.
Nas praças públicas da sociedade encena-se cada vez mais uma arte barata que vive do voyeurismo e do exibicionismo que provocam sensibilidades e sentimentos religiosos, com atuações em torno da história bíblica, como são, entre outras, as da actriz Sara Cancerio que como freira nua, procura saciar os gostos da imaginação sexual do seu público e ao mesmo tempo provocar ondas de repulsa nos não consumidores. Não se trata já de corrigir e aperfeiçoar o passado ou costumes actuais, mas, simplesmente, de os destruir sem a responsabilidade de apresentar alternativas. Basta um oportunismo camuflado de ideias peregrinas como as do igualitarismo aliado ao liberalismo do sistema. Para se estar em dia tem de se recorrer aos ingredientes sexo e anti religião.
O Dr. Gabor Maté no seu livro “O Mito do Normal”, Kösel Verlag constata: “Quando uma célula do corpo começa a multiplicar-se à custa de todo o organismo, destruindo os tecidos circundantes e espalhando-se para outros órgãos, roubando-lhe a sua energia, incapacitando as suas defesas e, em última análise, ameaçando a sua vida, chamamos a este crescimento descontrolado cancro. Uma tal mudança maligna pode ser observada no nosso mundo atual. É controlada por um sistema que parece estar direcionado contra a vida. “
Nas velhas monarquias o poder político secular servia-se da arte religiosa para transmitir os valores que davam sustentabilidade ao poder de caracter linear ascendente e nas democracias modernas ocidentais o poder secular serve-se da arte para assegurar o seu poder momentâneo de caracter circular. Na cultura ocidental a arte assume, a passos largos, o papel da religião; nela os governantes, adoptam, nos seus ritos, o papel de acólitos, como se pode ver também no palco olímpico de Paris. E chamam a isto progresso (avanço para onde?)! Neste sentido, surgem, por todo o lado, os novos xamanes que se apropriam das palavras e ritos do passado para os devassar e assim justificar gratuitamente atitudes dos sublevados na sua missão de desconstrução da cultura ocidental, recorrendo para isso a preconceitos sobre o masculino e o feminino, numa sociedade contraditória a afirmar-se com uma matriz cada vez mais masculinizada e agressiva.
O ponto fraco da democracia reside no facto de políticos e eleitos se sentirem também chamados a seguir qualquer capricho individualista e narcisista que lhes apareça, porque em questão de valores perdeu-se o sentido histórico só valendo para eles um momento presente irresponsável que os leva a assumir o papel de tabula rasa onde se impregna o poder mediante a “crença” de que poder democrático significa seguir os caprichos e as necessidades primárias dos seus súbditos para deste modo poderem ser reeleitos e manter o poder e, sem exigências, também eles se dedicarem a fazer o que lhes dá na gana. O cinismo da questão está no facto de se querer fazer crer que quem mais ordena é o povo (quando este está condicionado a ter de seguir os actuais ou futuros líderes sociais).
As civilizações subsistem enquanto o poder político-económico e o poder ideológico-religioso se mantiverem ligados e interagirem de maneira complementar em interacção orgânica: o primeiro dá consistência à polis (ao poder geográfico) cuidando do estômago (necessidades corporais e mentais imediatas) e o segundo ao da alma cultural (necessidade de sentido e missão).
O imperador Constantino (Édito de Milão de 313) teve uma ideia genial para conseguir manter o poder político e a unidade do Império Romano, recorrendo à religião cristã, conseguindo assim prolongá-lo até à queda do império romano (476), minado pelas forças bárbaras. A ideia de Constantino encontrou depois a sua realização na fundação do novo Império do Ocidente com a coroação de Carlos Magno para imperador no ano 800 quando reuniu em si o poder político e o poder religioso, condição necessária para a criação da civilização europeia (a separação institucional do poder religioso e do poder secular, salvaguarda a responsabilidade de o governante não poder agir a seu bel-prazer por haver um outro poder sublime (defesa do Bem, do Belo e do Verdadeiro) a que devia prestar contas; o grande perigo que hoje se observa na civilização ocidental é o facto de o poder político-económico não ter de prestar contas a ninguém (até a nomeação de órgãos independentes como a Justiça, é do encargo dos partidos políticos); o argumento de os governantes terem de prestar contas ao povo é precário dado a opinião do povo estar, por seu lado dependente das elites que controlam a informação.
