Meditação – O Espírito entornado

 

DEUS NO MEU VIZINHO NÃO É PERFEITO

Por António Justo

Deus, meu vizinho, encoberto numa vida ao lado, ali, lado a lado de ti e de mim, ele brilha no fluir do rio, a correr no olhar de uma criança; acolá mais abaixo ele acena no sofrimento encalhado no remoinho de uma vida entornada no sentimento do tempo encurvado numa velhinha; mais além, o meu vizinho esconde a sua voz de criança a chamar o bulir das folhas no vento que estremece a noite e o dia na alma de quem passa.

Deus, meu vizinho, perde a voz nas pegadas do silêncio; ele é dentro no sentimento e é fora no pensamento. Como o sino, ele ressoa fora e dentro, fora e dentro, na ideia e sentimento.

Ele está em nós e entre nós; a sua voz de criança fala fora e dentro. O meu vizinho não é perfeito quando a sua voz fica só no pensamento.

Deus  revela-se uma desilusão para quem quer um Deus perfeito, ou à medida duma ferramenta mental que só conhece a dimensão do dentro ou do fora, do afirmar ou negar. Ele é o companheiro de jornada a mostrar no seu filho a nossa natureza humana e divina. Nele encontramos os nossos trabalhos, necessidades, aspirações e alegrias. Nele nos encontramos completos e cientes de que as horas do calvário são apenas sextas-feiras ao longo da vida.

A vida é uma caminhada, com uma quadra no monte calvário e uma auréola de pôr-do-sol. Essa cruz torna-se, no dia-a-dia, numa árvore, onde os passarinhos fazem ninho na esperança de novos passarinhos. Ao longo da viagem encontra-se a mesma expectativa no verde das folhas e no verde da esperança a brotar no horizonte da subida.

No verde redimido e nos frutos libertado, sigo o encanto guiado pelo aroma e pela ressonância da fluência da vida. Neste estado já não há atraso. Posso permanecer inteiro num gesto, numa folha, num ser, que se torna meta e caminho. O mar terreno da vida transforma-se em superfície divina a brotar o sagrado. Já não há bem nem mal, além nem aquém, apenas um estado de gravidez a dar à luz Jesus num despontar de luz em cada ser a agradecer.

No outro lado da morte as luzes também brilham a arredar a sombra que o sol arruma do outro lado da noite. O dia morre na noite, a morte morre no dia, tal como o ruído cinzento das cidades se vai no arredar das nuvens e no gorjear das gaivotas.

A violência é dia nas sombras da cidade, nos seus becos sem saída se junta a dor.

Nos becos da vida, o mundo reúne a dor para com ela subir ao calvário e nele limpar o pó do rosto de Deus no Homem ofendido. No meu caminhar sigo a divindade no sol por trás das nuvens. Elas encobrem-na, mostram o meu escuro na sombra da cruz a indicar a direcção da terra reconciliada.

A sombra que encobre o Sol do meu dia-a-dia é a mesma sombra que oculta a verdade no rosto das criaturas, na roupagem das instituições. A sombra multiplica-nos e esconde-nos na sensação de alguém nos acompanhar. Por isso, os nossos monumentos se enquadram melhor com a natureza; na sua sombra cintilam, brilham mais nas ruínas. Lá, onde o brilho das fachadas já não deslumbra, repousa o silêncio a surgir no verde que cobre o ruído da glória e viabiliza a liberdade criadora.

Também por baixo da grandeza dos palácios e dos templos se esconde o sustento, o espírito humilde e nobre que os fez crescer. Hoje, o espírito retido neles sobe à torre em lânguidos brados. Na paisagem ecoa o seu sofrer de volta ao alto no olhar das árvores e no vozear dos cães, enquanto, no fundo da encosta, um barulho chão salta e grita, apertado, entre muros partidários, jurídicos, científicos, económicos e religiosos. Muros contra muros atordoam a paisagem.