Carlos Magno seguia a estratégia de dominar os povos vizinhos com a espada e pacificá-los assimilando-os na cultura cristã implementada através dos conventos (Deste modo possibilitou a formação de uma Europa baseada numa ideia imperial cultural prolongada através das nações!). No seguimento da mesma estratégia e a pretexto da União Europeia dá-se continuação à velha luta entre saxões e eslavos, hoje reactivada entre o Ocidente e a Rússia.
A prática hodierna do poder político-económico renunciar à religião (que lhe possibilitou a sua estruturação) e substituir o seu papel por alguns valores utilitários de caracter apenas racional, baseados numa agenda de valores securitizados na Constituição, conduz necessariamente a um poder económico-político ditatorial ou a contínuos conflitos sociais insuportáveis e destrutivos que conduzem à tribalização da sociedade. Não chegam medidas utilitárias e pragmáticas para se fomentar uma União Europeia digna da Europa, para isso precisa-se de um conceito visionário consistente e de caracter sustentável; seria necessário voltar-se ao ideário dos pioneiros da União Europeia. A ausência de uma consciência individual (destruição consequente da personalidade (alienada em valores legais) e redução da consciência individual a opinião subjectiva é favorável a um sistema político autocrático) conduz ao caos individual e social e obriga as autoridades a criarem um sistema de manipulação da linguagem pública e de controlo da informação de maneira a termos um sistema autoritário à medida do modelo chinês.
A pretexto da globalização liberal a Europa, que tinha atingido a estabilidade cultural, vê-se confrontada pelas forças político-económicas (autocratas de Bruxelas) que para apressarem a implementação do liberalismo económico global combatem equivocamente as tradições europeias e o cristianismo. (Não me refiro aqui ao cristianismo como fé, mas na concepção de cristandade).
A UE segue sem escrúpulos os interesses do poder e não se importa com o que acontece a outras pessoas e nações através das suas ações e sente-se autarquicamente confirmada pela própria ideologia nas suas ações legais; Boicotam o comércio com os hemisférios fora do seu poder, quando o comércio livre é considerado o bem-estar de todos os povos, enquanto os boicotes apenas protegem os interesses de uma empresa mundial sociopata que age sem qualquer consciência.
A crise em que se encontram as sociedades actuais e em especial a sociedade europeia é de alto risco porque expressa uma época de confrontação mental baseada na luta contra a tradição e valores da cultura ocidental. Não a querem ver sujeita ao processo de clivagem ou teste do tempo como se dava no passado. Querem implantar uma nova cultura criada artificialmente com novas éticas que facilitem o globalismo liberal materialista servindo-se para isso também das novas técnicas biológicas e digitais. Em vez de corrigirem o eurocentrismo e a hegemonia de tradições filosóficas intelectuais, no sentido de uma transculturalidade respeitadora das tradições culturais específicas querem fazer da cultura ocidental tabula rasa e para isso em todas as vertentes artísticas e ideológicas se observa a desmontagem do cristianismo.
António da Cunha Duarte Justo
Pegadas do Tempo
A Empresa C. Spire de tecnologia americana retirou a sua propaganda dos Jogos olímpicos fundamentando-a deste modo: Ficámos chocados com a zombaria da Última Ceia durante as cerimónias de abertura dos Jogos Olímpicos de Paris. A C Spire retirará a nossa publicidade dos Jogos Olímpicos.
C Spire
@CSpire
We were shocked by the mockery of the Last Supper during the opening ceremonies of the Paris Olympics. C Spire will be pulling our advertising from the Olympics. https://x.com/CSpire/status/1817212284512481485
Olá, R C
Em síntese.
1/ Segundo tenho lido, a pintura do holandês Bilgert do séc. XVII é ela própria uma paródia da Última Ceia (celebrizada por Leonardo da Vinci num fresco existente no Convento de N. Senhoras das Graças em Milão que visitei, mas marquei a visita com cerca de 4 meses de antecedência).