Também a voz do mundo inveja e combate, nos muros das igrejas, a sombra dos próprios muros. Desconhecem, contudo, o espírito que ergueu aquelas catedrais e que elas mantêm encoberto. Querem uma religiosidade sem corpo nem vínculo, uma religiosidade à la carte, a seu modo, sem igrejas nem personalidade. Uma religiosidade cor-de-rosa, do sentir-se bem individualista, que reprime e afasta o espírito religioso maternal para o sótão do intelecto, um ponto sem tempo nem lugar. Aquele espírito encoberto e derramado na alma dos fiéis continua imperceptivelmente, presente e vivo, a entrar nas igrejas e a fluir nos corações das pessoas. O espírito divino, a nossa alma, andam derramados na borda da calçada.

Como seres corpóreos construímos organizações e templos onde espírito e corpo se congregam e conservam o calor da memória. As pedras das catedrais, as instituições acompanham-nos dando assistência ao nosso corpo para que as nossas almas, o nosso espírito, acompanhado no paráclito se junte em comunidade para aí realizar a união da pessoa à comunidade. As pedras dos templos e as instituições não são o espírito líquido que precisamos, elas são apenas fontanários. Se os negarmos com o pretexto de serem pedras juntas, teremos de rastejar pelos regos da calçada para dela bebermos o espírito entornado. O espírito como a água brota do fundo da terra depois de recolhidas as bênçãos por onde passou.

O tempo que corre é doce, anónimo e despersonalizante. Vive-se no crepúsculo da cultura, sem tecto moral, ao sabor dos habilidosos do saber que lançam na noite os seus fogos de vista. Encontramo-nos desalojados de nós próprios e levados pelas ventanias da opinião, sempre expostos à chuva duma moral ácida. No crepúsculo da cultura o Espírito anda por aí a estender-nos a mão.

António da Cunha Duarte Justo

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A China investiga as Causas do Progresso ocidental

A Solução será cristianizar o Socialismo

 

António Justo  

China, o grande gigante, acorda e quer compreender a razão do progresso ser conduzido pelo Ocidente e não ter sido originado pela China. O economista do governo chinês, Zhao Xiao (赵晓), tem-se dedicado ao estudo desta questão. (http://www.danwei.org/business/churches_and_the_market_econom.php). A China começa a reconhecer o Cristianismo como fonte do progresso ocidental. Por isso vai abrindo as portas ao cristianismo e teme cada vez mais o islão.

 

Zhao Xiao (赵晓) chega à conclusão que a causa do progresso ocidental(desenvolvimento económico-financeiro e seu papel de liderança mundial) está no cristianismo que fomentou a ciência, a técnica e o capitalismo. O cristianismo ao criar uma cultura da confiança num Deus que é verdade e amor fomenta a virtude e domestica as tendências humanas baixas e da corrupção. Educa para a dignidade humana e ao colocar como ideal o amor ao próximo e ao definir o próximo como o que está fora do grupo, esforça-se por deitar abaixo os muros do egoísmo e o fanatismo dos grupos fechados.

 

Assim, o cidadão não é niilista e a pessoa é soberana. O desenvolvimento de corpo e alma é parte inerente ao seu ideário. A Igreja católica foi a mãe das universidades, com mestres e alunos de vários países, uma inovação institucional na história da humanidade que apressou o desenvolvimento das ciências humanas e das ciências naturais.

 

No mestre de Nazaré encontra-se o fundamento da soberania individual; por sua vez, a Igreja Católica lançou as bases de uma sociedade global de humanismo integral.

 

Da actual Cultura da Batota, da Corrupção e da Sorte

 

Zhao Xiao (赵晓), na sua observação comparativa tem a oportunidade de observar uma sociedade que, embora de matriz cristã, se encontra num momento de desbaratamento da sua ética interior, para seguir um pragmatismo niilista e vácuo, de caracter oriental, que contradiz a kénosis cristã, onde o vazio do sepulcro é promessa de esperança e ressurreição e não de retrocesso e negação.

 

O turbo-capitalismo e o socialismo materialista, numa aliança desgraçada, destroem sistematicamente o património ético humanista cristão que levou tantos séculos a construir.

 

Na fase culturalmente destrutiva em que a Europa se encontra, a relação pessoal é substituída pela relação técnica cronometrada e a relação individual pela relação burocrática,sem dedicação pessoal. Tudo actua em função de tempo e do lucro.

 

O globalismo ocidental é anticristão e abandona Deus, com tudo o que Ele representa, para se afirmar como cultura da batota, da corrupção e da sorte. Esta cultura acarinha os pecados capitais da cultura ocidental: Avareza (ambição), Ira (sede de vingança), Gula, Luxúria, Soberba (arrogância),Preguiça, Vaidade.

 

Vai sendo tempo de se iniciar uma disputa séria sobre as consequências de um socialismo e de um capitalismo selvagens que em nome da liberdade, da fraternidade e da democracia se têm apoderado dos Estados e aproveitado do cidadão mediante a deturpação da pessoa.

 

Consequentemente, o melhor meio de defesa do progresso será a cristianização do socialismo. O melhor caminho que a China poderá encetar será imbuir-se, à sua maneira, de cristianismo, para poder dar continuidade à obra europeia!

 

António da Cunha Duarte Justo

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União Europeia contra o Patriotismo das Nações – O Porquê da Crise!

Da Monocultura latifundiária pragmática contra a Pluralidade do Habitat cultural

António Justo

Enquanto países asiáticos e de cultura árabe se vão arranjando numa estratégia de autoafirmação apostando na força da sua identidade cultural (patriotismo cultural da comunidade muçulmana, da Rússia, da China, da Índia), o Ocidente e em especial a União Europeia esvaem-se num “patriotismo cosmopolítico” baseado na filosofia económica globalista e na moeda como tecto metafísico do conglomerado. A negligência da filosofia enciclopédica e da ética cristã humanista coloca a EU numa posição favorável para negociar a integração da Turquia na EU e para se autoafirmar hegemonicamente no âmbito económico e militar; por outro lado, essa negligência revela-se ingénua num mundo em formação em torno das culturas. Para mais quando em democracia o povo é o elemento importantíssimo em questões de estabilidade política e este elabora a sua identidade em torno de espiritualidades.

Por outro lado, a União Europeia encontra-se num dilema ao impor-se um patriotismo cosmopolítico sem ter ainda alcançado uma consciência de patriotismo europeu, vendo-se, para isso, interessada em destruir os patriotismos das nações europeias e tradições culturais específicas (Patriotismo é uma virtude ao contrário do nacionalismo!). Quer-se construir uma soberania europeia masculina, sem alma, procurando para o efeito fomentar-se uma condição de povo anónimo. A anonimidade popular e a destruição da soberania política das pátrias europeias conseguem-se através do fomento de uma filosofia política relativista (pensar correcto) e pragmatista. Em nome da diversidade cultural, a política exige dos seus cidadãos a deslealdade para com a própria cultura e a renúncia a símbolos cristãos. A EU encontra-se na fenda entre os patriotismos e os nacionalismos. Também o seu missionarismo político em favor dum cosmopolitismo político democrático não tem dado resultado, como se observa no norte de África, pelo contrário, as rebeliões fortaleceram o fascismo. A ideia do globalismo corresponde a uma filosofia católica original mas para a qual o mundo ainda não está preparado. Há razões, mais que suficientes, para nos questionarmos se a praxis turbo-capitalista aliada à estratégia marxista serão o melhor meio para se impor o globalismo (Neste aspecto, a China estaria já numa posição vantajosa).

O modelo da Europa para o mundo encontra-se numa crise profunda de valores e de sentido; cada vez lhe falta mais a congruência cultural e consequentemente a visão e motivação. Uma política de rejuvenescimento da europa através da imigração revela-se míope e perigosa devido aos grandes contingentes de muçulmanos que embora com imensa juventude se revelam contraproducentes devido à sua vida determinada pelo gueto religioso e hegemónico; enquanto o cidadão europeu não encontra motivos para se definir em termos de identidade europeia, os imigrantes muçulmanos que constituem a maioria dos imigrantes afirmam-se em termos de fronteira patriota religiosa. A classe política, para evitar conflitos populares adopta uma política pragmática em relação às exigências daqueles, implicando o recuo em relação a posições laicas e risco num contexto de reivindicações políticas no futuro.