2/ Qualquer cidadão (da cultura ocidental) que esteve a ver a cena na abertura dos JO é levado logo para a Última Ceia e, provavelmente só algumas centenas, senão mesmo só dezenas, terão cultura na arte suficiente para acertar que se tratava de uma representação da tal pintura de Bijlert.
3/ A desconstrução da cultura ocidental concretamente no que respeita aos valores da família e sobretudo da religião que cimentou o Ocidente numa identidade própria, impondo e propondo agora claramente a denominada ideologia de género é por demais evidente na referida apresentação. O seu diretor artístico tem sido constante nessa campanha.
4/ Curioso que alguns dos atores que intervieram na referida cena já tinham declarado que se tratava de uma paródia da Última Ceia.
5/ Para cúmulo do desdém, a representação/imitação absolutamente grotesca lançando mão das “drag queens”, lgbtq+ e travestis quase desnudados só pode considerar-se intencionalmente ofensiva.
6/ Reconheço o direito da liberdade de expressão, sobretudo na arte, desde que respeite também o direito e as convicções do outro. Tenho o direito à indignação e à crítica.
7/ Sugiro ao Thomas Jolly que faça o mesmo no encerramento dos JO, mas agora representando Maomé ou o Corão, para ver como está a França.
J S
Caro J S,
Obrigado pela tua abordagem elucidativa e enriquecedora. De facto o movimento Woken e aliados conseguiram, através da sua “Ceia”, apresentar-se como um legado (de deuses) para o mundo em nome da liberdade da arte mas deixaram o rabo de fora também nos benévolos intérpretes do movimento woke nos media que referiram “o Banquete dos Deuses” mas se esqueceram de ir mais além. Conseguiram o que queriam: apresentar a sua mensagem ao mundo e espalhar confusão na sociedade.
Obrigado também ao Rui por proporcionar uma resposta.
Além de outras palhaçadas também parodiaram o Bispo Saint Denis evangelizador da Gália no século III:
Ora viva, carissimo amigo António Justo
Compreendo-te e defendes bem a tua tese sobre a decadência da Europa, embora pressinta que não estás já tão seguro na argumentação, por não quereres susceptibilizar os teus leitores! Vou responder-te ao correr da pena e, necessariamente, sem o teu brilhantismo, mas com a sinceridade que já conheces.
Como sou livre de pensamento e os preconceitos e os mitos não me afligem , eu não diria que a decadência da Europa é um efeito da “ proletarização” da Cultura e das tradições, porque de facto a Europa tem prosseguido até num caminho bem positivo de alargamento e de “popularização” da Cultura e da História que as novas tecnologias proporcionaram. Isso é um bem e não um mal.
Como exemplo de que a cultura não está decadente na Europa, será interessante constatar (vide estatísticas ) o enorme crescimento do número e da qualidade dos novos Museus na Europa e em Portugal! O problema também radica aí, mas num sentido diferente da tua abordagem. A ânsia de aumentar o Bem-Estar das suas populações e de proporcionar, aos que emigram para os seus territórios, as mesmas condições que aos seus naturais, produz efeitos perversos na sua economia e…na sua Cultura! E as recentes emigrações, primeiro de África e depois da Ásia e da América Latina, também resultam da forma humana e simpática, como são acolhidas, na Europa. Um dos problemas resulta do provérbio que “o que é demais (e sem critério) é moléstia”! As reações dos Europeus são, pois, justificadas e, com elas se demonstra que a Europa luta contra a decadência que se anuncia … Mas não será só devida ao que tu, na tua tese bem estruturada, nos dizes. Entro agora na questão melindrosa e que, subtilmente, procuras ignorar.
A nossa amada Religião tem perdido prosélitos a favor dos “não crentes” e, fora da Europa, a favor do Islão ! As razões são muitas e não é fácil sistematizá-las e algumas não são de agora. Umas são substanciais, mas outras não serão. Entre elas avulta a continua proximidade do Poder, alguns Dogmas, os apelos à Fé no incompreensível, os maus exemplos e a condenação, frequente, do que à sensibilidade dos crentes é irracional e sem fundamento. Abandonou-se a Espiritualidade ao pretender que esta é monopólio da Religião, obstacolizou-se a modernização ou a adaptação aos tempos, prosseguiu-se um combate patético contra aspectos da natureza humana, como o Sexo ( a reprodução), desvalorizou-se a própria Natureza, o verdadeiro Templo que Deus criou para a humanidade.