O fomento dum “cosmopolitismo enraizado” como pretende Kwame Anthony Appiah no sentido do desenvolvimento de um burguesismo mundial, não se revela possível, numa EU em que a natalidade muçulmana supera qualquer crescimento estatístico de nativos em relação a outras confissões religiosas e seculares. Segundo estatísticas sérias, a explosão demográfica muçulmana aponta para o desenvolvimento da Europa no sentido de uma Eurábia. O politicamente correcto cala isto para não amedrontar o povo, já preocupado; é um facto que as estatísticas demográficas possibilitam previsões científicas mais exactas que quaisquer outras. As guerras do Ocidente em países árabes só alimentam a ganância económica e fomentam a imigração árabe para a Europa. Quem se encontra cada vez mais desenraizado na EU são os países europeus e não os guetos muçulmanos que sofrem, na própria terra,  por verem as suas aspirações hegemónicas contrariadas pelos Estados Unidos da América que, por razões estratégicas fomenta a rivalidade entre as confissões muçulmanas dos Sunitas e dos Xiitas.

O mutismo intercultural e inter-religioso entre as nações é mais que sintomático da impossibilidade dum encontro a nível de direito moral. O relativismo cultural e ética só pega nas nações ocidentais. As vitórias do secularismo europeu contra o cristianismo transformar-se-ão em vitória do extremismo religioso muçulmano e doutros extremismos dentro dos muros europeus. Temos a melhor lição na primavera árabe que, em nome da liberdade e dum certo relativismo, se tem revelado como um serviço ao absolutismo religioso. Estas nações para chegarem ao tal cosmopolitismo precisariam de um desenvolvimento económico, cultural e social como se deu na Europa dos anos 60 aos anos 90 e na luta cultural provocada pelo protestantismo do séc. XVI e mesmo assim comportar-se-iam diferentemente porque são portadores de uma outra antropologia e sociologia. A sua sociologia assenta em princípios contrários aos da sociedade de características ocidentais. Não é sem razão que a Turquia, Egipto, etc. contrariam o fomento de cristãos nos seus quadros estatais superiores e noutros países muçulmanos, se chega a considerar os cristãos como espiões dos USA.

Só quem está interessado num pragmatismo de consenso superficial poderá passar por cima da realidade em que a Europa vive; facto é que a realidade internacional e do desenvolvimento global assentam nas culturas e especialmente nas suas filosofias que são as religiões; o sistema económico é apenas uma consequência da razão filosófica destas. Há que explorar e contextualizar melhor o capitalismo e o socialismo que, como filhos pródigos do judeo-cristianismo têm instabilizado uma mundivisão, que, purificada de excessos e na complementaridade, poderia servir de modelo para um globalismo mais justo.

Gregor Gysi, o número um do partido comunista na Alemanha, é um ateu declarado, e disse algo notável num programa da TV alemã: “Foi um fracasso histórico dos comunistas perseguir o cristianismo. Pois a essência dos cristãos: amor ao próximo, igualdade (diante de Deus) e a observância dos mandamentos são muito semelhantes aos ideais do comunismo.” 

Sempre me admirei por irmãos se combaterem, pelo simples facto de um olhar muito para o céu e o outro olhar demasiado para a terra. Uma simples olhadela não determina a realidade e não faz de um, espírito, nem do outro, matéria! Torna-se importante não esquecer que também a verdade é feita de céu e terra. E o mais importante para a europa é a sua união cultural e deixando de se autodestruir em guerrilhas ideológicas de leigos contra fiéis par reconhecerem a própria riqueza na numa relação de complementaridade.

O pensar baseado no politicamente correcto tem fomentado uma discussão teórica e uma tolerância infantil mais interessadas em encobrir os problemas, do que em ajudar a resolvê-los duma forma humana e justa. Há monstros a dormir nas sociedades que ressurgirão no momento em que as crises políticas se generalizarem. O movimento secular e o cristianismo de expressão moderada serão os que mais sofrerão as consequências da falsa política social e económica que se seguiu depois da última grande guerra.

A procura de valores globais, como sugere Hans Küng , exige mais da política do que ela está disposta a dar. De faco, o seu mero recurso a um pragmatismo de políticas locais, limitadas a dar respostas locais aos problemas populacionais e interculturais mais urgentes, sofre de miopia. Aqui empanca o tal cosmopolitismo que, sem teto metafísico, quer viver de capelanias de pontos de vista limitados, fomentadores de cabeças viradas para uma terra, cada vez, menos mãe. É verdade que a consciência para a gravidade da situação surge no foco e não na periferia e os problemas da humanidade continuam a ser focados como problemas abdominais.