Porque, meu caro amigo Justo, tanto temes por a Europa estar a perder as suas referências culturais, recordemos alguns episódios históricos, apenas dos meados do século XIX, em que a Igreja promoveu guerras perdidas contra a Liberdade e o progresso social dos Povos, de que o Papa Pio IX ( contemporâneo de D. Bosco) foi o principal mentor, apostando na divisão da Cristandade no caso da unificação da Itália e, no caso paradigmático da defesa , a todo o custo, dos Estados pontifícios .Em Portugal ,recordemos a actuação da hierarquia Católica em defesa da Monarquia Absoluta ( Guerra Civil de 1832/34) contra o liberalismo ( que levou à extinção das Ordens Religiosas) e contra a implantação da Republica em 1910 !
A Igreja Católica, meu caro Teólogo e Amigo também contribuiu, por isso, para a decadência actual da Europa, embora, com o Papa Francisco, tenha vestido manto, ainda curto, de Humanidade ! A Europa Cristã abriu-se progressivamente ao Mundo e foi constatando que já não é mais o motor do progresso, nem o Centro do Mundo ! E, se não reagir em força, será invadida como outros impérios, por ter descurado o velho principio da Segurança que herdou dos Romanos, “Si vis pacem, para bellum”!, por não ter garantido o seu futuro adoptando políticas hedonistas do “preservativo”… e ter acreditado que o trabalho é para os outros (A China) ! A Europa empobreceu e a reação , infelizmente, prevê-se débil e dolorosa !
Um abraço do
JCM
Boa tarde, caríssimo amigo JCM
Agradeço a tua carta e a franqueza com que partilhaste as tuas ideias estimulantes e diferenciadas. Penso compreender o que referes no que toca à decadência da Europa e/ou do cristianismo e reconheço a complexidade dos desafios que enfrentamos. No entanto, acredito firmemente na importância de uma abordagem inclusiva e pacífica para abordar esses problemas (no respeito da interdisciplinaridade e da complementaridade de tudo o que conhecemos e encontramos).
Na resposta que deste tive a impressão de defenderes, por convicção ou por estratégia, o Zeitgeist, quando eu procuro apresentar argumentos que o corrijam ou aperfeiçoem não no sentido do politicamente correcto mas na procura de vias inclusivas que se responsabilizem com o povo e ajam no sentido de uma história com sentido e missão.
Caro amigo, na premissa que apresentei questionei o caminho decadente que a União Europeia estava a levar por não ter em conta os ensinamentos da História que “ensina que as civilizações só subsistem enquanto o poder político-económico e o poder ideológico-religioso se mantiverem ligados e interagirem de maneira complementar em interacção orgânica e de maneira inclusiva”. Como é lógico o poder político-económico e o poder ideológico-religioso são grandezas dinâmicas em interacção e não fixáveis à expressão de uma época ou a um só espaço-tempo nem tão-pouco reduzível a aspectos factuais que os acompanham. É importante ter-se em conta o substrato que lhes confere sustentabilidade não chegando para isso utilizar como fundamento ou explicação de um sistema ou regime político o valor anónimo do voto que de facto desresponsabiliza o poder político.
Aprecio o teu inteligente argumentar, mas verifiquei que te limitaste a refutar a tese abordando alguns aspectos casuais que tinha apresentado para reforçar a minha premissa e renunciaste a um conceito alternativo à ideologia/cristianismo que deu o ser e continuidade ao nosso velho sistema.
Não chega ter apenas o progresso como companheiro de vida e deixar-se orientar sobretudo pelo factual significa ser-se escoltado por uma estátua com pés de barro porque se ocupa sobretudo em colher os frutos oportunos do momento, sem se preocupar com a escolha da qualidade das sementes que planta prescindindo para isso da espiritualidade que dá sentido à vida social da esmagadora maioria dos habitantes da terra .