Quer-se uma ética urbana para um mundo, na grande maioria, rural e estranho a intelectualismos e a éticas generalistas ou de nível elevado. Não há uma sociedade mundial tal como não há um biótopo mundial. A coerência dos biótopos sociais não pode ser alcançada por uma rede económica frágil e injusta, nas mãos de poucos e à margem duma literatura mundial. A natureza continua a mostrar, na sua inter-relação de biótopos naturais como protótipo dos “biótopos” culturais. Para já, seria apressada a ideia de querer, sob a mesma atmosfera, igualar as diferentes regiões climáticas (culturais) sem atender às suas especificidades, e para mais num tempo em que as tendências hegemónicas das culturas entre si ainda são tabu ou apenas relegadas para o sector económico ou religioso. Neste sentido é absurda a ideia de que o negócio universal e a moeda se possam transformar em elementos criadores duma identidade global. A ideia de um cosmopolitismo político torna-se numa estratégia para distrair intelectuais. Como se pode defender a floresta quando nela não só se cortam e arrancam as árvores mas também destrói o seu húmus cultural?

A moderna missionação ocidental com o seu centro de gravidade na democracia e nos direitos humanos, não se revela tão eficiente como seria de esperar, dado, duma sociedade para a outra, sociológica e antropologicamente, mentalidades e modos de vida, se revelarem quase antagónicos. O conceito duma sociedade aberta para se chegar a um cosmopolitismo não se encontra aferido, nem à sociedade ocidental, porque a empobrece culturalmente, nem às outras sociedades porque as não respeita. É preciso trabalhar no sentido duma terceira via. A lusofonia oferece uma oportunidade para se trabalhar neste sentido. Para isso fica o apelo da História no sentido de se superar a humilhação envergonhada e a exaltação orgulhosa.

O cosmopolitismo, em via, mostra erros sociologicamente análogos aos da revolução industrial do séc. XIX e XX, focalizado num materialismo ideológico (marxismo) e prático (consumismo) expresso na economia financeira internacional fomentadora duma mentalidade proletária de aspiração burguesa a florescer num globalismo financeiro mundial que tudo reduz a mercado de clientelismo anónimo. Isto conduz a um pragmatismo sem horizonte destruidor de qualquer fé política ou religiosa que não se subordine ao pensar do correcto oportuno. Com uma fachada liberal destrói biótopos culturais e espirituais para criar um novo habitat de género latifundiário e de monocultura proletária.

A Europa encontra-se num grande impasse; destrói sistematicamente a sua identidade ao colocar a economia financeira como leitmotiv da civilização. Isto é constatável se observamos o seu pragmatismo selvagem que não reconhece na Constituição os seus pilares éticos do judeo-cristianismo, do direito romano e da filosofia grega para se abrir ao desconhecido e à anarquia do voto do braço erguido. A ganância económica e o lucrativo negócio com as armas justificam uma imigração selvagem criadora de grandes problemas para as gerações futuras e a destruição de aquisições humanas que se pensavam irreversíveis.

(Que uma sociedade aberta como a europeia renuncie a fronteiras é consequência do seu desejo de se formar como bloco perante outros blocos. O seu maior erro está, porém, em renunciar às colunas que constituem a civilização ocidental. O trágico está na irreversibilidade da situação que se criou já não baseada numa filosofia consistente mas no imperativo do pragmatismo factual que segue um liberalismo económico desrespeitador de tudo o que é pessoal e cultura adquirida. Devido à sua proximidade com a Europa e à, cada vez maior incapacidade de discernimento dos povos europeus, a longo prazo, a beneficiada desta filosofia pragmatista, será a cultura árabe, a não ser que se forme nela uma camada social média abrangente, fruto duma revolução religiosa cultural, à imagem da revolução protestante na europa, que a liberte de restrições religiosas a nível de ética e hábitos e em que a antropologia ganhe relevância sobre a sociologia.)