Nos últimos 2000 anos, a Bíblia moldou de maneira particular a nossa cultura ocidental. Melhorar e corrigir os abusos e interpretações erradas da nossa cultura seria mais natural e adequado, do que querer substituí-los pelos partos mentais da nossa cultura: excessos do iluminismo, da maçonaria, do marxismo, do maoísmo e do turbocapitalismo liberalista, que estão em moda; isto aponta para um extremismo unilateral.
É claro que os cristãos veem o mundo através das lentes do Novo Testamento e da sua figura central, Jesus Cristo, e isto cria o conflito institucional (entre a Igreja e o Estado) para dar a César o que é de Cesar e a Deus o que pertence a Deus. O facto de o socialismo se preocupar mais com o que pertence a César não lhe tira valor, mas também não justifica para si a posse do progresso com a acompanhante verdade do oportuno.
Dou importância à nossa controvérsia porque não se trata de evocar a unidade sem diferenças, mas sim de compreender as diferenças fundamentais para desenvolver melhores respostas ao serviço do bem comum e não deitar tudo numa panela indiferenciada e elogiá-lo como sendo a sopa certa. No nosso mundo real, que é determinado pela informação, vale a pena tentar tudo para que todos nos entendamos para podermos viver melhor e assim discordarmos melhor.
Compreendo que numa sociedade ocidental em que se desenvolve uma geopolítica em transição do mundo monopolar sob a hegemonia anglo-saxónica europeia para um mundo multipolar as velhas doutrinas base de civilizações sofram abalo e tenham de reanalisar as suas mundivisões e respostas a dar ao mundo mas numa atitude recíproca de complementaridade.
Pelo que pude observar de outras civilizações acho que a civilização judaico-cristã tem característica específicas e fundamentais para a construção de uma humanidade resiliente mais justa e pacífica (veja-se o seu contributo antropológico e sociológico).
Enquanto cresce a insatisfação de grande parte da população, cresce a satisfação da outra parte, que vê os seus objetivos realizados no status quo e na atual gestão da sociedade. O que parece faltar é coragem para equilibrar a situação para que ambas as partes contribuam de alguma forma para mais paz e justiça na sociedade.
A nossa Europa tem, de facto, conhecido um alargamento e uma “popularização” da cultura e da história, facilitada pelas novas tecnologias. Isto, longe de ser um problema, seria uma oportunidade de enriquecimento se não fosse a “proletarização” prosélita da cultura no sentido da confissão marxista e de um progressismo absolutista que em nome da humanidade e do globalismo (internacionalismo) se afirma à custa do humano numa cumplicidade de partidos, governantes e oligarcas tão convicta como a conivência da coroa e altar de outrora.
A arte vive das nossas praça públicas é promovida já não no sentido do bem, do belo e da verdade, mas no sentido contrário do reles, do feio e da ficção. A arte provoca para ser notada (o que até seria legítimo se a provocação não estivesse ao serviço da destruição de valores tradicionais e não correspondesse à missão anti cultura ocidental; os arautos da pós-modernidade são porém tão fracos que só consideram objeto do seu ataque a tradição ocidental e em especial o cristianismo, não vendo covarde e hipocritamente o que se passa em grupos de afirmação paralela e contra a nossa sociedade).
Parece contraditório (por um lado o ataque agressivo ao presente e o querer manter em museus o que fundamentou o presente) o vivermos numa época em que o pensamento politicamente correto de conotação socialista materialista evoluiu da luta proletária anticapitalista para a luta contra a cultura ocidental (luta comum junta com bilionários) fomentando a ideologia de género “drag queens”, lgbtq+ e tudo o que sirva para transferir a regra para a excepção e deste modo implementar a ditadura de minorias que têm o direito a serem respeitadas mas não a impor-se às maiorias (dando assim a impressão de serem progressistas e humanos) como se estas fossem meros fósseis dignos de serem relegados para museus. Os novos museus e a crescente acessibilidade à cultura são testemunhos de um esforço para democratizar o conhecimento e valorizar as nossas diversas heranças culturais; mas os museus pecam também por serem lugares mortos e muitas vezes mal-usados como lugares de justificação de oligarquias atuais interessadas em denegrir na praça pública o passado.