Necessita-se uma política antropológica contrária à ideologia económica monetarista e ao liberalismo vencedor desencarnado. Naturalmente que o reconhecimento do outro também mexe com a própria identidade; esta revelou-se a vantagem da civilização ocidental perante outras civilizações: uma abertura com significado e sentido. Nesta base será possível determinar novas políticas. Johan Baptist Metz, fundador das Novas teologias políticas, defende a valorização da Autoridade do Sofredor na humanização do mundo. Neste sentido, seria óbvia uma ética que reconheça o rosto da verdade nos pobres e que distribua a riqueza pelos continentes.

Não se trata de criar identidades submersas mas de integrar a própria diversidade na unidade duma realidade integral à maneira da complementaridade da verdade expressa na fórmula trinitária.

Daqui resultam direitos e deveres – responsabilidade ética – de cada um perante todos e de todos perante cada um (pessoa simultaneamente individuo e colectivo). A pessoa alcança um caracter universal e, como parte dele, é portador da sua dignidade. Há que voltar à reflexão cultural. A redescoberta da fórmula trinitária poder-se-ia tornar numa plataforma da complementaridade das partes num grande todo sem lugar para hegemonia duma cultura/religião sobre a outra, dado a diversidade natural e cultural serem a melhor condição possibilitadora de desenvolvimento individual e colectivo. Torna-se urgente a formulação de uma política do diálogo intercultural neste sentido.

A apreensão da realidade, tal como a sua moldação, depende do ponto de vista ou da perspectiva, como dizem os jesuítas. A sabedoria está em reconhecer a complexidade das diferentes necessidades e usos. Uma anedota relativamente inofensiva, que li no “manager magazine” 10/2013, conta que um beneditino, um dominicano, um franciscano e um jesuíta se encontravam a rezar na Igreja. De repente, apagam-se as luzes. O beneditino continuou a rezar firmemente as orações do seu breviário, porque ele sabia-as de cor. O dominicano quer liderar um debate sobre a luz e as trevas na Bíblia. O franciscano louva  Deus por ter dado a escuridão ao povo. E o jesuíta levanta-se e vai mudar o fusível. Todos têm razão, na medida em que agem em função do todo. A atitude pragmática do jesuíta revela-se eficiente e apresenta-se como uma perspectiva duma realidade que se modela diferentemente.

©António da Cunha Duarte Justo

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Bispos nas Pegadas do Pontífice Francisco

Acesso aos Sacramentos para Recasados

António Justo

A Arquidiocese de Freiburg, na Alemanha, acaba de publicar um opúsculo dirigido aos párocos e em que simplifica o acesso à comunhão e a outros sacramentos, a divorciados que queiram casar de novo. Com isto, Freiburg, uma das 27 dioceses alemãs, avança no espírito da entrevista, do pontífice Francisco, dada à revista jesuíta ” Civiltà Cattolica ” onde encoraja os pastores a estarem mais perto dos divorciados e recasados. Trata-se não de uma questão doutrinal mas de uma atitude pastoral. Não está em causa a indissolubilidade do casamento. Com as novas orientações o arcebispado quer possibilitar o acesso a serviços eclesiásticos como é o caso do conselho paroquial, e aos sacramentos: sagrada comunhão, confissão, crisma e unção dos enfermos. A nova postura abre as portas não só a quem procura uma casa na fé mas também para quem procura espiritualidade em geral.

A Igreja é fiel a si mesma e sabe que todo o acto de profissão de fé precisa da rectificação da consciência individual, independentemente do que diga a autoridade. Esta tem uma missão orientadora e como tal tem caracter constitucional. As leis que emanam da constituição precisam porém de ser aferidas à realidade geral e às condições individuais. Segundo a própria Igreja católica, a consciência do cristão é soberana, mesmo em casos erróneos. O divórcio não significa automaticamente adultério. A permissão tem um caracter pastoral que não abule a consciência individual que não pode ser reduzida a uma promessa dada, por vezes, em circunstâncias especiais. A consciência é processo. Deus conhece a fraqueza humana e concede sempre uma outra oportunidade. Isto não quer dizer que abula a validade duma vida comprometida e adulta.

Naturalmente, para quem tiver um conhecimento apenas exterior da própria fé, isto só vem complicar. De facto, na maior parte dos casos, trata-se do reconhecimento da anulação dum casamento que pode não ter existido por terem faltado os pressupostos físicas e psicológicos para a sua efectivação. Não se trata duma cedência ao subjectivismo mas de valorizar a consciência individual. Uma anulação do casamento tem a sua origem no reconhecimento da consciência individual e duma vontade que por vezes decide erroneamente. Por outro lado, o conhecimento não é apenas resultado da via dedutiva mas também da via indutiva. A igreja orienta mas “não tem o direito de julgar”, como reconhecia já Santo Agostinho.

Esta decisão do Arcebispado de Freiburg provocará muita discussão em torno duma doutrina elevada e distante e duma pastoral mais encarnada. Muitos intolerantes e legalistas sentir-se-ão confrontados e desorientados com a tolerância da Igreja.

Porque te queixas da voz da selva se estás a ser eco dela? O discurso do intelecto tem uma outro tom que o do coração. O documento pastoral de Freiburg não questiona a indissolubilidade do matrimónio; o sim perante o altar não perde a sua força de sacramento. (Para Lutero o casamento é “uma coisa do mundo „e não um sacramento…”)

Francisco coloca-se na tradição do “aggiornameto” conciliar dando mais relevância aos bispos. Naturalmente que o relógio da Igreja não pode acertar o seu tique-taque pelo da sociedade.

Não se trata aqui de ceder às arbitrariedades do Zeitgeist nem de uma erosão dos valores fundamentais. Mantem-se naturalmente a tenção entre dogmática e pastoral, entre o caminho mais largo e o mais estreito. “Não julgueis para não serdes julgados”(Mat. 7).  Isto não vem questionar a cláusula do Direito Canónico que continua: “ecclesia vivit sub lege romana”. A realidade permanece, as opiniões passam deixando as suas sombras nas leis. A consciência individual deve tornar-se a luz que não se deixa engarrafar na lei!

António da Cunha Duarte Justo

Teólogo jornalista

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Programa papal – Um Modelo também para a Lusofonia?

A Igreja não é “uma pequena capela” é “uma casa para todos”

António Justo

Um latino-americano mete mãos à obra de reformar uma estrutura europeia de feição demasiado nórdica, demasiado burocratizada. Um novo estilo de vida irá revolucionar o mundo. O Papa Francisco parte de uma perspectiva do mundo para a Europa/Vaticano e já não da Europa para o mundo. Será este o ponto de viragem iniciador da alternativa ao velho mundo?

Em entrevista à revista Brotéria, Francisco apresenta um “programa da Igreja” à altura do tempo. A sua opção pela entrevista, como forma de se comunicar, revela, no seu género, uma mudança paradigmática de relacionamento orientada para o povo, com um programa a partir da base (orto-praxia) e já não orientado para os intelectuais na sua forma típica de encíclica.

O Papa Francisco quer uma Igreja virada para a cura corporal e espiritual da humanidade em geral e das pessoas em particular! Ela é fermento e está para as pessoas que sofrem e não para se perder em lutas ideológicas porque também a doutrina está para servir. “Eu vejo a Igreja como um hospital de campo após a batalha”. O lema é “curar feridas… começar por baixo… primeiro é preciso curar as feridas sociais”. O cristianismo não é uma ideologia mas uma visão/espiritualidade que deixa liberdade à pessoa: “Não deve haver nenhuma interferência na vida espiritual pessoal”.

Na sua perspectiva, a Igreja não deve continuar a falar continuamente sobre divórcio, gays, lésbicas, aborto e métodos de prevenção conceptiva. A sua missão principal é misericordiosa (caridade), ser e estar para as pessoas pobres e sofredoras e para os falhados, numa palavra, curar feridas. “Não julgues e não serás julgado”, dizia o Mestre. Na prática há demasiados pregadores da moral e não da vida!

O Papa quer uma mudança da perspectiva de reflexão e de orientação. O olhar passa a ser focado na base da pirâmide e não no vértice. Consequentemente as reformas serão conseguidas de baixo para cima e já não ordenadas de cima para baixo. Esta estratégia é benigna, possibilita o crescimento e evita divisões na Igreja. Imaginemos que Francisco, partindo duma posição sobranceira, ordenava a abolição do celibato. Certamente surgiriam logo muitos bispos que provocariam uma cisão na Igreja. Uma Igreja, permeável, que começa a renovação de baixo para cima, cresce organicamente sem necessidade de intervenções revolucionárias. As revoluções favorecem os revolucionários que como o azeite ficam sempre ao de cima da sociedade. A verdadeira revolução humana é Jesuína em que quem tem razão perde aparentemente.