Nada contra os museus, mas também nada a favor de ideologias de caracter destrutivo: importante seria o fomento de uma cultura da paz, como queria o cristianismo e não tanto a cristandade. Sei bem das deficiências do clericalismo e até me causa asco quando entro em páginas de dioceses e de paróquias e vejo sobretudo imagens de clérigos vestidos à maneira que mais lembram a igreja de Constantino do que a de Francisco. Não tematizo tais temas, não porque não houvesse razão para isso, mas para não fortalecer a especialidade de esquerdistas e jacobinos que fazem do combate à Igreja o seu acto de fé; em cada sua oração subordinada têm sempre um exemplo sujo do passado para poderem com ele lavar o seu rosto.
Eu não me considero pensador livre e embora procure a verdade e a liberdade reconheço e aceito a fragilidade de me ver à sombra da mundivisão cristã dado não se poder conceber a natureza nem a sociedade sem “biótopos” naturais e culturais; se formos a ver não há gente sem lar mesmo que tenha de ser secreto.
Penso que tenho também de comum contigo a experiência cultural fruto da mensagem bíblica “no princípio era o Logos” e com isto incluir como elementos constituintes da criação a racionalidade e a primariedade de uma palavra não teórica como quis e querem os nossos ideólogos iluministas, a maçonaria e o marxismo socialista, mas uma Palavra/Verbo e não mero complemento.
Apesar dos extravios que no passado houve na cristandade o povo conseguiu integrar na sua vida, em grande parte, aquilo que é característico do cristianismo: a atitude (união de teoria e praxis no agir). O discurso que Santo agostinho tão bem tematizou na sua teoria dos dois mundos seria motivo para o cristão se empenhar mais na política.
Quanto à questão das migrações, é verdade que trazem desafios significativos no sentido positivo e negativo, mas muitos dos problemas inerentes à imigração islâmica devem-se a uma política progressista da esquerda que pelos vistos começa agora a exigir medidas desumanas em relação à política de imigração aceitando até represálias ao humano que hoje não seriam necessárias se tivessem ouvido a voz de conservadores cristãos que preconizavam a implementação da economia nas terras de origem. Naturalmente mais vale tarde que nunca tendo nós hoje também a oportunidade para promover a inclusão e a diversidade, que são pilares fundamentais para uma sociedade mais rica e resiliente, na Europa aberta que agora temos.
A forma acolhedora como a Europa tem recebido os migrantes deve ser vista como uma expressão dos nossos valores seculares e cristãos de humanidade e solidariedade mas é um facto que num momento ideológico jacobino como o que nos encontramos, não chegam os valores de humanismo cristão para dar resposta aos ataques globais a que está exposta, salvaguardando-se porém que a causa da imigração sobretudo africana é a resposta ao nosso colonialismo de rosto desumano a que está sujeita ainda a África e ao colonialismo cultural de um islão ainda mais duro que responde de olhos nos olhos à hegemonia pretendida pelos USA e seguida pela EU. A gestão eficaz dessa diversidade requer por um lado políticas bem ponderadas e inclusivas, que promovam a integração e o respeito mútuo e por outro uma estratégia geopolítica económica que prenda as riquezas aos povos que possuem as matérias primas que o nosso consumismo explora.
A tua referência à religião e à perda de prosélitos na Europa é pertinente porque é devida a um cristianismo amorfo e ao ataque sistemático da esquerda (e maçonaria) por interesses globalistas que fazem tudo por tudo por instrumentalizar o humano no sentido de uma máquina e apresenta semelhanças com a crise romana (e sua mitologia) acompanhada da concentração do poder numa reduzida aristocracia que levou o império à decadência (Oligarquias globais hodiernas a operar também nas democracias parecem pretender criar na Europa a mesma crise social que viveu o regime romano no seu definhar: a religião estatal politeísta viu-se substituída pelo cristianismo e na Europa pós guerra assiste-se ao avançar do islão e de um marxismo avassalador) .