As afirmações e atitudes do Papa levam a concluir que o importante é que cada um siga o seu caminho do amor amando à sua maneira. A sociedade e especialmente a Igreja não devem ser um campo de batalha de esquerda nem de direita. A Boa Nova deve ser o Sol do sistema humano. O amor é anterior à lei e esta deverá centrar-se na busca da justiça. Será importante depor a samarra dum clericalismo burocrático e moralista longe do povo, para se passar a arregaçar as mangas na vinha do Senhor!

O Papa não aposta no jogo dos pensamentos proibidos, é um pastor que pensa em público e quer uma discussão livre dentro da Igreja e da sociedade. Um Papa assim será uma bênção para a Igreja e para a humanidade. Para a Igreja porque a centra no que é importante, no bem das pessoas. Para a humanidade, porque ao ser o expoente máximo da estrutura mundialmente mais global, dá o exemplo de modelos de comportamento a serem seguidos pela classe política e suas instituições.

Francisco ao reafirmar que a Igreja não é apenas “uma pequena capela” mas sim “uma casa para todos” realça o seu universalismo e admoesta aqueles que a querem ver reduzida à própria capelinha. O Cristianismo considera “o outro”, “o samaritano„ como parte integrante de si mesmo e respeita as muitas alternativas de acesso e de interpretação da realidade. Por tudo isto ganha razão a afirmação de sociólogos americanos que, numa afirmação metafórica, diziam que, quando as instituições mundiais entrarem em derrocada, o catolicismo lhes sobreviverá 400 anos.

Querem-se cristãos sem a farda da moral

A sociedade como a Igreja, por mais nobre que seja a sua ética, está sempre condicionada às pessoas e ao espírito que cada época produz. Estas albergam em si o bem e o mal, próprios da pessoa e de cada época. Por isso, mais que ensombrar o pensamento com a crítica ao passado, interessa dar-se graças pelas pessoas luzeiro, de cada época, que conseguem aproximar-se mais da verdade, do bem e do belo no sentido da pessoa e do bem-comum. Para o fomento duma cultura positiva de paz, vai sendo tempo de se passar da crítica destrutiva de pessoas azedas para uma estratégia de fomentar apreciações de pessoas mais benignas e benevolentes.

Naturalmente que agora surgirão os moralistas e burocratas da praça a exigir que a instituição declare esta ou aquela atitude como norma quando isso, no foro da igreja, pertence à responsabilidade e à consciência individual. Por um lado condenam a fixação da Igreja em normas morais e por outro lado exigem que a Igreja declare canonicamente o exercício de certas práticas (aborto, eutanásia…) como objectivas. As ideologias apostam, por um lado na radicalidade dogmática e por outro num subjectivismo puramente anárquico; querem a igualdade do bem e do mal, uma indiferenciação analfabeta que exclua o que poderá ser verdade e o que poderá ser erro. O que quer que o Papa diga continuará a ser aviltado, como diz o provérbio popular: “Preso por ter cão e preso por não ter cão”. Cada um faz a guerra que lhe convém. Os eternos aborrecidos nunca se darão por contentes, querem a imposição de atitudes a partir do cume da pirâmide quando Francisco, no sentido da “ecclesia semper renovanda” sugere que partam ‘democraticamente’ das bases.

Já passaram os tempos da europa bárbara que precisava de ser domesticada com a acentuação na lei e no juiz. “O confessionário não é instrumento de tortura, mas o lugar da misericórdia”, indica o Papa. Francisco quer pastores que, sem farda moral, se encontrem com a pessoa na rua, no seu meio. Em direcção a um certo funcionarismo eclesial diz: “O povo de Deus quer pastores, não clérigos que actuam como burocratas ou funcionários do governo”.

 

Este Papa, de expressão latina, é uma bênção e uma oportunidade para se começar a pensar sobre uma mudança de rescrito cultural e uma metanoia espiritual. “Eu vejo a Igreja como um hospital de campo após a batalha”.

António da Cunha Duarte Justo

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