A Igreja Católica, tal como outras instituições, enfrenta o desafio de se adaptar aos tempos modernos gerados sobretudo pela Europa. No entanto, não devemos esquecer que a espiritualidade e a fé têm muitas formas e que o verdadeiro valor de qualquer religião reside na sua capacidade de promover o bem, a compaixão e a justiça enquanto um socialismo mascarado de religião não tem a pessoa humana como base (protótipo JC) mas apenas uma ideia que serve de infraestrutura para fomentar poderes propícios a administrar a miséria humana.
O Papa Francisco tem sido uma voz importante neste sentido, promovendo uma visão de humanidade e solidariedade que pode inspirar todos nós, independentemente das nossas crenças. Penso, porém, que para mantermos uma discussão à altura do intelectualismo crítico ao cristianismo precisamos de acentuar mais a verdadeira filosofia e mística cristã que muitas vezes é menosprezada porque o cristianismo é confundido com cristandade sendo reduzido na discussão pública a uma pedagogia social com adornos folclóricos.
Recordar os episódios históricos é importante, mas também devemos aprender com eles. A Europa tem uma longa tradição de luta pela liberdade e progresso social e não devemos esquecer que o fundamento pela luta da individualização social se encontra na base cristã de considerar a pessoa como soberana (factor emancipatório) mesmo em relação à instituição (o essencial do cristianismo, não são teorias mas sim a pessoa de que Jesus Cristo é protótipo; por isso a atitude do cristão é o garante de sustentabilidade do cristianismo. A Igreja, como todas as instituições, tem a sua parte de responsabilidade nos erros do passado (quando se fala de erros da história passada geralmente ataca-se a Igreja sem ter em conta o papel do poder civil e secular), mas a Igreja também tem não só a capacidade de se reformar e contribuir positivamente para a sociedade como também servir eclesialmente de modelo não só de sociedade mas sobretudo de comunidade.
Acredito que a chave para enfrentar a “decadência” da Europa reside na cooperação e no fortalecimento dos nossos valores comuns que radicam sobretudo no cristianismo, na filosofia grega e na organização romana. Os valores agora apregoados pela EU não podem, porém, ter apenas a razão como orientação (e para isso meter no museu a tradição e o cristianismo) até porque racionalidades há muitas conforme as culturas que informam as civilizações.
Tu como eu trabalhamos juntos para criar um futuro mais inclusivo e pacífico, onde todos possam prosperar. A segurança e o progresso não se conseguem com isolamento ou conflito, mas através da construção de pontes e do fortalecimento das nossas comunidades.
Meu caro amigo, é verdade que não devemos temer a perda de referências culturais, quando estas não contribuem para o bem da humanidade; então, em vez delas importa abraçar a oportunidade de criar novas, baseadas na fraternidade, mais que na inclusão, na paz e no amor ao próximo, mais que na cooperação, tal como Jesus Cristo, que sem ser cristão, estatuiu exemplarmente para o mundo. Para que a Europa continue a ser um farol de esperança e progresso no mundo deve abdicar de enxovalhar o ideal cristão que defende o valor da vida à margem de interesses.
Apesar de todo o pessimismo em relação à Igreja Católica ela é a maior comunidade religiosa no mundo e conta com 1,34 bilhão de fiéis. Tende a aumentar em todos os continentes, com exceção da Europa, segundo as estatísticas publicadas pelo Vaticano.
Nós europeus, sem uma linha de pensamento e de sentido coletivo, divididos e confusos (por isso em queda rápida) estamos a colher os frutos das ideologias que cultivamos. O problema maior que vejo-o atualmente é o da hegemonia que se encontra em processo de transição do domínio geográfico-económico-político para o domínio mental na mão de poderes tornados anónimos.
Nas relações internacionais, a situação hegemónica controla o acesso às matérias primas, recursos naturais, capitais e mercados especialmente através da Holanda, Inglaterra e Estados Unidos e num mundo a desenhar-se multipolar ameaça formar-se, com o tempo, a hegemonia sobre as mentes. A manipulação da informação e seu controlo, no sentido de formar consciências sociais, serão a grande ameaça a todo humano por poderes hegemónicos a actuar a nível multipolar e global. O relativismo e o neoliberalismo enviam cumprimentos.
Com amizade,
António da Cunha Duarte Justo